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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O lado espiritual de Máximo Ferreira


Máximo Ferreira (quem não despertou para a astronomia lendo as suas crónicas no "Público" na década de 90?) no final de uma entrevista do DN de hoje:

Falou em fé. Tem fé em Deus? Há muitos cientistas que acreditam?


Não. Devo confessar que por volta dos 17 anos fui quase ateu, mas depois, sem nenhum esforço, tornei-me simplesmente agnóstico. É uma questão que não tem que ver propriamente com a ciência. Há cientistas que se sentem bem com essa componente espiritual. Não tantos assim, mas há alguns. Há um indivíduo que é professor catedrático na Faculdade de Ciências, agora já jubilado, que é padre e ensinava Física Nuclear. Saía da faculdade no Príncipe Real e ia à Igreja de São Mamede dizer a missa. Não podemos é querer usar isso como argumento e dizer se aquele cientista acredita em Deus é porque Deus existe, ou o contrário. O lado espiritual está dentro da pessoa, pode contribuir para o seu bem-estar, não vejo mal. Agora, não preciso de Deus para as minhas coisas.


Nota: Julgo que se refere ao P.e João Resina, que morreu há uns anos (mais que jubilado, portanto). Mas se houver outro padre, prof. de Física numa universidade de Lisboa, que me emendem, p.f.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

DN: Os perigos e as virtudes de combinar ciência com religião


No DN de hoje. Leia-se com atenção o depoimento de Carlos Filhais. Continuo a pensar que a afirmação de que o Big Bang precisa de Deus ou exige uma intervenção divina é infeliz. Como Fiolhais. Mas pelo que tenho lido noutros lados, a intervenção mais vasta do Papa parece ter em vista os criacionistas que não aceitam o Big Bang nem a teoria da evolução.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Hubert Reeves: "Nenhuma pessoa inteligente pode acreditar no criacionismo"


Excerto da entrevista que Hubert Reeves deu ao "Público":
Acredita que a divulgação tornou as pessoas mais conscientes da necessidade de ter conta as descobertas científicas? 
Tem de haver alguma coisa entre a religiosidade – num sentido absolutamente naïf – e a ciência pura. Não é preciso fazer parte de nenhum grupo evangelista, nem negar toda a possibilidade de espiritualidade. As pessoas hoje podem decidir por si. 
Como é que um homem de ciência vê o debate crescente nos EUA sobre o criacionismo? 
É ridículo. Nenhuma pessoa inteligente pode acreditar no criacionismo. 
Mas já há estados dos EUA onde há a possibilidade disto ser ensinado nas escolas. 
Acho que essa é mais uma questão política do que uma questão científica. Há uma pressão social e política de algumas pessoas com interesses. É difícil ver que um miúdo que tem algum cérebro possa acreditar que o mundo foi feito há 4000 anos. E é o caso. Acho que é inútil lutar contra o criacionismo.

Foto e excerto daqui.

Para algumas pessoas, a iniciação na literatura de divulgação científica foi com o livro (e a série) "Cosmos", de Carl Sagan. Foi o meu caso. Para outros, foi com o livro deste senhor, "Um pouco mais de azul", que foi buscar o título a um poema de Mário de Sá-Carneiro. Por pouco não foi o meu caso. Li-o logo a seguir ao "Cosmos", por influência do amigo Manuel Augusto Oliveira.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Mas é certo que vai acabar


Hoje, em alguma imprensa, fala-se do fim do mundo agendado para amanhã. Por causa da tal pseudoprofecia maia. É curioso que vão perguntar a opinião a astrónomos e não a escatólogos, embora o tema seja, também, tipicamente religioso e mesmo cristão. Claro, os sábios das sociedades seculares são os cientistas, não os teólogos.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Anselmo Borges: "Ciência e religião: um desafio, não um conflito"


Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

George Coyne, s.j.

Ele sabe do que fala. É o jesuíta George Coyne, director emérito do Observatório do Vaticano, onde desempenhou um papel relevante no quadro das relações entre conhecimento científico e religião, dialogando com alguns dos mais prestigiados cientistas contemporâneos: Stephen Hawking e Richard Dawkins, entre outros.

