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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Bento Domingues: "Código genético (2)"

Texto de Bento Domingues no "Público" do último domingo (aqui):


1. Nada é inocente, nada está irremediavelmente perdido, tudo precisa de nascer de novo, a começar pelas palavras da fé cristã e dos seus rituais. A dignidade essencial do ser humano manifesta-se, precisamente, na capacidade de se interrogar, de se corrigir, de mudar de rumo, de não se conformar com o mundo tal como se apresenta. A história do cristianismo está carregada de ambiguidades, de equívocos, de pecados, mas a conversão faz parte do seu caminho de reencontro com o seu “código genético”.

É legítimo dizer, ainda que de modo esquemático, que o cristianismo foi-se afirmando face à cultura e à religiosidade antigas, seguindo um duplo caminho, nem sempre linear, como afirma Isidro Lamelas. Em relação ao judaísmo, rompeu com as práticas rituais e prescrições legais impostas pela religião da Lei, mas não deixou de assimilar muitos dos seus hábitos litúrgicos e cultuais. A prioridade da fé sobre as obras, pelo menos na perspectiva de S. Paulo, implicava, segundo uns, uma ruptura total com a religião de Moisés, enquanto outros preferiam sublinhar a continuidade entre a fé de Abraão e a nova fé em Cristo. No extremo da primeira tendência, temos Marcião e os seus seguidores; no outro extremo, encontramos o judeo-cristianismo persistente, em muitas versões.

No respeitante ao mundo pagão, também foi duplo o critério seguido. Por um lado, foram rejeitadas as suas práticas e convicções religiosas, na medida em que não eram compagináveis com a revelação bíblica. Por isso, os primeiros cristãos foram acusados de ateísmo. Por outro lado, foi assumida a natural religiosidade pagã como preparação para acolher a “verdadeira religião”, identificada com o cristianismo. Enquanto, porém, no paganismo a religião se resume ao culto que, por sua vez, não se distinguia da cultura (vida social e política), no cristianismo, a fé precede o culto, sem se confundir com nenhum tipo de cultura ou sistema religioso (1).

2. O duro e persistente conflito que opôs o cristianismo ao judaísmo e ao paganismo explica-se pela clara destrinça que Jesus Cristo e a sua herança vieram estabelecer entre fé e religião.

A fé cristã não assenta, de facto, nem num Livro sagrado nem na observância da Lei e na reverência ao “Deus dos Pais”, dos antepassados. A sua referência existencial é a experiência do encontro com Jesus real reconhecido como Cristo, Filho de Deus (Abba) e que partilha connosco o seu Espírito de amor filial ( Rom. 8, 14-17).         

Como lembrei no Domingo passado, é num credo trinitário que renascem, por uma radical transformação espiritual, os que acedem ao Baptismo cristão: ”Eu te baptizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Essa invocação é tão decisiva que, no começo da Eucaristia, é sempre com ela que marcamos o nosso corpo celebrante. O desejo de quem preside à Eucaristia retoma as palavras de Paulo (2Cor.13,13): A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco!

Compreende-se que para o Judaísmo e para o Islão, o Cristianismo continue a ser considerado uma religião politeísta ou, pelo menos, um monoteísmo impuro. No cristianismo de rito latino, tirando a atracção que a fé trinitária exerce em algumas correntes místicas, não vai muito além de uma misteriosa fórmula abstracta, de uma matemática estranha, sem influência real, concretizada apenas no nome ligado a algumas pessoas, igrejas ou hospitais. A rede de subtilezas dos teólogos parece o fruto de uma ociosidade mal empregue. O grande filósofo da modernidade, I. Kant, confessava a inutilidade religiosa e ética do dogma da Trindade.

3. Resta portanto a questão de fundo: adianta ou não a fé trinitária das igrejas cristãs implicada na Incarnação do Verbo? Sem ela que perdem os cristãos, as igrejas e a sociedade? Será mesmo assim tão essencial para viver e entender o sentido da vida?

Segundo o filósofo, teólogo e politólogo dominicano, Paul Blanquart (2),a simbólica trinitária é um modelo social e uma forma de pensar e repensar o mundo e a sociedade. É o modelo da perfeita democracia: na indestrutível unidade de Deus, as pessoas são todas iguais, todas activas, todas diferentes, sem subordinação e em comunhão. É a existência simultânea do uno e do múltiplo.

Se o ser humano, no mundo, é criado à imagem de Deus, não é indiferente que esse Deus seja pura solidão ou uma comunhão de pessoas. Na experiência humana, se insistimos apenas na unidade, esquecendo as diferenças, temos uma unidade vazia. Se, pelo contrário, insistirmos nas diferenças, pomos em causa a igualdade. A simbólica trinitária serve para, no plano mental e na realidade social, promover a máxima unidade na máxima diversidade. Se nesse modelo, não existe a subordinação das pessoas, também não existe a vontade de poder de umas sobre as outras, existe a alegria da comunhão nas diferenças.

Não é por acaso que Paulo, nas suas cartas, é pela unidade da Igreja na multiplicidade de carismas. Não existe nenhum carisma para abafar os outros.

