Quando nos aproximamos de Salamanca, a cidade banhada pelo Tormes, o seu casco histórico, Património Mundial desde 1988, brilha como uma seara de trigo debaixo do sol. Há muito para ver. Mas o coração espiritual da cidade palpita entre o Convento Dominicano de Santo Estêvão (que está unido à igreja plateresca consagrada ao mesmo santo) e a universidade. Foi aqui que no dealbar do século XVI nasceu a famosa Escola de Salamanca, que foi a semente das modernas teorias do direito internacional (na altura "direito das gentes"), em profunda ligação com uma doutrina igualitária e universalista dos direitos humanos. Perto do convento ergue-se a estátua do fundador da escola, Francisco de Vitoria (1483-1546), o académico brilhante que nas suas Lições de 1539, dedicadas aos "Índios" e ao "Direito de Guerra", destruiu a boa consciência dos conquistadores, mostrando que o império que Espanha construía no Novo Mundo era baseado em títulos ilegítimos. Fundado na violência e não no direito natural. Os navegadores portugueses e espanhóis haviam oferecido à humanidade a verdadeira dimensão geográfica do planeta, colocando a América no mapa, e cartografando a África meridional profunda e os mares austrais. Em Salamanca nasceu a Escola Ibérica da Paz. Através de mestres espanhóis e portugueses, na sua maioria intelectuais dominicanos, jesuítas e franciscanos, foi levada a cabo a tarefa de integrar um mundo desmesurado e alteroso, debaixo de uma ordem moral, jurídica e política que permitisse a paz, em vez da guerra, a justiça em vez da opressão. Ao contrário do racismo para com os povos não europeus, que tutelaria a Conferência de Berlim (1885), em Évora, Coimbra ou Valladolid propunha-se o respeito e a igualdade entre todos os seres humanos. Em Salamanca começou a esperança de um dia podermos ser cidadãos do mundo. De pleno direito.
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quinta-feira, 4 de setembro de 2014
E a Salamanca dos capitalistas?
Viriato Soromenho-Marques escreveu há dias, no DN, sobre Escola de Salamanca, "Salamanca: a escola do universo". Vale a pena ler. Pena não falar do outro grande contributo da Escola de Salamanca, com derivações em Coimbra e Évora: a teorização sobre o mercado livre, sobre o valor das coisas, que não valem consoante o trabalho que dão (a grande ilusão do comunismo, de uma maneira geral), mas consoante o valor que quem as quer lhes dá. Sim, os salmanticenses são os primeiros teóricos (ou talvez segundos, se tivermos em conta certos medievais que eles, no fundo, seguiam) do capitalismo. O texto de Soromenho-Marques:
terça-feira, 1 de abril de 2014
Le Goff (1924-2014)
Morreu Jacques Le Goff. Quem gosta da Idade Média (mas não de feiras medievais), como eu, deve estar triste.
quinta-feira, 27 de março de 2014
Violências
O que o amor tem de mais doce são as suas violências;
o seu abismo insondável é a sua forma mais bela;
perder-se nele é atingir o fim.
Hedviges de Antuérpia (1180-1260)
o seu abismo insondável é a sua forma mais bela;
perder-se nele é atingir o fim.
Hedviges de Antuérpia (1180-1260)
quarta-feira, 12 de março de 2014
Tripé de Casaldaliga
Um leitor comentou assim os três versos de Stephan (ou Stephen) Langton que aqui pus há hora e meia:
Um tripé interessante para um cursilho especialmente dedicado aos “padres sem o Espírito Santo aos leigos com batina no espírito e aos espíritos sem a carne da vida”, como escreveu o Bispo Pedro Casaldaliga!Bom proveito para todos!
Já agora, todos temos pelo menos duas dívidas a este inglês do séc. XII-XIII e alguns, três: a liberdade para a qual contribuiu a Magna Carta e a divisão da Bíblia em capítulos. Ler aqui. A terceira, é a Sequência de Pentecostes. Aqui.