Numa entrevista à US Catholic, defende precisamente que, mesmo que a Igreja nem sempre tenha sido dessa opinião, entre a ciência e a religião não há conflito, mas um desafio, ajudando ambas, desde que se trate da verdadeira fé religiosa e da verdadeira ciência, a compreender um universo dinâmico e criativo.

O universo é "um desafio incrível". Em primeiro lugar, lida-se com números avassaladores: o universo tem 13 700 milhões de anos - mil milhões é um seguido de nove zeros - e o número de estrelas existentes, nos cem mil milhões de galáxias, é um seguido de 22 zeros.

Neste universo gigantesco, não podemos, pois, excluir a existência noutras paragens de vida inteligente. E nós, como aparecemos nós? Isto aconteceu por acaso ou num processo necessário? Tudo foi por acaso ou por necessidade?

A sua resposta: "Segundo a ciência moderna, pelas duas coisas ao mesmo tempo: somos o resultado do acaso e da necessidade num universo fértil." O nosso Sol é uma estrela de terceira geração. Precisamos de três gerações de estrelas para conseguir uma capaz de fornecer os elementos necessários para a vida. É isso que se quer dizer com a fertilidade do universo: mediante processos físicos no universo, construir a química necessária para a vida.

É preciso contar com as leis da natureza. Por exemplo, quando dois átomos de hidrogénio se encontram, pode formar-se uma molécula de hidrogénio, mas também pode acontecer que não, devido às condições de temperatura e pressão. Não deve surpreender-nos que, por acaso, dois átomos se encontrem num momento em que as condições são adequadas, formando uma molécula de hidrogénio. Isso é "acaso", mas também é algo mais. Podemos determinar uma probabilidade de que isso aconteça. Nalgumas galáxias, é mais provável. É uma combinação de acaso e de necessidade, mas, num universo fértil, há muitas possibilidades de que isso ocorra.

Então, "com toda esta química à disposição durante 14 mil milhões de anos, o acaso e a necessidade trabalharam juntos para construir moléculas cada vez mais complexas. Assim, obtemos proteínas, aminoácidos e açúcares, ADN, fígados, corações, e, por fim, o cérebro humano, através da evolução biológica".

Conhecemos, portanto, o processo científico que nos levou a ser o que somos. Foi Deus que fez isto? "Falando como cientista, a minha resposta é: não sei." A ciência não tem possibilidade de responder. Posso ficar e fico surpreendido com a existência deste movimento. Para mim, como cientista, "o ser humano é um organismo biológico complexo" e "não posso falar sobre o seu carácter espiritual"; "como objectos materiais no universo, seria difícil para mim, como cientista, defender que somos especiais". A criação tem carácter evolutivo e há processos aleatórios, e não sabemos completamente para onde se dirige. Enquanto cientista, "também não posso falar de Deus", pois, nessa altura, não estaria a fazer ciência. "Creio que é muito importante na sociedade moderna, sobretudo na América, não confundir o que sabemos pela ciência com o que sabemos pela filosofia, a teologia, a literatura e a música."

Há cientistas que dizem que os crentes estão enganados, mas a maioria respeita profundamente a fé religiosa. Aliás, o próprio ateísmo "já é uma prática da fé", pois "um ateu não pode demonstrar que não há Deus". A experiência humana é mais ampla do que as explicações racionais, e "a fé vai para lá da razão, mas não está em contradição com a razão". G. Coyne acredita no Deus revelado por Jesus.

De novo: o homem é especial? "Ser especial enquanto peça material no universo é uma coisa; ser especial ao conhecer a história religiosa e viver uma vida cheia de fé é outra. Mas continua a ser um desafio."

sábado, 24 de novembro de 2012

Anselmo Borges: O CERN e Fernando Pessoa

Artigo de Anselmo Borges no DN de hoje (daqui):



A descoberta do bosão de Higgs (ainda não há provas totalmente definitivas) aproximou-nos um pouco mais dos instantes que se seguiram ao Big Bang.

