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sábado, 11 de janeiro de 2014

Anselmo Borges: "O que dizem de Francisco"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:

Não há dúvida de que o Papa Francisco é hoje uma figura de impacto global, talvez a figura mais popular no mundo, na qual se põe mais esperança e confiança. Foi proclamado como personalidade do ano 2013 pela revista Time, que escolhe, desde 1927, a pessoa que considera ter tido mais influência nas notícias em todo o mundo no respectivo ano. Designou-o como "o Papa das pessoas", concretizando que "o que o torna tão importante é a rapidez com que captou a esperança de milhões de pessoas que tinham abandonado toda a esperança na Igreja". "É raro um novo actor internacional da cena mundial suscitar tanta atenção tão rapidamente, tanto entre os jovens como entre os mais velhos, entre os crentes ou os mais cépticos", declarou Nacy Gibbs, directora da redacção da revista.


Também o diário francês Le Monde o escolheu como personalidade do ano 2013, afirmando que "não é absurdo falar de "papamania"", exaltando a mensagem que Francisco encarna e acrescentando: "Entre os crentes, está presente sem dúvida a alegria de recuperar as origens da mensagem cristã. Os outros estão seduzidos por algo que se parece com a modernidade, pelo menos no discurso". Após um pontificado "crepuscular e quase depressivo" de Bento XVI, com Francisco chegou um homem que "suscita uma simpatia quase universal", que dá a impressão de devolver ao seu cargo autoridade moral e credibilidade, tão urgentes para a Igreja e para um mundo melhor.

Diz-me um grande professor de Medicina, racional e não beato: em 2013, a eleição de Francisco foi o acontecimento que mais alegria me trouxe. E gente que andava afastada da prática religiosa voltou. As estatísticas dizem-no: na Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Itália, América Latina, constata-se um aumento de fiéis nas missas, chegando esse aumento a uns 20%, segundo o The Sunday Times.

Sobre o Papa Francisco grandes figuras se têm pronunciado. O nobel de Literatura Mário Vargas Llosa declarou recentemente: "Tenho muito boa opinião do Papa. Está a fazer um esforço que oxalá se traduza em reformas reais para modernizar a Igreja, para lhe devolver a força moral que teve nalgumas épocas e que foi muito importante."

Para The Guardian, Francisco poderia substituir Barack Obama como o rosto da esquerda. "É o homem com maior número de buscas na internet em 2013." Para ele, "o que conta não é a instituição, mas a missão". "Poderá não ter um exército nem batalhões, mas tem um púlpito e neste momento está a usá-lo para ser a voz mais clara e contundente do mundo contra o statu quo."

O próprio Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou estar "muito impressionado com os pronunciamentos" do Papa Francisco, com a sua "humildade", "empatia com os pobres", apoiando o que diz com obras. "Creio que, primeiro e sobretudo, pensa em acolher as pessoas e não em rejeitá-las, procura o que nelas é bom, em vez de condená-las", sublinhou Obama.

"Um novo animal político está a impor-se na cena mediática mundial", escreveu Sylvie Kaufmann, directora editorial do Le Monde. "Visibilidade óptima, sorriso cálido, verbo hábil, mensagem com impacto, o Papa Francisco conquistou, em poucos meses, uma audiência que supera amplamente a dos seus fiéis. Aos 77 anos, tem inquestionavelmente isso que os profissionais norte--americanos das relações públicas chamam o star power. Fala muito e livre. Beija, acaricia, diz piadas, escreve cartas, chama ao telefone, tuíta, o mais importante, surpreende." Nenhum tema o assusta. "Será Francisco o Papa do renascimento da comunidade católica?"

O famoso escritor Umberto Eco definiu-o como "o Papa da globalização", dizendo numa entrevista: "Estou convencido de que Francisco está a representar um facto absolutamente novo na história da Igreja e, talvez, na história do mundo." Como semiólogo, considera que "é um homem moderno, é o Papa da internet".O Papa Francisco levará a bom termo o seu desígnio? No próximo sábado, reflectirei sobre "A síndrome de Obama ou efeito Francisco?"

sábado, 22 de dezembro de 2012

Anselmo Borges: "Natal da dignidade humana"

Eco e Martini em Espanha, no ano 2000

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui).

