quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Papa Francisco chegou à Rolling Stone


Para Francisco "like a rolling stone". Ler aqui.

Graffiti de Papa Super-Homem

O serviço de comunicação do Vaticano partilhou na sua conta de Twitter uma fotografia tirada a um graffiti do Papa Francisco ao estilo Super-Homem. A pintura encontra-se num muro da cidade de Roma, refere a conta de Twitter.

O "tweet" reproduz a fotografia do graffiti em que o Papa Francisco surge vestido de branco, mas de punho em riste, posição popularizada pelo Super-Homem. Na outra mão segura uma pasta que diz "valores".
O "tweet" foi enviado em espanhol e em inglês: "Les compartimos este graffiti que vimos hoy" e "We share with you a graffiti found in a roman street near the Vatican" (Partilhamos convosco um graffiti que encontrámos numa rua de Roma perto do Vaticano).
O serviço de comunicação do Vaticano modernizou-se desde que o Papa emérito Bento XVI, antecessor do Papa Francisco, decidiu abrir uma conta no Twitter.
A conta do Papa é escrita em nove línguas e conta atualmente com mais de dez milhões de "seguidores".

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Nunca mais é dia

A noite está escura
e eu, longe de casa.
...
O teu poder (...)
me conduzirá (...)
até que o dia regresse.

John Henry Newman

domingo, 26 de janeiro de 2014

Bento Domingues: "Não enterrar o Baptismo"

Texto de bento Domingues no "Público" de hoje:


1. Não me lembro nada de ter sido baptizado. Recebi o crisma na adolescência, mas só me recordo de que o grupo em que fui apresentado escapou todo de uma temida palmada ritual do bispo. Com todo o respeito pelos anabaptistas, sou, no entanto, um defensor fervoroso do baptismo de adultos e de crianças, sem pensar que Deus só se dá bem com os baptizados.

É verdade que, às vezes, regresso desconsolado e apreensivo com o futuro de certas celebrações baptismais. Que irão fazer os pais para promover a progressiva descoberta do sentido e das exigências inscritas no espantoso programa simbólico do baptismo? A Igreja doméstica – a não confundir com certo beatério familiar – deve ser o espaço de uma evolutiva pedagogia da fé cristã que saiba puxar pelo que há de melhor nas pessoas: a descoberta da alegria no acolhimento dos outros, na partilha e na recusa dos caminhos da injustiça.

Ser cristão é adoptar o projecto de Jesus Cristo, acolhendo o seu espirito de ruptura com as seduções diabólicas da dominação económica, política e religiosa e o renascimento para a liberdade dos filhos de Deus, sem irmãos excluídos da mesa comum. Não se trata de papaguear fórmulas dogmáticas nem de receber instruções moralistas, mas de uma mudança interior, de uma luz divina, no íntimo da consciência, que se inspira na prática de Jesus e dos seus melhores discípulos.                                   

Hoje, quero recomendar vivamente uma obra sobre o mergulho baptismal –Take the plunge – e a sua confirmação que nos pode ajudar a reencontrar a Fonte e o Sentido em todas as encruzilhadas da vida (1). O autor é um dominicano inglês, T. Radcliffe, que já tem outras obras publicadas em português. É professor em Oxford e ex-Mestre Geral da Ordem dos Pregadores. No exercício dessa missão percorreu o mundo. Sempre admirei a sua excepcional capacidade de aprender com todos, em todas as situações. Serve-se de tudo para tecer as suas conferências, a sua pregação e os seus livros de teologia, com uma requintada cultura literária, artística, histórica, bíblica, patrística e sempre em registo ecuménico. O inesgotável sentido de humor não o afasta das manifestações de rua na defesa dos empobrecidos e marginalizados.

2. As crianças são baptizadas desde o começo do Cristianismo e tornou-se tradição de quase todas as Igrejas Cristãs. Já os Actos dos Apóstolos aludem ao baptismo dos adultos e das suas famílias.

No séc. IV, durante algum tempo, existiu uma tendência para adiar o Baptismo. Não se duvidava da importância de baptizar as crianças. A razão era outra. Este era o Sacramento do grande Perdão. Dada a disciplina penitencial da época, não se queria gastar a sua eficácia antes de tempo. O Baptismo não era garantia de um futuro sem pecado e corria-se o perigo de passar o resto da vida em penitência. Muitas pessoas, como o próprio imperador cristão Constantino, adiavam-no até ao último momento e Jacqueline de Romilly foi baptizada aos 95 anos dizendo: já é tempo! Quando Sto Ambrósio foi eleito Bispo, com a idade de trinta e cinco anos, não era baptizado. Teve de receber este sacramento antes da ordenação.

O baptismo das crianças, apesar dos inconvenientes – antigos e modernos - exprime uma realidade divina e humana que poderíamos ser levados a esquecer no baptismo de adultos: afirma a absoluta gratuidade do amor que Deus nos tem; a criança ainda não fez nada para merecer seja o que for, quer de Deus quer dos pais. Ora, se os pais fazem tudo pelos seus filhos mesmo antes de nascerem, quanto mais o Deus que nos amou primeiro. (2)

Deus não depende dos nossos méritos. Somos nós que dependemos do seu amor. De qualquer modo, os cristãos são confrontados com narrativas de um Deus que se tornou criança e adolescente, antes de surgir homem feito, como no Evangelho de Marcos, a dizer-nos que tudo pode ser diferente, pois somos amados e impõe-se uma reorientação da vida e de todos os seus valores.

3. De adultos ou de crianças, o baptismo é para refazer a vida toda. O ser humano não é de uma peça só e de uma só vez. Vai sendo e nunca de forma linear. A sua morada não é o passado, não é o presente. É a esperança, é o futuro. Sem ele, é o suicídio. Não vale a pena idealizar a infância, a adolescência, a idade adulta ou a da reforma. Se há tanta literatura sobre todas estas idades, é porque nenhuma delas é um paraíso. Por razões diversas, quase ninguém está contente com a idade que tem, mas vivemos num tempo em que é difícil ter crianças e ocupar-se dos idosos. Os desempregados não sabem de que terra são: de mendigar têm vergonha e já não têm condições nem de imigrar nem de ficar. O que é próprio do Baptismo cristão é não se conformar com o mundo como está. A sua natureza é pascal, é passagem, não é resignação.