É fabuloso aonde a ciência está a chegar. Mas é claro que ela não poderá alcançar o Big Bang enquanto tal, pois trata-se de uma singularidade. Como é ainda mais claro que para a ciência não tem sentido perguntar: "e antes do Big Bang?", já que o tempo apareceu com o Big Bang. O "antes" tem já a ver com questões filosóficas e religiosas.

Rolf Heuer, director-geral do CERN

Começa, pois, a ser tempo de cientistas, filósofos e teólogos se juntarem para reflectir sobre a criação do Universo. E foi isso precisamente que aconteceu no passado mês de Outubro em Genebra. "Dei-me conta de que é necessário discutir isso", disse Rolf Heuer, director-geral do CERN. Como cientistas precisamos de "discutir com filósofos e teólogos o antes do Big Bang".

Para alguns, trata-se de uma questão sem interesse. Assim, para Lawrence Krauss, um físico teórico da Universidade Estatal do Arizona, aquela reunião não significava que os cientistas estejam interessados em Deus. "Não se pode refutar a teoria de Deus. O poder da ciência é incerto. Tudo é incerto, mas a ciência pode definir essa incerteza. Por isso, a ciência progride e a religião não."

Há, porém, quem lembre que foi um padre católico, professor de Física na Universidade Católica de Lovaina, a primeira pessoa a propor, em 1931, a teoria do Big Bang. E manteve a fé religiosa como sendo tão importante como a ciência, tornando-se inclusivamente presidente da Academia Pontifícia das Ciências até à sua morte, em 1966 [ver pequena nota sobre isso aqui]. E, ao contrário do que frequentemente se diz, Darwin também deixou escrito na sua autobiografia: "O mistério do princípio de todas as coisas é insolúvel para nós, e, pelo meu lado, devo conformar-me com permanecer agnóstico."

John Lennox, professor de Matemáticas na Universidade de Oxford, presente no encontro, declara-se cristão. Para ele, o facto de os seres humanos poderem fazer ciência pressupõe um mundo racional e, assim, a ciência abre para Deus: "Se soubesses que o teu computador é produto de um processo não guiado, sem sentido, não confiarias nele. Por isso, para mim, o ateísmo mina a racionalidade de que necessito para fazer ciência."

Andrew Pinsent, também da Universidade de Oxford, pensa que colaborar com a filosofia poderia ajudar a enfrentar as grandes perguntas. Por isso, Heuer sublinhou que é necessário continuar a dialogar, pois deparamos na nossa cultura com o problema da hiper-especialização, de tal modo que "a ignorância de outros campos pode causar problemas, como uma carência de coesão social".

Platão advertiu que é à volta de ser e do ser que os homens travam uma luta de gigantes (gigantomaquia). O que os une - religiosos, filósofos, cientistas - é precisamente esse combate. Somos todos convocados pelo mistério do ser, do existir algo: "Porque existe algo e não nada?"

Fernando Pessoa disse-o de modo inexcedível - fica aí o poema, lembrando o passado dia 15, Dia Mundial da Filosofia: "Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,/Perante esta única realidade terrível - a de haver uma realidade,/Perante este horrível ser que é haver ser,/Perante este abismo de existir um abismo,/Ser um abismo por simplesmente ser,/Por poder ser,/Por haver ser!/- Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,/Tudo o que os homens dizem,/Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles,/Se empequena!/Não, não se empequena... se transforma em outra coisa -/Numa só coisa tremenda e negra e impossível,/Uma coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino -/Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,/Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,/Aquilo que subsiste através de todas as formas/De todas as vidas, abstractas ou concretas,/Eternas ou contingentes,/Verdadeiras ou falsas!/Aquilo que, quando se abrangeu tudo, não se abrangeu explicar porque é um tudo,/Porque há qualquer cosia, porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa!"

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Livros (2): Livros de fé, ciência e confusão

Crónica do professor de Coimbra, já com um mês de idade, a crónica, não o professor português que escreveu o artigo científico mais citado em revistas da especialidade, de leitura sempre instrutiva, sobre livros de fé e ciência. Saiu no "Sol" de 9 de dezembro de 2011.



quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Acreditar no erro

Polanyi

Os cientistas têm por vezes de acreditar em coisas que sabem que mais tarde serão comprovadamente erradas.