Dobra o que é rígido
Dobra o que é rígido,
Aquece o que está frio,
Endireita o que está torto.
Oração de Stephan Langton
Aquece o que está frio,
Endireita o que está torto.
Oração de Stephan Langton
quinta-feira, 4 de julho de 2013
Obrigação
O abismo da tua encarnação
obriga-me a pronunciar estas palavras apaixonadas:
Tu, o incompreensível, feito compreensão;
Tu, o incriado, feito criatura;
Tu, o inconcebível, feito concebível;
Tu, o espírito intangível, tocado pelas mãos dos homens.
Ângela de Foligno (séc. XIII-XIV)
obriga-me a pronunciar estas palavras apaixonadas:
Tu, o incompreensível, feito compreensão;
Tu, o incriado, feito criatura;
Tu, o inconcebível, feito concebível;
Tu, o espírito intangível, tocado pelas mãos dos homens.
Ângela de Foligno (séc. XIII-XIV)
quarta-feira, 29 de maio de 2013
29 de maio de 1453. Queda de Constantinopla
No dia 29 de maio de 1453, termina o cerco de Mehmed II a Constantinopla. Ele conquista-a. Cai a "Roma do Oriente", termina a Idade Média. Na realidade, muitos anos antes diversos sábios bizantinos tinham fugido do império, procurando guarida na península itálica. Sabiam grego e eram altamente valorizados na Europa. Com as obras que trouxeram, reforçaram, sem dúvida, o Renascimento.
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
Sobre o neoneoneotomismo que domina algum ensino teológico
Réginald Garrigou-Lagrange foi um teólogo francês medieval
em pleno século XX. Morreu em 1964, em Roma. Dominicano, dava aulas no
Angelicum. Grande teólogo, mas sem escrever qualquer tratado ou ensaio. Fez
comentários, como em geral os teólogos dos séculos anteriores, desde a Idade
Média. E talvez não se importasse de participar numa disputatio. Aliás, nem sei se não participou.
Garrigou-Lagrange comentou quase toda a Suma teológica,
coisa que poucos fizeram, e terá sido um dos últimos a levar a cabo tal
empreendimento.
Sabemos agora que ele estava à frente do seu tempo, embora
fosse tido por alguns como um fóssil teológico. É que o comentário a Tomás de
Aquino regressou com força. Diz-se que não é preciso mais teologia do que a do
dominicano do séc. XIII. Pululam por aí teólogos novinhos que mais não fazem do
que ler Aquino,mas não todo, e, ainda mais, comentários de Tomás de Aquino. Teologia
requentada, pois, e quanto mais indiferente à vida concreta, melhor.
Se os medievais também faziam teologia comentando, pois
concebiam-se como anões ao ombro de gigantes (diz João de Salisbúria que Bernardo de Chartres dissera isto), estes teólogos de hoje são anões,
ainda que rechonchudos, nalguns casos, e mesmo apreciadores de rock, ao ombro de anões ao ombro de gigantes.
Temo que tantas camadas humanas acabe por dar origem a um estrondoso tombo.
sábado, 12 de janeiro de 2013
Caminho de Canossa
A propósito de uma campanha de uma marca de eletrodomésticos que usou os préstimos de uma jovem (estilista? manequim? - nunca dela tinha ouvido falar) e a seguir se arrependeu (tal foi o coro de críticas e gozos nas redes sociais; publicidade negativa, pois), Ferreira Fernandes evoca no DN um episódio político-eclesial:
Ler tudo aqui. A "enciclopédia livre" explica o "caminho de Canossa".
Conhecem a origem do termo "caminho de Canossa"? É humilhar-se. Um imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Henrique IV, excomungado pelo Papa, pôs-se três noites à porta do castelo de Canossa a implorar perdão. Foi perdoado mas os estados europeus ficaram séculos sujeitos a Roma.
Ler tudo aqui. A "enciclopédia livre" explica o "caminho de Canossa".