Celebrar a data do Baptismo para um renovado encontro com a Fonte e com a Luz, para não esquecermos de onde vimos e para onde vamos.

1) Timothy Radcliffe OP, Imersos na vida de Deus. Viver o Baptismo e a Confirmação, Paulinas, 2013
2) Jer. 1, 5

sábado, 25 de janeiro de 2014

Anselmo Borges: "O Deus que é, o Deus que está"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:

Quem teve trabalhos de tradução deu-se conta das enormes dificuldades da tarefa. Tudo se complica ainda mais quando se vem de e se vai para mundos diferentes. Porque uma língua é um mundo e não um simples instrumento. Um caso típico destas dificuldades encontra-se na tradução da Bíblia, ao passar do mundo hebraico para o mundo grego e, depois, latino e outros. O grande Adolf von Harnack chamou a atenção para o imenso problema.

Para explicitar, ouçamos o Credo cristão: "Creio em Jesus Cristo. Gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, ressuscitou ao terceiro dia." Segundo a fé cristã, isto é verdade? Sim, é verdade. Mas a pergunta é: o que deriva dessas afirmações para a nossa existência de homens e mulheres, cristãos ou não? O Credo é teologia dogmática, especulativa. Ora, a teologia dogmática tem que ver com doutrinas e dogmas, com uma estrutura essencialmente filosófica. Pergunta-se: os dogmas movem alguém, convertem alguém, transformam a existência, dizem-nos verdadeiramente quem é Deus para os seres humanos e os seres humanos para Deus? Por outro lado, quem apenas recitar o Credo tem de perguntar: o que fez Jesus entre o nascimento e a crucifixão? O que é o que o levou à cruz? Quais foram as suas relações com Deus, com as mulheres, com a sociedade, com a religião, com o dinheiro, com a política? O que moveu a sua vida, o que pensou, o que queria? Que nos deixou realmente em herança?

Vejamos exemplos mais concretos da dita tradução e dos seus perigos. No capítulo 3 do livro do Êxodo, narra-se a experiência que Moisés fez com a manifestação de Deus na sarça ardente - ardia e não se consumia. "Não te aproximes. Tira as sandálias dos pés, porque o lugar que pisas é um lugar sagrado." Moisés cobriu a face com temor. Deus disse-lhe que tinha visto as misérias e as angústias do seu povo e que estava disposto a libertá-lo. E Moisés: se os filhos de Israel me perguntarem qual é o teu nome, que lhes responderei? E Deus: "Eu sou aquele que sou." Dir-lhes-ás: ""Eu Sou" enviou-me a vós." A fórmula em hebraico: ehyeh asher ehyeh ("eu sou quem eu sou", "eu sou o que sou") é o modo de dizer que Deus está acima de qualquer nome, ele é a Transcendência pura, que não está à mercê dos homens, mas diz também o que Deus faz: Eu sou aquele que está convosco na história da libertação, que vos acompanha nessa gesta de liberdade e salvação. A Tradição, porém, na sequência dos Setenta, compreendeu aquele ehyeh asher ehyeh como "Eu sou aquele que é", "Eu sou aquele que sou", e Javé afirma o Ser absoluto de Deus, filosofando Santo Tomás, nesta linha, sobre Deus como Ipsum Esse Subsistens (O próprio Ser Subsistente). Deste modo, apesar de não ser errado, perdeu-se a dinâmica do Deus que está presente e acompanha na história da libertação.

No Novo Testamento, João Baptista, preso, mandou os discípulos perguntar a Jesus se ele era o Messias. Jesus respondeu dizendo: Ide dizer-lhe o que vistes e ouvistes: os coxos andam, os cegos vêem, a boa-nova é anunciada, a libertação está em marcha.

A teologia, a partir da Bíblia, é, antes de mais, teologia narrativa e não dogmática. Quer dizer: tem uma estrutura histórica. Na teologia especulativa, o centro de interesse é o ser; na teologia narrativa, o decisivo é o que acontece. Por isso, na perspectiva cristã, o fundamental e essencial consiste na pergunta: O que é que acontece quando Deus está presente? Na linha dogmático-doutrinal, pode dar-se um assentimento intelectual, mas a existência continua inalterada.

Decisivo na orientação do Papa Francisco foi esta passagem do dogma e da doutrina para a existência e a praxis transformadora. O que acontece quando Deus está presente? Afinal o nome de Deus, tantas vezes ouvido no Natal, é Emmanuel, o Deus connosco. Como escreveu o deputado europeu Paulo Rangel, "Deus não é esse ser distante e estático que é, mas antes o ser próximo e interactivo, Deus pode não ser afinal Aquele que é. Deus é Aquele que está."

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Maria Filomena Mónica: "A Irmã Lúcia no Penteão, já"


Maria Filomena Mónica, no "Expresso" de sábado. Com alguns amigos, também eu tinha comentado - como terá ocorrido a milhares de Portugueses - que se lá estava Amália e lá querem pôr Eusébio, ponham também a Ir. Lúcia, querendo com isto dizer que nem Eusébio nem Lúcia, que o Panteão deve servir para coisas mais identitárias e consequentes do país. Desta vez concordo com Maria Filomena Mónica.

Entre pinceladas

Teu sangue minhas culpas lave e toque,
E mais abunde quanto mais velho sou,
De pronta ajuda e de perdão inteiro.

Miguel Ângelo (1475-1564)


domingo, 19 de janeiro de 2014

Bento Domingues: "Consciência ecuménica, consciência baptismal"

Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje (aqui):

1. A urgência do diálogo ecuménico nasceu, nos finais do séc. XIX, nas chamadas terras de missão, para vencer o contratestemunho das igrejas cristãs divididas que se hostilizavam no anúncio do Evangelho da paz. As vicissitudes do movimento ecuménico já foram historiadas.

Em 1948 foi fundado o Conselho Mundial das Igrejas, em Amesterdão, que tem a Sede internacional em Genebra. É a principal organização ecuménica, com mais de 350 igrejas e denominações, presente em mais de 120 países, excedendo os 500 milhões de fiéis. Trabalha-se, desde há algum tempo, na criação de um Fórum Cristão Global que reúna, sem vínculos institucionais, à volta de uma só mesa de diálogo, as grandes famílias cristãs: ortodoxa, católica, anglicana e protestante.