Michael Polanyi (1891-1976) citado por Alistar McGrath

sábado, 12 de novembro de 2011

Se Deus tem alguma coisa a ver com o neutrino...


João Magueijo (foto e uma outra entrevista aqui), que há pouco lançou o livro «O Grande Inquisidor», centrado na figura do físico italiano Ettore Majorana, que previu a existência do neutrino 50 anos antes de ser confirmada, deu uma entrevista à “Ler” de Novembro. Entrevistou-o Carlos Vaz Marques. A entrevista acaba com um diálogo sobre Deus. O que diz, como ateu, é quase exactamente o que penso, com algumas adaptações, como crente. Acreditar ou não acreditar não tem a ver com a ciência. De acordo. Mas ele não acredita porque faz mal à saúde, à História, a tudo. Aqui penso precisamente o contrário.

Sendo ateu alguma vez se lhe colocou a questão religiosa no trabalho que faz? 
É completamente indiferente ser ateu ou não ser. Não tem nada a ver com o facto de ser cientista. 
Claro, mas agora já estamos fora do âmbito científico; estamos no âmbito filosófico e metafísico. 
Não acredito em Deus por razões filosóficas, pessoais e humanas. Mesmo que a física provasse a existência de Deus, não devíamos acreditar em Deus. 
Porquê? 
Porque acho que faz mal. Faz mal à saúde, à nossa História, faz mal a tudo. Não sou dogmático mas penso isto, profundamente. O ser ateu não tem nada a ver com a ciência. Aliás, isto nem é ser ateu, é ser antiteísta: é ser mesmo contra a ideia de Deus. Tenho muitos amigos religiosos e não vou ser evangélico a este respeito. Tentar provar que Deus não existe com ciência é tão estúpido como usar os argumentos criacionistas. Isto é uma escolha pessoal, humana.
Mas há a célebre frase de Einstein que dizia que Deus não joga aos dados. 
É uma metáfora. Quando ele disse essa frase não estava a falar de Deus.
O que ele estava a dizer é que há regas na física. 
Sim. Disse-o de uma maneira mais colorida, De vez em quando também uso expressões com Deis isto e Deus aquilo.
O neutrino pelos vistos baralha um pouco tais regras e se calhar faz pensar que Deus é capaz de jogar aos dados. 
Se Deus tem alguma coisa a ver com o neutrino deviam internar Deus para tratamento psiquiátrico.

domingo, 18 de setembro de 2011

Alguém que publique do lado de cá


Brasileiros. Frei Betto, frade dominicano, e Marcelo Gleiser, físico teórico (ver aqui), conversam sobre fé e ciência. Gostava de apanhar o livro do lado de cá do Atlântico.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Google recorda Mendel

O Google recorda hoje através do seu logo que Mendel nasceu há 189 anos. O pai das leis da hereditariedade foi recordado aqui há um ano. Já agora, aqui estão todos os logos do Google.


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Marcelo Gleiser: A teoria final do tudo é uma influência do monoteísmo


O físico brasileiro Marcelo Gleiser (aqui aludido) foi entrevistado pelo jornal “Público” no dia 5 de Julho. A entrevista do jornalista Nicolau Ferreira tinha como título. "A ciência é uma narrativa humana como a literatura ou a pintura". Alterei a cor de partes que considero especialmente relacionadas com este blogue, visto que seria prejudicial truncar a entrevista.

A humanidade mudou as leis do Universo ao longo dos séculos, mas para o físico brasileiro Marcelo Gleiser isso não tira o compromisso que existe na busca da verdade através da ciência, é só o reflexo da capacidade incompleta e limitada com que olhamos para a natureza.

