segunda-feira, 31 de maio de 2010

Imagens da Bíblia dos Jerónimos

Imagens da Bíblia dos Jerónimos, na "Mona Lisa" das bíblias, como alguém disse. Na primeira das imagens, a criação de Eva. Copiado daqui. Obrigado, Jofre Alves.





O argumento da alegria, por Cioran

Se eu acreditasse verdadeiramente que a alegria nos é dada por Deus, gostaria que Ele ma desse bem raramente; mas mesmo se ela não viesse senão de mim, está tão carregada de substância, de realidade, que por causa dela eu acreditaria em Deus por necessidade de gratidão, porque ela, esta alegria, é tão densa, tão cheia, tão divinamente pesada, que não se pode suportá-la sem uma referência suprema.

E. M. Cioran (1911-1995)

Actos de beleza

No jornal da Diocese do Porto, o "Voz Portucalente", um pequeno mas belo texto de Rui Osório, padre que em tempos foi jornalista do "Jornal de Notícias". Aliás, julgo que ainda lá colabora com uma página "religiosa" aos domingos.

Há os discursos sobre a beleza. Este texto fala de um acto.

31 de Maio de 1469. Nasce D. Manuel I

D. Manuel I, 14.º rei de Portugal, o Venturoso, porque no seu reinado (1495-1521) o país descobre o caminho marítimo para a Índia e o Brasil e domina o comércio intercontinental, nasceu no dia 31 de Maio, em Alcochete. O facto está bem assinalado numa pequena praça da vila da margem esquerda do Tejo.

Mas deste reinado realço a “Bíblia dos Jerónimos”, talvez o livro mais valioso de Portugal. Foi encomendada por Manuel, ainda duque de Beja, em 1494, a uma oficina florentina, mas chegou quando Manuel, inesperadamente (era primo de D. João II, o antecessor), já era rei.

Chama-se “dos Jerónimos” porque foi deixada em herança ao Mosteiro dos Jerónimos. Na imagem apresenta-se a primeira página do livro de Josué, texto em latim. Na ilustração surge, por coincidência, o presbítero Jerónimo, ou seja, o Padre da Igreja que traduziu a Bíblia do grego para o latim (“Vulgata”).

domingo, 30 de maio de 2010

A Bíblia de José Diogo Quintela

É impressão minha ou José Diogo Quintela é o humorista português que mais conhece a Bíblia? Talvez seja só impressão minha, porque não costumo ler Ricardo Araújo Pereira (na “Visão”) nem os outros colegas do Gato Fedorento (um deles escrevia no “Destak” – ou seria no “Metro”?), nem outros humoristas (João Miguel Tavares faz humor, no "Correio da Manhã", e já tem usado a linguagem de origem religiosa, mas fá-lo como jornalista) .

JDQ usa com frequência a linguagem teológica, bíblica e eclesial. Outro exemplo aqui. Na crónica da "Pública" de hoje remete-se para um episódio do Antigo Testamento, concretamente, o livro do Génesis, capítulo 41.

30 de Maio de 1431. Joana D'Arc morre na fogueira

Joana D'Arc é interrogada pelo Cardeal de Winchester na prisão. Pintura de Paul Delaroche, 1824

Joana D’Arc morreu no dia 30 de Maio de 1431, na fogueira, em Rouen, à mão dos ingleses.

Nascida na Lorena, em 1412, Joana D’Arc teve um papel importante na Guerra dos Cem Anos (1337-1453), colocando-se ao lado dos de Armagnac (França livre e leal ao rei), contra osbourguignons” (borgonheses) e os ingleses.

Aos 13 anos começou a ter visões e consagrou-se à causa do rei. Entrou para o exército francês e comandou tropas. Em 1430, foi capturada pelos borgonheses e vendida aos ingleses. Acusada de praticar feitiçaria, foi condenada à morte na fogueira.

Esteve esquecida durante cinco séculos (mas satirizada por Shakespeare, que a trata como uma bruxa, e por Voltaire), mas no início do século XX explode em França uma paixão por Jeanne D’Arc devido ao nacionalismo e à oposição à Alemanha e à Inglaterra. A sua beatificação em 1909 (Pio X) e a canonização em 1920 (Bento XV) são claramente políticas. A Igreja francesa e o Vaticano desejavam de algum modo a reconciliação com regime republicano, laico e nacionalista.

De qualquer forma, Joana, pastoral e analfabeta, é o exemplo de uma adolescente que se move pela força das convicções.

Bento Domingues: Deus não sabe como se chama

Bento Domingues recorda que, em relação à Trindade, algo central no cristianismo, houve um tempo em que “os teólogos andavam por um lado, os místicos por outro e o povo cristão, indiferente a uns e outros, alimentava-se de devoções, sobretudo marianas”. Ora, o percurso de Jesus – e dos cristãos – não se entende sem uma ligação filial e um sopro divino. Mas falar de Deus é difícil. Criam-se ídolos. “A ideia de Deus tem de ser, continuamente, despedaçada e Ele próprio se encarrega de o fazer. É o grande iconoclasta". Chamara-lhe Trindade, porque "Deus não sabe como se chama".

sábado, 29 de maio de 2010

Erasmo sobre o nome de Jesus

"Erasmo de Roterdão", por Hans Holbein, o Jovem

Erasmo de Roterdão, no “Elogio da Loucura”, conta que ouviu de um teólogo, octogenário, “parecia Escoto ressuscitado”, uma explicação do nome de Jesus que encerrava “tudo quanto se pode dizer do próprio Cristo”.