Resultado: esquece-se a falta que os outros nos fazem, para comungar em experiências que nos poderiam provocar a descoberta de caminhos para a fé cristã, que nem suspeitamos. A maioria dos cristãos nada sabe das outras tradições eclesiais, a não ser os lugares-comuns de desconfiança mútua, transmitidos em casa ou nas igrejas. A verdadeira falta de ecumenismo entre as igrejas cristãs é uma falta de cristianismo e não apenas de inconvenientes a propósito de baptismos e casamentos que se resolvem de forma mais ou menos burocrática.

Em certas zonas do mundo, o cenário é devastador: matam-se os cristãos sem perguntar pela identidade eclesial. O cristianismo está a ser completamente eliminado. É urgente um ecumenismo global de socorro.

2. Mais abrangente é o Parlamento Mundial das Religiões. Nasceu em Chicago, em 1893, para fomentar o diálogo inter-religioso. Cem anos depois, voltou a reunir-se na mesma cidade. A 4 de Setembro de 1993, foi assinada a Declaração das Religiões para uma Ética Global, preparada pelo teólogo Hans Küng, guiado pela convicção, que tem justificado e desenvolvido, condensada no aforismo: sem paz entre as religiões, não há paz entre as nações. Parte de uma verificação: o mundo está a experimentar uma crise fundamental e global: na economia, na ecologia e na política. Por toda a parte se verifica a falta de grandes visões, o emaranhado de problemas não resolvidos, a paralisação e as lideranças políticas medíocres, com pouca visão interna e externa e, em geral, muito pouco sentido do bem comum. Centenas de milhões de seres humanos sofrem cada vez mais com o desemprego, a fome e a destruição das suas famílias. Crianças morrem, matam e são mortas. Há cada vez mais países abalados pela corrupção na política e nos negócios. Devido aos conflitos sociais, raciais e étnicos, ao abuso de drogas, ao crime organizado e, até, à anarquia torna-se cada vez mais difícil viver em paz nas nossas cidades. Por vezes, mesmo entre vizinhos, vive-se com medo uns dos outros. O nosso Planeta continua a ser escandalosamente destruído. Embora a esperança de uma paz duradoura entre as nações nos pareça cada vez mais afastada, sabemos que não é por falta de recursos, de ciência e de técnica que se arrastam mundos mergulhados na miséria e na violência. É por falta de vontade política, de sabedoria e de ética.

3. O Movimento Ecuménico português já apresentou serviço: representantes das Igrejas Católica, Lusitana, Presbiteriana, Metodista e Ortodoxa, em Portugal, irão assinar, no próximo dia 25, em Lisboa, uma declaração de reconhecimento mútuo do baptismo. Ainda bem.

A Capela Sistina é conhecida, venerada e visitada pela sua extraordinária beleza. Aí reúnem-se os cardeais para escolher o futuro bispo de Roma, o papa. Mais importante do que eleger um papa é celebrar um baptismo, a transformação cristã da vida. O Papa Francisco resolveu estabelecer a verdadeira hierarquia no Vaticano. No domingo passado, baptizou o filho de uma mãe solteira e a filha de um casal, casado apenas pelo civil, nessa Capela. Não é muito usual. Perante varias mães, pais e 32 crianças, chamou a atenção para a nova orquestra: “Hoje o coro vai cantar, mas o coro mais belo é o das crianças. Algumas delas irão chorar porque têm fome ou porque não estão confortáveis. Estejam à vontade, mamãs: se elas tiverem fome, dêem-lhes de comer, aqui elas são as pessoas mais importantes”. Este Papa já tinha afirmado que as mães não deviam ter problemas em dar de mamar aos seus filhos, durante as cerimónias papais.

Bergoglio quer abrir ao mundo, um futuro novo, mesmo a partir do Vaticano. Quem não gosta das suas inovações, irá sempre encontrar algum precedente para desvalorizar estes atrevimentos. O que importa é subverter a desordem estabelecida, que se tinha transformado numa ordem sagrada.

 O Papa mandou uma carta aos futuros cardeais: “O cardinalato não significa uma promoção nem uma honra nem uma condecoração, é simplesmente um serviço que exige ampliar o olhar e alargar o coração”.

Ai minha Nossa Senhora!

sábado, 18 de janeiro de 2014

Anselmo Borges: "Francisco e Obama"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:


Bento XVI teve um gesto histórico único ao determinar que no dia 28 do mês de Fevereiro passado, às 20 horas, a sede de Roma ficava vacante, abrindo assim caminho à eleição de um novo Papa. No dia 13 de Março, aconteceu pela primeira vez um Papa jesuíta: o cardeal de Buenos Aires, Bergoglio.

O nome escolhido, Francisco, foi todo um programa, que tem realizado. A sua atitude tem sido autenticamente franciscana. Conquistou o mundo, ao inclinar-se, despojado, perante a multidão e pedindo a sua bênção. Depois, com a sua humildade, simplicidade, bondade, compaixão, deixou o Palácio Apostólico para viver normalmente em Santa Marta. O seu interesse pelas pessoas é real e genuíno. Foi a Lampedusa, beija, diz piadas, sorri, ri, acaricia, escreve cartas, telefona. Não tem medo. Declara que também tem dúvidas.

Mas Francisco tem pela frente imensos problemas. Diria que o primeiro é tentar converter a sua Igreja ao cristianismo, começando pelos hierarcas. Que os cardeais, bispos, padres, católicos, se convertam ao Evangelho de Jesus.

Os problemas são ad intra e ad extra, isto é, no interior da Igreja e na sua relação com o mundo. Dentro, para lá da questão decisiva da conversão, há todo o problema de uma nova Constituição para a Igreja, a começar pelo papado. Não é compreensível que o Papa sozinho tenha tanto poder como o Papa e os bispos juntos, no quadro de uma monarquia absoluta. Significativamente, Francisco não fala de si como Papa, mas como bispo de Roma, o que indica que quer descentralizar, no quadro de maior participação dos bispos e das conferências episcopais. A Igreja Católica é a única instituição verdadeiramente global, e isso tem de implicar descentralização nos vários domínios da vivência do cristianismo. Se a Igreja é de todos, Povo de Deus, impõe-se a participação activa de todos, e será necessário dar também lugar às mulheres nos lugares cimeiros de decisão.