Não podemos deixar de ouvir a voz de Leonardo Boff, que entende a Trindade como a melhor comunidade. Fica para a próxima.


1)Sim, Cremos. O credo comentado pelos Padres da Igreja, UCP, 2013


2) Paul Blanquart, Une Histoire de La Ville, Découverte, 2005


Ler "Código genético (1)" aqui.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Anselmo Borges: "Natal: a História no seu reverso"

Texto de Anselmo Borges no DN de ontem:

Há um testemunho de Kant que diz bem da sua grandeza de filósofo e de homem. Poucos dias antes de morrer - 12 de Fevereiro de 1804 -, confiou a amigos: "Senhores, eu não temo a morte, eu saberei morrer. Asseguro-vos perante Deus que, se sentisse que esta noite iria morrer, levantaria as mãos juntas e diria: Deus seja louvado! Mas, se um demónio mau se colocasse diante de mim e me insinuasse ao ouvido: Tu tornaste um homem infeliz, ah! então seria outra coisa."

Afinal, o que é mais importante e decisivo não é a dignidade de todos e a sua felicidade? Não é devido ao seu combate ímpar pela liberdade e dignificação de todos que o mundo se inclina unânime, com respeito, perante a memória de Mandela?Este é também o segredo do Papa Francisco: renovar a Igreja, evangelizá-la, para ela poder, por palavras e obras, evangelizar o mundo: levar a todos a notícia boa e felicitante do Deus de Jesus Cristo. O seu programa de pontificado, na exortação "A Alegria do Evangelho", de que aqui já dei conta, é simplesmente este: o Evangelho. Para isso, há um método, um caminho, uma luz: ler o mundo a partir de baixo, dos pobres, dos excluídos, e agir em consequência, isto é, colocando-se no seu lugar e, a partir desse lugar, que é o lugar de Deus, cumprir a sua missão. Para que todos possam realizar a dignidade de homens e mulheres e alcançar a alegria e a felicidade, para lá do consumismo e materialismo reinantes: "Deus quer a felicidade dos Seus filhos também nesta Terra, embora estejam chamados à plenitude eterna", escreve Francisco. Normalmente, a História é lida a partir dos vencedores, mas a missão da Igreja é lê-la e ensinar a lê-la a partir das vítimas, dos perdedores. Uma revolução das consciências, que, em termos cristãos, se chama conversão, metanóia, mudança de mentalidade e de horizonte.

Então, o centro não é a Igreja nem os dogmas nem as leis, mas Cristo, o Evangelho e as pessoas. "Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do Seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes". "Uma fé autêntica - que nunca é cómoda nem individualista - comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela."

A Igreja tem de avançar sem medo. Francisco repete: "Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas fora a uma Igreja doente pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa protecção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta", "sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida".

Afinal, os preceitos dados por Cristo "são pouquíssimos". E Francisco tem um sonho: "Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo actual do que à sua autopreservação." Para isso, Francisco convoca todos para uma reforma, a começar pelo papado: "Uma corajosa reforma, que toque tanto o espírito como as estruturas."

Se se não quiser ficar só com uma parte minúscula da História - a História dos triunfadores -, é preciso recuperá-la e reconstruí-la na sua maioria: os escravos, os colonizados, as mulheres, os velhos, as crianças, os mortos, os drogados, os humilhados, todas as periferias. Isso: o reverso da História, a História recuperada no seu reverso. Para haver Natal de e da humanidade, como anunciaram os anjos aos pastores pela noite dentro: "Não temais, anuncio-vos uma grande alegria, que será a de todo o povo: nasceu-vos um Salvador". Natal feliz!

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

João César das Neves disseca "o erro de Kant"

(...) O erro de Kant, corolário do erro racionalista de Descartes, está na origem desta sociedade rica e próspera, mas injusta, desorientada, deprimida. Os últimos dois séculos foram espantosos, mas, como o filho pródigo da parábola, o Ocidente esbanjou a vasta herança que exigiu e vê-se a guardar porcos.

Final da crónica de João César das Neves no DN de hoje.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Quem disse isto? Deus e a razão

Quem disse isto?

Não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus.

a) um perigoso racionalista
b) Bento XVI
c) Kant
d) Lutero

Resposta (selecione): b) Bento XVI no polémico discurso de Ratisbona, em 2006. Lutero nunca diria tal coisa. Pelo contrário, dizia que a razão é a rameira do diabo...

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Teologia e espiritualidade

Diz Bruno Forte, "parafraseando Kant, uma teologia sem espiritualidade corre o risco de ser vazia, uma espiritualidade sem teologia corre o risco de ser cega" (pág. 102 de "Uma teologia para a vida").

Fica a mensagem. Mas não era Einstein que dizia: "A ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega"?

sábado, 16 de junho de 2012

Anselmo Borges: Um homem livre pode acreditar em Deus?

Charles Pépin


Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui):

É este o título de um pequeno livro, recentemente publicado, de um prestigiado jovem filósofo francês, Charles Pépin: Un homme libre peut-il croire en Dieu?

