No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia.
Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de resolver: ordenar mulheres. Quero desenvovler o assunto. Por isso aqui deixo o primeiro texto.
Estamos no intervalo do Sínodo da Audição. Ou da Escuta. Na Carta ao Povo de Deus, de 25 de outubro, se algo sobressai, é que a Igreja está à escuta. Ou quer estar. Todo o processo deste sínodo começou há dois anos com um inédito e “longo processo de escuta e discernimento, aberto a todo o povo de Deus, sem excluir ninguém”, dizem os participantes da 16.ª assembleia. E na segunda metade da carta, não se cansam de salientar a escuta: “E agora? Gostaríamos que os meses que nos separam da segunda sessão, em outubro de 2024, permitam a todos participar concretamente no dinamismo de comunhão missionária indicado pela palavra “sínodo””. (…) “Para progredir no seu discernimento, a Igreja precisa absolutamente de escutar todos, a começar pelos mais pobres”. “A Igreja precisa de colocar-se à escuta das famílias, as suas preocupações educativas, o testemunho cristão que oferecem no mundo de hoje. Precisa de acolher as vozes daqueles que desejam se envolver em ministérios leigos ou em órgãos participativos de discernimento e de tomada de decisões. Para progredir no discernimento sinodal, a Igreja tem particular necessidade de recolher ainda mais a palavra e a experiência dos ministros ordenados: os sacerdotes, primeiros colaboradores dos bispos, cujo ministério sacramental é indispensável à vida de todo o corpo; os diáconos, que com o seu ministério significam a solicitude de toda a Igreja ao serviço dos mais vulneráveis. Deve também deixar-se interpelar pela voz profética da vida consagrada, sentinela vigilante dos apelos do Espírito. Precisa ainda de estar atenta a todos aqueles que não partilham a sua fé, mas que procuram a verdade (…)”.
No ponto 9 do Relatório de Síntese fala-se das “mulheres na vida e na missão da Igreja”. E é neste ponto que quero dar o meu modesto contributo.
A Igreja não ordena mulheres. Por outras palavras, as mulheres não podem presidir à Eucaristia. No meu ponto de vista, este é o mais grave assunto da Igreja (ainda que o sínodo peça para que não se fale das mulheres como “de uma questão ou um problema”). Não ter mulheres a presidir à Eucaristia é a maior limitação à missão da Igreja. E representa um contratestemunho na época em que vivemos. O mundo, mesmo que não creia, vê como uma desigualdade a não admissão de mulheres ao sacerdócio ministerial. A Igreja defende-se dizendo que não se trata de desigualdade, mas sim do cumprimento de uma vontade superior à própria Igreja, uma vontade que vem de Jesus Cristo. “Chamando só homens como seus apóstolos, Cristo agiu de maneira totalmente livre e soberana”, escreveu João Paulo II na carta apostólica “Mulieris Dignitatem”.
Algumas pessoas com mais responsabilidade na Igreja (bispos e daí para cima) por vezes dão a entender que até gostariam que a situação fosse diferente. Mas não podem, por razões bíblicas e de Traição. Resume-se esta posição na frase: A Igreja até pode querer, mas não pode fazer, porque é próprio da sua “constituição divina”. E João Paulo II escreveu: “Para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cfr Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja”. Muitos discutem se este pronunciamento de João Paulo II é mesmo definitivo. Não é, obviamente, “ex catedra”. As portas da discussão não estão fechadas.
Uma saída para esta situação está em perceber que Jesus não escolheu só homens para apóstolos. Ou melhor eram homens, sim, mas eram Doze e eram judeus. Não eram “só homens”. Eram doze, judeus. A simbologia dos Doze, que dá origem à Igreja apostólica que somos, assenta num tripé: homens (como os lideres das tribos de Israel, e não homens e mulheres), Doze (como as tribos, e não 13 ou 14) e judeus (e não romanos nem sequer samaritanos).
Ora, a Igreja vive no tempo. E no início quis manter o símbolo intacto. Com o desaparecimento de Judas, foi sorteado (!) Matias, “que foi incluído entre os onze Apóstolos” (At 1,26). Tinham de ser doze, pensava a Igreja desta altura. Mas rapidamente as coisas mudaram na questão do número. Não era o número em si que interessava. E também mudaram na questão na nacionalidade. Não era ser judeu que interessava. O Concílio de Jerusalém foi o grande sínodo da viragem na questão dos genes. Faltou mudar na questão do género. Faltou mesmo? Talvez ela se tenha dado na própria Bíblia, se notarmos que Paulo trata Júnia por apóstolo e destaca a liderança de Prisca, entre outros casos, levando o especialista paulino Jerome Murphy-O’Connor a escrever: “Com toda a probabilidade, não há diferenças entres os homens e as mulheres” nas comunidades paulinas. Porque não persistiu a novidade? Talvez porque colidiu com a cultura androcêntrica. A mesma que ainda hoje predomina.
Se a Igreja teve o poder de ultrapassar o “só” doze e o “só” judeus, porque não tem o poder de ultrapassar o “só” homens?