domingo, 31 de março de 2013

Bento Domingues: "A vida triunfa da morte"

Bento Domingues no "Público" de hoje:


Se para afirmar Deus fosse preciso sacrificar o ser humano, Deus estaria condenado e o ateísmo justificado. Deus, acolhido e celebrado como fonte de vida, foi acusado, na modernidade, de roubar a liberdade, a criatividade e a felicidade ao ser humano. O teólogo não pode recusar a participação numa investigação pluridisciplinar, capaz de apurar as responsabilidades das religiões, das igrejas e da cegueira humana, nessa acusação. A crítica das práticas e representações alienantes da religião pertence ao seguimento de Jesus Cristo. Não há discipulado sem a democratização desta atitude na Igreja.

Crítica não é má língua esterilizante. Para conceber e experimentar novos caminhos e expressões que assumam a tradição no seio da criatividade multifacetada de cada época, ou nos seus desvarios, é indispensável discernimento. Só um Deus de puro amor pode ajudar a humanidade a ser humana.

sábado, 30 de março de 2013

Papa Leão 33 no Diário de Notícias

Algures no sítio do DN existe um Leão 33. Trata-se, é claro de Leão XIII, eleito em 1878, tinha o DN 13 anos (fundado em dezembro de 1864).

Anselmo Borges: "Francisco, Bismarck e as bem-aventuranças"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Numa obra cimeira, "Ser e Tempo", Martin Heidegger, um dos maiores filósofos do século XX, retoma a famosa fábula de Higino sobre o cuidado. O texto latino da fábula conta como Cuidado modelou uma figura a partir do barro, pedindo depois a Júpiter que lhe insuflasse o espírito, levantando-se então uma disputa sobre quem deveria dar o nome a essa figura, pois esse direito era reclamado por Cuidado, por Júpiter e pela Terra. No meio da contenda, foi escolhido Saturno como juiz, que assim decidiu: o nome para a nova criatura será "homem", pois foi feito a partir da terra, "ex humo" (em latim); na morte, Júpiter receberá o seu espírito e a Terra acolherá o corpo. Mas quem o manterá e terá solicitude com ele enquanto viver será Cuidado. Saturno (o Tempo) escolheu Cuidado precisamente pelo papel decisivo que cuidar desempenha na formação, desenvolvimento e manutenção do ser humano até à morte, incluindo o morrer. Para Heidegger, o cuidado é um existenciário, estrutura originária da existência. O que é a existência sem o cuidado, cuidar e ser cuidado?

No passado dia 19, na Missa do início do ministério petrino do bispo de Roma - já não se fala em entronização -, o Papa Francisco dedicou a homilia precisamente ao cuidado. E disse que os cristãos guardam Cristo na sua vida, "para guardar os outros, salvaguardar a criação".

Mas a vocação para cuidar, preveniu, "não diz respeito só aos cristãos, tem uma dimensão que antecede e que é simplesmente humana, diz respeito a todos. É cuidar de toda a criação, da sua beleza, como nos é dito no Génesis e como nos mostrou São Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo meio ambiente em que vivemos. É o cuidar das pessoas, cuidar de todos, de toda a pessoa, com amor, especialmente das crianças, dos velhos, dos que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do nosso coração. É cuidar uns dos outros na família: os esposos cuidam um do outro; depois, como progenitores, cuidam dos filhos e, com o tempo, também os filhos assumem o cuidado dos pais. É viver com sinceridade as amizades, que são um cuidar recíproco, na confiança, no respeito e no bem. No fundo, tudo está confiado à guarda do ser humano, e é uma responsabilidade de todos. Quando não nos preocupamos com a criação e com os irmãos, então ganha terreno a destruição e o coração torna-se árido", "surgem planos de morte, destrói-se e desfigura-se o rosto do homem e da mulher."

E Francisco Papa pediu um favor a todos quantos ocupam lugares de responsabilidade no âmbito político, económico ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: "por favor, sejamos 'guardiões' da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do meio ambiente; não deixemos que os sinais de destruição e de morte acompanhem o caminho deste nosso mundo".

Mas, lembrou, para "cuidar e guardar", precisamos de "cuidar também de nós mesmos. Recordemos que o ódio, a inveja, a soberba sujam a vida", e é do coração que "saem as intenções boas e más: as que constroem e as que destroem". E teve esta afirmação inesperada num Papa: "Não devemos ter medo da bondade; mais ainda: nem sequer da ternura." Acrescentou: "O preocupar-se, o guardar, o cuidar requerem bondade, pedem ser vividos com ternura." A ternura não é "a virtude dos débeis; pelo contrário, denota fortaleza de ânimo e capacidade de atenção, de compreensão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura".

O bispo de Roma, sucessor de Pedro, "também tem um poder", mas "nunca esqueçamos que o verdadeiro poder é o serviço".

Pela simplicidade, humildade, cordialidade, serviço, Francisco conquistou a simpatia de todos, crentes e não crentes. O Evangelho avança como notícia boa e felicitante. Mas a Igreja é também uma estrutura complexa e um destes dias Francisco vai confrontar-se com o seu governo e ter de fazer reformas profundas na Cúria Romana, reconduzida "até novas ordens". Aí, enfrentará problemas, pois, como se diz, já Bismarck se queixava, porque com as bem-aventuranças não conseguia governar a Prússia.

Páscoa feliz!

Pelos pecados de todos

A propósito da falsa surpresa de o Papa Francisco se ter deitado de bruços no chão da Basílica de S.Pedro, uma leitora, a Teresa, informou que a Ecclesia ilustrou uma notícia com Bento XVI prostrado. Do leitor e amigo Luís Manuel, recebi a mesma foto com a indicação de que se trata da Sexta-feira Santa de 2007. Agradeço aos dois.

Bento XVI na Sexta-feira Santa de 2007

sexta-feira, 29 de março de 2013

Mais uma falsa surpresa do Papa Francisco


Do Público de hoje (online, aqui):


O Papa Francisco causou surpresa esta tarde ao deitar-se de bruços no chão da Basílica de S. Pedro, em Roma, e rezar nessa posição durante alguns minutos.

Na realidade, o Papa Francisco, Bispo de Roma, fez o que todos os bispos fazem logo à noite [em geral, a celebração é à noite] e mesmo todos os párocos, neste dia único do ano em que não há missa (bom, em "Mau tempo no canal" há, mas é erro). Para mim, surpresa é se os anteriores papas não faziam este gesto, coisa que agora não posso confirmar.

