Gore Vidal morreu no dia 31 de julho de 2012. Eu devia (queria)
tê-lo referido aqui, mas afazeres inadiáveis – como as férias – não me
possibilitaram tal texto. Não foi a única coisa que queria ter feito e não fiz
cá por estes lados.
E porquê assinalar a sua morte? Basicamente porque escreveu
um livro sobre Jesus, “Em Directo do Calvário”. Subtítulo: “O Evangelho segundo
Gore Vidal”. Saiu na Dom Quixote em 1994. Na altura, não me lembro de qualquer
vestígio de polémica, mas o livro, apodado de “a mais escandalosa novela de
Vidal”, “uma sistemática subversão de todos os valores”, diz a Newsweek, põe
discípulos a sapatear, estações de televisão em guerra para a transmissão em
direto do Calvário e Paulo com uma capacidade de persuasão que faz esquimós
comprarem frigoríficos. O livro é narrado por um discípulo de Paulo, Timóteo, bissexual,
que se converte porque “que mais se pode fazer aos domingos numa pequena cidade
como Listra?”
O livro não tem qualquer pretensão histórica, embora use dos
conhecimentos de história antiga de Gore Vidal, que é autor de “Juliano, o
Apóstata”, e é claramente anticristão e anticatólico (e também antijudeu ou, talvez mais corretamente, antissionista). Mas
fascina-me sempre que alguns arreligiosos ou ateus como Vidal não resistam a
abordar a figura de Jesus Cristo, mesmo que tentem ridicularizá-lo. E parece
que os alvos últimos da paródia são os republicanos e os sionistas dos EUA.
Adiante.
Mas se me lembrei hoje de Gore Vidal foi porque li na “Ler”
deste setembro, num texto de Eduardo Pitta, esta citação (Pitta diz que as suas
preferidas não são citáveis na revista – citado e citador são homossexuais, é
necessário dizê-lo –, pelo que, por exclusão, fica esta):
Se eu fosse Presidente ou estivesse, de qualquer outro modo, no governo de um país bem administrado, a primeira coisa que faria era proibir à Igreja Católica ensinar qualquer pessoa. Não lhe permitiria manter escolas, pois vejo a educação religiosa como contrária aos melhores interesses da República. Onde a Igreja Católica tem dominado, nunca a sociedade foi democrática.
Para terminar, nunca tinha pensado numa citação preferida de
Gore Vidal, mas há uma que me vem com alguma frequência à memória quando se
fala de assunto maior da política internacional. Está num dos prefácios (o
livro tem dois; o outro é de Edward Said) de “História judaica, religião
judaica. O peso de três mil anos”, de Israel Shahak (ed. Hugin, 1997):
(…) Nenhuma outra minoria na história Norte-Americana conseguiu desviar tanto dinheiro dos contribuintes norte-americanos para investir no “lar nacional” [como os judeus dos EUA]. É como se o contribuinte norte-americano fosse obrigado a apoiar o Papa na sua reconquista dos Estados Pontifícios simplesmente porque um terço do nosso povo é católico.
Discordo de Gore Vidal em quase todos os assuntos (mas não, não
defendo a restauração dos Estados Pontifícios). Só que ele bateu-se pelo
direito a discordar, apesar de, pelos vistos, negar o direito de educação à Igreja Católica. Mas escreveu também: “Deixem pluralismo e diversidade ser o nosso objetivo”. A
melhor comunhão é a de diferentes.
Gore Vidal (1925-2012)
1 comentário:
Alguém reagiu a este texto como aconteceu hoje no Egipto e na Líbia a um filme que critica, no mesmo registo, Maomé e o islão? pergunto-me por que é que, agora, os media correm a tentar encontrar desculpas para as acções dos muçulmanos e antes correram a defender a legitimidade de criticar Jesus e o cristianismo? Apetece-me gritar: qual o motivo desta diferença?
Fernando d'Costa
Enviar um comentário