Numa troca célebre de cartas entre o cardeal Carlo M. Martini e o agnóstico Umberto Eco, publicadas com o título "In cosa crede chi non crede?", U. Eco escreve: Mesmo que Cristo fosse apenas o tema de um grande conto, "o facto de esse conto ter podido ser imaginado e querido por bípedes implumes, que só sabem que não sabem, seria miraculoso (miraculosamente misterioso)". O Homem teve, a dada altura, "a força, religiosa, moral e poética, de conceber o modelo do Cristo, do amor universal, do perdão aos inimigos, da vida oferecida em holocausto pela salvação dos outros. Se fosse um viajante proveniente de galáxias longínquas e me encontrasse com uma espécie que soube propor-se este modelo, admiraria, subjugado, tanta energia teogónica, e julgaria esta espécie miserável e infame, que cometeu tantos horrores, redimida pelo simples facto de ter conseguido desejar e crer que tudo isto é a Verdade."

Mas Jesus não é um simples conto ou um mito. Hoje, ninguém com honradez intelectual põe em dúvida a sua existência e há um acordo de base quanto a dados históricos fundamentais, como mostra Xabier Pikaza, na obra Quem Foi, Quem É Jesus Cristo?, que coordenei, e na qual especialistas de renome mundial tratam das perguntas essenciais sobre Jesus: uma biografia 'impossível' de Jesus, Jesus e a gnose, Jesus e Deus, Jesus e o dinheiro, Jesus e a política, Jesus e as mulheres, Jesus e as religiões, que quer dizer: "ressuscitar dos mortos"? Sintetizo X. Pikaza quanto ao consenso de base sobre "Jesus: quem foi, o que queria, que final?"

1. Jesus foi um profeta escatológico, que anunciou e actuou na perspectiva da acção iminente de Deus, que iria transformar a ordem social e política do mundo. 2. Foi um sábio, perito em humanidade, contando histórias iluminantes para a condução da vida, para lá da banalidade do mundo e em ordem ao seu entendimento e transformação. 3. Foi um taumaturgo e um carismático. Tinha "poderes" especiais, com grande capacidade de influência. Colocou-se do lado dos oprimidos, com "sinais" a seu favor, preocupando-se com a saúde das pessoas, a sua libertação e autonomia pessoal. 4. Foi homem de mesa comum. Estava interessado na comunicação viva e fraterna entre todos, como mostram os banquetes com pecadores e excluídos, ultrapassando as divisões entre puros e impuros. 5. Criticou uma forma de família baseada só na genealogia, para procurar uma forma nova de comunhão e inter-relação entre todos: num momento de grande desestruturação social, apresentou-se como impulsiona- dor de um movimento messiânico, aberto a todos e integrando os diversos estratos da sociedade, especialmente os marginalizados. 6. Foi um comprometido radical, de tal modo que a sua proposta não foi aceite por muitos "bons" judeus do seu tempo. Rompeu com normas sacras aceites pela maioria religiosa e abriu-se aos marginalizados sociais, num momento de grande crise económica, cultural, social e familiar. A sua proposta tornou-se perigosa, originando um conflito com os defensores da ordem religiosa e os representantes de Roma. 7. Foi um pretendente messiânico, executado em Jerusalém. Foi um profeta, um sábio, um carismático, mas não apenas isso. Ele subiu a Jerusalém pela Páscoa do ano 30 como portador do Reino de Deus, ainda que se discutam as características da sua pretensão. Foi rejeitado pelas autoridades sacerdotais de Jerusalém e condenado à morte por Pôncio Pilatos como "rei dos judeus". 8. Depois da sua morte, o seu movimento profético-messiânico manteve-se e transformou-se. Muitos continuaram a acreditar nele, confessando que ele está vivo em Deus. Reflectindo sobre o modo como viveu, como agiu e se comportou, sobre a sua experiência de Deus, que proclamou, com palavras e obras, como amor incondicional, tiveram a experiência avassaladora de que ele não morreu para o nada, mas para o interior da Vida plena de Deus. É o Vivente em Deus.