Quinta-feira normal

A mentira de que os discípulos de Jesus roubaram o corpo dele para a seguir proclamarem a ressurreição "divulgou-se entre os judeus até ao dia de hoje", diz Mateus (28,15).

E, de facto, o sequestro do corpo de Jesus continua, mas entre cristãos.

Ontem, Quinta-feira santa, o Papa lavou os pés a algumas jovens. "Foi a primeira vez que um pontífice lavou os pés de raparigas", diz o "Público". Admira-me a quantidade de coisas que o Papa Francisco já fez "pela primeira fez", não por serem  extraordinárias, mas serem comuns. Talvez ele banalize suficientemente o papado para se deixar de dizer "pela primeira vez" e se reparar mais como os atos deixam transparecer a normalidade do cristianismo. Des-sequestrar o corpo de Jesus Cristo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Pirotecnia

Se examinarmos atentamente os evangelhos, ficamos estupefactos dando-nos conta de que na realidade eles não descrevem o ato da ressurreição de Jesus. São somente os apócrifos, isto é, os escritos populares fantasistas , que se ocupam de reconstruções pitorescas e pirotécnicas.

Gianfranco Ravasi

terça-feira, 26 de março de 2013

Bento Domingues: "Semana das alianças malditas"


Texto de Bento Domingues no "Público" de domingo passado.

É hoje. "Um novo Papa, uma nova Igreja?"


A eleição do novo Papa, a escolha do seu nome, os seus primeiros gestos e discursos surpreenderam muita gente, dentro e fora do espaço católico. O que se viveu nos últimos dias significa que estaremos no início de um processo de mudanças significativas na Igreja Católica ou apenas na forma de exercer o papado?

Para debater esta questão e as expectativas do pontificado do Papa Francisco, promovemos o Encontro “Um novo Papa, uma nova Igreja?”, que terá lugar no próximo dia 26 de março (terça-feira), entre as 10h00 e as 13h00, no CES-Lisboa (Picoas Plaza, Rua do Viriato, 13 – Lj. 117/118).

Participarão neste encontro quatro oradores de várias proveniências: Isabel Galriça Neto (médica e deputada do CDS-PP), Teresa Toldy (teóloga, investigadora do CES e professora da Universidade Fernando Pessoa), Fernando Ventura (frade franciscano) e Alberto Brito (padre jesuíta, provincial da Companhia de Jesus em Portugal), além de vários jornalistas que, em Roma, acompanharam o conclave e a eleição do novo Papa.

Esta actividade é uma colaboração entre os jornalistas que têm dinamizado os encontros sobre Religião e Media (António Marujo, Joaquim Franco e Manuel Vilas Boas) e o Policredos – Observatório para a Diversidade Cultural e Religiosa na Europa do Sul, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Involucionismo

Frase do P.e Mersch que Yves Congar gostava especialmente de citar:

"É por falta de esqueleto que alguns animais têm de se envolver em carapaças".

segunda-feira, 25 de março de 2013

Tolentino de Mendonça: "A Igreja não precisa só de correcção, precisa de inspiração"

Entrevista a Tolentino de Mendonça no "Público" de ontem. Diz (na quarta página) - é o aspeto que destaco - que é preciso dar mais representatividade às mulheres, mas que a questão da ordenação está encerrada.





Ressuscitado

O Evangelho não descreve a ressurreição mas o ressuscitado.

Gianfranco Ravasi

domingo, 24 de março de 2013

Muito cristianismo para ler no "Público" de hoje

Capa do "Público" de hoje, 24 de março de 2013

No "Público" de hoje são imensos os textos de interesse para quem anda na órbita cristã. Vejamos, a começar pelo caderno principal:
- nas páginas 8 a 11, há uma entrevista a Tolentino de Mendonça. "A Igreja não precisa só de correção, precisa de inspiração";
- na página 28, fala-se do encontro entre os dois Papas. "Dois Papa estiveram juntos, algo nunca visto na História da Igreja". Bonifácio VII, se viu Celestino V, foi para o mandar prender;
- na página 53, surge a crónica de Bento Domingues, "Semana das alianças malditas";
- na página 54, Portocarrero de Almada critica os que olham para os sapatos do Papa e conclui que "qualquer que seja a sandália do pescador, são sempre «formosos os pés dos que anunciam o Evangelho»".

Na revista 2, sem contar com o texto sobre António Borges (que é católico, mas julgo que esse aspeto não terá destaque nas oito páginas sobre o liberal) há:
- Bárbara Reis a dizer que "coragem" vem de "coração" e que "já todos percebemos - religiosos e ateus - que vamos ouvir este Papa" (pág. 4);
- o fotógrafo Sérgio B. Gomes diz que numa foto de uma senhora a rezar em Los Angeles vê mais religião e fé do que numa centena de fotografias de fiéis no Vaticano (pág. 11);
- nas páginas 20 a 27, uma reportagem sobre Jorge Mario Bergoglio em Buenos Aires. A capa do caderno principal remete para esta peça assinada por Ana Cristina Pereira.

Bento Domingues: "Semana das alianças malditas"

Bento Domingues no "Público" de hoje:


Na Igreja Católica, embora sabendo que uma andorinha não faz a Primavera, vive-se um momento de esperança. A facilidade e a rapidez com que simples e breves sinais preanunciaram mudanças indispensáveis mostram até que ponto estávamos e estamos saturados de "Inverno". Dentro e fora da Igreja, a urgência de um outro rumo global só a não deseja quem cresce à custa do afundamento dos outros. A miopia financeira nunca perceberá que não é o império do dinheiro que salvará o mundo.

sábado, 23 de março de 2013

Anselmo Borges: "Quando o nome pode ser todo um programa"


Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Não foi para mim completa surpresa o cardeal argentino Bergoglio, jesuíta. O que constituiu surpresa foi a escolha do nome: Francisco, sugerido pelo colega, cardeal Hummes, de São Paulo, quando o abraçou e lhe disse: "não te esqueças dos pobres." O Papa Francisco explicou: "Essa palavra entrou aqui (apontou para a cabeça): os pobres. Pensei imediatamente em Francisco de Assis. Assim surgiu o nome no meu coração." E exclamou: "Ah, como gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres", provocando a ovação dos jornalistas.