Em três casos, na língua latina, Jesus escreve-se “Jesus”, “Jesum” e “Jesu”. Referindo-se às terminações, diz: “Estas três letrinhas indicam, com efeito, que Jesus é o princípio (summum), o meio (medium) e o fim (ultimum)”.

Como Chesterton ajudava a fazer e vender jornais dos outros


Chesterton travou em 1903-04 uma polémica com Robert Blatchford (1851-1943, um jornalista socialista que no final da vida se torna conservador), porque este escrevera um livro nacionalista intitulado “Deus e o meu próximo”.
Como editor do jornal “Clarion”, Blatchford abriu as páginas do jornal para os que dele discordavam. Os textos do grupo liderado por Chesterton foram publicados num volume intitulado “As Dúvidas da Democracia”. Mas os textos de Chesterton foram depois reunidos e publicados, pela Ignatius Press, sob o título “Controvérsias com Blatchford”. Há um delicioso trecho em “Hereges” em que Chesterton se refere à controvérsia dizendo: “... o Sr. Blatchford, que começou uma campanha contra o cristianismo e mesmo sendo advertido por muitos que isso arruinaria seu jornal, continuou por causa de um meritório sentido de responsabilidade intelectual. Descobriu, contudo, que enquanto chocava indubitavelmente os seus leitores, o seu jornal muito prosperava. Passou a ser comprado – primeiramente, por todos que concordavam com ele e o queriam ler; depois, por todos que discordavam dele e queriam escrever-lhe cartas. Tais cartas eram volumosas (eu ajudei, fico feliz em dizer, a engordar o jornal) e eram geralmente publicadas quase sem cortes. A grande máxima do jornalismo foi assim acidentalmente descoberta (como aconteceu com a máquina a vapor): que se um editor conseguir enfurecer as pessoas suficientemente, elas escreverão, de graça, metade do jornal”.
Adaptado do Blogue do Angueth.

29 de Maio de 1874. Nasce Chesterton

Chesterton em 1898

Gilbert Keith Chesterton, o príncipe do paradoxo, nasceu no dia 29 de Maio de 1874, em Londres, e morreu no dia 14 de Junho de 1930, em Beaconsfield. Converteu-se ao catolicismo em 1922.

Gostava do debate, pelo que estava sempre pronto para uma boa polémica com Bernard Shaw, o sua “inimigo amistoso”, F.G. Wells ou Bertand Russell.

Apologista cristão dos tempos modernos, Chesterton escreveu 80 livros, centenas de poemas, 200 contos, quatro mil ensaios. Além de ser colunista em vários jornais, alimentava ele próprio, em exclusivo, publicações periódicas. Hoje teria, certamente, blogues.

Em “Ortodoxia”, escreve que um editor lhe perguntou: “Mas, então, se o homem não acreditar em si mesmo, em que há-de acreditar?” Chesterton respondeu, como ele próprio conta, após um longo silêncio: “Vou para casa escrever um livro como resposta à sua pergunta”.

Anselmo Borges: Bento XVI em Portugal - 2

É possível fazer um balanço da viagem do Papa? O que aí fica não passa de breve tentativa.


1. Quem é que nos visitou? Um Papa que é um intelectual afamado, reconhecido por crentes e não crentes. Foi um dos peritos do Concílio Vaticano II.

Amigo do colega teólogo Hans Küng, seguiram caminhos diferentes a partir de 1968. Quando viu a ameaça do radicalismo ateu dos estudantes de Teologia, que consideravam a cruz uma "expressão da adoração sadomasoquista da dor" e o Novo Testamento um "meio de enganar as massas", deixou a Universidade de Tubinga e foi para Ratisbona. Hans Küng escreveu nas suas Memórias: "Ratzinger rejeitou totalmente aquele caos de 1968 e creio que foi esse o ponto decisivo da sua mudança para uma orientação conservadora".


2. A Portugal chegou como conservador. Trazia igualmente a fama de distante. Encontrei-me com ele uma vez em Roma e pareceu-me uma pessoa agradável, embora tímido. Confirmei que assim é: apareceu como um homem afável, um intelectual de grande estatura, mas humano e profundamente crente. Foi essa a imagem que deixou ao povo português. Mas ele também saiu diferente, mais humano - por vezes, emocionou-se. Afinal, a emoção sem razão é cega, mas a razão sem emoção é fria. A razão autenticamente humana é a razão sensível. Uma das palavras mais repetidas por ele foi compaixão. De facto, a razão não confrontada com o sofrimento pode tornar-se monstruosa.