Afinal, o Natal verdadeiro é o Natal da dignidade humana. Como dizia o filósofo ateu Ernst Bloch, foi com Jesus que sabemos que nenhum ser humano pode ser tratado como "gado". Já Hegel tinha escrito também que por ele sabemos da dignidade divina do ser humano. Bom Natal!

domingo, 16 de dezembro de 2012

Mais listas de Eco

Na pág. 94 do mesmo livro do post anterior:
No século quinto, Enódio escreveu que Cristo era a «fonte, caminho, direita, pedra, leão, portador da luz, cordeiro; porta, esperança, virtude, palavra, sabedoria, profeta; vítima, rebento, pastor, montanha, laço, pomba; chama, gigante, águia, cônjuge, paciência, verme».
Há muitas listas do género na literatura cristã, mas... "verme"? Cristo, o verme?

sábado, 15 de dezembro de 2012

Como Umberto Eco começou com as listas



Tive uma educação católica e, consequentemente, habituei-me a recitar e a ouvir litanias. As litanias são por natureza repetitivas. Normalmente são listas de frases laudatórias, como as Litanias da Virgem: «Sancta Maria», «Sancta dei genitrix», «Sancta Virgo virginum», «Mater Christi», «Mater divinae gratiae», «Mater purissima», etc.
As litanias, como as listas telefónicas e os catálogos, são um tipo de lista. São casos de enumeração.

Umberto Eco nas "Confissões de um jovem escritor" (ed. Livros Horizonte), pág. 91.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Deus para as falhas

Render-se à ignorância e chamar-lhe Deus sempre foi prematuro e continua a ser prematuro.

Umberto Eco

quarta-feira, 7 de março de 2012

Cristão e maçon: desmistificação de uma contradição



No "Público" de hoje, talvez respondendo a posições como a do advogado Ricardo Sá Fernandes. No entanto, 598 declarações não fazem a declaração ser infalível. Mas também eu penso que não faz sentido os cristão andarem pela maçonaria. Se é por uma questão de clubes e fraternidades, há outros menos ridículos. Se há coisa que a maçonaria é, a julgar pelos seus costumes e aparências, é risível e ridícula. Por isso mesmo, tenho de admitir que lá dentro deve haver coisas bem mais interessantes para exercer tanta atração.


Por outro lado, o afã antimaçónico papal também levou a que algumas vezes se metesse o pé na argola. Leão XIII deixou-se levar pelas patranhas antimaçónicas de Léo Taxil (a Wikipedia conta o essencial e Umberto Eco, no "Cemitério de Praga", romanceia sobre o assunto, aqui, o que lhe mereceu críticas do "L'Osservatore Romano"). No fundo, o grande Papa da "Rerum Novarum" acreditou no que desejava acreditar.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Eco: "Só lamento que não exista um ensino da história das religiões"


O cuacre mais célebre 
Nas escolas italianas, Homero é obrigatório, César é obrigatório, Pitágoras é obrigatório, só Deus é facultativo. Se o ensino religioso se identificar com o do catecismo, católico, no espírito da Constituição deve ser facultativo. Só lamento que não exista um ensino da história das religiões. Um jovem termina os seus estudos e sabe quem era Poséidon e Vulcano, mas tem ideias confusas acerca do Espírito Santo, pensando que Maomé é o deus dos muçulmanos e que os quacres são personagens de Walt Disney.
Umberto Eco citado por Anselmo Borges em "Religião e Diálogo Inter-Religioso", Imprensa da Universidade de Coimbra (p. 95).

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O medieval João do Bosque Sagrado dizia que a Terra é esférica


Do "Tractatus de Sphaera", de John of Holywood

Afirmando que para a generalidade dos medievais a Terra era esférica (no séc. XIX, o pensamento laico atribuiu a todo o pensamento cristão medieval a ideia de que a Terra era plana para defender que tal como se tinham enganado acerca da esfericidade, assim as igrejas podiam enganar-se acerca da origem das espécies), Umberto Eco escreve que tinham sido dessa opinião Orígenes e Ambrósio, Alberto Magno e Tomás de Aquino, Roger Bacon e John of Holywood, “só para citar alguns” (pág. 211 de “Construir o Inimigo e outros escritos ocasionais”, na Gradiva).

Ora, intrigou-me este John of Holywood, que não sendo da Hollywood dos “movies”, parecia ser de alguma terra inglesa chamada Holywood. Na realidade, sabe-se que este John tinha origens inglesas (ou irlandesas, ou escocesas), mas não se sabe onde nasceu. Viveu entre 1196 e 1256 (mais velho que Tomás de Aquino, que nasceu em 1225), foi astrónomo, professor em Paris. Escreveu um “Tractatus de Sphaera”, um dos mais populares livros medievais de astronomia. E a Terra é esférica, como sugere o título.