E as suas palavras e gestos têm correspondido ao que o nome de Francisco de Assis representa. A simplicidade não teatral, até no vestir e calçar, inclinar-se perante a multidão, a fala cordial e descomplicada, uma cruz peitoral barata, o desejo de "bom descanso" e "bom almoço", ir pagar as despesas de hospedagem, o humor, palavras de ternura e compaixão: isso aproximou-o das pessoas, que agora se podem aproximar, pois é um homem entre homens e mulheres, como Cristo. "Cristo é o centro; o centro não é o sucessor de Pedro." Afinal, a Constituição da Igreja é mesmo o Evangelho e não o Código de Direito Canónico.

Sublinhe-se o seu respeito pela liberdade de consciência. "Tinha-vos (aos jornalistas) dito que vos daria de todo o coração a minha bênção. Muitos de vós não pertencem à Igreja Católica, outros não são crentes. Dou-vos de coração esta bênção, em silêncio, a cada um de vós, respeitando a consciência de cada um, mas sabendo que cada um de vós é filho de Deus. Que Deus vos abençoe."

No passado dia 12, frente àquela pompa toda dos 115 cardeais a entrar na Capela Sistina, para o conclave, perguntei-me pela simplicidade do Evangelho e sobretudo quem representava as mulheres, as famílias, os jovens, os católicos em geral. A Francisco de Assis pareceu--lhe uma vez, numa pequena ermida, ouvir dos lábios de Cristo crucificado: "Francisco, repara a minha Igreja, que ameaça ruína." Espera-se que o Papa Francisco refaça o rosto da Igreja tão desfigurado. No quadro de uma Igreja-instituição descredibilizada, que reforme a Cúria Romana, tornando-a ágil, transparente e colegial. Significativamente, Francisco tem-se referido a si mesmo como bispo de Roma e não como Papa, transmitindo a mensagem de que quer descentralizar, tornando eficaz a colegialidade dos bispos: ele exerce o ministério da unidade numa Igreja solidariamente co-responsável. Francisco tem força e determinação para acabar com os escândalos da pedofilia, do Vatileaks, do Banco do Vaticano.

O peruano Vargas Llosa, prémio Nobel da literatura, agnóstico, pensa que Francisco "parece moderno" e espera que "inicie o processo de modernização da Igreja, libertando-a de anacronismos como não tratar temas como o sexo e a mulher". Francisco de Assis impôs-se também pela fraternidade. Como poderá então Francisco Papa esquecer mais de metade dos católicos, as mulheres, ainda discriminadas na Igreja, povo de Deus? Um pormenor: dirigiu-se ao povo como irmãos e "irmãs". E como pode não proceder a uma revisão da atitude da Igreja face ao corpo e à sexualidade? Aí está a questão dos anticonceptivos, do celibato obrigatório - neste do- mínio, talvez comece pela ordenação de homens casados. Neste contexto de fraternidade franciscana, pode contar-se com a sua luta pela justiça, pelos direitos dos pobres, dos mais débeis, para que todos possam realizar dignamente a sua humanidade. O meio ambiente, os problemas ecológicos, a preservação da natureza, criação de Deus e habitação da humanidade não serão esquecidos.

Em tempo de cruzadas, Francisco de Assis pôs-se a caminho para ir dialogar com o sultão no Egipto. Francisco Papa não abandonará a urgência da continuação do diálogo ecuménico entre as Igrejas cristãs e do diálogo inter-religioso e intercultural. Francisco Papa, um sul-americano com raízes europeias e o responsável máximo pela Igreja católica, organização verdadeiramente global, ocupa um lugar privilegiado para estabelecer pontes entre nações e povos e culturas, a favor da justiça e da paz, num mundo cada vez mais policêntrico e multipolar.

Há razões para uma esperança paciente.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Mais duas sobre os acontecimentos dos últimos dias

 

Como se chamava o Papa antes de Francisco?

Vou reler hoje à tarde a "Deus caritas est", do Papa, alguém ainda se lembra dele?, Bento XVI. Parece que sim, mas só quando Francisco lhe telefona. Eu, que não gostei muito de Bento XVI, mas era o Papa dos católicos, não gosto muito do que lhe estão a fazer. A papofilia que antes lhe dedicava tudo, agora vai por outro lado. Faz tanta falta a consciência crítica.

É no Porto. Terá sabor a despedida?

quinta-feira, 21 de março de 2013

Quem escreveu isto? "Nunca haverá um papa chamado Francisco"

Quem escreveu isto?

"Com este Vaticano, nunca haverá um papa chamado Francisco, porque Francisco destruía as regras humanas apenas na obediência ao Evangelho. Nenhuma estrutura piramidal, nenhuma burocracia, nenhum privilégio".

a) João XXIII
b) Paulo VI
c) João Paulo II
d) Bento XVI

Selecione para saber a resposta: Paulo VI, em 1969. Li aqui.

O primeiro livro sobre o Papa Francisco


Julgo que o jornalista espanhol José Manuel Vidal foi o único que acertou em cheio na eleição de Jorge Mario Bergoglio. Escreveu apenas um perfil de candidato a Papa, precisamente o que veio a ser escolhido. Agora, uma semana após a eleição, sai o livro "Francisco, el nuevo Juan XXIII", em parceria com Jesús Bastante. Aqui fica o índice.

Aqui pode ler o início de cada capítulo.

quarta-feira, 20 de março de 2013

A penhora do Cristo-Rei e o beijo do cardeal



Ontem Belmiro de Azevedo disse que se não houvesse salários baixos, não haveria emprego. De imediato foi contrariado. Em particular, porque com salários baixos as pessoas pouco compram nas lojas do Sr. Sonae. E em geral, porque como alguns dizem, o consumo é que cria emprego, não os patrões (o que também não é linearmente verdade, mas não adianta entrar aqui em pormenores).

Em todo o caso, o que muito me admirou foi os patrões pedirem o aumento do ordenado mínimo. Não sei se a notícia era a mesma, porque desde há uns anos ver notícias na televisão, cá em casa, é coisa quase impossível a horas decentes, mas estava certamente no mesmo bloco temático.

Os patrões acham que o ordenado mínimo é curto. É mais do que curto, é miserável. Mas porque não o aumentam? É preciso o Estado aumentar o ordenado para os patrões o seguirem? Confesso que ver patrões queixarem-se que o Estado devia aumentar o ordenado mínimo foi dos episódios mais surreais dos últimos tempos.

E vai daí, fui ler a entrevista que Belmiro de Azevedo deu ao “Público” no dia 10 de março. Partilho agora estas pérolas, com destaque para o beijo do cardeal por o engenheiro ter evitado a penhora do Cristo-Rei. Também achei piada à sugestão de ler “O Mundo de Sofia” (da?) para ficar a saber tudo sobre filosofia e fé.


