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sábado, 29 de setembro de 2012

Anselmo Borges: Assim está o mundo

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

No quadro da presente situação nacional e global de crise, e de violência dos extremistas radicais no mundo islâmico, retomo alguns ditos e duas histórias de ou sobre Jesus, plenos de sabedoria e ensinamentos, provenientes da tradição muçulmana.

É preciso saber que o Alcorão se refere várias vezes a Jesus como Profeta que anuncia o Deus único, criador e senhor da vida. Nasceu miraculosamente de Maria. A sua mensagem é de paz, mansidão e humildade. É "servo de Deus" e "Verbo da Verdade". Deus deu-lhe o poder de fazer milagres. Nega-se expressamente a crucifixão, tendo Jesus sido elevado miraculosamente para Deus.

Na literatura muçulmana, o amor e o respeito por Jesus são uma presença constante. Assim, Tarif Khalidi, que foi director do Centro de Estudos Islâmicos e membro do Conselho Directivo do King's College (Cambridge), reuniu em livro - Jesus Muçulmano - um conjunto das chamadas "máximas e histórias de Jesus", em que se encontram várias alusões aos Evangelhos.

Tarif Khalidi

Algumas máximas. Perguntaram a Jesus: "Quem foi o teu professor?" "Ninguém", respondeu ele; "vi a fealdade da ignorância e fugi dela". Disse Jesus: "Deus gosta que os Seus servos aprendam um ofício que os torne independentes e detesta um servo que adquira conhecimentos religiosos e depois faça disso o seu ofício." Também disse: "O mundo é uma ponte. Atravessa a ponte, mas não construas sobre ela." Conta-se que perguntaram a Jesus: "Até que idade é conveniente adquirir conhecimento?", e ele respondeu: "Enquanto for conveniente viver." Nenhuma palavra dita a Jesus lhe era tão querida como "aquele pobre homem." No dia em que Jesus foi elevado aos céus, deixou apenas um agasalho de lã, uma fisga e um par de sandálias.

As duas histórias. Uma vez, Jesus passou por uma caveira apodrecida e desfigurada. Ordenou-lhe que falasse. E ela disse: "Espírito de Deus, o meu nome é Bal- wan ibn Hafs, rei do Iémen. Vivi mil anos, gerei mil filhos, desflorei mil virgens, destrocei mil exércitos, matei mil tiranos e conquistei mil cidades. Que quem ouve a minha história não se deixe tentar pelo mundo, pois tudo isso foi como o sonho de um homem adormecido." E Jesus chorou.

A segunda história. Um homem juntou-se a Jesus, dizendo: "Quero ser teu companheiro." Jesus aceitou, e ambos seguiram viagem. Quando chegaram à margem de um rio, sentaram-se para comer. Levavam três pães. Comeram dois e sobrou um. Depois, Jesus foi ao rio beber água. No regresso, não tendo encontrado o terceiro pão, perguntou ao homem: "Quem tirou o pão?" Ele respondeu: "Não sei."

Continuaram a viagem, e, no caminho, Jesus realizou dois milagres. Das duas vezes voltou-se para o companheiro, dizendo: "Em nome d'Aquele que te mostrou este milagre, pergunto-te: quem tirou o pão?" E o homem voltou a responder: "Não sei."

Chegaram depois ao deserto e sentaram-se no chão. Jesus fez um montinho de terra e areia e disse-lhe: "Com a permissão de Deus, transforma-te em ouro." E assim aconteceu. Então, Jesus dividiu o ouro em três partes e disse: "Um terço para ti, um terço para mim e um terço para quem tirou o pão." Aí, o companheiro atirou: "Fui eu que tirei o pão!" Jesus disse: "O ouro é todo teu."

Jesus continuou sozinho o seu caminho. Entretanto, chegaram dois salteadores que queriam roubar o ouro ao antigo companheiro. Este, porém, disse: "Vamos dividi-lo em três partes e um de vós vai à cidade comprar comida." Um deles foi então à cidade e pensou de si para consigo: "Porque hei-de dividir o ouro com estes dois? Vou antes envenenar a comida e ficar com o ouro todo para mim!" E comprou comida, que envenenou.

Por sua vez, os que tinham ficado à espera disseram: "Porque havemos de dar-lhe um terço do ouro? Em vez disso, vamos é matá-lo, quando regressar, e dividimos o ouro entre os dois."

Quando o terceiro voltou, mataram-no. Depois, comeram a comida envenenada e também morreram os dois. E o ouro ficou no deserto com os três homens mortos ao lado. Aconteceu que Jesus passou por ali e, ao ver aquela miséria, disse aos discípulos: "Assim é o mundo. Tende cuidado."

quinta-feira, 10 de março de 2011

Sermão para mim próprio: Tentações intemporais


O relato das tentações, no caso segundo Mateus (Mt 4,1-11), é das passagens mais curiosas dos evangelhos (poderei escrever exactamente o mesmo de todas as outras, porque todo o evangelho é surpreendente).