3. Foi claro na afirmação da laicidade do Estado: saudou a separação da Igreja e do Estado. Para quem pensava que abandonara o Concílio Vaticano II, sublinhou a sua importância para o diálogo entre a Igreja e o mundo. Recebeu representantes de outra religiões. Falando ao mundo da cultura, teve afirmações inesperadas: a Igreja tem a convicção de que Jesus Cristo é a verdade eterna encarnada, mas ela está a aprender a conviver com outras "verdades" e a verdade dos outros. Sim, quer uma Igreja que não renuncie à sua identidade, mas ela está aberta à urgência do diálogo entre as culturas e as religiões. A Igreja não tem a verdade toda e é pelo diálogo que se chega a uma verdade sempre maior e à paz.


4. Empenho essencial é trazer a razão à fé. Não é o cristianismo a religião do Logos (Razão) e do Amor? Em Fátima, mostrou que é preciso recentrar o cristianismo: o centro é Cristo e não Maria. E, como especialista em Santo Agostinho, deixou um texto que abre à possibilidade de uma reinterpretação mística das chamadas "aparições". A revelação não cai do Céu. A mística autêntica não implica fenómenos extraordinários, como levitações, aparições, etc. Do que se trata é de se dar conta, no mais profundo e íntimo da realidade, da presença do Deus vivo, pois, como disse Santo Agostinho, Deus é mais íntimo a mim do que a minha mais íntima intimidade. Deus não vem "de fora". É transcendente, mas na imanência mais radical. Assim, o que se passou em Fátima tem a ver com uma profunda experiência religiosa de crianças, no contexto sociocultural da época.


5. Deixou uma imensa mensagem de esperança, tão urgente neste tempo dramático de crise. E apelou à solidariedade e à justiça, a favor dos mais pobres.

Por isso, aqui, é legítimo perguntar se não se impunha mais simplicidade nesta visita. De facto, é um líder espiritual mundial que é ao mesmo tempo Chefe de Estado. Dizia-me uma vez em Bruxelas um colega da Universidade de Lovaina: como foi possível a Igreja de Cristo ter chegado aqui? É uma herança histórica, difícil de afastar. Mas não se exigirá menos ostentação?


6. As celebrações foram belas. Mas é necessário estar atento para que todos possam ouvir. Sobretudo, há ali uma distância, que, vistas as coisas de fora, faz com que a vivência que pode ficar é a de duas Igrejas: no altar, a Igreja imperial, e cá para baixo o povo, que ouve e obedece. Não se tem a experiência viva de uma Igreja-comunhão e autêntico Povo de Deus.

Por outro lado, lá, no altar, só há homens celibatários. Estou convicto de que, com o tempo, também se há-de lá ver, a concelebrar, padres casados e mulheres ordenadas.


Fonte: DN

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Casamento tradicionalista, liberal e anglicano

Qual a diferença entre um casamento católico tradicionalista, um católico liberal e um anglicano?
No católico tradicionalista, a noiva é jovem e a mãe da noiva está grávida. No católico liberal, a noiva é mais velha e está grávida. No anglicano, pode não haver noiva, mas ministra está grávida.

Secondo, o primeiro a ver o rosto do Sudário

Secondo Pia, pioneiro a usar as lâmpadas de Edison na fotografia, tirou fotografias ao Sudário em duas sessões. Na primeira, no dia 25 de Maio, o resultado decepcionaram. Repetiu a 28 e ficou estupefacto quando reparou que o negativo da sua fotografia do Sudário mostrava o positivo do rosto de um homem. Ou seja, o próprio Sudário funcionava como negativo.

Contou mais tarde que quase deixou cair as placas (nesta época e ainda por mais umas boas décadas, os negativos eram em placas de vidro) quando, ao revelá-las na sala escura, olhou para o rosto de um ser humano. Para mais, assemelha-se à iconografia tradicional de Jesus Cristo.

O Sudário foi arrumado no dia 2 de Junho. A história chegou ao "Il Cittadino" no dia 13 de Junho, ao "Corriere Nazionale" no dia 14 e ao "Osservatore Romano" no dia 15. E, já agora, à capa da "Time" no dia 20 de Abril de 1998. Exactamente. Um século.

Apesar de tudo o que se tem dito, a Igreja não considera o Sudário uma relíquia (algo que esteve me contacto directo com Jesus), mas sim um ícone (algo que remete para).

Sobre o Sudário e uma explicação para os seus mistérios há um romance excelente, de meados dos anos 90: "Manuscrito Do Santo Sepulcro", do suíço Jacques Neirynck. Com tanto mistério como o "Código da Vinci", mas mais conhecedor da teologia bíblica e dos meandros da Igreja Católica. Está on-line numa versão brasileira.

A Câmara de Pia

28 de Maio de 1898. Tira-se a primeira fotografia ao Sudário de Turim

Foi no dia 28 de Maio de 1898 que o advogado e fotógrafo amador Secondo Pia (1855–1941) tirou a primeira fotografia ao Sudário de Turim, exposto nos quatrocentos anos da catedral de Turim. A questão da autenticidade do Sudário continua hoje a ser motivo de debates e congressos internacionais.

É difícil ser Deus?

“Hard to be a God / Que difícil é ser Deus!” é o título do espectáculo de Kornél Mundruczó, integrado do alkantara festival 2010 (espectáculo em húngaro, com tradução simultânea em português), em Lisboa.