Em primeiro lugar, a fé é do foro íntimo livre de cada um, de tal modo que, mesmo que se tente forçar alguém a acreditar ou a abandonar a fé, o que se pode conseguir é que manifeste gestos ou sinais exteriores de fé ou descrença, mas, no seu íntimo, continuará livre para acreditar ou não.

Mas a pergunta quer ir mais longe e mais fundo, pois há dois modos de entendê-la: "o homem é livre de crer em Deus?", e sobretudo: "é possível permanecer um homem livre, crendo em Deus?"

Deus é uma questão livre. Porquê? Deus não é objecto de demonstração científica e, portanto, não sendo possível demonstrar a sua existência, fica entregue à liberdade. Se se pudesse demonstrar a sua existência, não se estaria no plano da fé, do crer, mas do saber. Uma vez que Deus não é demonstrável, é possível acreditar ou não acreditar. Como dizem aliás as próprias palavras crença, que vem de credere, crer, crédito, dar crédito, e fides, fé, confiança, ter confiança.

Nisto, Kant é inultrapassável. Porque o saber científico tem como uma das suas condições que o objecto conhecido seja do domínio da experiência, não se pode demonstrar cientificamente nem que Deus existe nem que não existe. Deus é um postulado da razão prática e objecto de esperança, respondendo à pergunta: o que é que nos é permitido esperar? O homem só age moralmente quando age por dever. Mas, cumprindo o dever, que pode exigir heroicidade e até a morte, merece ser feliz. Ora, só Deus pode ser o garante da harmonia entre o dever cumprido e a felicidade. Exige-se então moralmente que Deus exista.

O acto de fé, que não é cego, pois tem as suas razões, implica, pois, pela sua própria natureza, a liberdade, é um acto livre. Não admira então que Tomás de Aquino tenha escrito que a fé convive com a dúvida. O crente autêntico é aquele que não acredita pura e simplesmente por ouvir dizer ou por educação ou pressão social. Como escreve Pépin, se alguém acredita verdadeiramente, é porque "parou um instante, duvidou, sentiu-se livre e deu esse passo." Certamente, o ateu e o agnóstico, conscientes e também com as suas razões, procederam do mesmo modo.

Aqui, surge a outra pergunta: evidentemente, a fé é um acto livre, mas pode o homem livre continuar livre, crendo em Deus? É que Deus não é um "objecto" qualquer, como os outros: é infinito, omnisciente, omnipotente, criador. Como pode então o homem ser livre, se deve a sua liberdade a Outro, a Deus? Afinal, como escreveu Feuerbach, não é o homem que criou Deus e não o contrário, devendo, portanto, recuperar o que colocou fora dele, alienando-se? Para se poder criar a si mesmo, ser livre para inventar valores, decidir o valor dos valores, ter a liberdade de inventar o sentido da vida, não deve o homem deixar de crer em Deus? Não foi isso que reivindicaram concretamente Sartre, Marx, Nietzsche?

Será necessário responder, perguntando: o que seria uma liberdade que não implicasse a liberdade de crer em Deus? Depois, não é a liberdade total um fantasma? Não reconhece o próprio Sartre que, mesmo sem Deus, estamos sob o olhar do outro? E não postula Marx um sentido pré-existente da História? E Nietzsche não crê no Super-homem?

Mas Pépin vai mais longe, perguntando se a liberdade não é uma invenção do cristianismo, precisamente a partir da fé, no sentido de dar crédito, crer, ter confiança, confiar, que arrastam consigo a dúvida, o direito à dúvida, a legitimidade da hesitação. Foi o cristianismo, e concretamente São Paulo - o homem é justificado pela fé, lê-se na Carta aos Romanos -, que inventou a ideia de que o homem pode crer ou não em Deus, confiar ou não nesse Ser, que é omnipotente e Amor infinito, e essa ideia estende-se ao futuro, a um mundo melhor, a um amigo, a uma mulher. Esta possibilidade de fé face ao Infinito descobre simultaneamente o eu, a pessoa e a sua dignidade. "Um homem livre pode crer em Deus, ou mais precisamente: a questão da liberdade só se põe para este homem que o cristianismo inventou."

domingo, 15 de janeiro de 2012

Méritos da sabedoria

É a sabedoria que tem o mérito de escolher, de entre os inúmeros problemas que enfrentamos, aqueles cuja solução é importante para a humanidade.


Immanuel Kant

sábado, 17 de dezembro de 2011

Anselmo Borges: Os trabalhos mais felicitantes

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui).

O que é que verdadeiramente queremos? Ser felizes, não? Mas, quando começamos a tentar definir o que é a felicidade, essa definição não se encontra. É um não sei quê, que tem a ver com alegria, realização, bem-estar, vida preenchida, bem-aventurança. De qualquer forma, é o contrário de infelicidade e desgraça.