Para a pedofilia, tolerância zero. Essencial é a transparência no Banco do Vaticano. No contexto da moral, o próprio Francisco já condenou o legalismo e o ritualismo e avisou que não pode viver obcecada com o sexo. Assim, mostra compreensão em relação aos homossexuais, mandou um inquérito audaz a todos os católicos sobre o novo mundo da vivência familiar. É expectável que se abra a uma revisão da Humanae Vitae e aos anticonceptivos, à participação em toda a vida da Igreja, incluindo a comunhão, por parte dos divorciados recasados. Não irá ainda para a abolição da lei do celibato dos padres, mas poderá abrir as portas aos padres que entretanto casaram e à ordenação de homens casados.

Quanto à missão da Igreja para o seu exterior, Francisco já manifestou o seu empenhamento no ecumenismo - diálogo com as outras Igrejas cristãs, nomeadamente a ortodoxa, não sendo impossível vê-lo a visitar Moscovo - e no diálogo inter-religioso, concretamente com o islão. As Nunciaturas Apostólicas, isto é, as Embaixadas do Vaticano em quase todos os países do mundo terão o papel de pontes para a paz e a promoção dos direitos humanos. O Papa Francisco continuará a intervir no mundo como voz político-moral global, proclamando a justiça e a paz.

O efeito Francisco é inegável. Está aí a sua imensa influência nos média. Tem 11 milhões de seguidores no Twitter. Foi considerado a personalidade do ano 2013. Granjeou empatia, simpatia e admiração global. A prática religiosa tem aumentado. E a razão é simples: tomou a sério o Evangelho.

Mas não se pode ser ingénuo. Encontrará muitas resistências dentro e fora da Igreja. Sobretudo dentro, correndo o risco de, como Obama, cuja popularidade desceu, ver em parte bloqueada a sua revolução pacífica. É o que aconteceria se não conseguisse uma nova Constituição para a Igreja, uma profunda e rápida transformação da Cúria, transparência plena no Banco do Vaticano.

Mas há razões para uma esperança fundada. Rodeou-se do G8 cardinalício e quer rapidamente reformar a Cúria. Francisco faz a síntese de franciscano e de jesuíta. Ele é cristão franciscano, com formação de jesuíta para uma estratégia na eficácia.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Vaticano responde perante a ONU sobre abusos sexuais

Da notícia do "Público":

O Vaticano está, pela primeira vez, a responder perante o Comité da ONU para os Direitos da Criança (CNUDC) sobre acusações de abusos sexuais de menores contra padres da Igreja Católica em vários países e ao longo de várias décadas. A sessão do comité começou esta quinta-feira em Genebra e prolonga-se, em reuniões à porta fechada, até ao fim do mês.

Isto é inédito por se tratar do mais alto nível da Igreja católica. Ainda não imagino o alcance desta atitude, mas conhecendo-se a longa história de os clérigos se justificarem apenas perante as autoridades eclesiais, há aqui uma mudança importante. Por outro lado, por outro lado, continuo a pensar que é um equívoco o Vaticano ter de responder por pessoas individuais, mas reconheço que a resposta faz sentido à tua da teologia do sacerdócio católico, como também as vítimas e seus advogados defendem - provavelmente por outros motivos.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Essa enguia chamada Erasmo

Desidério Erasmo, mais conhecido por Erasmo de Roterdão, é uma figura verdadeiramente admirável.

Diz-se que "Lutero chocou o ovo que Erasmo pôs", mas entre os dois houve muita diferença. Erasmo era um otimista e acreditava na liberdade humana. Lutero achava-a fatalmente corrompida. Mas no debate sobre o livre/servo arbítrio disse de Erasmo: "Gabo-te e louvo-te por teres sido, de todos os meus adversários, o único que apanhou o ponto certo do debate". Claro que Lutero queria ter Erasmo e o seu prestígio do seu lado. Dizia-se naquele tempo: "Olha, aquele é o tal que recebeu uma carta de Erasmo". O humanista nunca se comprometeu com a Reforma, embora considerasse que Lutero tinha razão em algumas das suas convicções. Mas Roma é sempre Roma.

Lutero chamava a Erasmo "enguia". Escapava sempre. Com escapou de Basileia logo que a cidade suíça aderiu à reforma. O Papa Paulo III quis fazê-lo cardeal. Erasmo desculpou-se que era muito velho. Mas um escape. Morreu a seguir. O grande escape.

E foi uma pena a Igreja ter posto as obras (não só "Elogio da Loucura", mas a versão grega do Novo Testamento e os comentários a quase todos os Padres da Igreja) deste ex-monge, amigo de Tomás Moro, no Index.

(Isto não vem a propósito de nada. Li hoje que Lutero lhe chamava "enguia" a Erasmo e que Paulo III tencionava nomeá-lo cardeal e quis partilhar isto.)

Como Nossa Senhora salvou o melhor filme de sempre


Curiosa crónica de Manuel S. Fonseca, no caderno "Atual" do "Expresso" de sábado passado. Régis Debray já tinha dito que há continuidade entre o fim da crise iconoclasta, no segundo Concílio de Niceia (787), e Hollywood (alguém sugeriu que se erguesse uma estátua a João Damasceno em Hollywood). Em resumo, o cristianismo criou a cultura da imagem. Agora ficamos a saber que por detrás do maior filme de sempre (eu também sou mais "O mundo a seus pés" do que "Casablanca") está a influência, ainda que por vias travessas, de Nossa Senhora. O cristianismo criou o cinema, mas Maria deu-nos o melhor filme.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Papa batiza filhos de pais em situação irregular


O Papa batizou o filho de uma mãe solteira e a filha de um casal casado "só" pelo civil. Imagino que muita gente, principalmente responsáveis paroquiais, deve ficar desorientada com estas práticas, tendo em conta os costumes prevalecentes na maior parte das paróquias, principalmente em relação ao segundo caso. Nunca se negou o batismo - não se pode negá-lo - mas a "pedagogia pastoral" ia no sentido de aconselhar o adiamento do batismo até os pais terem a situação regularizada, quando possível. Por outro lado, algumas paróquias, bem recentemente, liberalizaram a prática batismal, deixando de fazer exigências no caso dos pais em "situação irregular" e dos padrinhos. Anteciparam-se a Francisco? Teriam ordens superiores motivadas pelo que o Papa já havia dito?