Marcelo Gleiser, 52 anos, físico teórico brasileiro radicado nos Estados Unidos. Dá aulas na Universidade de Dartmouth, New Hampshire, mas é também cronista na Folha de São Paulo, e está profundamente empenhado na divulgação da Ciência no Brasil. Em Portugal saiu o último livro escrito pelo cientista sobre o Universo, chama-se Criação Imperfeita (Círculo de Leitores). Fala sobre as forças físicas da natureza, a forma como o Universo poderá ter sido criado e a importância de sermos raros num cosmos aparentemente deserto. Mais importante, desmonta a procura de uma teoria unificadora na Física que tenta explicar todas as forças do Universo de uma só vez. Uma busca que defende estar enraizada na cultura científica e que tem origens monoteístas. Nesta tentativa unificadora, a Ciência cai no erro de generalizar os fenómenos naturais e esquecer-se das assimetrias. Todas as margaridas são semelhantes, mas nenhuma delas é idêntica a outra (disse ao P2 numa entrevista em Lisboa, para promover o livro), e a Ciência nunca vai conseguir olhar para tudo. É uma história em construção. Sem fim.

Diz que a Ciência é uma narrativa humana. Que limitações tem?
As pessoas têm a impressão de que a Ciência é a verdade absoluta. Que os dados científicos são incontestáveis e que tudo está correcto. Quando se estuda a história da Ciência, percebe-se que não é bem assim, a Ciência avança e cria informação à medida que o tempo vai passando. Ela vai ficando cada vez mais complexa e mais completa, mas nunca chega ao fim. O que era verdade no tempo de [Pedro Álvares] Cabral, que o Universo era estático com a Terra móvel no centro, era completamente diferente da verdade no século XVII ou da de hoje. A noção de verdade muda com o tempo. O Universo em que a gente vive vai-se transformando à medida que nós aprendemos mais sobre ele. Dessa forma, a posição do Homem no Universo e a compreensão de quem nós somos também mudam. O que eu tento no livro é desmistificar a Ciência, mostrar que ela é, na verdade, uma narrativa, uma construção profundamente humana, uma tentativa de compreensão de quem nós somos. A Literatura faz isso, a Pintura faz isso, a Ciência também está a fazer isso.

Como é que a cultura molda essa narrativa?
A cultura cria um contexto. As perguntas sobre quem nós somos, qual é a essência da vida podem ser as mesmas, mas as respostas dependem muito desse contexto. Voltando, por exemplo, à imagem de Cabral: no século XVI existia uma cultura completamente dominada pela teologia cristã, a visão do mundo era essencialmente religiosa e, dentro dessa visão religiosa, o Homem era um ser extremamente especial, era uma criação divina, e à medida que a Ciência foi avançando, essa visão foi-se transformando.

Richard Dawkins (cientista e autor de A Desilusão de Deus) utiliza a verdade científica para lutar contra a religião, argumento com o qual não está de acordo. Tem que ver com a Ciência ser uma narrativa?
Sim. Acho que Dawkins concordaria com essa noção de que a Ciência é uma narrativa humana. Espero, nunca conversei com ele sobre isso. No que diferimos profundamente é na atitude. Ele tem uma atitude em que a Ciência é a única forma de conhecimento e eu não acredito nisso, eu acho que a Ciência é uma forma de conhecimento, muito precisa, está ligada ao nosso entendimento do mundo, da natureza. A função da Ciência é descrever a natureza, descrever o mundo.

O que é que as outras formas de conhecimento dão ao Homem, como a religião?
Eu não diria que a religião é uma forma de conhecimento, mas a literatura ou a pintura, a música, a poesia, elas criam conhecimento de uma forma completamente diferente da Ciência. Elas constroem realidades que são paralelas à realidade científica. Na literatura não é preciso um compromisso com o real. Jorge Luís Borges ou Saramago criam realidades completamente fantasiosas mas que nem por isso deixam de trazer um elemento de verdade para a dimensão humana.

E essa dimensão é importante?
É fundamental. Dizem que a ficção, através da mentira, diz verdades. E a Ciência tenta sempre dizer verdades através da verdade. São propostas completamente diferentes de se alcançar a mesma coisa, que é uma maior compreensão do espírito humano.