Revista 2 - É um homem católico?
Belmiro de Azevedo - Sou baptizado. Não fiz a segunda comunhão e agora vejo-me à rasca para rezar o terço. É o tal problema. Uma vez fui com a minha mulher a Coimbra quando morreu a irmã Lúcia e fui apanhado na fila e transformaram-me logo em crente. Não tenho nada contra. Esta história dos milagres não me incomoda nada. Quem acredita acredita.
Até há bem pouco tempo a Sonae era a única entidade a ter ganho uns milhões com o negócio em televisão?

... TVI?
De alguma maneira contratámos alguém, o José Eduardo Moniz [ex-director geral], que acabou por vir a ser, provavelmente, a pessoa mais importante da TVI dos últimos anos. Ele não tinha emprego. Conhecia-o de quando estudámos a entrada [da Sonae] na televisão. E, então surgiu aquela hipótese, pois a Igreja estava com alguns problemas.

Estamos em 1998 [aquisição e venda de créditos da TVI pela Sonae Tecnologias]?
Sim. Até levei um beijo na testa do cardeal-patriarca que estava no Centro Cultural de Belém. Fui ter com o João Salgueiro [presidente da CGD] para saber se a CGD ia executar a penhora que estava a garantir a dívida da Igreja. Sabem o que estava penhorado? O Cristo-Rei e o Santuário de Fátima. A Sonae assumiu a posição na TVI e assegurou que ia estudar uma solução que possibilitasse à CGD não fazer a penhora. As responsabilidades foram transferidas para nós. Estivemos lá mais ou menos seis meses. O Paes do Amaral arranjou o dinheiro, levantou-o e pagou tudo.

(…)
Como é que olha para a decisão de Bento XVI de resignar?
O Papa de quem mais gostei foi o João Paulo II. Sabe porquê? Porque era jogador de futebol. É outra louça. Uma vida frugal. Nesse aspecto senti-me mais próximo dele.

Compreende a decisão de Bento XVI?
Já devia ter feito há mais tempo. Uma vez, numa entrevista, na televisão, o bispo de Setúbal apertou-me: "Mas você tem ou não tem fé?" Respondi-lhe: "Se calhar a minha fé não é a sua definição de fé." Ter fé é diferente de se saber que o mundo vai ser diferente e que devo adaptar-me a essa mudança. Tenho fé de que o mundo vai ser sempre melhor. Agora, quem é o artista que está por detrás, quem fez o Universo... Devem ler o livro "O Mundo da Sofia" [Jostein Gaarder] e ficam a saber tudo sobre filosofia e sobre fé. A ideia de que existe um ser humano que concentra todos os poderes e insistir que um indivíduo, quando se sabe que não há nenhum corpo humano que não fique cada vez mais debilitado à passagem do tempo, deve ser Papa até ao fim, é uma coisa tola.

A Igreja deve adaptar-se aos novos tempos?
Há medida que a idade avança, até podemos ficar mais sábios, mas somos sábios mais ignorantes. Portanto, o Papa tomou a decisão correcta e a minha convicção é que daqui para a frente não voltará a haver cargos vitalícios. Foi esta, aliás, a decisão que tomei quando disse que não queria ter lugares executivos no grupo com mais de 70 anos. Vou fazer outras coisas que podem ser mais úteis.

Passado e mudança

Verifica-se o infeliz hábito de julgar tudo segundo o próprio passado. Contudo, também há a intuição, gerada pelo amor, que prevê como as pessoas podem mudar para melhor.

Francisco Van Thuan

segunda-feira, 18 de março de 2013

Em primeira mão: quem vai ganhar o mundial de 2014

É a Itália, por uma questão de papas. E a Argentina fica em terceiro.

Reparemos.

No mundial de 1982, em Espanha, o primeiro de João Paulo II (houve mundial em 1978, mas o Papa ainda era Paulo VI), ganhou a Itália, onde estava o Papa, e ficou em terceiro a Polónia, país natal do Papa.

No mundial de 2006, na Alemanha, o primeiro de Bento XVI, ganhou a Itália, onde estava o Papa, e ficou em terceiro a Alemanha, país natal do Papa.

No mundial de 2014, no Brasil, o primeiro de Francisco, vai ganhar a Itália, onde está o Papa, e ficar em terceiro a Argentina, país natal do Papa.

Bento Domingues: "Economia do bem comum - modelo alternativo?"

Bento Domingues no "Publico" de ontem.

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domingo, 17 de março de 2013

Alberto Gonçalves: "A fé dos descrentes"

Alberto Gonçalves no DN deste domingo (aqui).

O sucessor interino de Hugo Chávez afirmou que a doença do falecido "rompia toda a normalidade", um regresso à tese de que o cancro fora "provocado" pelos EUA e por isso se distinguia dos cancros comuns, inofensivos e ocasionalmente agradáveis.

Mas nem tudo é mau, e o sr. Maduro tem razões para festejar. Primeiro porque subirá provavelmente à presidência não interina. Depois porque, conforme explicou em palestra televisiva, Chávez subiu às alturas e encontrou-se com Cristo, que talvez num intervalo das conversas com Alexandra Solnado lhe confidenciou: "Chegou a hora da América do Sul." Ou seja, Chávez fez lóbi no Céu e colocou um argentino em Roma. Embora os motivos pelos quais Chávez não arranjou um Sumo Pontífice venezuelano fiquem por esclarecer, os restantes factos são indesmentíveis. Duvidar disto é duvidar do potencial cancerígeno da CIA, do progresso social da Revolução Bolivariana e dos suínos ciclistas.

Quanto ao Papa propriamente dito, o meu discreto ateísmo não me inspira grandes considerações. Em compensação, o ateísmo ruidoso de muitos não os impede de emitir palpites sucessivos acerca da matéria. Pelo menos em Portugal, os media trataram de ouvir avidamente as opiniões de gente sem qualquer vínculo ao catolicismo, o que faz o mesmo sentido que questionar um adepto dos Los Angeles Lakers sobre o momento do Sporting. Neste caso, o fã de basquetebol diria provavelmente não saber nada a propósito. Já os ateus militantes não só sabem imenso a propósito do Vaticano como insistem em partilhar a sabedoria connosco.

