1. Fui interpelado acerca do texto do Domingo passado com
duas perguntas pouco inocentes: haverá um baptismo para homens e outro para
mulheres e será possível abordar o baptismo cristão sem falar da democracia na
Igreja?
As tentativas de “resposta” só podem ser de ordem histórica
e teológica. Na Idade Média, perante a floresta de símbolos que povoavam o
imaginário sagrado do culto, das devoções e superstições, foram recortadas sete
celebrações fundamentais, os sete sacramentos. No registo do pensamento
analógico, são entendidos como irradiações da Páscoa de Cristo, nas etapas mais
típicas e estruturantes da vida sacramental da Igreja. O baptismo é a porta de
entrada, personalizada e comunitária, num processo vital da graça transfiguradora
da existência humana no seu devir espiritual, do nascimento à morte, na
esperança da ressurreição. A omnipresença da graça não suprime a liberdade
humana nem o mistério da iniquidade actuante na nossa história.
No código genético cristão, não se conhece um baptismo para
homens e outro para mulheres. Sendo assim, elas perguntam: qual é a deficiência
natural ou sobrenatural de que sofremos para não podermos ser chamadas a
receber o sacramento da ordem integrado pelo diaconado, presbiterado e episcopado?
Referem-se a uma situação de facto na Igreja católica romana
e nas Igrejas ortodoxas. Para muitas teólogas e teólogos católicos trata-se de
uma anomalia antiga que já vai sendo tempo de superar. Não existe nenhuma
maldição de Cristo a dizer que as mulheres ficavam para sempre excluídas da
possibilidade de serem chamadas aos ditos “ministérios ordenados”. As Igrejas
protestantes, que assinaram o acordo baptismal com a Igreja católica romana e
ortodoxa, estão a seguir um caminho diferente.
2. Pode-se falar do Baptismo, sem abordar a questão da
democracia na Igreja? Era a segunda pergunta. A democracia não é uma invenção
moderna. Amartya Sen (1933 -), considerado o mais humanista dos economistas,
presta homenagem à Grécia que, no séc. VI (a. C.), adoptou um sistema eleitoral
e cultivou o debate público. Os gregos, aliás, gostavam muito mais do diálogo
com os persas, os indianos e os egípcios do que com os godos e visigodos.
Alexandre Magno passou mais de um ano na Índia e os intelectuais da época estavam
fascinados pelo Oriente que recebeu da Grécia o sistema eleitoral antes da
França, da Alemanha ou da Grã-Bretanha. Seis séculos antes da Magna Carta
inglesa, o Japão estava dotado de uma Constituição que impunha ao imperador
consultas antes de decidir. A Índia vive uma antiga tradição de debate público,
onde tudo poderia ser discutido.
A democracia, tal como a conhecemos hoje, é o produto da
modernidade, do século das Luzes, sendo a sua história e a sua geografia muito
mais vastas e antigas. Sem uma persistente educação para a cidadania e para a
tornar uma atitude, uma tarefa permanente, uma forma de vida pessoal nas suas
múltiplas relações, acaba por se esvaziar e ficar resumida a alguns momentos
rituais que até eles tendem a desaparecer.
Recordo isto para dizer o seguinte: Desde o Vaticano II, os
documentos da doutrina social da hierarquia católica, são abundantes e
insistentes na defesa da democracia política, económica, social e cultural. O
que diz respeito a todos deve ser tarefa de todos, para benefício de todos,
segundo as capacidades de cada um. Para serem democráticas, as instituições não
devem sufocar, antes estimular, a criatividade social, em todas as suas
manifestações. Não podem contribuir para uma sociedade de privilégios, de
monopólios, de opressão dos mais fracos pelos mais fortes. Os conflitos são
inevitáveis. A controvérsia é normal. Os cidadãos não são clonáveis. A
democracia é o regime da cooperação.
Esses documentos rompem com os receios e ataques do
magistério eclesiástico do séc. XIX e princípios do séc. XX. A generosidade
actual não se estende a uma gestão democrática da Igreja. Repete-se que a
Igreja não é uma democracia.
3. Importa, no
entanto, não fechar demasiado depressa esse dossier. A concepção hierárquica
neoplatónica vê a Igreja como uma pirâmide, um sistema escalonado: Deus,
Cristo, o papa, os bispos, os padres e os diáconos, seguidos dos religiosos e,
finalmente os “leigos”, primeiro os homens, depois as mulheres e as crianças.
Nesse esquema, o Espírito Santo vai de férias. Ao “Vigário de Cristo”, com a
sua infalibilidade definida no Vat. I, basta-lhe exigir obediência.
Quando se diz que a Igreja não é uma democracia continua-se
a pensar na pirâmide, esquecendo que os seus membros, homens e mulheres,
renascidos de um só baptismo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
formam uma vasta comunhão de fraternidades de profetas e sacerdotes do povo
cristão ao serviço da humanidade inteira, na sua unidade plural.
A Igreja cristã não vive num vazio sociocultural e político.
Não pode viver num gueto. Embora deva manter um distanciamento crítico em
relação às estruturas socio-políticas – não são o Reino de Deus realizado –,
mas uma gestão democrática do seu governo será sempre preferível, em qualquer
circunstância, a um regime autoritário. Do código genético baptismal, não
constam os genes de ditadura na Igreja.
2 comentários:
Um texto que mistura verdades com inverdades. Típico de frei Bento. Não admira quem ninguém na sua comunidade o suporte.
Esta conversa da democracia e do acesso aos cargos de poder cheira-me a conversa chamuscada. Afinal de contas parece q os unicos temas se repetem adnauseum. A igreja só é uma pirâmide para aqueles q tudo vem com oculos turvados pelas questões do poder. Para mim na minha vida pessoal nao me sinto inferiorizado por ser um simples e anónimo leigo - nem sacristão ou acólito fui. Tou-me completamente a marimbar. Os cargos na Igreja vejo-os como serviço e quem quer servir na Igreja e a Deus tem mt q fazer. Q tal em vez de tanto artigo e tanta palestra arregaçar as mangas e desinstalar-se como tanto pede o nosso Papa?
Jacome
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