John of Holywood era mais conhecido como Johannes de Sacrobosco. Ou Sacro Bosco. Daí o Holywood.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Eco do eco que Eco faz de Tomás





Eu gosto de Umberto Eco. Os livros dele são apreciados cá por estes lados (vi agora que tenho 19 referências a ele neste blogue). Há meses que me falta ler umas 30 páginas de “O Cemitério de Praga”, não por desejar adiar o final, mas por me parecer que o desenlace não vai surpreender e entretanto terem surgido outras leituras. É o caso de “Construir o Inimigo e outros escritos ocasionais” (Gradiva), também de Eco, de que já li os primeiros seis de quinze ensaios. Ora num deles, Eco não é honesto.

Em “Os embriões fora do paraíso”, que há dias foi reproduzido pelo suplemento “Q” do “Diário de Notícias”, Eco diz o seguinte, depois de expor as ideias de Tomás de Aquino sobre a vida embrionária: “É curioso que a Igreja, que sempre se reclama do magistério do doutor de Aquino, sobre este ponto tenha decidido afastar-se tacitamente das suas posições”.

Quais as posições do “doutor angélico”? Quanto à vida embrionária, Tomás pensava que primeiro surgia a alma vegetativa, depois a alma animal ou sensitiva e só por fim a alma racional, intelectiva, a realmente alma humana, pelo que “seria infantil pedir a São Tomás absolvições para quem pratique um aborto dentro de um dado período de tempo [antes da chegada da alma intelectiva, que incluía e superava as outras]”. Eco não o diz, mas podia acrescentar que, segundo Tomás, a alma racional (ou intelectiva) habitava o corpo do embrião masculino mais cedo do que o embrião masculino, pelo que, pela mesma ordem de ideias ecotomistas, haveria mais tempo para abortar um embrião feminino.

Eco remata que, na questão do aborto, não seguindo Tomás, a posição da Igreja “parece sobretudo um alinhamento com as posições do protestantismo fundamentalista”. Se a Igreja seguisse Tomás - pergunto -, deveria fazê-lo só em relação aos embriões masculinos ou também femininos? E neste segundo caso, como não acusá-la de machista? 

Eu preferia que Eco criticasse a Igreja de outro modo, mais ou menos assim: se a Igreja não segue Tomás de Aquino na questão do aborto porque os avanços científicos permitiram conhecer mais e melhor a vida intra-uterina, porque o segue noutras áreas em que o aquinitense também revela concepções antropológicas necessariamente limitadas pelo conhecimento científico da época? Estou a pensar na misoginia – à luz de hoje, não do seu tempo – do maior teólogo e filósofo cristão.

sábado, 23 de abril de 2011

Anselmo Borges: O penúltimo e o último

É imbecil dizer: eu sei que há Deus, eu sei que há vida para lá da morte; mas é igualmente imbecil dizer: eu sei que não há Deus, eu sei que tudo acaba na morte. Perante o último, está-se no domínio da crença razoável, não no domínio do saber racional. Há razões para acreditar e razões para não acreditar. De qualquer forma, o crente deve compreender o não crente, mas este também não pode atirar os crentes todos para o asilo da ignorância e da superstição.

