É aqui que o Papa Francisco não mora
Admirável prosa de Marco Politi (que já por aqui andou, por exemplo), no “Il Fatto Quotidiano” de domingo passado, sobre os 100 dias do Papa Francisco. Respigo alguns parágrafos (quase tudo, aliás). Texto todo aqui. Enquanto Igreja também me sinto questionado.
A decisão é tão inédita e chocante que o pântano conservador – aninhado no Vaticano e na Igreja universal, embora provisoriamente silenciado pelo fracasso do pontificado ratzingeriano – tenta rebaixar o gesto como "estilo pessoal", um pequeno tique de originalidade. Mas é como se Obama deixasse a Casa Branca, ou a rainha da Inglaterra desertasse oBuckingham Palace, preferindo um alojamento ao lado da Victoria Station. Bergoglio desvaloriza radicalmente o Palácio, exalta o verdadeiro chefe da Igreja – Cristo – e se coloca abertamente entre os "pecadores" como são os fiéis aos quais ele se dirige.
Os símbolos contam muito. Especialmente quando são arquivados. Dia após dia, o papa que veio do fim do mundo desmontou a simbologia imperial e quase divina dos pontífices. Ele rejeitou o manto e os sapatos púrpuras dos imperadores romanos, eliminou as mitras triunfalistas, ficou na chuva com os fiéis, explicou que viver isolados como soberano não lhe é possível por "motivos psiquiátricos", como se dissesse que é coisa de anormais se encerrar em uma torre de marfim.
Ele disse a expressão mais afiada – que muitos no Vaticano e nas esferas cardinalícias tentam esquecer – a uma menina (escolha precisa de se dirigir aos inocentes: Bergoglio, assim como João XXIII, nunca fala por acaso). Quem busca o papado, proferiu, não é uma pessoa equilibrada. "Uma pessoa que quer ser papa não quer bem a si mesma, e Deus não a abençoa".
O Palácio vazio, redimensionado como sede de trabalho, expressa uma reviravolta epocal. Inquieta dentro e fora da Cúria. Despedaça o ícone ideológico da "sede apostólica" como centro de um poder de cunho divino. Impede que a burocracia vaticana se cubra de pretensões de infalibilidade. Reforça o pedido aos bispos do mundo para que não adoeçam com a "psicologia de príncipes".
Bento XVI, abdicando, humanizou o papel papal. Francisco tira as suas consequências, apresenta-se somente como "bispo de Roma" e arquiva a aura onipotente de Pontífice Máximo. Bergoglio não é o primeiro papa global – Wojtyla marcou o salto de qualidade –, mas é o primeiro papa que descarta a ideologia da onipotência.
O início do pontificado foi marcado por sinais claros. A Igreja deve ser pobre, clero e bispos não são autorreferenciais, os padres devem se projetar para as periferias existenciais. Não se trata de cuidar do próprio rebanho dentro dos muros das paróquias, porque agora não é a única ovelhinha que está perdida, mas são as "99 ovelhas" de 100 que estão longe. A corrupção e o escândalo de vidas duplas hipócritas no Vaticano (gays ou heterossexuais, pouco importa) deve ser resolvido.
O enigma desse início de pontificado está aqui. Reestruturar a Cúria Romana não é difícil, limpar o IOR também não é impossível. Mas reformar a Igreja Católica, habituar os bispos a serem missionários sóbrios no estilo de vida e não potentados locais, reprogramar o pessoal vaticano e o clero a um trabalho essencialmente pastoral e não de funcionários mais ou menos sistematizados, erradicar tráficos, tirar da Cúria o papel milenar de centro burocrático e de poder incontestável, fazendo dela um instrumento de unidade em espírito de colaboração com os episcopados do mundo... é um objetivo gigantesco.
2 comentários:
Ele, esse “objectivo” torna-se tão gigante quanto menor for a nossa capacidade de acreditar no poder do Espírito Santo!
“Vai, Francisco, e restaura a minha Igreja em ruínas”, (pedido de Jesus a Francisco de Assis)…
Que o Santo Espírito o guie sempre!
Que tenha força! Os católicos estão com ele! Espero que desta "vez" os simbolos continuem e a "reforma" se estenda também ao rito e anule aquele que Bento XVI reablitou pois "dá doença de Príncipe".
JP
Enviar um comentário