Vejamos:
* Mateus conta como se lá tivesse estado. Ora esta é das poucas passagens em que não há testemunhas, só protagonistas. Como é que Mateus soube? Teria Jesus contado? Ou será um relato que condensa tudo o que o evangelho significa, já que está precisamente no início dos trabalhos de Jesus? 
* Jesus vai para o deserto conduzido pelo Espírito Santo, o que quer dizer que nem sempre o Espírito Santo leva por bons caminhos. 
* O deserto tanto é o lugar da comunidade e da solidariedade (foi no deserto que nasceu o Povo de Israel) como lugar de tentação, o que desmonta os que diabolizam a cidade. Todos os lugares podem ser bons ou maus. Os lugares não têm moral. 
* As tentações acontecem após 40 dias e quarenta noites de jejum, uma quaresma. O 40 aparece imensas vezes na Bíblia (40 dias de chuva, de pregação, de jejum, de mediação, de ultimato) para significar mudança, preparação, introdução, nova vida. 
* O Diabo tenta, cumprindo o que diz o que seu próprio nome, já que "diábolos", em grego, quer dizer “o que separa” (opõe-se a símbolo, “o que junta”). Há tentações. Não há possessões diabólicas. 
* O Diabo tenta usando frases da Bíblia, o que quer dizer, como há muito foi observado, que o Diabo conhece a Bíblia, ou seja, conhecer a Bíblia, mesmo de cor, não é garantia de nada. O Diabo é um bom exegeta. 
* As tentações acontecem “no deserto” (quem diria que lá não há nada), no “templo” (cuidado com a religião) e num “monte muito alto” (mania das grandezas) e são, respectivamente, sobre pão, espectáculo, poder. Ou então, consumo, magia, fama. Ou então, satisfação, êxito, audiências. Ou então… (é uma questão de reler Mt 1,11-11 e encontrar novos sentidos). 
* Jesus responde com frases bíblicas, todas elas ditas ou remetidas para Deus. Usa o ás de trunfo, ou o Joker (por vezes parecem diabinhos), e sai-se bem. A humildade derrota a magia. 
* As tentações são de Jesus, no início da chamada “vida pública”, mas nelas revêem-se os cristãos, a Igreja, o mundo em geral. Por isso é que Mateus as conta, mesmo não tendo estado lá.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Se me envolve a noite escura

Se me envolve a noite escura
E caminho sobre abismos de amargura,
Nada temo porque a Luz está comigo.

Se me colhe a tempestade
E Jesus vai a dormir na minha barca,
Nada temo porque a Paz está comigo.

Se me perco no deserto
E de sede me consumo e desfaleço,
Nada temo porque a Fonte está comigo.

Se os descrentes me insultarem
E se os ímpios mortalmente me odiarem,
Nada temos porque a Vida está comigo.

Se os amigos me deixarem
Em caminhos de miséria e orfandade,
Nada temo porque o Pai está comigo.

Hino da Liturgia das Horas

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Mostrai-me, meu Senhor, em que deserto

Mostrai-me, meu Senhor, em que deserto,
Em que ribeira, vale, monte ou serra,
Em quanto me deixais andar na terra,
Do ceo me deixareis andar mais perto.

Que pois, ou coberto ou desencoberto,
Me faz cruel imigo cruel guerra,
De quanto dentro de mim mesmo se encerra
Lugar de defensão tenha mais certo.

Mas como, onde posso defender-me,
Enquanto for de mim acompanhado,
com tanta experiência de perder-me,

Senão sendo metido em vosso lado
Para todo de mim mesmo esquecer-me,
E só de vós, meu Deus, ser alembrado?

Agostinho da Cruz (1540-1619)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Dom de si mesmo


São Jerónimo (347-420), num comentário ao Salmo 102, disse: “Sou como um pelicano do deserto, que fustiga o peito e alimenta com o próprio sangue os seus filhos”.

O pelicano alimenta os filhos, mas não chega a picar o peito até deitar sangue, como pensavam os medievais, seguindo os comentários de Jerónimo. Mas por esta doação de si mesmo, sacrifício de si mesmo, ficou como símbolo da Eucaristia.

O Salmo, uma oração do aflito, em concreto, diz: "Tornei-me semelhante ao pelicano no deserto". É uma imagem bela para falar de qualquer dor. A ave aquática torturada pelo deserto.

Já não temos a condição torturada de viver num "vale de lágrimas" (pelo menos alguns - para a maioria da humanidade, a condição normal é o sofrimento, ainda que não sem alegria), mas continuamos a precisar do Maná caído do céu, do Pão da Vida, da luz na noite, da água no deserto, ainda que estas imagens sejam lugares-comuns. Talvez porque sejam sentimentos universais.

Ontem foi dia do Corpo de Deus.


Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...