Por outro lado, outra vez, há aqui uma leitura teológica que tem de ser feita, não sobre o batismo de bebés - do qual sou crítico, como já por cá manifestei (basicamente: como aceitar que é uma adesão pessoal a Jesus Cristo, se a decisão é tomada por outros?) -, mas quanto à prioridade e importância do batismo sobre o matrimónio enquanto sacramentos. Sem dúvida que o primeiro é mais importante, evangélica, histórica (só se chegou à afirmação cabal da sacramentalidade do matrimónio no séc. XII) e ecumenicamente. Por isso não deve ser condicionado.

Notícia do batismo papal e foto no Público.

E disse o Papa, inovando:

“Hoje o coro vai cantar, mas o coro mais belo é aquele das crianças, algumas delas quererão chorar porque têm fome ou porque não estão confortáveis. Estejam à vontade mamãs, se elas tiverem fome deem-lhes de comer, porque elas são as pessoas mais importantes aqui”.

D. Manuel Clemente não vai ser cardeal. Para já

O Papa anunciou os novos cardeais. Surpresa, não está na lista o nome de D. Manuel Clemente, como seria de supor pela tradição, talvez porque D. José Policarpo ainda não tem 80 anos (tendo ainda direito de voto num eventual conclave).

Notícia na Ecclesia.

Bento Domingues: "Um papa anticlerical?"

Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje.


1. A religião é uma das grandes dimensões mentais e culturais dos seres humanos. Hoje, no Ocidente, é uma realidade controversa, mas não apagada. O acolhimento ao Papa Francisco não resulta apenas, nem sobretudo, de qualquer estratégia publicitária. Nele, as pessoas vêem uma das expressões mais genuínas da atitude de Jesus Cristo, no meio do seu povo.

O divórcio entre as Igrejas e o mundo moderno não foi provocado, apenas, pela má vontade dos incréus e dos anticlericais. O anticlericalismo foi, muitas vezes, o reverso do clericalismo. Nasci numa zona do país em que não se podia viver sem padre, desde o baptismo ao funeral. Passava-se o tempo a dizer mal deles por causa do seu autoritarismo e da arbitrariedade ameaçadora dos seus comportamentos pouco pastorais. Não eram especialmente maus, mas apenas o resultado da formatação recebida.

Hoje já não se repetem estas palavras de Pio X (1), mas elas modelaram gerações: “só na hierarquia reside o direito e a autoridade necessários para promover e dirigir todos os membros para os fins da sociedade. Em relação ao povo, este não tem outro direito a não ser o de se deixar conduzir e seguir docilmente os seus pastores”.

A Civiltà Cattolica (2), na época da definição da infabilidade do papa, escrevia: “a infabilidade do papa é a infabilidade do próprio Jesus Cristo […]. Quando o papa pensa, é o próprio Deus que pensa nele”.

2. O Vaticano II ainda estava longe. O século XX, sobretudo em alguns países, foi um tempo de grandes movimentos de renovação do catolicismo: missionário, ecuménico, bíblico, teológico, social, litúrgico, laical, etc. Foi, também, uma época de condenações, sobretudo das experiências mais arrojadas, como por exemplo, a suspensão dos padres operários e dos teólogos que trabalhavam em diversas frentes culturais do mundo moderno.

O Concílio alterou, profundamente, as concepções eclesiológicas que justificavam o autoritarismo da hierarquia. Dizia-se mesmo que a eclesiologia se tinha transformado numa hierarquiologia. Agora, o papa, o bispo, o padre deixavam de ser considerados uma hierarquia de poderes sobre a Igreja, mas de serviço às comunidades. Estimular a sua criatividade, na diversidade dos seus carismas e funções, era a principal tarefa dos ministérios ordenados que, por sua vez, deviam suscitar iniciativas, segundo as necessidades de tempo e de lugar. Eram bons princípios, boas práticas, mas sem meios, nem vontade, de organizar a vida da Igreja, segundo essas orientações. Veio, depois, um longo inverno na Igreja e foram ressuscitados modos de agir autoritários que paralisaram reformas urgentes.

3. Veio o Papa Francisco. Como já disse noutras ocasiões, não apareceu com o Direito Canónico na mão, para dizer o que era para continuar na mesma e o que era para reformar, como se fosse um burocrata. Veio participar numa reforma que envolvesse a Igreja toda, embora destacando responsabilidades e neutralizando forças de obstrução. Não no estilo de mandar fazer. Começou por ser ele a agir conforme aquilo que depois tem vindo a propor, em diversas circunstâncias. A perspectiva geral foi dada na Exortação Apostólica e em várias entrevistas. Não se pode esquecer a forma como respondeu às perguntas dos Superiores Maiores das Congregações Religiosas. Destacou a importância da qualidade e do estilo da formação dos jovens religiosos. Em todas as ocasiões denuncia o clericalismo, com expressões tais que levam alguns a julgar que pertence a uma organização anticlerical! O Papa perdeu a devoção aos monsenhores. Pobres daqueles que já se julgavam na calha.

Nesse Encontro, a convicção mais abrangente é esta: as grandes mudanças da história acontecem quando a realidade é vista, não a partir do centro, mas da periferia. Trata-se, para o Papa, de uma questão hermenêutica: a realidade não se compreende a partir de um centro equidistante de tudo. Para a entender bem, é preciso mover-se da posição central da tranquilidade, da zona de conforto, para as zonas agitadas das periferias. Este é o melhor caminho para escapar ao centralismo e às focagens ideológicas. Os temas do citado diálogo com os superiores das congregações religiosas foram os da coragem, da profecia, do clericalismo e dos conflitos. Nada poderá substituir a leitura da gravação feita pela Civiltà Cattolica (3).

Dirigindo-se à Comissão Teológica Internacional (06.12.2013), em vez de lhes recomendar cautela e ortodoxia, incitou os teólogos a serem pioneiros do diálogo da Igreja com as culturas; a situarem-se como profetas nas fronteiras e não ficando para trás, na caserna. O magistério e os teólogos devem estar atentos às expressões autênticas do sensus fidelium.

A sensibilidade cristã dos fiéis não é só dos homens. As mulheres são sempre as esquecidas. O jornal L’ Osservatore Romano acaba de lançar um suplemento sobre Mulheres, Igreja e Mundo, de circulação mensal, de quatro páginas a cores. Mais vale tarde do que nunca.