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
4 de janeiro de 1309. Morre a mística Ângela de Foligno
Ângela de Foligno, franciscana terceira, morreu no dia 4 de
janeiro de 1309, aos 68 anos. Converteu-se em 1285, depois de uma visão de São Francisco
de Assis, e é reconhecida como uma grande mística medieval , tendo fundado uma
comunidade religiosa. Inocêncio XII beatificou-a no final do séc. XVII.
Bento XVI dedicou-lhe uma catequese no dia 13 de outubro de
2010 e afirmou:
No itinerário espiritual de Ângela, a passagem da conversão para a experiência mística, daquilo que se pode expressar para o que é inefável, tem lugar através do Crucificado. É o «Deus-homem apaixonado» que se torna o seu «mestre de perfeição». Toda a sua experiência mística consiste, portanto, em tender para uma «semelhança» perfeita com Ele, mediante purificações e transformações cada vez mais profundas e radicais. A este maravilhoso empreendimento, Ângela dedica-se inteiramente, de alma e corpo, sem se poupar a penitências e tribulações, desde o início até ao fim, desejando morrer com todos os sofrimentos padecidos pelo Deus-homem crucificado, para ser transformada totalmente nele: «Ó filhos de Deus — ela recomendava — transformai-vos totalmente no Deus-homem apaixonado, que vos amou a ponto de se dignar morrer por vós com uma morte extremamente ignominiosa, total e inefavelmente dolorosa, de modo penosíssimo e amarguíssimo. E isto somente por amor a ti, ó homem!». Esta identificação significa também viver aquilo que Jesus viveu: pobreza, desprezo e dor, porque — como ela afirma — «através da pobreza temporal, a alma encontrará riquezas eternas; mediante o desprezo e a vergonha, ela alcançará a suma honra e uma glória excelsa; através de um pouco de penitência, feita com esforço e dor, possuirá com infinita docilidade e consolação o sumo Bem, Deus eterno» (ler aqui).
domingo, 16 de dezembro de 2012
Mais listas de Eco
Na pág. 94 do mesmo livro do post anterior:
No século quinto, Enódio escreveu que Cristo era a «fonte, caminho, direita, pedra, leão, portador da luz, cordeiro; porta, esperança, virtude, palavra, sabedoria, profeta; vítima, rebento, pastor, montanha, laço, pomba; chama, gigante, águia, cônjuge, paciência, verme».Há muitas listas do género na literatura cristã, mas... "verme"? Cristo, o verme?
domingo, 28 de outubro de 2012
Como a justiça da Igreja inspira as condenações de hoje
Lance Armstrong
Na “2” do “Público” de hoje, na página 4, dois comentários
sem relação um com outro afirmam,
- o primeiro, sobre a condenação de cientistas italianos por
não terem referido o risco de sismo à população de Áquila (morreram 309 pessoas),
que o El Mundo “lembrou Galileu a propósito da condenação”;
- o segundo, sobre a condenação do ciclista Lance Armstrong,
agora destituído dos seus sete títulos do Tour de France, que o El País ouviu
de um advogado australiano, Martin Hardie, que este era “um caso de fixação no conceito
de culpa mais próprio da Inquisição da Idade Média do que da modernidade”.
E eu fico a pensar:
a) que os jornalistas do "Público" andam a ler demasiados
jornais espanhóis;
b) que a história da Igreja da continua a ser fonte fértil exemplos
elucidativos para o que hoje acontece;
c) que o advogado australiano precisa de umas lições de história
da Igreja (ou do Mundo), pois a Inquisição que mais abusou da “fixação no
conceito de culpa” foi a da Idade Moderna e não a medieval.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Hildegarda não queria misturar-se com outras mulheres
Iluminura da obra "Scivias", de Hildegarda
Hildegarda de Bingen (1098-1179; foi contemporânea da
fundação de Portugal; tinha 45 anos em 1143; será que ouviu falar deste país?),
a nova doutora da Igreja, é apreciada por feministas, mas só q.b. O texto de
António Marujo, no “Público” de domingo, aqui postado, também dá isso a
entender. Porquê? Talvez porque – e este é um aspeto que não tem sido referido
nas notícias sobre esta nova doutora – Hildegarda, oriunda de uma família da
pequena nobreza, opunha-se à entrada de mulheres do povo nos conventos
beneditinos. Pensava que havia que preservar o privilégio de nobreza quando,
por esta altura, já os mosteiros masculinos mais influentes tinham abandonado
as ideias de privilégio de nascimento. Os dois mosteiros que Hildegarda fundou
acolheram meninas e mulheres nobres.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
Homem e mulher os criou
Isidorus Hispalensis, mais conhecido por Isidoro de Sevilha, nas suas tão magníficas quanto fantasiosas e influentes etimologias (Etymologiae), dizia que o macho vai buscar o seu nome (vir) à própria força (vis), enquanto a mulher (mulier) está ligada à moleza, à impudicícia (mollities).
