Excertos de uma entrevista que o IHU fez ao físico Marcelo Gleiser.
A espiritualidade é
parte da nossa humanidade
Não vejo que a ciência avance devido ao diálogo com a fé, ao
menos nos tempos modernos. Sem dúvida, historicamente alguns dos grandes nomes
da ciência eram também profundamente religiosos; Copérnico, Galileu, Kepler,
Newton. Para eles, a ciência engrandecia a obra de Deus e era interligada com a
fé. Hoje, existe uma separação prática entre as duas. A religião não faz parte do
discurso científico, ao menos diretamente. É perigoso para as duas buscar-se
por estas ligações. Ciência e fé devem coexistir e não insistir numa relação de
dependência mútua. Por outro lado, se buscarmos por uma inspiração na ciência,
o que faz tantos homens e mulheres dedicarem suas vidas ao estudo da Natureza,
encontraremos, em muitos casos, uma relação de profunda espiritualidade com o
mundo, mesmo que, na maioria deles, esta relação não inclua fatores
sobrenaturais. A espiritualidade é parte da nossa humanidade, e se manifesta de
formas diferentes em tempos diferentes. (…)
Humildade de crentes
e ateus
Acho que Dawkins, Dennett, Harris e Hitchens pecam pelo
excesso, pelo uso da mesma retórica virulenta que criticam nos extremistas
religiosos. Todo fundamentalismo é, por definição, exclusivista e destrutivo.
Mesmo que muita gente ache que eles representam a posição da ciência, isso não
é verdade. Existem muitos cientistas que, mesmo sendo ateus ou agnósticos, não
adotam uma postura combativa em relação à fé. Esse tipo de atitude não só não
leva a nada como é filosófica e extremamente ingênua. Basta dar uma olhada mais
cuidadosa na ciência e em como ela funciona para entender que têm limitações
essenciais, questões que estão além do seu alcance. Isso não significa que as
pessoas de fé devam buscar Deus nos limites da nossa compreensão científica,
mas que os cientistas precisam ter mais humildade em seus pronunciamentos sobre
o que a ciência já compreende e o que é ainda mera especulação. Achar que todas
as questões podem ser reduzidas ao método científico é privar a cultura humana
de outros modos de compreensão. A realidade é bem mais rica do que isso.
Deus nas brechas?
Estratégia de fracasso
Buscar por Deus nas brechas da ciência é uma estratégia que
leva inevitavelmente ao fracasso; a ciência avança e esse Deus que “explicava”
o que não se sabia explicar torna-se desnecessário. Melhor guardar a fé para
questões de aspeto transcendente, que não são necessariamente abordadas pela
ciência e seus métodos: qual o sentido da nossa existência, o que é o amor, por
que existe o mal, o que é verdade etc.
Ler tudo, que não é muito mais, aqui.
Mais Marcelo Gleiser aqui.
3 comentários:
Falam de espiritualidade mas esquecem-se que a religião é prévia a qualquer espiritualidade.
Fernando d'Costa
E não põe a hipótese se haver espiritualidade sem religião, como defendem Comte-Sponville, De Botton e mesmo A. C. Grayling?
Olá Jorge.
Não. Sou da opinião de que esses autores estão a querer construir uma narrativa sobre o telhado (que o podem fazer: há imensos livros sobre telhados) ignorando as paredes que o sustentam. Por outras palavras: se há uma dimensão espiritual em todos nós (mesmo nos que não acreditam em Deus e na religião), eu estimo que isso se deve ao facto de sermos seres religiosos (embora não precisemos se aderir a uma religião instituída).
Fernando d'Costa
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