Parece claro que a peça não fala de Deus. Pelo menos a julgar pelo cartaz de onde tiro estas informações. “Objectos, pessoas e camiões num reality show onde estamos ansiosos por abandonar a posição do mirone. Permanecemos observadores ou tornamo-nos humanos?” Se calhar fala mesmo de Deus. Ao ver a confusão do mundo, Deus encarnou. Deixou a “posição do mirone”.

O que me interessa é a frase-título da peça. É fácil ou difícil ser Deus? Seria uma pergunta interessante num teste de teologia, mesmo que a tradução literal do titulo da peça seja antes "Difícil ser um Deus".

Fácil ou difícil? É difícil. Viu o Filho morrer. Sofre com a humanidade. É incompreendido, ignorado, odiado pela sua obra-prima. É fácil. Sabe como as coisas funcionam. Foi ele que as inventou. Conhece tudo. Sabe como a história acaba. É Ele quem manda.

E pensar sobre se é fácil ou difícil ser Deus o que significa? Que conhecemos algo de Deus? Que as categorias humanas se aplicam Deus? Que podemos dar instruções a Deus? Que sabemos como funciona Deus?

Lendo mais sobre a peça, aqui, vejo que, afinal, fala mesmo de Deus.

"O romance «Que difícil é ser Deus!» dos Irmãos Strugatski serve de inspiração para este espectáculo, examinado do ponto de vista da distância e responsabilidade divinas. Um infiltrado, que vê o que se passa mas não pode intervir, está presente como Deus, longe da alegria da criação, como observador dolorido. Até que o que há de humano nele prevalece, e tem de agir, mas conhecendo as leis sombrias do camião tem de usar os métodos deles: violência e destruição. Mostra-se o dilema da justaposição entre presença inactiva e vida activa num espaço confinado, questionando assim a própria posição do público. Objectos, pessoas e camiões reais num reality show onde estamos ansiosos por abandonar a posição do mirone. Permanecemos observadores ou tornamo-nos humanos?"

Advogado

Há um mês, Jean Guitton disse-me: "Tenho 90 anos, preciso de pensar na minha morte". "Então porquê?", perguntei-lhe eu. "Há o julgamento!..." Eu tentei tranquilizá-lo: "Você não arrisca nada, você tem um bom advogado". Ele Perguntou-me: "Sim?" Ele receava que eu estivesse a falar de mim. Expliquei: "Quando estiver diante Dele, você será tentado a condenar-se a si próprio. Ele não o vai querer. Será Ele o seu advogado".

André Frossard (1915-1995) [Jean Guitton morreu quatro anos depois de André Frossard]

André Frossard

Jean Guitton

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Infalibilidade ao pequeno-almoço


O Papa Pio IX declarou o dogma de infalibilidade do magistério papal "ex catedra", em doutrina de fé e costumes, no dia 18 de Julho de 1870, ao promulgar a constituição “Pastor Aeternus”, na quarta sessão do Concílio Vaticano I (1869-1870).
Consta que o teólogo inglês (e matemático) William George Ward (1812-1882) afirmou na altura: “Gostaria imenso de receber todas as manhãs, juntamente com o pequeno-almoço e o «Times», uma encíclica papal infalível”.
Quando li isto numa revista de teologia, pensei que se tratasse de humor britânico, que George Ward, mesmo sendo teólogo, estivesse a ser irónico. Que fosse uma anedota. Mas não. George Ward era um ultramontano. Pensava que de para lá dos Alpes é que podia vir toda a segurança.
Tinha sido anglicano, mas deixou a Igreja de Inglaterra e converteu-se à de Roma (passando por sérias dificuldades económicas no início). Foi, efectivamente, um dos maiores apoiantes do dogma em Inglaterra.

Países onde custa mais ser cristão

Segundo a FAIS (Fundação Ajuda à Igreja que Sofre), o Top 10 dos países onde é mais difícil ser cristão é o seguinte:

1. Coreia do Norte
2. Arábia Saudita
3. Irão
4. Afeganistão
5. Somália
6. Maldivas
7. Iémen
8. Laos
9. Eritreia
10. Usbequistão

Note-se que, exceptuando a Coreia do Norte (irreligiosa) e o Laos (budista), são países de maioria islâmica.

27 de Maio de 1703. É fundada a cidade de São Petersburgo

A cidade de São Petersburgo, que no regime soviético foi Leninegrado, e que também é conhecida por Sampeterburgo, Petrogrado um simplesmente Peter, foi fundada no dia 27 de Maio de 1703 (calendário gregoriano; na época os russos ainda seguiam o juliano).

Foi fundada por Pedro I, “o Grande”, que umas semanas antes conquistara aos suecos a fortaleza sobre o rio Neva. No dia que é apontado como o da fundação, o csar mandou ergue ruma Fortaleza São Pedro e São Paulo, a primeira edificação da cidade. O nome da cidade veio a seguir, lembrando o seu patrono, embora, como é óbvio, remeta igualmente para o fundador.

O “burg” lembra a cultura neerlandesa, de que Pedro era fã. Passou ano e meio nos Países Baixos (1697-98) e essa experiência foi determinante para empreender a modernização da Rússia.

Desespero

Deus é um desespero que começa onde todos os outros acabam.