1) Cf. Ramon Maria Nogués, Dioses, Creencias y Neuronas, Fragmenta Ed., 2011, pg. 280
2) Ibid. pg 281
3) http://www.laciviltacattolica.it/ ; tradução em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526950-qdespertem-o-mundoq-o-

sábado, 11 de janeiro de 2014

Anselmo Borges: "O que dizem de Francisco"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:

Não há dúvida de que o Papa Francisco é hoje uma figura de impacto global, talvez a figura mais popular no mundo, na qual se põe mais esperança e confiança. Foi proclamado como personalidade do ano 2013 pela revista Time, que escolhe, desde 1927, a pessoa que considera ter tido mais influência nas notícias em todo o mundo no respectivo ano. Designou-o como "o Papa das pessoas", concretizando que "o que o torna tão importante é a rapidez com que captou a esperança de milhões de pessoas que tinham abandonado toda a esperança na Igreja". "É raro um novo actor internacional da cena mundial suscitar tanta atenção tão rapidamente, tanto entre os jovens como entre os mais velhos, entre os crentes ou os mais cépticos", declarou Nacy Gibbs, directora da redacção da revista.


Também o diário francês Le Monde o escolheu como personalidade do ano 2013, afirmando que "não é absurdo falar de "papamania"", exaltando a mensagem que Francisco encarna e acrescentando: "Entre os crentes, está presente sem dúvida a alegria de recuperar as origens da mensagem cristã. Os outros estão seduzidos por algo que se parece com a modernidade, pelo menos no discurso". Após um pontificado "crepuscular e quase depressivo" de Bento XVI, com Francisco chegou um homem que "suscita uma simpatia quase universal", que dá a impressão de devolver ao seu cargo autoridade moral e credibilidade, tão urgentes para a Igreja e para um mundo melhor.

Diz-me um grande professor de Medicina, racional e não beato: em 2013, a eleição de Francisco foi o acontecimento que mais alegria me trouxe. E gente que andava afastada da prática religiosa voltou. As estatísticas dizem-no: na Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Itália, América Latina, constata-se um aumento de fiéis nas missas, chegando esse aumento a uns 20%, segundo o The Sunday Times.

Sobre o Papa Francisco grandes figuras se têm pronunciado. O nobel de Literatura Mário Vargas Llosa declarou recentemente: "Tenho muito boa opinião do Papa. Está a fazer um esforço que oxalá se traduza em reformas reais para modernizar a Igreja, para lhe devolver a força moral que teve nalgumas épocas e que foi muito importante."

Para The Guardian, Francisco poderia substituir Barack Obama como o rosto da esquerda. "É o homem com maior número de buscas na internet em 2013." Para ele, "o que conta não é a instituição, mas a missão". "Poderá não ter um exército nem batalhões, mas tem um púlpito e neste momento está a usá-lo para ser a voz mais clara e contundente do mundo contra o statu quo."

O próprio Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou estar "muito impressionado com os pronunciamentos" do Papa Francisco, com a sua "humildade", "empatia com os pobres", apoiando o que diz com obras. "Creio que, primeiro e sobretudo, pensa em acolher as pessoas e não em rejeitá-las, procura o que nelas é bom, em vez de condená-las", sublinhou Obama.

"Um novo animal político está a impor-se na cena mediática mundial", escreveu Sylvie Kaufmann, directora editorial do Le Monde. "Visibilidade óptima, sorriso cálido, verbo hábil, mensagem com impacto, o Papa Francisco conquistou, em poucos meses, uma audiência que supera amplamente a dos seus fiéis. Aos 77 anos, tem inquestionavelmente isso que os profissionais norte--americanos das relações públicas chamam o star power. Fala muito e livre. Beija, acaricia, diz piadas, escreve cartas, chama ao telefone, tuíta, o mais importante, surpreende." Nenhum tema o assusta. "Será Francisco o Papa do renascimento da comunidade católica?"

O famoso escritor Umberto Eco definiu-o como "o Papa da globalização", dizendo numa entrevista: "Estou convencido de que Francisco está a representar um facto absolutamente novo na história da Igreja e, talvez, na história do mundo." Como semiólogo, considera que "é um homem moderno, é o Papa da internet".O Papa Francisco levará a bom termo o seu desígnio? No próximo sábado, reflectirei sobre "A síndrome de Obama ou efeito Francisco?"

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Padres na moda e os sobrinhos de Deus

Texto do P.e Gonçalo Portocarrero de Almada no "Público" de anteontem. Se os padres da moda referidos na opinião forem os mesmos padres da moda que Zita Seabra apontou no lançamento do livro de conversas dos dois, digamos que eles não gostam de certas companhias. E o Papa também está na moda.

Entretanto nas Filipinas

Procissão nas Filipinas. Vem no "Público" de hoje, online, "fotos do dia", mas não diz qual é a comemoração.

Doce luz

Quem és Tu, doce luz que inundas
e iluminas a escuridão do meu coração?

Edith Stein

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Polémica com judeus do Porto


No "i" de hoje. Lendo o que está na notícia, pois não tenho qualquer outro elemento sobre o assunto, lamentáveis parecem-me as atitudes e as palavras do líder da Comunidade Israelita do Porto. Até parece que eles, judeus, carregam para sempre o estigma de vítimas; enquanto nós, católicos, seremos sempre os verdugos. Como se eles tivessem o monopólio do sofrimento, quando a Inquisição também perseguiu católicos, protestantes e muçulmanos, e os católicos, seguidores do judeu que era judeu, tivessem o exclusivo da violência sobre os judeus.

E já que se cita Elias (do capítulo 21 de I Reis - "a vinha de Nabot"), convém citar outro profeta judeu, Ezequiel, que dizia que se devia abandonar o velho ditado segundo o qual os pais comem uvas verdes e os filhos é que ficam com os dentes embotados.

Não conheço o lider judeu do Porto, mas é bem sabido que alguns judeus não aceitam nunca o pedido de perdão dos católicos, mesmo de João Paulo II. Porque perdoar implica dar um passo em frente.

Anglicanos dispensam diabo no rito do batismo

A Igreja anglicana está a pensar eliminar as referências ao diabo nos ritos de batismo (no rito católico aparece "Satanás"), mantendo a pergunta sobre a rejeição do mal. O novo rito vai estar à experiência em algumas paróquias.