Dawkins presume de mais dessa verdade trazida pela Ciência?
O que me incomoda em relação ao Dawkins é a sua posição absoluta. É um pouco fundamentalista. Esse fundamentalismo ateu sofre dos mesmos problemas do fundamentalismo religioso. Que é acreditar ser o dono absoluto da verdade. A posição do ateu é uma posição que logicamente não faz sentido. O que é que diz o ateu: diz que "eu acredito no não-acreditar". Como é que se pode acreditar no não-acreditar? Para Dawkins, Deus é completamente impossível. E apesar de concordar com isso - também não acredito em Deus ou no sobrenatural - cientificamente você só pode falar no que existe. A Ciência é muito boa para provar o que existe: electrões existem, planetas existem, estrelas existem, galáxias existem. Mas o que é que não existe? Sei lá! Então, eliminar radicalmente o que não existe usando a linguagem da Ciência: Deus não existe, fadas não existem, duendes não existem - também acho, mas não posso ser radical na minha atitude, prefiro manter a cabeça aberta e essa é a posição do agnóstico.

Diz que a procura de uma teoria geral na Física é uma ideia monoteísta. De onde vem?
Essa busca por uma unificação de tudo, por uma teoria final, que seria a soma de todas as teorias possíveis de como a matéria se organiza, que descreve as interacções entre as partículas da matéria, é uma noção essencialmente monoteísta. À medida que as religiões monoteístas foram ganhando força mais ou menos há 3000 anos, essa noção de que Deus é um criador de tudo, então tudo tem uma explicação única que volta a Deus. Essa ideia tomou muita força e entrou na Filosofia. Platão foi influenciado pelos pitagóricos, que defendiam que a natureza é matemática e que a função do filósofo era entender a construção matemática do mundo. Através dessa construção entender-se-ia a mente de Deus. Essa noção de que a natureza é uma ponte entre a mente humana e a de Deus torna a Matemática num instrumento teológico. O cientista passa a ser o intérprete da criação. Essa noção inspirou muitos cientistas. Por exemplo [Johannes] Kepler, no século XVII, foi uma pessoa muito influenciada por isso, e depois Einstein, mesmo que se tenha libertado dessa noção monoteísta do Deus autoritário, ficou com a ideia de que a natureza é matemática, e que pode ser compreendida de uma forma perfeita pela mente humana.

Essa ideia continua presente?
Sim. Por exemplo, existe a teoria das supercordas, a ambição máxima da Física moderna, unificar as forças da natureza numa teoria única. É a encarnação moderna desse sonho platónico de traduzir toda a existência em termos geométricos. Ela traz consigo essa bagagem cultural do monoteísmo, que há uma justificação única e central para tudo o que existe pelas ordens da Física. Para mim, essa noção é um preconceito filosófico influenciado por uma teologia de 3000 anos. Em termos práticos, se você olhar para o que está a acontecer nas descobertas da Física moderna, vê que existe uma tensão entre uma discussão completa do mundo, as simetrias da natureza e as quebras dessas simetrias. Então, criamos uma teoria simétrica, muito bela, e aí as experiências vão e - bum! - quebram essa simetria e mostram que é apenas aproximada. Isso é uma constante na história da Física.

Por que é que essa procura deixou de lhe fazer sentido?
Porque a Física é essencialmente uma Ciência empírica, baseada nos dados, nas experiências. Podemos querer construir teorias muito belas, mas no final quem vai dizer como é a natureza é a própria natureza, através de experiências. Comecei a perceber que, apesar do meu desejo adolescente, romântico, de construir uma visão única do mundo, baseada numa teoria unificada, a história dos últimos 50 anos da Física está a levar-nos a uma posição completamente diferente em que as simetrias são quebradas, que elas são aproximadas e que talvez essa insistência que nós tenhamos em criar uma teoria completa do mundo seja só um preconceito.

Na educação da Física, como cientista, é-se influenciado para a teoria final?
Para a teoria final e também para a confusão entre simetria como uma aproximação e simetria como uma verdade. Em Filosofia, você tem duas correntes, a Filosofia do ser, que é atemporal, não se transforma, e a do devir, do que está sempre a construir-se. E na história da Filosofia houve sempre uma espécie de crise, ou tensão, entre elas. A Ciência contém as duas. O ser - a conservação da energia, por exemplo, que é uma lei que existe independentemente do quando e do onde, e por outro lado o devir - todas as variações locais das coisas que vão acontecendo, em cada planeta, que dependem da história, de detalhes. Para mim, o que é interessante hoje é as forças que criam as diferenças, a origem das assimetrias.