Emil Cioran (1911-1995)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Bonhoeffer: Som cheio do mundo

Quando o silêncio profundo descer sobre nós,
faz-nos ouvir aquele som cheio do mundo,
que, invisível, se estende à nossa volta,
o alto canto de louvor de todos os teus filhos.

Dietrich Bonhoeffer (04-1906 – 09-04-1945)

26 de Maio de 1595. Morre Filipe Neri

O florentino Filipe Neri (22 de Julho de 1515- 26 de Maio de 1595) criou em 1565 a Congregação do Oratório, uma associação de padres seculares, sem votos de pobreza nem de obediência, para se dedicar à educação cristã da juventude e a obras de caridade. Nos séculos XVIII, em Portugal, os oratorianos ou filipinos seriam os grandes rivais dos jesuítas. Evitando-lhes isso a oposição do Marquês de Pombal.

Alexandre Herculano (1810-1877), por exemplo, foi aluno dos oratorianos.

Filipe Neri, em Roma, atento aos jovens da rua, criou o Oratório, um espaço onde aprendiam doutrina cristã e letras, além de uma profissão. O Oratório era ainda espaço informal de convívio. O conceito foi assumido e reinterpretado no séc. XIX pelos salesianos (de D. Bosco), que, ainda hoje, principalmente em África e na América Latina, promovem estes espaços juvenis de convívio e formação humana, profissional e cristã.

Diz-se que a frase "Um santo triste é um triste santo" é de Filipe Neri.

Inspirações: As eleições são como a confissão

"A democracia tem a mesma função da confissão católica: lava-nos os pecados passados. Com eleições ganha-se uma virgindade nova".

Ferreira Fernandes no DN de ontem (25 de Maio)

Jogo dos filósofos: quem haveria de levar a taça?

terça-feira, 25 de maio de 2010

Balanço 10 e 11 e chega: Tolentino no "Público" e Manuel Queiroz no "i"

A quente, pois Bento XVI regressou a Roma na tarde de 14 de Maio, José Tolentino Mendonça ("Público") e Manuel Queiroz escreveram ("i") nos jornais do dia seguinte - e chega de balanços sobre a visita do Papa a Portugal:


Ser preso por varrer a casa ao contrário

Para falar sobre o perigo de perder a privacidade, Rui Tavares olha primeiro para o passado. E é principalmente isso que me interessa na sua crónica de ontem no “Público”. A história.

De resto, ninguém era preso por varrer a casa ao contrário, mas sim pelo que isso significava. Os exemplos são sempre muletas. E o cronista é mestre na sua manipulação, faltando ao rigor histórico, como foi o caso de dizer que a arte gótica inspirou-se na arte islâmica (ver aqui).

O texto de Rui Tavares:

Em Portugal já foi possível ser preso por varrer a casa ao contrário. Não acredita? Então vou contar-lhe uma história.

É comum, nas casas judaicas, afixar um rolo de pergaminho na ombreira da porta da entrada. A este rolo, que contém dois versículos da Bíblia e que às vezes está guardado dentro de uma caixa, chama-se mezuzá — o que significa precisamente “umbral” em hebraico. Para os judeus observantes esta é uma obrigação prescrita pela escritura sagrada, e todo o máximo respeito é devido à mezuzá.

Agora imagine que vivia no Portugal do século XVII, por exemplo em Castelo de Vide, vila de casas térreas, muitas vezes de porta aberta para a rua. Se a sua família fosse cristã, o mais natural seria que varressem o lixo para a porta da rua. Mas se por convicção, ritual ou hábito quisessem respeitar os preceitos judaicos ninguém varreria o pó para a rua, para não mostrar desrespeito pela mezuzá. A maneira correta de varrer a casa seria recolher o lixo para o centro, para só depois o recolher e despejar.

Quem quiser folhear os processos da Inquisição portuguesa verá que muitas mulheres portuguesas, judias ou “cristãs-novas”, foram denunciadas e presas por “varrer a casa ao contrário”.

Aquela era uma época de pouca ou nenhuma privacidade. Os vizinhos, incluindo a vasta rede de “familiares da inquisição” poderiam controlar a sua vida facilmente: saber em que direção varria, se punha camisa lavada e descansava à sexta-feira, se vestia linho no “Dia Grande” do Yom Kippur, se evitava comer carne de porco, etc. Quantos milhares foram presos, torturados e condenados por estas pequenas coisas? Sem privacidade, as suas convicções, a sua liberdade e até a sua vida estavam em risco.

O resto pode ser lido aqui.

25 de Maio de 1420. Henrique é governador da Ordem de Cristo

No dia 25 de Maio de 1420, o Infante D. Henrique, filho de D. João I, torna-se governador da Ordem de Cristo, que sucedeu à extinta Ordem dos Templários, que tão importante tinha sido na conquista do território português aos mouros e da qual herdou os bens.

A Ordem de Cristo foi criada em Portugal como “Ordo Militiae Jesu Christo” pela bula “Ad ae exquibus”, de 15 de Março de 1319, pelo Papa João XXII. Era rei D. Dinis. (A Ordem do Templo começara a ser perseguida em 1307 e terminara em 1314, com a morte do grão-mestre Jacques DeMolay).

