O filme de Nanni Moretti não é sobre o Vaticano ou o Papa. É
sobre o poder. Diz Moretti, na entrevista ao Ípsilon de sexta-feira passada: “É a história de um homem velho que percebe
que para representar todos os outros homens tem que se anular a si próprio como
homem. E encontra a força, porque penso que é uma força e não uma fraqueza, de
interrogar os seus limites”.
Em certo sentido, o filme é antimaquiavélico, porque na hora
de assumir o poder, o protagonista questiona-se e, no fundo, questiona o
próprio poder, não para o conquistar, mas para o repudiar. Ele e também os príncipes
da Igreja, os cardeais, que durante o conclave “são como miúdos com medo de
serem chamados à professora”.
Por outro lado, ainda que um filme passado no Vaticano e
tendo como protagonista o Papa dificilmente não seja visto como falando de
coisas da Igreja, acontece que o pensamento de fundo sobre o poder não é um pensamento
eclesial, quer no sentido evangélico de poder como serviço, quer no sentido
mais eclesiástico-carreirista de poder como honra.
(Atenção que escrevo a partir do que li em vários momentos
e não a partir do filme, que ainda não vi, nem sei se vou ver nos próximos
tempos. Tudo o que está à volta do filme já faz parte do filme e prescindo da
ida ao cinema para produzir estes comentários, que, aliás, só fazem sentido antes de ir ao cinema.)
Um Papa, mas também um bispo ou um padre, aceita o poder
como serviço imposto por Deus. Há toda uma longa tradição bíblica em relação ao
poder: recusa própria versus imposição do além. Profetas e líderes que são gagos
(Moisés), que não sabem falar, que andam aguardar ovelhas ou a apanhar figos de
sicómoros (David e Amós), que na fuga são apanhados por monstros marinhos (Jonas), que têm um problema afectivo (Jeremias), além, é
claro, do Papa que é pescador e tem sotaque do norte (Pedro). Em todos acaba por prevalecer a imposição de Deus e a aceitação do poder como “humilde servo da vinha”.
Michel Picolli pode ser um bom papa, mas o seu papel não tem
a tradição de poder dos eclesiásticos. Moretti fez um filme mais sobre o ser
humano e o poder. “Para mim, é sobretudo a história de um homem que se sente
inadequado. Se a tivesse filmado com um político, ou com um treinador de
futebol, teria sido uma história mais pequena”. Disse ele. Ou seja, a Igreja ao
serviço do poder do filme.
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