Nos meses de Fevereiro e Março, participei como conferencista em vários colóquios e simpósios sobre o tema da morte, do além e do luto. Em todos, as salas de conferências estavam cheias - a última intervenção foi nos H U C, e as inscrições chegaram, segundo me disseram, a 865. Afinal, embora vivamos num tempo em que a morte se tornou tabu - disso não se fala -, as pessoas continuam a pensar nela. Será possível não pensar? Mesmo se ela é o impensável - diz-se que o filósofo Michel Foucault, nos seus últimos dias no hospital, terá sussurrado: "Le pire c'est qu'il n'y a rien à dire" ("O pior é que não há nada a dizer) -, é-o enquanto o impensável que obriga a pensar.
Claro que se pode sempre dizer que a morte é o mais natural - aliás, a língua portuguesa é pessimista: a palavra nada vem de res nata (coisa nascida) -, tudo o que nasce morre. A vida é como uma vela que se apaga. Mas lá está o ateu religioso Ernst Bloch, protestando: o ser humano não é uma vela. A morte humana não é redutível à morte biológica, pois o Homem é uma existência, autoconsciência, que antecipa, que pergunta ilimitadamente, também para lá da morte. Outra vez Bloch: o cadáver é a evidência, mas ninguém se contenta com o cadáver (por isso, reflectiu permanentemente sobre o enigma da morte, para dizer que o núcleo do humano é extraterritorial à morte - o que isso possa querer dizer é discutível).
Pedro Laín Entralgo, médico e filósofo, não se cansou de repetir: o saber científico é certo, mas refere-se ao que é penúltimo. O último (porque há algo e não nada?, porque existo precisamente eu?, há Deus?, há vida para lá da morte?, com a morte, acaba tudo?) é saber de crença, razoável, mas incerto. É imbecil dizer: eu sei que há Deus, eu sei que há vida para lá da morte; mas é igualmente imbecil dizer: eu sei que não há Deus, eu sei que tudo acaba na morte. Perante o último, está-se no domínio da crença razoável, não no domínio do saber racional. Há razões para acreditar e razões para não acreditar. De qualquer forma, o crente deve compreender o não crente, mas este também não pode atirar os crentes todos para o asilo da ignorância e da superstição.
Perante o último, fica-se na perplexidade. Porque lá está Wittgenstein: "Sentimos que, mesmo que todas as possíveis questões científicas tivessem recebido resposta, os nossos problemas vitais não teriam ainda sequer sido tocados". E: "Acreditar num Deus quer dizer compreender a questão do sentido da vida. Crer num Deus quer dizer ver que os factos do mundo não são, portanto, tudo. Crer em Deus quer dizer ver que a vida tem um sentido." Mas Pascal já advertira: "Incompreensível que haja Deus, e incompreensível que não haja; que a alma seja com o corpo, que não tenhamos alma; que o mundo seja criado, que não o seja, etc." Umberto Eco disse recentemente a João Céu e Silva [do DN]: "Creio que o homem é um animal religioso, que tem medo da morte e das coisas terríveis. É mais conveniente acreditar em Deus, e só os filósofos podem suportar a sua ausência". Será assim? Jürgen Habermas, talvez o maior filósofo vivo, confessou num discurso subordinado ao tema "Glauben und Wissen" ("Crer e saber"), pronunciado já depois do trágico Setembro de 2001: "A esperança perdida na ressurreição deixa atrás de si um vazio manifesto". Há aquela pergunta infinita: quem fará justiça às vítimas inocentes?
Habermas
Nestes dias de Páscoa, o que os cristãos celebram é que Jesus crucificado e morto não ficou encerrado no nada da morte, pois foi encontrado pela vida plena e eterna de Deus. Como confessou há pouco Bento XVI, muitos cristãos já não acreditam e andam confusos. Mas também é verdade que o cristianismo se mantém em pé ou se afunda segundo seja verdade ou não que Jesus é o Vivente em Deus.
Nisto, que é essencial e decisivo, o polémico teólogo Hans Küng está de acordo. Pergunta na obra recente "Was ich glaube" ("A minha fé"): "E se me tivesse enganado e na morte entrasse não na vida eterna de Deus, mas no nada? Se assim fosse - já o disse muitas vezes e estou convencido disso -, de qualquer modo teria vivido uma vida melhor e com mais sentido do que sem esta esperança".

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Appleísmo vs Googleísmo - novas religiões

O appleísmo é um “modo de vida”, um “modo de ser”, quase uma religião. “Não é bem uma religião mas tem como protagonista um líder que é quase um deus, Steve Jobs”, escreve Robert Lane Greene no artigo “Appleísmo vs Googleísmo”, na “Intelligent Life” de Inverno. “Também ele ressuscitou dos mortos – despedido pela administração em 1985, foi de novo contratado em 1997, tendo desde então dado a volta aos destinos da Apple”, acrescenta.

“Appleísmo vs Googleísmo” fala de duas fés, a dos fãs dos produtos Apple (iPod, iPad, iPhone, Safari, Mac, etc.) e a dos que preferem serviços Google (telemóveis com sistema operativo Android, motor de busca, mapas, etc.). A disputa lembra um célebre artigo de Umberto Eco (não é nomeado no texto). O semiótico afirmava que o sistema operativo dos Mac era católico, enquanto o MS-DOS era protestante, talvez calvinista.