Padecendo de uma estranha maleita que os impede de viver em paz sem que o líder de uma fé a que se dizem radicalmente indiferentes concorde com eles, os ateus militantes receberam o Papa Francisco sob três perspectivas. A perspectiva simpática apreciou a circunstância de o homem vir do hemisfério sul (porquê?) e ter sido nomeado contra o "sistema" (apesar de ter sido o "sistema" a nomeá-lo). A perspectiva hesitante lamenta que o homem não defenda o casamento homossexual, o aborto, a eutanásia e, afinal, cada imperativo dos bem pensantes. A perspectiva desconfiada descobriu (ainda que, conforme se comprova no site do Bloco de Esquerda, à custa de manipulações fotográficas) a afinidade entre o sr. Bergoglio e a antiga ditadura argentina. Enquanto os cardeais não designarem um herege para pastorear os crentes, o catolicismo não se redime.

Adriano VII? Clemente XV? Não. Francisco

Referi aqui que o nome Francisco reconcilia jesuítas e franciscanos, pois foi Clemente XIV, de origem franciscana, o Papa que suprimiu os jesuítas. Ora ontem disse o Papa Francisco, mesmo no final do seguinte vídeo, que lhe sugeriram o nome Clemente XV, precisamente para vingar o Papa "rigoroso" do séc. XVIII.

Bento Domingues: "Economia do bem comum - modelo alternativo?"

Bento Domingues, no "Público" de hoje, não fala do Papa Francisco. Fala de como o bem comum pode ser uma ideia inspiradora de novas práticas económico-sociais.

Começa assim:
Quando, perante uma situação insuportável, na Igreja ou na sociedade, no âmbito teológico ou político, se diz que não há alternativa, é sinal de que a ditadura não anda longe. Se não for passagem para uma possível superação, o simples jogo dos "prós e contras" não passa de um entretém. O importante é uma arquitectura que supere e integre o que existe de fecundo entre posições que enlouquecem no isolamento ou no choque frontal. 
Na Doutrina Social da Igreja (DSI), o tema do bem comum é incontornável.

sábado, 16 de março de 2013

Anselmo Borges: "O maior afrodisíaco"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Ainda Papa, J. Ratzinger disse o que é decisivo: "Nós somos a Igreja; a Igreja não é uma estrutura; nós, os próprios cristãos juntos, todos nós somos o Corpo vivo da Igreja. Naturalmente, isto é válido no sentido de que o 'nós', o verdadeiro 'nós' dos crentes, juntamente com o 'Eu' de Cristo, é a Igreja."

Mas, de facto e desgraçadamente, quando se pensa e fala e escreve sobre a Igreja, no que se pensa e fala e sobre que se escreve é, em primeiro lugar, a Igreja enquanto instituição e concretamente a organização central - em que se pensa, quando se diz o Vaticano? -, com o Papa, o cortejo de cardeais, arcebispos, bispos, monsenhores da Cúria e o Banco do Vaticano e regras e normas e escândalos e intrigas que se diz aninharem-se por lá e, evidentemente, também o espectáculo nem sempre edificante, e o folclore. Aliás, quem se não quiser enganar, mesmo dentro da Igreja, que se pergunte: o que juntou os mais de 5000 jornalistas estrangeiros em Roma para a eleição do novo Papa? Foi verdadeiramente a Igreja viva, constituída pelos discípulos de Jesus, que procuram real e verdadeiramente segui-lo no amor de Deus e do próximo?

Seja como for, acima de tudo e em primeiro lugar, é preciso voltar a Jesus Cristo, ao que ele foi, é, quis e quer. Realmente, em síntese, como escreveu o teólogo Hans Küng, a Igreja é a comunidade dos que acreditam em Jesus Cristo: "A comunidade dos que se entregaram e entregam a Jesus e à sua causa e a testemunham com energia como esperança para o mundo. A Igreja torna-se crível se disser a mensagem cristã, não em primeiro lugar aos outros, mas a si mesma, e, portanto, não pregar apenas, mas cumprir as exigências de Jesus."

A Igreja não pode entender-se como uma gigantesca empresa multinacional religiosa ou um aparelho de poder. Ela é povo de Deus espalhado pelos diferentes lugares do mundo. O Papa não pode ser visto como um "autocrata espiritual", mas como bispo que tem o primado pastoral, vinculado ao colégio dos bispos. E as funções nucleares da Igreja são oferecer aos homens e às mulheres de hoje a mensagem cristã, de modo compreensível, sem arcaísmos nem dogmatismos escolásticos, e celebrar os sacramentos, sem esquecer o dever de assumir as suas responsabilidades sociais, apresentando à sociedade, sem partidarismos, opções fundamentais, orientações para um futuro melhor para a Humanidade, na paz, no respeito pelos direitos humanos, na preservação da natureza.

O novo Papa tem pela frente missões gigantescas. A credibilidade da Igreja-instituição bateu no fundo. Impõe-se, pois, uma conversão de fundo. A pedofilia tem de acabar definitivamente. Tolerância zero igualmente para os escândalos intoleráveis do Banco do Vaticano. Os direitos humanos têm de valer também no seio da Igreja: liberdade de investigação, de opinião, de expressão. A quem tem medo da democracia e da participação lembra-se o que diz o Vaticano II: "É perfeitamente conforme com a natureza humana que se constituam estruturas jurídico-políticas que ofereçam a todos os cidadãos, sem discriminação alguma e com perfeição crescente, possibilidades de tomar parte livre e conscientemente na eleição dos governantes." As mulheres não podem ser discriminadas. A moral sexual pede revisão, bem como a lei obrigatória do celibato, que deve ser opcional. Decisiva é a reforma da Cúria, verdadeiro cancro da Igreja: "Impõe-se reformar a Cúria Romana", exige o cardeal W. Kasper. A Cúria só se compreende enquanto serviço da autoridade eclesiástica, que não reside na Cúria, mas no colégio dos bispos com o Papa à cabeça, como lembra o teólogo J. I. González Faus, que quer também que desapareçam do círculo do Papa "todos os símbolos de poder e de dignidade mundana": "príncipes da Igreja" é "título quase blasfemo".

Mas não haverá reforma sem conversão no que se refere àquela que foi a única tentação com que Jesus também foi confrontado: a tentação do poder, disso que é - disse-o quem sabe (Henry Kissinger) - o maior afrodisíaco. Jesus deixou a palavra decisiva: "Não vim para ser servido, mas para servir."

No próximo sábado escreverei sobre o Papa Francisco, que, estou convicto, veio para servir.

Bispos de Itália felicitaram Angelo Scola, "sucessor de Pedro", por engano

A Conferência Episcopal Italiana enviou na quarta-feira, por engano, um telegrama de saudações a Angelo Scola, "sucessor de Pedro".