Como é de esperar, alguns opõem-se. Outros acham bem, como o filocatólico arcebispo de Cantuária, Justin Welby. Como o batismo anglicano é válido para os católicos, a questão tem contornos que nos dizem respeito.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Contra a fidelidade canina aos partidos


Luigi Sturzo, padre, fundou o Partido Popular Italiano em 1919, o primeiro de "inspiração católica". Mas explicou que "os dois termos («partido» e «católico») são antitéticos; com efeito, o catolicismo é religião, é universalidade; o partido, inversamente, é política, é divisão".

(Sturzo opôs-se ao fascismo e teve de se exilar, primeiro em Londres e depois em Nova Iorque.)

Cá está uma boa razão para os católicos poderem mudar de partido à vontade.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Bento Domingues: "Mensagem do Papa sobre a paz"

Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje:

1. Entre os mais idosos, alguns talvez ainda tenham gosto em se lembrar e outros, vontade de esquecer que no dia 8 de Dezembro de 1967 foi criado, pelo papa Paulo VI,o Dia Mundial da Paz. Ficou decidido, no entanto, que seria celebrado, daí em diante, no primeiro dia do ano civil. Assim continua, embora as Nações Unidas tenham marcado, em 1981, o Dia Internacional da Paz para o dia 21 de Setembro. Não se sobrepõem.

Em Portugal, a decisão de Paulo VI teve um impacto significativo durante a guerra colonial, porque se inscreveu nos ecos do Vaticano II e da Pacem in Terris de João XXIII, que tinham alargado, aprofundado e provocado iniciativas de oposição católica ao Estado Novo (1). Destacamos: no Porto, suscitou a criação da comissão diocesana de Justiça e Paz, com múltiplas intervenções; em Lisboa, as vigílias na Igreja de S. Domingos, em 1969, e na Capela do Rato, de 1972 para 1973, tornaram-se marcos históricos pela ressonância conseguida. A vigília da Capela do Rato provocou a intervenção da Pide, várias prisões e aceso confronto, na Assembleia Nacional, entre os deputados Miller Guerra e Francisco Casal Ribeiro.

As mensagens anuais constituem peças importantes da posição dos papas perante as questões da guerra e da paz. Ao se tornarem um ritual, o seu verdadeiro impacto depende, apenas, do que as Igrejas locais fizeram desses notáveis documentos.


2. Que irá acontecer com a mensagem do Papa Francisco, “A Fraternidade, fundamento e caminho da Paz”?

Da trilogia da Revolução Francesa, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a última foi sempre a mais esquecida. Nas Igrejas Cristãs, todos são filhos de Deus, mas raramente os reconhecemos como nossos irmãos.

Qual é então a situação da população mundial?

Os números são conhecidos: 1% da população mundial concentra 43% da riqueza, enquanto 50% fica apenas com 2%. Neste mundo há 871 milhões de pessoas com fome; mais de 1.000 milhões encontram-se na indigência e cerca de 3.000 milhões na pobreza. Neste mundo, 900 milhões não têm água potável, 1.000 milhões não têm acesso à luz eléctrica e 2.160 milhões não possuem instalações sanitárias.

Já estamos tão habituados à linguagem dos números, a propósito de tudo e de nada, que em vez de nos aproximarem da realidade vivida, afastam-na. O Papa Francisco podia recitar todos estes números e dizer, com verdade, estes são todos membros da nossa família. Ele sabe que por aí não iria longe. Também não parece muito interessado em juntar textos doutrinários aos dos outros Papas e engrossar as bibliotecas piedosas. Passaram nove meses sobre a sua eleição. Não foi a eleição de Sua Santidade, mas a de um pecador em processo de conversão, chamando os cardeais, os bispos, os padres a essa condição para poderem servir e dinamizar as comunidades cristãs. Não ficou por aí. Escolheu o caminho do exemplo, mas não para dar exemplo. Se espantou o mundo com os seus gestos, foi por causa da sua autenticidade, sem recurso ao marketing religioso. De repente, vimos o Papa como imaginamos que terá sido Jesus Cristo, há dois mil anos. Desde a quinta-feira santa, o seu caminho tem sido o encontro com a periferia do mundo, o lugar da Igreja.

Para uns, isto é uma alegria, um convite a fazer o mesmo. Para outros, é uma descoberta. Não falta quem veja no método do Papa Francisco, uma crítica ao caminho que se estava a percorrer, semeado de escândalos. Claro que é o começo de uma reforma urgente, mas que ele não quer apenas propor, mas praticar na sua pessoa, nas suas decisões, da forma mais fraterna e mais alegre com aquelas e aqueles que ninguém escolheria para irmãos.


3. O Papa, pela ordem natural das coisas, tem muito pouco tempo para realizar o que lhe parece mais urgente. O mais urgente é ajudar o conjunto da Igreja a rectificar a sua orientação, a inclinar-se para o lado certo. Não é a substituição da Igreja pelo Papa. É fazer com que os papas, os bispos, os cardeais, os padres tenham uma prática de dinamizadores e não substitutos dos membros da Igreja: tornarmo-nos no que somos, todos irmãos (Mt 23, 8-9), a viver e a trabalhar, na sociedade e na igreja, como num bem de família.

Que se saiba, o mundo não está para acabar já. O Papa Francisco ainda vai deixar muito por fazer. Mas, pela sua maneira de ser e actuar, já começou o mais importante: não é fatal que a igreja e o mundo tenham de continuar a ser como até aqui.

Bergoglio criou um problema que não sei como o irá resolver: não se cansa de denunciar a economia que mata. Que poderá ele fazer para que nas instituições universitárias católicas, o ensino no campo da economia, da finança, da gestão, da política não só denuncie e recuse qualquer tipo de participação nesse homicídio, mas sobretudo, que poderá ele fazer para que os professores e alunos dessas instituições investiguem e façam propostas que sirvam a fraternidade como fundamento e caminho da paz?

De qualquer modo, Bergoglio não é o primeiro a andar em contramão. Foi precedido por boa companhia. Os fariseus, amigos do dinheiro, ouviam Jesus dizer que não se pode servir a Deus e ao Dinheiro e zombavam dele (Lc 16, 13-15).

Temos pela frente um novo ano e muitos desafios na Igreja e na Sociedade.