Com sede em Tomar, esta organização seria fundamental para o financiamento da saga dos descobrimentos. Por isso, é que as caravelas têm nas velas a Cruz de Cristo, não muito diferente da cruz dos Templários. Não é alheia ao espírito dos descobrimentos a ideia de cruzada.

O Infante, por nomeação papal como os outros, foi governador da Ordem até morrer, em 1460.

A Ordem seria terminaria em 1834, com a extinção das ordens religiosas em Portugal, por decreto de Joaquim Augusto de Aguiar, o "mata-frades". D. Maria II restaurou-a como ordem honorífica.

Balanço 9: José Carvalho no "Expresso" com um cartune de mau gosto

O Papa limpa uma coisa que outros fizeram. Mas trata-se de um cartune de muito mau gosto. Suponho que é de Cristina Sampaio.

Deus e os imbecis

"Que Deus prefere os imbecis é um boato que os imbecis fazem correr há dezanove séculos".

François Mauriac (1885-1970)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

As capas de Bento XVI - 9

Sem ter a ver com a visita a Portugal, ao contrário das outras capas que aqui recolhi, a "Courrier internacional" dedicou a capa de Maio a Bento XVI por causa do escândalo da pedofilia. A revista contém apenas quatro artigos relevantes sobre a polémica.

Laurie Goodstein, em "Crime sem castigo", no "New York Times" (epicentro da oposição a Bento XVI) de 25 de Março de 2010, escreve sobre as "manobras" do cardeal Joseph Ratzinger "para abafar um assunto incómodo". Pouco convincente.

Marina Hyde, em "Nem Dan Brown inventaria uma conspiração assim", no "Guardian" de 27 de Março de 2010, diz que a conspiração que cardeal Saraiva Martins afirma existir contra a Igreja (afirmou o cardeal português: "Há um plano bem organizado, com um objectivo claro") tem o seguinte sentido (e cito a jornalista): "uma organização misteriosa delegou em inumeráveis padres o abuso de inumeráveis crianças ao longo de décadas (para não dizer ao longo dos séculos)". Não sei onde é que a jornalista foi inventar isto. Se não foi em Dan Brown, terá sido no Harry Potter?

Matthias Heine, com o texto "Nova Inquisição precisa-se!", no "Die Welt" de 03 de Março de 2010, defende a existência de um tribunal firme para salvar a Igreja católica "de uma das mais graves crises internas dos últimos séculos". O jornalista é protestante. Curioso e sincero.

Sinéad O'Connor, sim, a cantora careca, em "Os católicos deveriam boicotar a missa", no "Washington Post" de 28 de Março de 2010, diz que os irlandeses "merecem melhor do que as desculpas do Papa". Sociologicamente informativo. Um exemplo. Sabia que, na Irlanda, quando alguém comete um erro, em vez de se dizer "ninguém é perfeito", diz-se "até a um bispo isso podia acontecer"? Diz-se, não. Dizia-se.

24 de Maio de 1738. Conversão de John Wesley

John Wesley, fundador da Igreja Metodista (leio igualmente “lançador do movimento metodista”) converteu-se no dia 24 de Maio de 1738. A data é conhecida por “Aldersgate Day”, porque Wesley converte-se durante um encontro que decorria num edifício da rua Aldersgate, em Londres, ao ouvir a leitura de um sermão de Lutero sobre a Carta aos Romanos. Antes disso, John Wesley era anglicano. Hoje, metodismo e anglicanismo são confissões cristãs muito próximas.

No seu diário, sobre a conversão, John Wesley escreveu:

Por volta das nove menos um quarto, enquanto ouvia a descrição que Lutero fazia sobre a mudança que Deus opera no coração através da fé em Cristo, senti que o meu coração ardia de uma maneira estranha. Senti que, na verdade, eu confiava somente em Cristo para a salvação e que uma certeza me foi dada: a de que Ele havia apagado os meus pecados, realmente meus, e que me havia salvo da lei do pecado e da morte. Comecei a rezar com todo meu poder por aqueles que, de uma maneira especial, me haviam perseguido e insultado. Então testemunhei diante de todos os presentes o que, pela primeira vez, sentia no meu coração.

Balanço 8: António Pinto Leite, no "Expresso"

O arquitecto que não pode projectar em paz

Depois da polémica com a igreja-caravela do Restelo (ver aqui), o arquitecto Troufa Real não se livra de nova polémica, agora com a igreja de Algés, em construção.

Tenho dificuldade em ter opiniões sobre projectos arquitectónicos. Mas lembro-me, por exemplo, da polémica que envolveu a construção da Torre Eiffel. Ninguém a queria, excepto o engenheiro.

Muitos intelectuais opuseram-se à construção que, aliás, era provisória. Para a feira e pouco mais. Mas um dos maiores opositores, Guy de Maupassant, um dia foi apanhado a almoçar no restaurante da Torre. "Então o senhor detestava tanto este empreendimento e está aqui?" "Sabe - respondeu -, é o único sítio em Paris do qual não se vê a Torre".

Ora, se as igrejas são assim tão horríveis, talvez haja uma vantagem pastoral nisso. Poderá levar mais pessoas para o interior. De lá, pelo menos, não se vêm as torres.