O artigo da “Intelligent Life” (pode ser lido aqui em inglês) começa com uma história que vale a pena registar:

Quando a Apple abriu a sua nova loja na Quinta Avenida de Manhattan [na imagem], em Nova Iorque, em 2006, foi alvo de uma queixa um pouco estranha. Não a habitual queixa dos nova-iorquinos – está a tapar a vista pela qual eu paguei ou está a tornar elitista o bairro onde acabei de me instalar. Não, nada disso, esta loja-bandeira foi criticada por um website islâmico. O cubo de vidro e aço, queixavam-se os puristas, estava ali para evocar o cubo de obsidiana na Kaaba de Meca e, assim, insultar o Islão.

A história era ridícula – tratava-se de um website extremista (apesar de ser grande) e os espertinhos que o administravam apenas tinbham visto uma cobertura preta sobre o cubo quando ainda estava em contrução. Um membro da organização New York Muslims levantou a sua voz para afirmar que eles gostavam imenso da nova loja. Mas não é de todo descabido classificar as lojas da Apple como as novas «mecas». Lindas por dentro e geralmente também por fora são so tempos de reunião dos devotos dos fantásticos produtos da Apple.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Eu voto Ravasi para Papa


D. Gianfranco entregando um prémio à actriz Margareth Madè

A primeira vez que ouvi falar de Ravasi foi há cinco ou seis anos. Perguntei a um padre recém-regressado de Roma quem era o teólogo em voga por lá. “Gianfranco Ravasi. Tem escrito coisas estimulantes, quer no campo bíblico [especialidade de quem me falava], quer na fé-cultura”. Reparei depois que de vez em quando saíam artigos de Ravasi, entretanto feito bispo em 2007, na revista "Communio". E sem saber tinha em casa um livro dele: “Jesus uma boa notícia”, nas Edições Salesianas, com apresentação de Vittorio Messori. O livro (sem data na edição portuguesa; deve ter sido publicado no final dos anos 80; a edição original – vi na Wikipedia italiana – é de 1982) apresenta Ravasi como sendo “um arqueólogo bíblico” que “fez diversas campanhas de escavações na área antiga do Médio Oriente” e “colabora em revistas científicas de divulgação, italianas e estrangeiras”. Não lido, mas a ler em breve.
Há muito a esperar deste líder eclesial, principalmente no campo fé-cultura. É sabido que ele lidera o “Átrio dos Gentios”, o espaço que, em Março de 2011, em Paris, vai pôr a dialogar intelectuais crentes e ateus.
Agora o aspecto curioso e simbólico: na sua recente nomeação para cardeal atribuíram-lhe uma significativa igreja romana. “A mim, coube o de San Giorgio al Velabro, que se encontra nos arredores do Campidoglio e do Fórum, e que foi o título do cardeal John Henry Newman no século XIX”, li aqui.
E agora o aspecto que ficou a ecoar desde há horas na minha mente e que me fez declarar a intenção de voto num conclave em que nunca participarei: Eco também votaria nele.
Gianfranco Ravasi anda a ler o último livro de Umberto Eco, “Il cimitero di Praga”. Ora, Armando Torno, do “Corriere della Sera”, perguntou a Eco o que pensava da nomeação de Ravasi. O semiótico respondeu: "Se falarem com ele, lembrem-lhe que torço por ele. Se ele se tornar Papa, finalmente tratarei por «tu» o Pontífice. Pela primeira e última vez".

domingo, 26 de setembro de 2010

O mundo é um navio numa viagem efémera e não completa

Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, na conversa de “A obsessão do fogo” (edição Difel), dizem a certa altura que há clássicos que nunca leram. E falam de uma das obras de Tolstoi. Talvez “Guerra e Paz” ou “Ana Karenina”. Não sei qual deles não leu o quê. Li o livro deles Verão do ano passado. Tal episódio acicatou o desejo de ler os clássicos. De ver chegar o dia em que me possa gabar: “Falta-me ler «Os Miseráveis»”.

Por isso, peguei num clássico da literatura. Aquele que começa assim: “Chamem-me Ismael”. Não foi por gostar da música de Moby (ou antes, de um disco em especial, “Play”, de "Why Does My Heart Feel So Bad?"), que é bis-bis-bisneto do autor desse livro, Herman Melville, que iniciei a leitura de “Moby Dick”. O desejo por este em concreto vinha de longe. Agustina Bessa-Luís despertara-me para este título, arrancando-lhe o rótulo "literatura juvenil". Gonçalo M. Tavares inspirou-se nele para umas histórias. E até há uma editora com o nome do capitão Ahab. Demasiados aconselhamentos, mesmo que involuntários.