Kant foi dizendo que a felicidade é "a satisfação de todas as nossas tendências e inclinações", ao mesmo tempo que preveniu que isto não é senão "um ideal da imaginação". De facto, a felicidade coincide com o Sumo Bem na plenitude, de que nesta Terra apenas poderemos encontrar antecipações. Tendemos para ser de modo pleno, precisamente para a eudaimonia, a felicidade, como lhe chamou Aristóteles, e que Andrés Torres Queiruga caracterizou como aquele "estado no qual, sem contradições, se realizariam todas as potencialidades, se manifestariam todas as latências e se cumpririam todos os desejos e aspirações que habitam o coração humano, individual, colectivo e cósmico". Mas a felicidade perfeita não é deste mundo. Há instantes de felicidade, aqueles instantes tocados pela eternidade e que anulam o tempo.

Aliás, para a felicidade, são necessárias muitas condições: saúde, prazer, algum dinheiro, amigos, um trabalho realizante, uma família estável, um projecto de vida, a acção, a justiça, o conhecimento, o reconhecimento. Claro, o amor. A religião, na medida em que se refere ao sentido, e sentido último, pode ser decisiva. Santo Agostinho dizia a Deus: "O nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti."

De todo o modo, ao contrário do pensamento corrente, não é o ter que decide da felicidade. Neste sentido, é significativo que a famosa revista "Forbes" tenha publicado os resultados de um estudo levado a cabo pela National Organization for Research, da Universidade de Chicago, segundo o qual, entre os trabalhadores mais felizes do mundo, se encontram os padres e pastores protestantes, os bombeiros, os fisioterapeutas, os escritores...

A ordem é exactamente esta: clérigos (sacerdotes católicos e pastores protestantes), bombeiros, fisioterapeutas, escritores, educadores do ensino especial, professores, artistas, psicólogos, agentes financeiros, engenheiros de operações.

Segundo os estudiosos, o que une estas profissões tão diversas é a baixa remuneração e a ligação e entrega aos outros. A confirmar esta opinião está que são as profissões com menos contacto humano que trazem mais insatisfação. Assim, entre os dez trabalhos menos felicitantes e até mais odiados, encontram-se postos de direcção e salários elevados: directores de tecnologias da informação, directores de vendas e marketing, produtores/managers, peritos de Web, técnicos especialistas, técnicos de electrónica, secretários jurídicos, analistas de suportes técnicos, maquinistas, gerentes de marketing.

Nestes tempos de tantas dificuldades para tantos, estes resultados dão que pensar.

Já agora, tendo apresentado estas duas listas de top 10, permita-se-me mais uma lista com 10, mas, desta vez, com os dez mandamentos das relações humanas, segundo Alejandro Córdoba. Tornariam a nossa vida mais fácil: 1. Fala com as pessoas. Nada há tão agradável e estimulante como uma palavra de saudação cordial. 2. Sorri para as pessoas. 3. Chama as pessoas pelo seu nome. Para quase todas, a música mais suave é ouvir o seu próprio nome. 4. Sê amigo e prestável. Se queres ter amigos, sê amigo. 5. Sê cordial. Fala e age com toda a sinceridade: tudo o que fazes fá-lo com gosto. 6. Interessa-te sinceramente pelos outros. Recorda que sabes o que sabes, mas que não sabes o que outros sabem. 7. Sê generoso a elogiar e cauteloso a criticar. Os líderes elogiam. Sabem animar, dar confiança e elevar os outros. 8. Aprende a captar os sentimentos dos outros. Em toda a controvérsia, há três ângulos: o teu, o do outro e o do que só vê o seu com demasiada certeza. 9. Preocupa-te com a opinião dos outros. São três as atitudes de autêntico líder: ouvir, aprender e saber elogiar. 10. Ama e depois age. É transversal a todos os anteriores e é a maneira mais eficaz de dar testemunho e evangelizar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Sugestões dos leitores: Blogue Theosfera



De vez em quando os leitores deste blogue sugerem-me textos, entrevistas, blogues, frases. Coisas que muito agradeço. Geralmente valem a pena.


Há dias uma leitora, de nome Teresa, deixou como comentário num dos meus textos a sugestão de visita ao blogue Theosfera. Já lá tenho ido e gosto das breves reflexões do autor, que não se identifica (embora seja possível descobrir algo mais sobre ele - coisa que não vou aqui revelar).


Vejam estas duas:
- sobre a lentidão e a pressa na educação (aqui);
- sobre o rigor e a bondade de Kant (aqui).

domingo, 13 de março de 2011

Bento Domingues: Virtudes para um mundo melhor



Nota: O livro de Radcliffe referido por Bento Domingues não é o que tenho citado com frequência neste blogue. É um outro, de capas verdes. Em breve vai andar por aqui.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Anselmo Borges: Conviver com a natureza e os animais

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.


Um amigo jesuíta, Juan Masiá, que vive há trinta anos no Japão, contou-me uma história muito significativa, passada numa paróquia japonesa. O missionário estrangeiro começou a notar que os paroquianos deixaram de frequentar a missa por ele celebrada. Intrigado, decidiu informar-se discretamente. Foi recebendo respostas evasivas, até que alguém ganhou coragem e lhe disse: "E por causa do gato." Achou estranho, embora se lembrasse de que uns meses antes tinha agarrado pelo rabo um gato vadio que andava pela cozinha e o tinha atirado contra a parede. No entanto, não via razão para o afastamento dos paroquianos. Quando tentaram explicar-lhe, disse-lhes, indignado: "Tanto esforço para ensinar-vos que o ser humano tem alma e os animais não e agora ficais chateados por causa da morte do gato, um animal irracional?!" Mas os cristãos responderam-lhe: "O problema não é a alma do gato, se tem ou não tem alma. O problema é você. Que terá no íntimo do coração, se foi capaz de a sangue frio esborrachar o gato contra a parede?"