O mundo, arte anónima de Deus

Uma obra de arte tem um autor e, contudo, quando ela é perfeita, ela tem qualquer coisa de essencialmente anónima. Ela imita o anonimato da arte divina. Assim, a beleza do mundo faz prova de um Deus ao mesmo tempo pessoal e impessoal, e de nem uma coisa nem outra.

Simone Weil (1909-1943)

Copérnico novamente enterrado

Passados 467 anos, Copérnico voltou a ser enterrado. Faz hoje anos que o astrónomo e clérigo polaco morreu (24 de Maio de 1543). Mas o novo funeral foi no sábado passado, na catedral de Frombork , como aliás estava previsto (ver aqui).

domingo, 23 de maio de 2010

Oração em dia de Pentecostes

Senhor,
concede-me, a mim que não peço ouro nem prata,
uma fé forte e inabalável.

Concede-me antes o teu Espírito Santo.

Que ele ilumine meu coração,
me fortaleça no medo e na necessidade,
me console e me preserve na verdadeira fé
e confiança em tua graça até o fim.

Martinho Lutero (1483-1546)

23 de Maio de 1179. Bula papal que reconhece a independência portuguesa

Bula Manifestis probatum

O Papa Alexandre III concedeu no dia 23 de Maio de 1179 a bula Manifestis probatum, que reconhece a independência do Reino de Portugal. Já desde 1143 que Portugal era independente, mas era necessário o reconhecimento da autoridade supranacional da época, o Papa.

Na bula, o Papa escreve a D. Afonso Henriques, que ainda viveria mais seis anos: "Concedemos e confirmamos por autoridade apostólica ao teu excelso domínio o reino de Portugal com inteiras honras de reino e a dignidade que aos reis pertence, bem como todos os lugares que com o auxílio da graça celeste conquistaste das mãos dos sarracenos e nos quais não podem reivindicar direitos os vizinhos príncipes cristãos".

O soberano português compromete-se a dar a Alexandre III e aos seus sucessores, todos os anos, “dois marcos de oiro”, “como testemunho de maior reverência”. Mais tarde, um cronista que não sei identificar disse que o rei português deixou de pagar os marcos (pagou apenas uma vez: também se diz que eram quatro onças) “por esquecimento muito bem lembrado”.

O texto da Manifestis probatum pode ser lido aqui.

Bento Domingues: "Esta não me leva nem uma Ave-Maria""

História nas paredes

Mesmo quem não gosta de grafitos (é o meu caso) não vai querer perder esta história.

sábado, 22 de maio de 2010

22 de Maio de 337. Morre o imperador Constantino

Constantino no Museu Capitolino, Roma

O imperador Constantino, santo para os ortodoxos (os do Oriente), mas apenas “o Grande” para os latinos (os Ocidente), morreu no dia 22 de Maio de 337. Nasceu em 272, foi co-imperador com Licínio, de 306 a 324, e imperador único, de 324 a 337. O seu nome completo era César Flávio Valério Aurélio Constantino Augusto.

Constantino tem grande importância para o cristianismo por dois ou três motivos. Deu a liberdade de religião aos cristãos através do Édito de Milão (313), ao contrário do antecessor Diocleciano, que promoveu das perseguições mais duras. E convocou o Concílio de Niceia, há dias aqui lembrado. Foi, por fim, o primeiro imperador cristão. Mas só se baptizou perto da morte.

Tem-se tido (é a tese de Dan Brown no “Código da Vinci” e de seitas como as Testemunhas de Jeová) que Constantino é pai do cristianismo de tradição católica. Tal tese fundamenta-se nos relatos do historiador eclesiástico Eusébio de Cesareia, que na sua “História da Igreja” dá grande destaque à influência de Constantino no Concílio de Niceia. Na realidade, tanto Eusébio como Constantino eram simpatizantes do arianismo – a heresia derrotada em Niceia. Por outros escritos, tais como os de Atanásio de Alexandria, sabe-se que a influência de Constantino foi residual e que o ressentimento da derrota conciliar levou a que Atanásio e outros fossem perseguidos pelo imperador no pós-concílio. Outro sinal do arianismo de Constantino ficou patente com o baptismo, que só aconteceu após a Páscoa de 337 (o imperador morreria no dia de Pentecostes, isto é, 50 dias após a Páscoa). Constantino escolheu como ministro do baptismo um outro Eusébio, o bispo de Nicomédia, que após o Concílio (por volta de 328) tinha dado protecção nem mais nem menos que ao padre Ario.