O cardeal de Milão, "cielino", era um dos mais apontados para suceder a Bento XVI (também neste blogue; basta ser de Milão para ser forte). Os bispos italianos tinham o telegrama . Foi só carregar no botão "send" e... ups, não foi este o eleito.

(Reescrito às 17h30.)

sexta-feira, 15 de março de 2013

O Papa jesuíta não se vai vingar nos franciscanos



Clemente XIV, o Papa franciscano que suprimiu os jesuítas

Muitas coisas têm dito os franciscólogos instantâneos desde quarta-feira à tarde. Mas julgo que ainda não disseram esta: o facto de o primeiro Papa jesuíta (bem, eles já tinham o “papa de negro”) ter escolhido o nome Francisco (podem dizer, como alguns já disseram, que também remete para o Francisco Xavier que queria ir à China, para o de Sales, o Bórgia que também era jesuíta e é santo… enfim, ser Francisco é como uma mulher Teresa, dá para as santas, as santinhas e as santonas) reconcilia os jesuítas com os franciscanos. Não é que as ordens andassem zangadas. Acontece é que foi um Papa franciscano, Frei Lourenço /Clemente XIV, que extinguiu os jesuítas em 1773. Um Papa jesuíta chamado Francisco certamente oferece esta garantia: não se vai vingar nos franciscanos.

Análise de Leonardo Boff: "O Papa Francisco, chamado a restaurar a Igreja"

Opinião do ex-franciscano Leonardo Boff sobre o Papa Francisco. Copiada daqui.

Nas redes sociais havia anunciado que o futuro Papa iria se chamar Francisco. E não me enganei. Por que Francisco? Porque São Francisco começou sua conversão ao ouvir o Crucifixo da capelinha de São Damião lhe dizer: "Francisco, vai e restaura a minha casa; olhe que ela está em ruinas”(S.Boaventura, Legenda Maior II,1).


Francisco tomou ao pé da letra estas palavras e reconstruíu a igrejinha da Porciúncula que existe ainda em Assis dentro de uma imensa catedral. Depois entendeu que se tratava de algo espiritual: restaurar a “Igreja que Cristo resgatara com seu sangue”(op.cit). Foi então que começou seu movimento de renovação da Igreja que era presidida pelo Papa mais poderoso da história, Inocêncio III. Começou morando com os hansenianos e de braço com um deles ia pelos caminhos pregando o evangelho em língua popular e não em latim.

É bom que se saiba que Francisco nunca foi padre mas apenas leigo. Só no final da vida, quando os Papas proibiram que os leigos pregassem, aceitou ser diácono à condição de não receber nenhuma remuneração pelo cargo.

Por que o Card. Jorge Mario Bergoglio escolheu o nome de Francisco? A meu ver foi exatamente porque se deu conta de que a Igreja, está em ruinas pela desmoralização dos vários escândalos  que atingiram o que ela tinha de mais precioso: a moralidade e a credibilidade.

Francisco não é um nome. É um projeto de Igreja, pobre, simples, evangélica e destituída de todo o poder. É uma Igreja que anda pelos caminhos, junto com os últimos; que cria as primeiras comunidades de irmãos que rezam o breviário debaixo de árvores junto com os passarinhos. É uma Igreja ecológica que chama a todos os seres com a doce palavra de “irmãos e irmãs”. Francisco se mostrou obediente à Igreja dos Papas e, ao mesmo tempo, seguiu seu próprio caminho com o evangelho da pobreza na mão. Escreveu o então teólogo Joseph Ratzinger: ”O não de Francisco àquele tipo de Igreja não poderia ser mais radical, é o que chamaríamos de protesto profético”(em Zeit Jesu, Herder 1970, 269). Ele não fala, simplesmente inaugura o novo.

Creio que o Papa Francisco tem em mente uma Igreja assim, fora dos palácios e dos símbolos do poder. Mostrou-o ao aparecer em público. Normalmente os Papas e Ratizinger principalmente punham sobre os ombros a mozeta aquela capinha, cheia de brocados e ouro que só os imperadores podiam usar. O Papa Francisco veio simplesmente vestido de branco e com a cruz de bispo. Três pontos são de ressaltar em sua fala e são de grande significação simbólica.

O primeiro: disse que quer “presidir na caridade”. Isso desde a Reforma e nos melhores teólogos do ecumenismo era cobrado. O Papa não deve presidir com como um monarca absoluto, revestido de poder sagrado como o prevê o direito canônico. Segundo Jesus, deve presidir no amor e fortalecer a fé dos irmãos e irmãs.

O segundo: deu centralidade ao Povo de Deus, tão realçada pelo Vaticano II e posta de lado pelos dois Papas anteriores em favor da Hierarquia. O Papa Francisco, humildemente, pede que o Povo de Deus reze por ele e o abençoe. Somente depois, ele abençoará o Povo de Deus. Isto significa: ele está ai para servir e não par ser servido. Pede que o ajudem a construir um caminho juntos. E clama por fraternidade para toda a humanidade onde os seres humanos não se reconhecem como irmãos e irmãs mas reféns dos mecanismos da economia.

Por fim, evitou toda a espetacularização da figura do Papa. Não estendeu os braços para saudar o povo. Ficou parado, imóvel, sério e sóbrio, diria, quase assustado. Apenas se via a figura branca que olhava com carinho para a multidão. Mas irradiava paz e confiança. Usou de humor falando sem uma retórica oficialista. Como um pastor fala aos seus fiéis.

Cabe por último ressaltar que é um Papa que vem do Grande Sul, onde estão os pobres da Terra e onde vivem 60% dos católicos. Com sua experiência de pastor, com uma nova visão das coisas, a partir de baixo, poderá reformar a Cúria, descentralizar a administração e conferir um rosto novo e crível à Igreja.

João Pereira Coutinho: Temos Papa


João Pereira Coutinho, que esteve no CCB para ver e ouvir Bento XVI, fala do Papa Francisco. No "Correio da Manhã" de hoje.

Rir com o Papa Francisco


Cartunes do jornal "Corriere della Sera"


quarta-feira, 13 de março de 2013

Francisco I, seja o que Deus quiser


As escolha surpreendeu. Pela positiva. O sentimento "seja o que Deus quiser", em mim, é de confiança. Há oito anos era de  resignação. No meu caso, claro, insisto.

O nome já não estava entre os favoritos, apesar de de vez em quando ainda ser apontado. 

Fui ver onde é que Jorge Bergoglio já apareceu neste blogue.