Ainda se continua a escrever aqui e ali: "proibida a entrada de animais", "no animals", esquecendo que os seres humanos também são animais. É necessário tomar consciência de que a humanidade não se pode pensar isolada, pois fazemos parte da comunidade natural da vida, em relação com animais e plantas, respirando o mesmo ar, tendo a mesma exigência de alimentação e água, na mesma terra e sob o mesmo céu, o que implica, contra o monopólio antropocêntrico explorador e dominador, um paradigma holístico de existência.


O cristianismo é agora apresentado como sendo um dos responsáveis pelo antropocentrismo arrogante e pela crise ecológica, por causa da ordem de Deus aos seres humanos no Génesis: "Dominai a terra." Mas, como reconhecem os exegetas, trata-se de uma interpretação errada da Bíblia, já que o que lá se encontra nada tem a ver com domínio despótico, mas apenas com guardar e cuidar da Criação, contribuindo para o seu aperfeiçoamento responsável, no quadro de um desenvolvimento harmónico do conjunto de todas as criaturas. Aliás, a aliança de Deus, depois do dilúvio, simbolizada pelo arco-íris, inclui todas as criaturas.


Há dois extremismos a evitar. O antropocentrismo tecnocientífico moderno, que vê o homem fora da natureza e o coloca na posição de sujeito objectivante e explorador da natureza, como se esta não tivesse valor próprio e se reduzisse a um reservatório de energias a dominar. A chamada deep ecology, que invoca uma natureza divinizada, encerra o homem na totalidade naturalista, cósmico-biológica, esquecendo a sua singularidade única de pessoa.


Assim, independentemente do debate sobre os direitos dos animais, a analisar em artigo próximo, não há dúvida de que temos obrigações para com eles, concretamente quando se reflecte no seu sofrimento. São inadmissíveis a tortura e a crueldade bem como sofrimentos desnecessários. Neste contexto, é necessário pôr em causa, por exemplo, as touradas.


Mesmo Kant, que só reconhecia direitos às pessoas como fins em si, referiu a insensibilidade face aos animais como reveladora de desumanidade e anti-educativa, tendo escrito: "Aquele que se comporta cruelmente com os animais possui também um coração endurecido com os humanos", de tal modo que "se pode conhecer o coração humano a partir da sua relação com os animais". Admitiu alguma experimentação com animais, mas opôs-se à experimentação irresponsável, concretamente à vivissecção.


Sobre esta problemática lê-se no Tratado de Lisboa: "Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional".

sábado, 18 de dezembro de 2010

Anselmo Borges: Religião, felicidade e infelicidade

Texto de Anselmo Borges no DN de 18 de Dezembro de 2010 (aqui).

Realizou-se nos dias 9 e 10 de Outubro passado, no Seminário da Boa Nova, Valadares, um Colóquio internacional, subordinado ao tema "Religião e (In)felicidade", com 220 participantes, e conferencistas vindos das Neurociências, da Sociologia, da Filosofia, da Teologia.


Aquele "in" de (In)felicidade indicava, à partida, o reconhecimento de que as religiões foram e são simultaneamente causa de felicidade e infelicidade.


Pela sua própria definição, a religião está referida à salvação: felicidade, sentido último, o sentido de todos os sentidos...


Grandes filósofos, como Kant, Hegel, Bloch, Habermas, reconheceram que foi pelo cristianismo que soubemos da dignidade da pessoa humana. Em tempos terríveis de miséria material e humana, foi a religião que ajudou homens e mulheres a erguerem-se um pouco acima da animalidade e do quotidiano embrutecedor.


Quando não havia médicos nem analgésicos, foi a oração e a cruz de Cristo que deram sentido e algum alívio a todo aquele mundo de horror. E as pessoas sabiam que tinham uma missão na vida, e Deus acolhia-as na morte. Não é calculável o que as religiões fizeram e fazem pela cultura, pelo combate pela justiça e dignidade, no exercício da compaixão e do amor. Quem não reconhece o que a Igreja faz na presente crise pelos mais pobres?


Mas a corrupção do óptimo é péssima, e lá está a perversão da religião/religiões e as suas patologias. Como não pensar no terrorismo, na guerra e na tentativa de legitimar a violência com a religião?


Há três impulsos com que o Homem tem de aprender a viver: o ter, prazer, o poder. Saber viver com eles - nisso consiste a arte de viver.


O mais difícil é o poder, porque ele é o maior afrodisíaco. Por isso, de modo geral, Deus é pensado como omnipotência. Significativamente, na revelação cristã, Deus não se apresenta imediatamente como omnipotente, mas como Força infinita de criação e de amor. O Evangelho diz: "Sabeis que, nas nações, os poderosos mandam e dominam; entre vós, não será assim: quem quiser ser o primeiro deve ser o último." "Eu não vim para ser servido, mas para servir", disse Jesus.