O livro chama essas assimetrias logo para o título "Criação Imperfeita".
No livro, eu tomo cuidado ao dizer que não sou contra a unificação. Mas sou contra a ideia do abuso dessa noção. Para mim, a teoria final é completamente absurda. Pode falar-se em teorias que são parcialmente unificadas, como o electromagnetismo, mas mesmo essa, que é o paradigma da unificação, não é perfeita. Porque existem diferenças entre as propriedades da electricidade e do magnetismo. As unificações que vão ocorrendo vão ser sempre aproximadas, nunca vão ser perfeitas. E certamente nunca vão chegar numa teoria final. Basta ver como funciona a Ciência: através dos dados que colectamos sobre o mundo. Dependemos de telescópios, de aceleradores de partículas, etc. Esses instrumentos vão ficando mais precisos e poderosos à medida que a tecnologia vai avançando, mas eles têm limites de precisão. Como nós não temos uma visão total do mundo, a nossa descrição da natureza vai ser sempre limitada. A ideia de chegarmos a uma teoria que contém tudo não faz sentido, porque nunca vamos saber se a teoria está certa ou errada. Por isso eu falo em narrativa, a Ciência é uma construção que está sempre em andamento, ela não tem um ponto final.

Os próprios conceitos como electromagnetismo não limitam o modo como olhamos para a Física?
Eles não limitam como vemos a Física, eles são como a Física é. A Física é construída a partir desses conceitos porque ela é feita por nós.

A Física não é a natureza.
Exactamente. A Física é o que a gente pode dizer sobre a natureza. Aliás, não fui eu que disse isso, foi [Niels] Bohr (Nobel da Física em 1922). Idealmente, podemos descrever tudo sobre o mundo, e a posição mais concreta e realista é que infelizmente não é verdade, porque somos seres muito sofisticados, mas limitados. A noção de teoria final é tentar equiparar o Homem a Deus, e isso, para mim, é uma noção extremamente perigosa.

Uma das frases que mais repete no livro é. "Só sabemos o que podemos medir." Qual é o perigo das teorias impossíveis de serem testadas?
O perigo é levar à perda da credibilidade da Ciência. A força da Ciência está justamente no facto de que quando se diz que o Sol é uma estrela, que tem uma temperatura na superfície de 5800 graus, está a fazer-se uma asserção que se pode comprovar. Mas se se disser que vivemos num universo em que existem infinitos universos, mas que não se podem contactar esses múltiplos universos, então está a fazer-se uma asserção que não é científica, em que tudo é válido, e começa a discutir-se mais Filosofia do que Ciência. Essa noção de concreto da Física está a perder-se com a especulação um pouco exagerada dos físicos teóricos.

Essa especulação é recente?
Está pior nos últimos 20 anos.

Normalmente o nível da discussão ultrapassa o conhecimento comum.
É, mas por exemplo o [Stephen] Hawking escreveu um livro que faz asserções do tipo "a Ciência explica hoje a origem do Universo" e não é verdade. Existem modelos matemáticos, extremamente abstractos, que fazem previsões em relação à origem do Universo, mas dizermos que a Ciência explica a origem do Universo não é verdade. Passa-se ao público uma impressão de que sabemos muito mais do que sabemos, e isso faz com que a Ciência perca credibilidade.

Diz: "O cientista deve estar preparado para encarar as consequências do seu trabalho." Parece algo que pedimos aos políticos. Também devemos exigir isso aos cientistas?
A Ciência pode trazer o bem e o mal. Isso vê-se, por exemplo, na bomba atómica, na energia nuclear. Os usos das descobertas científicas em geral escapam das mãos dos cientistas, e vão ser utilizadas pelos políticos, pelos industriais, pelas grandes empresas, etc. Os cientistas têm que estar muito conscientes desse perigo e da aliança que têm com o poder.

Fukushima [acidente na central nuclear no Japão em Março último] é culpa dos cientistas?
Não. Os cientistas também não são culpados pela bomba em Hiroxima e Nagasáqui. Esse é o ponto.