Aqui, no dia 27 de fevereiro de 2012.

E aqui, há dias, juntamente com o nome Francisco. Mas não na mesma pessoa.

Aí está ele, o 266.º

Afinal, foi rápido.

Sopa dos cardeais

No jornal "i" de hoje.

O próximo Papa já tem twitter?


Um passarinho soprou

Pelo que se diz, já que os vaticanistas brotam por todo o lado como cogumelos em pinhais húmidos – só dentro de mim deve haver uns dois ou três com cinco ou seis opiniões contraditórias – , os principais candidatos a Papa, obviamente não declarados, têm conta no Twitter.Ver aqui.

Mas Scola desativou-a.

Odilo, em dezembro de 2011 tinha 7566 seguidores. Agora tem mais de 30 mil. A última mensagem que mandou foi no dia 10 de março: «Amigos, ouçamos o apelo da Palavra de Deus deste Domingo 10.03: "deixai-vos reconciliar com Deus!”».

Ravasi – parece que de repente ficou fora dos candidatos - tinha 3639. Agora tem quase 50 mil seguidores. Despediu-se dos amigos no dia 28 de fevereiro. Prudente. “Grazie ai miei followers per il cammino condiviso. Mi congedo da voi per qualche giorno... In amicizia”.

O’Malley tinha 2181. Agora tem 16 mil. No dia 10 de março deixou link para a sua homilia.

Scola tinha 1522,mas fechou a página. Ainda mais prudente. Entretanto, alguém abriu uma chamada papascola.

Ouellet não tem Twitter. E espero que também não tenha votos.

Conhecimento

A Jesus Cristo devo todo o conhecimento de Deus e dos homens que possuo; tudo aquilo que os filósofos não podem saber.

Heinz Zahrnt

terça-feira, 12 de março de 2013

Vai ser Leão XIV, diz o JN

Do "Jornal de Notícias" de hoje

Fazer o que o outro não fez

Diz o cardeal Sodano na missa de início do conclave:


“A atitude fundamental de todo o bom pastor é (…) dar a vida por suas ovelhas. Isto vale, sobretudo, para o Sucessor de Pedro, Pastor da Igreja universal. Porque quanto mais alto e mais universal é o ofício pastoral, tanto maior deve ser a caridade do Pastor”.

As perguntas que me ocorrem:
a) quem estará agora agora com as orelhas a arder?
b) estalou o verniz?
c) eles não se entendem?
d) quantas maneiras há de dar a vida pelas ovelhas?

Às 11:28
Um leitor, Paulo Terroso, sugere que eu acrescente mais uma alínea (com um elogio, diz que tenho imaginação fértil). Faço-lhe a vontade e acrescento mais duas:
e) As questões que coloquei são apenas fruto da minha fértil imaginação?
f) mais um exemplo de "a vingança serve-se fria"?
g) estará o decano a sentir que lhe tiram o tapete de debaixo dos pés?

segunda-feira, 11 de março de 2013

Que nome vai escolher o novo papa?

Bento XVII? Improvável. Seria a continuidade de Bento XVI. Mas Bento XVI quis dizer “mais como eu não”. E há que cumprir o pedido. Só Angelo Scola poderia escolhê-lo, pois conhecia bem Bento XVI de diversos outros sítios. Saberia ser continuador.

João Paulo III? Não me parece. João Paulo II esgotou, pelo menos enquanto os que viveram sob o seu pontificado andarem por cá, a junção dos nomes. Não é que João Paulo II tenha sido um grande papa. Julgo que não foi. E duvido que o seu processo de canonização avance depois do que veio ao de cima com Bento XVI. Os escândalos do dinheiro e do sexo. Mas ninguém quer assumir, julgo eu, a teatralidade, as grandes imagens de João Paulo II.

Paulo VII? É uma possibilidade. Passaram uns anos. Significaria que o novo Papa aposta na continuidade do Concílio Vaticano II. Fazer o que ainda não foi feito. O milanês Ravasi, como Montini, poderia escolher este nome.

João XXIV? Outro nome que parece esgotado. Só um reformador otimista humilde poderá voltar a usá-lo. Mas como as coisas estão, é difícil reformar com humildade. E se for otimista, poderá não querer fazer reformas. Um cardeal franciscano poderia escolher este nome. Claudio Hummes, brasileiro, não é carta descartada. E há O’Malley, capuchinho dos EUA. Mas estes poderiam ter coragem para escolher o seguinte nome. Pelo menos, de certeza que lhes passa pela cabeça, ainda que fica mal escolher o nome do fundador da ordem.

Francisco I? Sobre este nome, ler o magnífico texto Maurizio Chierici no jornal “Il Fatto Quotidiano”, traduzido aqui.

Clemente XV? É uma possibilidade para D. José Policarpo. No anterior conclave disse que se fosse eleito era este o nome escolheria. Um sinal, já, de que é um Clemente que lhe sucede em Lisboa? O Clemente XIV não foi clemente. Era franciscano e extinguiu os jesuítas. Ficou na história como “o rigoroso”.

Pio XIII? Um asiático poderia escolher este nome. O Tagle das Filipinas, por exemplo. Um africano também seria capaz de escolher tal nome. Mas não um europeu nem um americano.

Leão XIV? Demasiado feroz. Quer-se mansidão. A não ser que apareça alguém extremamente humilde, reformador e com um grande sentido de humor e uma elevada auto-estima. Há dois cardeais jesuítas ou só há um, argentino, Bergoglio? De momento não sei quantos jesuítas há no conclave. A dificuldade está em juntar humildade a um jesuíta.

(Hei de voltar aos nomes papais)
Nota de 13 de março às 22h42. Não deu tempo de voltar aos nomes papais, mas também não foi preciso. O improvável Francisco já cá estava.

Bento Domingues: "Não é a Quaresma que conta, mas a Páscoa"

Texto de Bento Domingues no "Público" de ontem.

Efeito Bento XVI no meu blogue

Foi há um mês que Bento XVI anunciou a resignação. A notícia, penso que a com mais impacto em 2013, até ao momento, notou-se no número de visitas deste blogue.

O mês de janeiro tinha sido  razoável, com cerca de 10500 visitas mensais (o que dá mais de 300 por dia), mas o mês de fevereiro estava a ser mais fraquinho. Certamente ficaria abaixo das 10 000 visitas se não fosse Bento XVI. Acabou por ficar nas 11 524. No gráfico nota-se bem como este blogue foi mais procurado de 11 de fevereiro em diante.