Confronto sobre verdade, fé e ateísmo

Existe Deus? Um confronto sobre verdade, fé e ateísmo
Joseph Ratzinger e Paolo Flores d’Arcais
Pedra Angular
158 páginas

A eleição do Cardeal Ratzinger para Papa provocou um fenómeno editorial curioso, que foi o do aparecimento dos títulos que têm um único autor mas com dois nomes. Refiro-me, obviamente, ao autor Joseph Ratzinger / Bento XVI. Isso tanto aconteceu com títulos escritos por Joseph Ratzinger enquanto era somente cardeal como nas obras elaboradas já após a eleição de 2005, como é o caso do primeiro volume de “Jesus de Nazaré”, na editora A Esfera dos Livros. Compreende-se a estratégia comercial no primeiro caso: lembrar que o antes cardeal-teólogo agora é Papa para vender mais. Mas no segundo caso, o nome duplo parece ter outra finalidade: levar a pensar que aquele que agora é Papa escreveu um livro como teólogo. Caso contrário bastaria pôr “Bento XVI”, como em qualquer outra obra ou documento. Mas esta situação – aquele que é Papa escrever como teólogo – não deixa de causa alguns pruridos, no mínimo, ao leitor, a quem é estudante de teologia e principalmente aos especialistas de cristologia. Pode-se debater a obra “Jesus de Nazaré”, de Joseph Ratzinger / Bento XVI, como a de um teólogo comum? Pode-se peneirá-la à procura de erros ou opiniões discutíveis? Serão questões interessantes para continuar a reflectir quando se aproxima a publicação do segundo volume sobre Jesus Cristo.

Atitude igualmente compreensível é a de ler uma obra escrita pelo cardeal, sabendo que ele hoje é Papa, e nela procurar pistas para interpretar o pontificado. Tal leitura dará naturalmente com incongruências, sendo a mais flagrante a defesa da exclusão da entrada da Turquia na União Europeia enquanto cardeal e teólogo e a defesa da inclusão já como Papa. Valerá para Bento XVI o que o cardeal Ratzinger escreveu quando João Paulo II ainda estava entre nós: “Quando o Papa fala, ele não fala em seu próprio nome. Naquele momento, em última análise não contam nada as teorias ou as opiniões privadas que ele tenha elaborado no decurso da sua vida, por mais elevado que possa ser o seu nível intelectual. O Papa não fala como um simples homem erudito, com o seu eu privado ou, por assim dizer, como um solista sobre a cena da história espiritual da humanidade. Ele fala atingido pelo «nós» da fé de toda a Igreja, por detrás do qual o eu tem o dever de desaparecer. Vem-me à mente, a este propósito, o grande Papa humanista, Enea Silvio Piccolomini, o qual, como Papa, devia por vezes dizer, apoiando-se precisamente no «nós» do seu magistério pontifício, coisas em contradição com as teorias daquele douto humanista que precedentemente tinha sido ele próprio. Quando lhe eram assinaladas estas contradições, costumava responder: “Aeneam reicite, Pium recipite” (Deixai ficar Eneas, sigam Pio). Num certo sentido, não é por um fenómeno inócuo se o «eu» substitui o «nós»” (Joseph Ratzinger in “João Paulo II. O meu venerando predecessor”, ed. Gráfica de Coimbra 2, pág. 13).

São estes os óculos para ler os livros de Ratzinger antes de ser Papa? Os óculos de “Aeneam reicite, Pium recipite”? Talvez. Entre o antes e o depois da eleição há continuidade e descontinuidade. Mas uma passagem como esta de “Existe Deus?”, não significará que Bento XVI nunca convocará um concílio? A passagem: “Parece-me que [o Concílio Vaticano II] foi um acontecimento providencial, necessário, mas… com a comparação da intervenção cirúrgica queria ainda mostrar que um acontecimento benéfico não implica logo, necessariamente, os efeitos positivos esperados. E tenho um ilustre predecessor, o grande teólogo Gregório de Nazianzo, justamente denominado como “o” teólogo. Havendo sido convidado pelo imperador para o Concílio de Constantinopla, depois das anteriores experiências que tivera com outros concílios, disse: «Nunca mais irei a um Concílio, porque só cria confusão», tal era o seu desespero. Eu não me expressaria assim, mas foi ele que o disse; um Concílio, como mensagem, como acção, digamos como intervenção profunda na vida das Igrejas, é necessário, mas ao mesmo tempo suscita também novas complicações… e estamos numa fase em que temos de enfrentar essas complicações” (pág. 69-70).

A presente obra é um conjunto de textos, sendo o mais extenso o debate entre Joseph Ratzinger e o filósofo Paulo Flores d’Arcais, ateu. Intitulado “Existe Deus?”, o debate aborda assuntos como a racionalidade da fé, o iluminismo, fé/razão, João Paulo II, a fé na Europa, entre outros. Surge a seguir um ensaio de Ratzinger sobre “A Verdade Católica” e uma conversa de Ratzinger e Patrick Bahners e Christian Geyer. Por fim, o ensaio de Paulo Flores d’Arcais sobre “Ateísmo e Verdade”. O debate principal teve lugar em Roma, a 21 de Fevereiro de 2000, perante cerca de duas mil pessoas no Treatro Quirino, promovido pela revista de debate “MicroMega”. Algumas seguiram-no em plena rua com um amplificador improvisado.

Com os ateus inteligentes aprende-se sempre. Paulo Flores d’Arcais lembra-nos que também há uma tradição cristã pouco dada ao diálogo com a razão. Prescinde dela. Não certamente a de Ratzinger, sempre preocupado com conciliação fé /razão. Pensemos no Paulo do “escândalo para os judeus e loucura para os gentios”, de Tertuliano, Lutero, Pascal ou Kierkegaard. O debate nunca acaba.

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...