Há coisas que devem estar fechadas aos cientistas e à Humanidade?
Mas quem vai definir isso? Não há como controlar a pesquisa científica, é uma espécie de caixa de Pandora. Destruir todas as bombas nucleares e apagar esse capítulo da humanidade - isso nunca vai acontecer. Porque já foi descoberto, pode voltar. O que tem que ser feito é uma maior consciencialização da população, dos políticos que são eleitos. Por isso é que o cientista não se deve dar ao luxo de ficar só na academia. Tem que se manifestar publicamente como intelectual. Tem que ter uma consciência ética do que está a fazer e quais são as possíveis consequências. Na Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de cientistas foi trabalhar no projecto Manhattan para as bombas, eles estavam a responder ao medo que tinham que os nazis tivessem a bomba. Essa era a motivação principal. Mas quando a Alemanha se rendeu, o projecto tinha uma inércia tão grande que não conseguia parar. Transformou-se muito mais numa arma política, militar, do que numa descoberta científica. Os cientistas perderam o controlo e a bomba passou a ser uma propriedade dos políticos e militares. Esse é um risco que vai sempre acontecer.

terça-feira, 5 de julho de 2011

5 de Julho de 1687. Newton publica “Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica”

Terceira edição, em 1726, um ano antes da morte de Newton

Isaac Newton publicou no dia 5 de Julho de 1687 “Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica” (“Princípios Matemáticos da Filosofia da Natureza”), uma obra de primeiríssimo plano na História da Ciência, só destronada, para as questões do quase infinitamente pequeno e infinitamente grande, pelas obras de Einstein e pelas teorias quânticas.
Contudo, Newton, que também era filósofo e teólogo, achava que ficaria na história antes por obras de carácter teológico como “An Historical Account of Two Notable Corruption of Scriptures”, “Chronology of Ancient Kingdoms Atended” e “Observations upon the Prophecies”.

Merecia uma resposta, mas tem uma certa razão


Com ou sem religião, haverá sempre pessoas boas a fazer coisas boas e pessoas más a fazer coisas más. Mas para as pessoas boas fazerem coisas más, tem de haver religião pelo meio.

Steven Weinberg (1933 - …), Nobel da Física, autor de “Os três primeiros minutos” (Gradiva)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ignorância e mistério


Quanto mais aprendemos, mais assombrados ficamos ou devíamos ficar… A nossa obrigação é aprender cada vez mais e assim separar a nossa mera ignorância do verdadeiro mistério.

Lewis Thomas (1913-1993)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Duas heranças logicamente consistentes


[O espírito científico e a ética cristã] são duas heranças logicamente consistentes. Mas a lógica não é tudo. Para seguir uma ideia é necessário o coração. Como conseguir a inspiração para que estes dois pilares da civilização ocidental se mantenham juntos, em pleno vigor e sem temores mútuos. Esse é o problema central no nosso tempo.

Richard Feynman (1918-1988)

segunda-feira, 21 de março de 2011

O que dizem de Jesus: Plano Director

Nikita Khrushchov e John Turkevich
Aqui estou, para participar nesse Plano Director que tenta criar um Reino de Deus, segundo o grande mandamento que nos deu Jesus Cristo: "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda tua mente. Este é o primeiro e o grande mandamento. O segundo é semelhante a este; amarás o teu próximo como a ti mesmo".


John Turkevich (1907–1998), fisíco-químico norte-americano de ascendência russa. Participou no projecto Manhattan, que desenvolveu a primeira bomba atómica, e foi pioneiro no uso de catalizadores, com aplicações nos combustíveis e na cura do cancro.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Sentido

A fé em Jesus Cristo é para mim o que dá sentido à minha existência. Esta fé, que não é uma crença em certas doutrinas, mas a adesão à pessoa vivente de Jesus Cristo, proporciona um sentido à minha vida.

Jacques Arsac (1929-…)

terça-feira, 8 de março de 2011

Duas humildades



A civilização ocidental baseia-se em duas heranças. Uma é o espírito científico de aventura no desconhecido… a atitude de que tudo é incerto, a humildade do intelecto. A outra é a ética cristã – o amor, a fraternidade de todos os homens, o valor do indivíduo –, a humildade do espírito.

Richard Feynman (1918-1988)

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...