O melhor mês de sempre, contudo, continua a ser o de março de 2012. Pelo que vou vendo, há quatro meses em que este blogue é mais consultado: março, maio, outubro e novembro, meses sem férias escolares (março, em 2013, tem).

domingo, 10 de março de 2013

José Augusto Mourão: “Nas fronteiras deste mundo”

Deus nas fronteiras deste mundo,
Deus que cruzamos como as sombras,
dá-nos um corpo de desejo
e um ouvido de começo,
fica connosco Deus que passas
e nossas mãos te larguem,
Deus confundido com a sede,
e as palavras que dizemos,
vem alterar o nosso corpo,
vem confundir a nossa fome,
Deus da palavra,
flor do vento,
manhã que vem em Jesus Cristo.

Dê-te prazer o nosso canto,
Deus das manhãs azuis e rosa,
que o nosso corpo te anuncie qual fonte, rio ou chaga aberta,
que nossas mãos persigam o teu passar escondido.

Deus invisível para os olhos,
palavra solta, luz que passa,
é neste tempo que dizemos o claro escuro do teu nome,
onde é secreta a tua face e o teu passar adivinhado.

José Augusto Mourão (1947-2011). Poema deixado aqui por Helena Valentim, a quem agradeço.

Para que mundo nos envia esse "nós" que a Eucaristia dominical celebra?


J. Ratzinger, quando ainda era Papa, recordou que foi a redescoberta da teologia do Corpo Místico (Mystici Corporis) que fez crescer a fórmula: "Nós somos a Igreja, a Igreja não é uma estrutura; nós, os próprios cristãos juntos, todos nós somos o Corpo vivo da Igreja. Naturalmente isto é válido no sentido que o "nós", o verdadeiro "nós" dos crentes, juntamente com o "Eu" de Cristo é a Igreja".

Para que mundo nos envia esse "nós" que a Eucaristia dominical celebra? É o mundo a alterar durante a semana: na família, no trabalho, na escola, no desporto e no lazer, na solidariedade, no voluntariado, etc. Com uma particularidade: levar estes celebrantes a ver o mundo a partir dos excluídos. Ir da periferia para o centro. Se começarem no centro, nunca mais chegam à periferia. Seja como for, foi o método seguido por Jesus. Estragou o sábado a muita gente.

Quer saber quem escreveu isto?

sábado, 9 de março de 2013

Anselmo Borges: Desafios para a Igreja com o novo Papa


Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Olivier Bobineau

A Igreja Católica leva consigo um imenso paradoxo. O sociólogo Olivier Bobineau descreveu bem a situação. "A Igreja católica é uma junção paradoxal de dois elementos opostos por natureza: uma convicção - o descentramento segundo o amor - e um chefe supremo dirigindo uma instituição hierárquica e centralizada segundo um direito unificador, o direito canónico. De um lado, a crença no invisível Deus-Amor; do outro, um aparelho político e jurídico à procura de visibilidade. O Deus do descentramento dos corações que caminha ao lado de uma máquina dogmática centralizadora. O discurso que enaltece uma alteridade gratuita coexiste com o controlo social das almas da civilização paroquial - de que a confissão é o arquétipo - colocado sob a autoridade do Papa. Numa palavra, a antropologia católica tenta associar os extremos: a graça abundante e o cálculo estratégico. Isso dá lugar tanto a São Francisco de Assis como a Torquemada."

Esta junção paradoxal é superável? Os desafios para a Igreja com o novo Papa são muitos. Ficam aí alguns, sem cuidar muito da sua ordem.

1. Desafio essencial é a conversão de todos os seus membros ao Evangelho, começando pelos que estão mais alto: papa, bispos, cardeais, padres. Acreditar em Jesus e tentar segui-lo. E anunciar a fé viva de sempre na linguagem do nosso tempo, articulando-a com a razão. E, contra um cristianismo reduzido a proibições, apresentá-lo como mensagem positiva e realização felicitante de sentido.

2. Outro, decisivo para o futuro: a reforma da Cúria Romana e do governo da Igreja em geral (há quem se pergunte: mas a Cúria será reformável?). Tem de haver mais simplicidade (acabar com aqueles títulos todos: Eminência, Excelência, Monsenhor...) e transparência e democraticidade. Pergunta-se, por exemplo, se o actual modelo de eleição papal não sofre de endogamia, já que o Papa escolhe aqueles que elegerão o sucessor. Não se impõe um processo mais participativo e universal? Quanto às dioceses, alguém já sugeriu, em vez de dioceses gigantes, um bispo para um número mais reduzido de fiéis, que deveriam participar na sua eleição.

3. É intolerável que possa haver sequer suspeitas de que pelo Banco do Vaticano passa lavagem de dinheiro. Exige-se, pois, uma gestão eficaz e transparente. Jesus foi contundente: "Não podeis servir a Deus e a Mamôn" (o Dinheiro divinizado).

4. Tem de continuar a mão inflexível da tolerância zero no que se refere à pedofilia.

5. É uma pergunta enorme, a de um biblista belga, que me disse um dia em Bruxelas: como é que o movimento iniciado por Jesus desembocou numa instituição com um Papa chefe de Estado?

Evidentemente, onde há homens e mulheres - e os católicos são 1200 milhões - tem de haver um mínimo de instituição. O que ela não pode é ter o primado, pois este pertence às pessoas e aos seus problemas. O Papa é uma figura de influência mundial e, uma vez que, por razões que a História explica, a Santa Sé e o Vaticano existem, exige-se que estejam, através das suas redes diplomáticas, ao serviço da paz, dos direitos humanos e do diálogo entre as nações.

6. Sem se negar, a Igreja tem de modernizar-se e, sendo verdadeiramente global, tem de estar aberta ao pluralismo. Esta abertura implicará também o acesso da mulher aos ministérios ordenados, o fim da lei do celibato, a reconciliação com a sexualidade e a revisão de questões como a pílula e o preservativo, a possibilidade da ordenação de homens casados, a comunhão para os divorciados recasados.

7. A continuação do diálogo ecuménico intracristão e inter-religioso e intercultural é um desafio irrenunciável, bem como o contributo para o debate nas questões de bioética.

8. A Igreja de Cristo tem de estar ao lado dos problemas dos homens e das mulheres, a começar pelos mais fragilizados. Por isso, espera-se dela pronunciamentos sem tibieza sobre a justiça social, a condenação de doutrinas económicas que endeusam o lucro, o combate pela dignidade de todos, a salvaguarda da paz, dos direitos humanos, a preservação da natureza.

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...