Ora, a leitura de “Moby Dick” é um poço de surpresas. Naquilo que interessa a este blogue, devo dizer que são imensas as referências religiosas, bíblicas, cristãs, nas 60 páginas que já li. Tenho-as assinalado nas bordas das páginas. Deve dar uma média de duas por páginas. Um exemplo. O capítulo VIII (nos dias prévios ao embarque, Ismael entra numa capela) termina assim: “O que poderia com mais significado que isto? O púlpito é de facto a parte mais avançada da terra, tudo o resto vem depois, enquanto o púlpito precede o mundo. É no púlpito que surge a ira de Deus, é também na proa que se deve enfrentar os primeiros assaltos. É dele que, na esperança de monções favoráveis, se invoca o senhor dos ventos. Sim, o mundo é um navio numa viagem efémera e não completa. O púlpito é a proa desse navio”.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Ecos de humor entre judeus e jesuítas

Nos célebres diálogos entre Umberto Eco e o Cardeal Martini, depois mimetizados por D. José Policarpo e Eduardo Prado Coelho, a certa altura o autor de “O Nome da Rosa” alude àquele dito segundo o qual um jesuíta responde sempre a uma pergunta com outra, deixando o antigo cardeal, arcebispo de Milão, com algum desconforto.

Na realidade, existe a anedota, que é mais ou menos assim:

Perguntam ao jesuíta:
- Por que é que os jesuítas respondem sempre a uma pergunta com outra pergunta?
Responde o jesuíta:
- E porque não?

Outras versões para a resposta do jesuíta:
- Quem te disse isso?

- Por que é que queres saber?

- Pode-se responder de outra forma?

Ora, hoje li que responder a uma pergunta com outra também é tido como típico dos judeus. Às tantas é típico de todos aqueles de quem se contam anedotas, sejam alentejanos, galegos, belgas ou portugueses.

sábado, 7 de novembro de 2009

7 de Novembro de 1913. Nasce Camus

Albert Camus, que com Nietzsche e Dostoiévski, formavam uma trindade de existencialistas (ou pré) que, estudantes, gostávamos de ler ou de dizer que líamos, nasceu no dia 7 de Novembro de 1913, um dia depois de Gandhi ter sido preso na África do Sul, quatro anos precisos antes de Lenine depor Kerenski, na Revolução que para o calendário ortodoxo (juliano) foi em Outubro.

Camus, no estudo da Filosofia/Teologia, era um existencialista aberto, não-cristão, ao contrário de Gabriel Marcel ou Karl Jaspers, mas representando um humanismo ateu dialogante, diferente do de Sartre.

A tese de doutoramento de Camus foi sobre Santo Agostinho. Nobel da Literatura em 1957 (três anos antes de morrer), escreveu “O estrangeiro”, “O mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo”, “A peste”, “O homem revoltado”, entre outras obras.

Como isto anda tudo ligado, li ontem em “A Vertigem das Listas” (p. 309-310):

Eu lembro-me de que o protagonista de “O Estrangeiro” é Antoine (?) Meursault: foi frequentemente observado que ninguém se recorda do seu nome.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Relíquias 6 - O crânio do jovem Baptista está numa catedral alemã


Umberto Eco diz que "as antigas crónicas relatam que, no século XII, se conservava o crânio de São João Baptista, com doze anos de idade, numa catedral alemã". Falta saber qual. E se ainda lá está.
Mas se não é claro sobre o paradeiro desse crânio (julgo que noutra obra, talvez em "Diário Mínimo" ou em "Viagem na irrealidade quotidiana", refere a catedral), adianta diversas localizações dos restos mortais do inventor do baptismo:
- o crânio de adulto está na Igreja de San Silvestre in Capite, em Roma, ainda que haja quem reivindique que está na catedral de Amiens;
- mas a mandíbula está na Catedral de São Lourenço, em Viterbo;
- o prato que acolheu a cabeça está na Catedral de São Lourenço, em Génova, tal como as cinzas do santo;
- outra parte das cinzas está na antiga Igreja do Mosteiro das Beneditinas de Loano;
- um dedo está no Museu da Catedral de Florença;
- um braço, na Catedral de Siena;
- quatro dentes, na Catedral de Ragusa;
- um dente e uma madeixa de cabelos, em Monza.

