Bento XVI disse:
No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma
grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida
um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.
“Deus caritas est”, 1
Esta frase apareceu no primeiro número da primeira encíclica
de Bento XVI. Como é sabido, as primeiras encíclicas de cada papa são
programáticas. Ou pelo menos assim são lidas. A de Bento XVI, julgo eu que
ninguém tem dúvidas, foi-o. Iniciou um percurso que começou no amor, seguiu
pela esperança (“Spe salvi”) e terminou no amor em ação (“Caritas in
veritate”). Se alguém esperava uma encíclica sobre a fé, como eu, não a teve.
Talvez o Ano da Fé constitua um paliativo.
Penso que será uma das marcas deste pontificado – como
deveria ser de todos – a procura do rosto de Jesus Cristo. Os três volumes que sobre Jesus Cristo escreveu mostram precisamente o resultado da procura ratzingeriano-beneditina ao longo
dos anos. Parece-me que qualquer teólogo, com o passar dos anos e das
investigações, tem a tentação de escrever uma cristologia. Chamemos-lhe
tentação teofílica: “Visto que muitos empreenderam compor uma narração dos
factos que entre nós se consumaram, como no-los transmitiram os que desde o
princípio foram testemunhas oculares e se tornaram "Servidores da
Palavra", resolvi eu também, depois de tudo ter investigado cuidadosamente
desde a origem, expô-los a ti por escrito e pela sua ordem, caríssimo Teófilo, a fim de reconheceres a solidez da doutrina em que foste instruído” (Lucas 1).
Ainda bem que Bento XVI caiu nessa tentação, ainda que mantenha, como noutro
ponto já disse, que os três volumes, no panorama da cristologia, são obras menores.
Interessam mais para a espiritualidade do que para a teologia – o que talvez,
afinal, seja mais importante.
Ter dito, entre outras coisas, que os cristãos devem ser uma
minoria criativa vai na mesma linha da afirmação da “Deus caritas est” e, como
se costuma dizer, ao arrepio da pastoral vigente, que continua interessada em
multidões, massas, e não em minorias, fermentos.
Imaginemos que uma paróquia, diocese, conferência episcopal,
etc. leva a sério aquela afirmação de Bento XVI. Continuaria a haver casamentos
católicos só porque os noivos querem? E crismas de jovens que não são capazes
de dizer três ou quatro ideias da mensagem de Jesus? E batismos de crianças
que, obviamente, nunca se encontraram com a pessoa e acontecimento (vida,
mensagem) de Jesus? Comunhões de quem não se interessa pela palavra de Jesus?
Levada a frase a sério, o cristianismo talvez se
transformasse em seita. Mas antes seita transformadora, pequenos focos de sentido pessoal e comunitário, do que massa
sensaborona com saudades da cristandade impossível.
Algumas coisas que aprendi com Bento XVI -1
Algumas coisas que aprendi com Bento XVI -1
4 comentários:
Já coloquei no meu carro um autocolante a dizer "Reelejam Bento XVI".
Admito que tem piada. Como não lhe ouvi o tom, não sei se é ironia, sarcasmo, sardonismo ou até ignorância (no caso de pensar que eu sou um indefetível de Bento XVI).
Não. É mesmo o que eu sinto. Talvez seja ignorância (poderá ele ser reeleito?), mas gostaria que ele continuasse. E que começasse a chamar os bois pelos nomes. Sabe? É que não é agradável ver alguns grupos da Igreja, que pensam que as mesmas se dirigem apenas aos seus adversários, aplaudirem as denuncias de Bento XVI sem fazerem uma análise de consciência.
Concordo contigo, Jorge
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