domingo, 2 de setembro de 2012
E o que disse ela?
Conta-se que São Bernardo estava a rezar diante de um altar de Nossa Senhora. De repente Maria abre a boca e começa a falar. "Cala-te! Cala-te!", grita Bernardo, desesperado. "As mulheres não podem falar na Igreja".
quinta-feira, 26 de julho de 2012
Faz com que se derretam os corações secos
Faz com que se derretam os corações secos,
Fortalece os moles,
Amolece os duros,
Enxuga os molhados,
Aquece os que estão frios,
Salva os que vão perecer.
Conrado de Hamburgo (séc. XIV)
segunda-feira, 16 de julho de 2012
16 de julho de 1228. Clara de Assis recebe uma inesperada prenda no seu 32.º aniversário
Clara e Francisco
Suponho que não há qualquer relação no caso, mas Francisco de Assis foi canonizado no dia 16 de julho de 1228, dia em que a sua grande amiga Clara fazia 32 anos, pois nasceu em 1196.
Desconheço se Clara de Assis assistiu à cerimónia de canonização, presidida pelo Papa Gregório IX, em Assis, menos de dois anos depois da morte de Francisco (1182-1226). Mas onde quer que tenha estado, Clara deve ter sentido uma grande alegria. Uma alegria muito franciscana.
Desconheço se Clara de Assis assistiu à cerimónia de canonização, presidida pelo Papa Gregório IX, em Assis, menos de dois anos depois da morte de Francisco (1182-1226). Mas onde quer que tenha estado, Clara deve ter sentido uma grande alegria. Uma alegria muito franciscana.
terça-feira, 12 de junho de 2012
12 de junho de 1036. Morre Teobaldo d’Arezzo, o patrocinador da música ocidental
Edição recente da obra de Guido dedicada a Teobaldo
Teobaldo viveu entre 990, mais coisa menos coisa, e 1036. Foi
bispo de Arezzo durante 13 anos, até à morte, a 12 de junho de 1036. Gostava de
música, pois convidou Guido (992-1050) para ensaiar os cantores da
sua catedral.
Guido d’Arezzo, o inventor da pauta musical e do nome das
sete notas (no início, a primeira era “ut”; mudou para “dó” por influência do
egocêntrico Giuseppe Doni, segundo uns, ou por ser o princípio de “Dominus”, Senhor,
segundo outros) dedicou a este bispo o seu tratado musical “Micrologus”. Não
foi nesta obra, um tratado sobre o canto gregoriano e os rudimentos da polifonia, que criou os dispositivos que mudaram a música, mas o patrocínio
do bispo à atividade de Guido foi decerto determinante.
segunda-feira, 11 de junho de 2012
O meu castelo
Enquanto ela não vender o meu castelo, estou feliz.
Resposta de Ludwig da Turíngia aos que criticavam que a sua mulher, (Santa) Isabel (da Hungria), dava tudo aos pobres. Passou-se na primeira metade do séc. XIII. Desta Isabel conta-se uma lenda que mais tarde seria aplicada à sobrinha-neta Isabel de Portugal, mulher de D. Dinis: Que o pão que levava no avental se transformou em rosas.
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Sinodalidade e sinonulidade
Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...