Umberto Eco diz isto na "Vertigem das Listas", p. 176-177.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Relíquias 5 - O estranho fascínio por Santa Teresinha

Fila para ver as relíquias da santa francesa na Catedral de York

Esta aparente fixação nas relíquias, que é uma curiosidade antiga, deve-se a dois motivos.

O primeiro, mais recente, é a edição em português do “A vertigem das listas”, de Umberto Eco. Livros com este, que é um livro de muitos livros, fazem pensar que nunca a Internet, a electrónica e seus derivados acabarão com a edição impressa de livros. À falta de adjectivos que digam o espanto com que o folheio, saiba-se que ele tem controlado o meu tempo para lá das estritas obrigações profissionais e familiares. É um livro esponja. Absorve tudo.

O segundo prende-se com a visita das relíquias de Santa Teresinha a Inglaterra e Gales. O facto não foi referido na imprensa portuguesa generalista, nem tal merecia, por si mesmo, mas talvez não devesse ter sido ignorado pela imprensa católica lusa.

Ora, em Inglaterra, as relíquias de Santa Teresinha (ou Teresa de Lisieux, ou Teresa do Menino Jesus) fizeram o que fazem em qualquer outro país por onde passam (Portugal inclusive, em 2006): arrastam multidões. Diz-se que provocam conversões, mas isso é difícil de contabilizar. Já as multidões notam-se.

Em Inglaterra, as relíquias visitaram pela primeira vez uma igreja não-católica, em York, e provocaram filas de horas em York e Oxford e em mais 26 cidades, de Cardiff, a Manchester, de Birmingham a Portsmouth. São os exemplos que refere a BBC: em York, onde as relíquias estiveram 18 horas, a catedral esteve aberta pela noite dentro, de modo a que pudessem venerá-las – ou simplesmente vê-las; visitaram uma prisão londrina (como em Portugal, com presidiários a transportarem o relicário).

As relíquias terminaram o “tour” em Westminster, onde passaram 2000 fiéis por hora. Os serviços da catedral prepararam cerca de 100.000 velas e 50.000 rosas. A digressão inglesa terminou no dia 15 de Outubro. Foto-reportagem da BBC, no dia 13 de Outubro, aqui.

(Foi Fernando Correia de Oliveira, da Estação Cronográfica, que me deu a notícia, por na altura estar em Inglaterra. Agradeço-lhe.)

Relíquias 4 - O crânio do jovem João Baptista

"O jovem João Baptista", de William-Adolphe Bouguereau

As relíquias não são um exclusivo dos cristãos (principalmente católicos e ortodoxos). E na verdade muitos católicos e ortodoxos pouco ou nada ligam a tais objectos, se é que podemos generalizar em “objectos” um conjunto de coisas que vai dos objectos propriamente ditos de santos, da Virgem e de Jesus a elementos corporais.

Os budistas guardam as cinzas da cremação de Sidarta Gautama, o Buda. E já os gregos, diz Umberto Eco, reportando-se a Plínio, tinham um certo culto por objectos como a lira de Orfeu, a sandália de Helena ou os ossos do monstro que tinha assaltado Andrómeda.

De todas as relíquias espantosas da Idade Média, há duas particularmente curiosas: o crânio de São João Baptista aos 12 anos e a pedra que Jesus não teve para reclinar a cabeça, como diz o evangelho. Quem as tinha/tem? Se encontrar as referências, aqui voltarei.

Relíquias 2 - O anel de noivado de São José

Duque de Berry retratado no seu "Livro de Horas"

No catálogo do tesouro do duque de Berry [João de Valois, o Magnífico, 1340-1416, nasceu em Vincennes e morreu em Nesles; está sepultado em Bourges; é dele o mais importante "Livro de Horas" do séc. XV] constava o anel de noivado de São José.

Umberto Eco in "A Vertigem das Listas", ed. Difel, pág. 173.

Relíquias 1 - Catedral de Praga

“Na Catedral de São Victor, em Praga, é possível encontrar os crânios de São Adalberto e São Venceslau, a espada de Santo Estêvão, um fragmento da cruz, a toalha da Última Ceia, um dente de Santa Margarida, um fragmento da tíbia de São Vital, uma costela de Santa Sofia, o queixo de São Eobano, o bastão de Moisés e o vestido da Nossa Senhora.

Umberto Eco in "A Vertigem das Listas", ed. Difel, pág. 173.

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...