John P. Meier, o padre diocesano que Bento XVI, no primeiro volume sobre Jesus, dizia ser jesuíta
Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje:
1. “Esta é a definição da lei: algo que pode ser
transgredido”. Assim falava, no seu gosto pelos paradoxos, o grande escritor
católico, Gilbert K.Chesterton (1874-1936). Partindo da convicção de que a Deus
nada é impossível, as comunidades cristãs, sobretudo as do primeiro século,
elaboraram narrativas sobre o percurso de Jesus Cristo - desde a anunciação à
ressurreição – que parecem contrariar, sem necessidade, as mais respeitáveis e
inocentes leis da natureza.
A este respeito, importa não esquecer que a linguagem mítica
e simbólica da liturgia do Natal não pretende dar aulas de biologia e
astronomia, mas subverter as leis de um mundo dominado pela injustiça. Quando
os Evangelhos são interpretados em registo literal, em vez de provocarem a
inteligência, a imaginação e os afectos, paralisam-nos e tornam-se charadas
absurdas, até naquilo que têm de mais belo e subversivo. A letra mata. O
espírito livre vivifica.
Esta observação não desvaloriza, porém, a importância do
método histórico-crítico aplicado aos escritos do Novo Testamento. Ao procurar
esclarecer a produção dos textos bíblicos, nas suas diferentes etapas,
descobre-se o ridículo das leituras fundamentalistas e que a pluralidade de
interpretações não brota da arbitrariedade.
Passada a decepção com as “biografias liberais” de Jesus, do
séc. XIX e os estudos pós-bultmanianos da década de 50 do século passado,
vários exegetas célebres desenvolvem a “terceira vaga” de investigações sobre o
“Jesus da história”. A obra monumental, de John P. Meier, “Jesus, um Judeu
marginal”, impôs-se como referência incontornável. No entanto, como ele próprio
confessa, o Jesus reconstruido pela investigação histórica – dada a natureza
das fontes disponíveis – não pode sondar todas as dimensões da sua realidade.
J. Meier alimenta a fantasia da reunião de um “conclave sem papa” e que ele
próprio configurou: um católico, um protestante, um judeu e um agnóstico -
todos historiadores honestos e bem informados sobre os movimentos religiosos do
século I – ficariam trancados, na biblioteca da Harvard Divinity School,
submetidos a uma dieta espartana e só lhes seria permitido reaparecer, quando
tivessem elaborado um documento de consenso, sobre Jesus de Nazaré.
Um requisito essencial desse documento seria o de basear-se
em fontes e argumentações puramente históricas. As suas conclusões deveriam ser
abertas à verificação de todas e quaisquer pessoas sinceras, com acesso aos
meios da moderna pesquisa histórica. Esse documento não teria a pretensão de
apresentar uma interpretação completa, final e definitiva sobre Jesus, a sua
obra e as suas intenções. Poderia, no entanto, proporcionar uma base comum e um
ponto de partida academicamente respeitáveis para o diálogo entre pessoas de
várias crenças ou sem crença alguma. J. Meier talvez goste de um Jesus
marginal, mas não muito!
2. Esse empreendimento pode ter a sua utilidade, sobretudo
para enfraquecer os delírios teológicos estacionados em definições dogmáticas,
como alfândegas da fé. Mas não estou nada interessado num Jesus normalizado,
formatado e em repouso num museu da história do cristianismo. Os escritos
cristãos falam da sua presença clandestina, onde e quando menos se espera,
baseados na promessa de que Ele não desertará da nossa vida.
Muito se escreveu acerca do mundo em que Jesus nasceu e
cresceu, e onde se difundiram as comunidades cristãs dos séculos primeiro e
segundo. Funcionavam “em rede”. Quando o Imperador Constantino entrou em cena,
no séc. III, foi porque ele próprio se deu conta que mais valia ter os cristãos
do seu lado do que persegui-los.
Os monges não foram para o Deserto por terem desistido da
evangelização do mundo, mas porque se consideravam marginais em relação a uma
cristandade adulterada por privilégios. Em vez de se instalarem no Poder,
preferiram recusá-lo. Sabiam que ao esquecer o Cristo crucificado na carne dos
sacrificados pelos interesses dos poderosos, acabariam na adoração de um Deus
do Poder que tudo justifica.
3. O Papa Francisco denunciou os efeitos da economia que
mata. Muitos se apressaram a dizer que ele não percebia nada de economia e a
sua “Exortação Apostólica” era gravemente desmobilizadora quando já estavam à
vista os belos frutos da austeridade, que importa não abrandar. Paul Krugman,
Prémio Nobel de economia, em 2008, mostrou, no passado Domingo (cf. El País),
as consequências desastrosas, nos EUA, da correlação entre os cortes nos
programas sociais, o crescimento das desigualdades e o aumento da dívida. São
os interesses e preconceitos de uma elite económica, cuja influência política
disparou ao mesmo tempo que a sua riqueza, que procuram ocultar essa realidade.
Pretender despolitizar o discurso económico e torná-lo tecnocrático e
apartidário é um embuste. A classe social e a desigualdade modelam e distorcem
o debate.
Será possível uma economia amiga das pessoas? Manuela Silva
mostra que sim (cf. rev. Communio, XXX (2013).
Bom ano!
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