Assim, quando a Igreja se identificou como instituição de poder, começou o afastamento do Evangelho. Até Constantino e Teodósio, os pagãos diziam, referindo-se aos cristãos: "Vede como eles se amam." Depois, surgiu o poder sacro, à maneira do poder imperial, e tudo se modificou. Não é possível a uma pessoa que conheça minimamente o Evangelho e a História deixar de fazer perguntas como esta: como é que o Evangelho de- sembocou num Papa chefe de Estado, com uma Cúria imperial, e bispos a viver em palácios?


Quando se toma o poder sacro em nome de Deus, os perigos são imensos e terríveis. Até surge a tentação de "administrar" Deus. Então, quem não está com os "administradores" de Deus é herético e condenado. Lá está o perigo do fanatismo: somos a única religião verdadeira e todas as outras devem ser combatidas. Lá está o impedimento da liberdade de pensar e a censura. O pior é a imagem de um deus mesquinho, cruel, violento, causa de ateísmo e de infelicidade.


Esses "administradores" da religião e do próprio Deus arrogam-se também o direito de administrar a moral e são eles então quem determina o que é bem e mal, o que se deve fazer e não fazer. E lá está o controlo do prazer pelo poder, porque o prazer subverte o poder. Lá está então uma sexualidade envenenada, a proibição dos contraceptivos, o celibato eclesiástico obrigatório e a sua grandeza e miséria. Lá está a pedofilia dos clérigos, ocultada para tentar preservar a instituição-poder.


E ainda: quem detém o poder deverá, no quadro desta lógica, ter também mais teres e privilégios.


A questão da religião é mesmo a religião (o conjunto de atitudes e organizações na relação com Deus): o que a religião fez e faz de Deus e como usou e usa o seu nome na sua relação com os humanos e destes com Deus. Para a felicidade, é preciso voltar ao Evangelho.

sábado, 2 de outubro de 2010

Anselmo Borges: Quem guardará a guarda?

Wittgenstein

Um dia, numa conferência, L. Wittgenstein disse mais ou menos o seguinte: se fosse possível escrever um livro de ética que fosse verdadeiramente um livro de ética, esse livro arrasaria todos os outros.

Hoje, toda a gente se queixa: "não há ética, perderam-se os valores"... Quem pode negar razão a essas queixas? Mas, depois, fundamentar a ética e, sobretudo, ser ético, é tremendamente complicado. Se há terreno há muito revisitado teoreticamente, é o da ética, mas lá estão as éticas materiais e as formais, as ontológicas, as teleológicas e as deontológicas, as éticas da virtude e até as teológicas, também há a negação do seu conteúdo cognoscitivo, pois estaríamos apenas no campo das exclamações emotivas de aprovação ou reprovação... Etc. Mas o mais difícil mesmo é ser ético na vida. Porque devo ser honesto, se isso prejudicar os meus interesses?

Os seres humanos são constitutivamente abertos à questão ética, porque nascem por fazer, devido à neotenia, e devem fazer-se bem moralmente, porque a sua lei é a lei da liberdade e da dignidade. Devemos habitar o mundo eticamente (o étimo de ética é êthos, morada).

Mas o que constitui um acto ético? Há na história da ética dois exemplos famosos: o anel de Giges, de Platão, e o comerciante honesto, de Kant. Nem Giges nem o comerciante eram éticos, pois agiam como agiam no seu próprio interesse. Ora, a ética implica agir não por causa do próprio interesse ou da consideração dos outros, não por castigo ou por prémio, mas exclusivamente pelo dever, pela consideração da humanidade e da dignidade.

Como diz A. Comte-Sponville, não é necessário nem possível fundamentar a ética. Como se fundamenta a razão? Mas fazemos a experiência ética: se virmos uma criança a afogar-se, sabemos o que devemos fazer. É uma exigência. Trata-se de não sermos indignos da nossa humanidade e de estarmos de bem connosco.

E que fazer? Queres saber se esta ou aquela acção é boa ou má? Pergunta a ti mesmo o que aconteceria se todos se comportassem como tu e se quererias isso honrada e dignamente. Se todos mentissem, quem poderia acreditar em alguém? Quererias viver numa sociedade na qual todos roubassem? Se toda a gente matasse, nem sociedade existiria. Se ninguém pagasse impostos, não poderia erguer-se uma vida comum em dignidade e todos perderiam.

Se todos fossem éticos, segundo a ética desinteressada, não era necessária a política, que ficava reduzida a administração das coisas. Só porque somos egoístas, interesseiros, é que temos necessidade do Estado para regular e gerir de modo não violento os conflitos de interesses. Como escreve A. Comte-Sponville, se a moral reinasse, não teríamos necessidade de polícia, de leis, de tribunais, de forças armadas, de cadeias.

Então, ética e política não se identificam nem confundem, mas os seus objectivos são comuns: a realização da humanidade de todos. O paradoxo não é então encontrar políticos que sejam precisamente políticos, mas com ética?