1) João Miguel Almeida, A Oposição Católica ao Estado Novo (1958-1974), Edições Nelson de Matos, Lisboa, 2008

Eusébio na Igreja de Santo Eusébio


Morreu Eusébio, antigo jogador do Beira-Mar. Como hoje e nos próximos dias não faltarão evocações dos seus méritos, deixo aqui uma nota de humor:


“Durante o Euro 2000, a delegação portuguesa recebeu um convite para que Eusébio participasse numa cerimónia em Arnhem, na igreja de São Eusébio. O ex-futebolista foi a essa cerimónia acompanhado por António Boronha e por um assessor de FPF, que falava holandês. Eusébio foi convidado a discursar e cometeu uma gaffe, afirmando: «Já me fizeram muitas homenagens, em todas as partes do mundo, mas esta é a primeira vez que dão o meu nome a uma igreja». Conta Boronha que o assessor deu a volta à gaffe traduzindo a frase como a primeira vez que Eusébio era homenageado numa igreja com o nome dele”.

Isto veio no "Público" de 17 de agosto de 2010. Mais informações contextuais aqui.

Nota pessoalíssima: Tive o gosto de ver Eusébio jogar num Beira-Mar - Sporting. Foi no dia 6 de março de 1977. A família toda deslocou-se a Aveiro, certamente por influência do avô, que era sportinguista, tão sportinguista que o cão se chamava Celtic (nome que na minha infância de vez em quando causava admiração quando aparecia na televisão: "Olha, aquela equipa tem o nome do cão do avô"; mais tarde viemos a saber que o nome do cão é que se devia a uma vitória qualquer do Sporting sobre o Celtic ou, talvez, a uma vitória do Celtic sobre o Benfica, 3-0, no início da década de 1970). Deu empate a uma bola, com golo de Eusébio aos 10 minutos da primeira parte. Pude confirmar agora mesmo estes dados num jornal da época e verifiquei mais uma vez como a mente pode ser traiçoeira. Antes de confirmar, estava convencidíssimo que o Beira-Mar tinha vencido 2-1, com um golo de Eusébio, claro, e que o jogo tinha sido em 1978.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Anselmo Borges: "Qualquer coisinha, tenho fome"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:


Não sei se há humilhação maior do que ter de estender a mão suja, que salta de um corpo e uma roupa também sujos, pedindo, com o corpo inclinado e o olhar perdido e suplicante: "Qualquer coisinha, tenho fome." Se é uma criança, com uma mãozinha pequenina, um velho, um deficiente, suplicando "por caridade, por caridade", parte-se-me a alma. Sinto-me muito envergonhado por mim e pela sociedade, e dou, numa indizível atrapalhação, pois precisaria de dizer-Ihes que não é por caridade, mas por dever. E desaparecer.

Dar generosamente. Nem a mão deveria aparecer, para não ser vista. Um grande amigo que já morreu - porque é que os amigos mor-rem?! - repetia constantemente: a mão que dá esconde-se. A partir daí, perguntei-me sempre: será por isso que não vemos Deus? Porque dá - Deus é Dar, o Dar Originário, Criador -, escondendo-se?

Eu sei que é uma vergonha que se dê e se receba por esmola aquilo a que se tem direito, de tal modo que há mesmo quem pense e argumente que o exercício da caridade é um modo de desacelerar a transformação social que deveria conduzir a uma sociedade justa. Ouve--se isso, por vezes injustamente e de modo irresponsável, também por ocasião das campanhas do "banco alimentar".

É evidente que é uma exigência empenharmo-nos todos, com energia e lucidez, pela justiça no mundo, mediante a transformação das estruturas sociais. Mas também é evidente que seria intolerável, a pretexto de agudizar as contradições para acelerar a revolução, não dar de comer à criança esfomeada, não ajudar o pobre na sua necessidade imediata.

Confrontada pelos jornalistas, Madre Teresa de Calcutá argumentou que é urgente que os poderosos discutam nos Fóruns Internacionais os problemas da organização da justiça no mundo e a distribuição da riqueza, mas, enquanto se alcançam ou não acordos eficazes, as missionárias da caridade dedicar-se-ão a recolher das ruas, um a um, os moribundos e os enfermos que já ninguém ampara nem cuida.

Na sua exortação "A Alegria do Evangelho", o Papa Francisco denuncia o mero assistencialismo: "Os planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais". Mas não deixa de sublinhar que se deve entender o pedido de Jesus aos discípulos, no Evangelho segundo São Marcos: "dai-lhes vós mesmos de comer", como envolvendo "tanto a cooperação para resolver as causas estruturais da pobreza e promover o desenvolvimento integral dos pobres como os gestos mais simples e diários de solidariedade para com as misérias muito concretas que encontramos".

Também Bertolt Brecht, o famoso dramaturgo marxista que se fazia acompanhar da Bíblia, escreveu estes admiráveis versos sobre a necessidade de não desvincular a justiça da caridade nem esta daquela: "Contaram-me que em Nova Iorque,/na esquina da Rua Vinte e Seis com a Broadway,/nos meses de inverno, há um homem todas as noites/ /que, suplicando aos transeuntes,/procura um refúgio para os desamparados que ali se reúnem./ /Não é assim que se muda o mundo,/as relações entre os seres humanos não se tornam melhores./Não é este o modo de encurtar a era da exploração./No entanto, alguns seres humanos têm cama por uma noite./Durante toda uma noite estão resguardados do vento/e a neve que lhes estava destinada cai na rua.//Não abandones o livro que to diz, homem./ Alguns seres humanos têm cama por uma noite,/durante toda uma noite estão resguardados do vento/e a neve que lhes estava destinada cai na rua./Mas não é assim que se muda o mundo,/as relações entre os seres humanos não se tornam melhores./Não é este o modo de encurtar a era da exploração."

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Um país chamado Jansénia


Jansénia, um país que faz fronteira com Despairia, Calvínia e Libertínia, tem uma cidade que se chama Hipona ou Tarso.

Por causa do artigo a que se refere a frase acima, quase investia 20 e tal euros na compra do "Dicionário de lugares imaginários", de Alberto Manguel e Giani Guadalupi. A ideia da compra fica em quarentena uns quinze dias. Se não passar, terei de o comprar. Mas não é admirável que em Jansénia haja uma cidade chamada Hipona ou Tarso? Também lá (no livro) está cartografado o País das Maravilhas (imagem abaixo). E certamente a ilha de Rafael Hitlodeu.



Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...