O grande desafio do nosso tempo é a formação ética, para os valores. Quando isso não acontece, remetemos constantemente para a política, para as leis, para os tribunais... Ora, neste quadro, fica-se confrontado com duas questões temíveis. Primeira: não é possível legislar sobre tudo, até porque o indivíduo tem mais deveres do que o cidadão, pois há o pré-político e o pré-jurídico. Depois, seja como for, sem ética assumida - e poderia acrescentar: sem referência religiosa ao Absoluto -, fica apenas a lei e a sua sanção, o medo e a esperança de não ser apanhado. Por exemplo, se não se pagar impostos e se for apanhado, tanto pior... De qualquer forma, nesta lógica, sem valores éticos assumidos, acaba, no limite, por ser necessário colocar um polícia junto de cada cidadão, mas, como os polícias também são humanos, é preciso pôr um polícia junto de cada polícia... Ai!, o totalitarismo!

Lá está Juvenal, embora noutro contexto: Custos custodit nos. Quis custodiet ipsos custodes? A guarda guarda-nos. Quem guardará a guarda?

Texto de Anselmo Borges no DN de 2 de Outubro de 2010.

sábado, 3 de abril de 2010

Anselmo Borges: A cruz do mundo

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Se me não engano, foi Pinheiro de Azevedo quem, em 1976, instituiu o feriado de Sexta-Feira Santa. Penso que é um dos dias que mais fundo calam no coração dos portugueses. Sempre me admirou o facto de, perante a imagem de Jesus crucificado - queiramos ou não, é uma imagem de horror -, mesmo as crianças não entrarem em sobressalto emocional negativo. A partir do que sempre lhes foi ensinado, interiorizaram que ali está o amor. Jesus morreu como testemunha da verdade e do amor.

Um número incontável de homens e mulheres, nos 2000 anos de cristianismo, olharam para aquele crucificado e, no meio do seu sofrimento e angústia, nos becos sem saída da vida, perante os horrores brutos do mundo e da existência, receberam luz, esperança, alívio, inspiração.

Desgraçadamente, não foi só isso. Com Constantino, a cruz tornou-se sinal de poder e vitória do Império. Utilizou-se a cruz de Cristo para humilhar e matar nas Cruzadas. Na época dos Descobrimentos, a cruz acompanhou a espada nas conquistas e destruição de civilizações inteiras. Lá estava presente nas condenações da Inquisição. O filósofo Hans Blumenberg sugeriu que o cristianismo morreu na Europa quando Giordano Bruno, em 1600, na iminência de ser queimado vivo, cuspiu na cruz que o frade lhe apresentou para beijar, mas também há quem observe - com mais razão, creio - que cuspiu para o frade, representante da Igreja inquisitorial, e não para a cruz. Durante séculos, bispos, cardeais, papas, escarneceram da cruz de Cristo, usando triunfalmente ao peito cruzes de ouro, com pérolas e diamantes. E o que é mais: pregou-se que Jesus foi crucificado, porque Deus precisava do seu sangue para aplacar a sua ira. Transformou-se assim o Deus-amor num Deus sanguinário, vingativo, cruel e sádico. Para manter a dignidade, perante esse Deus, só se pode ser ateu.

Em face da cruz de Cristo, é-se confrontado com o calvário do mundo. Quem crê no destino fatal ou tem uma concepção dualista não se põe a questão com a acuidade dramática de quem acredita no Deus transcendente, criador e bom: porque é que Deus não impede o mal no seu horror? A História do mundo é verdadeiramente uma ecúmena de sofrimento: assassinatos, guerras, violência, fracassos no amor e na profissão, doenças, fome, humilhações, torturas, falta de sentido, traições..., no fim, a morte. Também a dor dos animais. Mas sobretudo o sofrimento das crianças e a condenação dos inocentes. Hegel referiu-se à História como um Schlachtbank: um açougue ou matadouro.

A história da filosofia está atravessada por tentativas de teodiceia: na presença do mal, justificar Deus racionalmente. Mas Kant referiu-se ao fracasso de todas as tentativas de teodiceia. Onde estava Deus em Auschwitz, por exemplo, ou no Haiti, na Madeira...? O mal aparece como "rocha do ateísmo".

Perante o mistério impenetrável de Deus e do mal, o crente cala. Como Job, na Bíblia, tem o direito de gritar, de protestar, de revoltar-se contra um Deus que lhe parece cruel: "Clamo por ti, e Tu não me respondes; insisto e não fazes caso. Tornas-te cruel comigo." Mas, depois, cala-se e entrega-se confiadamente. A última palavra ainda não foi dita e espera que pertença ao Deus da misericórdia.

Aliás, na sua última obra, Was ich glaube (A Minha Fé), resultado de uma série de lições, aos 80 anos, na Universidade de Tubinga, a cada uma das quais assistiram mil pessoas, pergunta o teólogo Hans Küng: "O ateísmo explica melhor o mundo? A sua grandeza e a sua miséria? Como se também a razão descrente não encontrasse o seu limite no sofrimento inocente, incompreensível, sem sentido!"

Também Jesus, no Gólgota, foi confrontado com o abandono dos homens e de Deus. E, naquele abismo, gritou aquela oração que atravessa os séculos: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?"

Aparentemente, foi o fim. Pouco depois, os discípulos reencontraram-se a partir de uma experiência avassaladora de fé: Jesus, o crucificado, não caiu no nada, mas vive em Deus para sempre. Sem esta fé, que testemunharam até ao martírio e que mudou a História, não haveria cristianismo.

sábado, 20 de março de 2010

Anselmo Borges: Religião e saúde

Anselmo Borges no DN deste sábado:


Kant alinhou as tarefas fundamentais da Filosofia: "O que posso saber?", "O que devo fazer?", "O que é que me é permitido esperar?" No fundo, elas reduzem-se a uma quarta pergunta, para a qual remetem: "O que é o Homem?"


Segundo Kant, precisamente à terceira pergunta responde a religião, o que significa que, para ele, o que a determina é a esperança de salvação, felicidade, consolação, sentido último. Deus "deve" moralmente existir - é um postulado da razão prática -, para que se dê a harmonia entre o dever cumprido e a felicidade.


Claro que é sempre possível perguntar se realmente a religião consola e como. Para viver a religião verdadeira, é preciso estar disposto a sacrificar-se pela dignidade, pela justiça, pela verdade: pense-se, por exemplo, na cruz de Cristo. E está sempre presente a ameaça de projecção e ilusão, como denunciaram os "mestres da suspeita". De qualquer forma, não há dúvida de que a religião tem a ver com felicidade e sentido último.


Há hoje inclusivamente estudos que mostram uma relação globalmente positiva entre a religião e a saúde - note-se que, significativamente, o étimo latino de saúde e salvação é o mesmo: «salus», «salutis», em conexão com saudar e saudade: «salutem dare». Ao contrário de R. Dawkins, que supõe que é largamente aceite pela comunidade científica que a religião prejudica os indivíduos, reduzindo o seu potencial de saúde e sobrevivência, Mario Beauregard, investigador de neurociências na Universidade de Montréal, escreve que se acumulam provas consideráveis que mostram que as experiências religiosas, espirituais e/ou místicas "estão associadas a melhor saúde física e mental".


No quadro da "medicina psicossomática", é sabido hoje, por exemplo, que o stress ou a solidão podem contribuir para aumentar a tensão arterial. Foi assim que se começou a estudar também a fisiologia da meditação para compreender a influência do espírito sobre o corpo. Na sua obra "The Spiritual Brain", Beauregard cita 158 estudos médicos sobre o efeito da religião na saúde, concluindo que 77% fazem menção de um efeito clínico positivo. Um estudo mostrou que os "adultos mais idosos que participam em actividades religiosas pessoais antes do aparecimento dos primeiros sinais de handicap nas actividades do quotidiano têm mais esperança de vida do que os que o não fazem".


Há também dados que mostram o desejo dos doentes de que os médicos conheçam as suas crenças religiosas e que as tenham em conta. Falar sobre o assunto pode aumentar a compreensão médico-doente. Por outro lado, uma sondagem junto de 1100 médicos americanos mostrou que 55% estavam de acordo com a afirmação: "As minhas crenças religiosas influenciam a minha prática da medicina."


No seu novo livro, "How God Changes your Brain" ("Como muda Deus o teu cérebro"), o neurologista Andrew Newberg mostra, através da ressonância magnética nuclear funcional, que a meditação e a oração intensas alteram a massa cinzenta, reforçando as zonas que concentram a mente e alimentam a compaixão; também acalmam o medo e a ira. "A religião e a ciência são as duas forças mais poderosas em toda a história humana. São as duas coisas que nos ajudam a organizar e a entender o nosso mundo. Porque não procurar uni-las?"


Note-se, porém, que os efeitos não são sempre positivos. É fundamental a imagem que se tem da entidade superior, benevolente ou malévola. Beauregard refere um estudo que mostra que os idosos e doentes corriam maior risco de morrer, se tivessem "uma relação conflituosa com as suas crenças religiosas".


Por outro lado, os ateus dirão que precisamente a imagiologia cerebral das pessoas mergulhadas na oração é a prova de que a fé é uma ilusão, pois apenas mostra o que se passa no cérebro. Responde Newberg: "Pode ser que seja só o cérebro a fazê-lo, mas também poderia ser o cérebro recebendo o fenómeno espiritual", acrescentando: "Eu não digo que a religião seja má ou não real. O que digo é que as pessoas são religiosas e procuramos saber como isso as afecta".

domingo, 30 de agosto de 2009

Tentação do Cristianismo

Anselmo Borges, no seu texto de ontem no DN (aqui), a propósito do debate sorbonniano da “tentação do cristianismo”, escreve sobre a tríplice revolução operada pelo cristianismo, teórica, ética e soteriológica, que corresponde tríplice questão de Kant, o que posso saber?, o que devo fazer?, o que posso esperar?. E estas remetem para a outra demanda kantiana sobre o que é o ser humano.

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...