quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Autor e Deus

Um autor no seu trabalho deve ser como Deus no Universo, presente em toda a parte, visível em parte alguma.

Flaubert

domingo, 28 de dezembro de 2014

Bento Domingues: "Um milénio entre a excomunhão e a bênção"

Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje:

1. Segundo a cronologia, devia ter deixado para hoje o que escrevi no Domingo passado. Mas assim é melhor. Vamos, então, à fonte donde nasceram as questões que os jornalistas levantaram ao Papa, no voo de regresso da Turquia.

Foi uma peregrinação que durou três dias cheios de acontecimentos, cuja significação profunda e decisiva para o futuro passou quase despercebida. Começo pelo contraste complementar entre as declarações fervorosas sobre o Islão – a não confundir com as organizações que o invocam para matar em nome de Deus - e o apelo veemente aos dirigentes religiosos e políticos muçulmanos para que se unam na denúncia clara e pública desses crimes e ameaças.

 A Turquia é a fronteira de muitas fronteiras políticas, religiosas e cristãs. Bergoglio não foi lá dar lições a ninguém. Foi encorajar os que procuram caminhos de paz no Medio Oriente, intensificar o diálogo inter-religioso e revigorar a proximidade católica com o mundo cristão da Ortodoxia.

Era conduzido pelo desejo de congregar as energias de todas as pessoas de boa vontade, daquelas que vêem o mundo a partir do rosto das vítimas da violência, dos pobres e dos excluídos e que não aceitam esta vergonha como uma fatalidade.

2. Depois de se referir ao horror da islamofobia, da cristianofobia e de realçar a importância do diálogo inter-religioso, ele próprio explicou a alma da sua viagem: Eu fui à Turquia e fui como peregrino, não como turista. De facto, o que me levou, o motivo principal, foi a festa de hoje: fui precisamente para a partilhar com o Patriarca Bartolomeu; foi um motivo religioso. Depois, quando fui à Mesquita, não podia dizer: "Não! Agora sou turista!" Isto não; era tudo religioso. E vi aquela maravilha! O mufti explicava-me bem as coisas, com tanta serenidade e mesmo com o Alcorão, onde se falava de Maria e de João Baptista, explicava-me tudo... Naquele momento, senti necessidade de rezar. E disse: "Rezamos um bocado?" "Sim, sim!" – disse ele. E rezei… pela Turquia, pela paz, pelo mufti... por todos... por mim, que bem preciso... Rezei verdadeiramente. E, sobretudo, rezei pela paz. Disse: "Senhor, acabemos com a guerra!" Assim mesmo. Foi um momento de oração sincera.

3. Ao participar na Oração Ecuménica, na Sede do Patriarcado Ortodoxo, no dia da festa de Santo André, fez e disse algo, que irritou os fanáticos da superioridade católica e à qual as outras igrejas se deveriam render: “(...) André e Pedro eram irmãos de sangue, mas o encontro com Cristo transformou-os em irmãos na fé e na caridade. E nesta noite jubilosa, nesta oração de vigília, quero, sobretudo, dizer: irmãos na esperança.

Que grande graça, diz Francisco a Bartolomeu, poder ser irmãos na esperança do Senhor Ressuscitado! Que grande graça – e que grande responsabilidade – poder caminhar juntos nesta esperança, sustentados pela intercessão dos Santos irmãos Apóstolos, André e Pedro! Saber que esta esperança comum não desilude: está fundada - não sobre nós e as nossas pobres forças – mas sobre a fidelidade de Deus.

Com esta jubilosa esperança, transbordante de gratidão e trepidante expectativa, formulo a Vossa Santidade, a todos os presentes e à Igreja de Constantinopla os meus votos cordiais e fraternos pela festa do Santo Patrono. E peço um favor: de nos abençoar, a mim e à Igreja de Roma.

Um milénio entre este pedido de bênção e o envio de uma excomunhão papal!

Com este espírito, não era difícil que, no final da Divina Liturgia, de Domingo, o Patriarca Bartolomeu e o Papa assinassem uma Declaração Comum de empenhamento em superar os obstáculos que dividem estas Igrejas.

Não é uma Declaração para servir as respectivas “sacristias”, mas para colocar as duas Igrejas no horizonte das suas responsabilidades no mundo, escutando as suas vozes: a voz dos pobres, que pedem uma ajuda material necessária em muitas circunstâncias, mas sobretudo que os ajudemos a defender a sua dignidade de pessoas humanas e a lutar contra as causas estruturais da pobreza; a voz das vítimas dos conflitos, em diversas partes do mundo - conflitos, muitas vezes entre grupos religiosos; a voz dos jovens, que vivem sem esperança, dominados pelo desânimo e resignação e que vão buscar a alegria apenas à posse de bens materiais e na satisfação das emoções do momento. Devemos encorajar as multidões de jovens, ortodoxos, católicos e protestantes, que se reúnem em Taizé, apressando o momento da unidade de todos.

Na Catedral Católica, o Papa sublinhou a nossa permanente tentação de resistir ao Espírito Santo, porque ele perturba, revolve, faz caminhar e incita a Igreja a avançar. É sempre mais fácil e confortável acomodarmo-nos nas posições estáticas e inalteradas. Na realidade, a Igreja mostra-se fiel ao Espírito Santo, quando desiste de o regular e domesticar e afasta a tentação de só olhar para si própria. Nós, cristãos, tornamo-nos autênticos discípulos missionários, capazes de interpelar as consciências, se abandonarmos um estilo defensivo para nos deixamos conduzir pelo Espírito. Ele é frescura, criatividade, novidade.

O diagnóstico das 15 doenças do Vaticano só pode vir de quem se incomoda e não se acomoda. Bom Ano!

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Take Me To Church. Já há algum tempo que não ouvia uma canção tão poderosa



"Take Me To Church"

My lover's got humour
She's the giggle at a funeral
Knows everybody's disapproval
I should've worshipped her sooner

If the heavens ever did speak
She's the last true mouthpiece
Every Sunday's getting more bleak
A fresh poison each week

'We were born sick, ' you heard them say it

My Church offers no absolutes
She tells me, 'Worship in the bedroom.'
The only heaven I'll be sent to
Is when I'm alone with you—

I was born sick,
But I love it
Command me to be well
Amen. Amen. Amen. Amen.

[Chorus 2x:]
Take me to church
I'll worship like a dog at the shrine of your lies
I'll tell you my sins and you can sharpen your knife
Offer me that deathless death
Good God, let me give you my life

If I'm a pagan of the good times
My lover's the sunlight
To keep the Goddess on my side
She demands a sacrifice

Drain the whole sea
Get something shiny
Something meaty for the main course
That's a fine looking high horse
What you got in the stable?
We've a lot of starving faithful

That looks tasty
That looks plenty
This is hungry work

[Chorus 2x:]
Take me to church
I'll worship like a dog at the shrine of your lies
I'll tell you my sins so you can sharpen your knife
Offer me my deathless death
Good God, let me give you my life

No Masters or Kings
When the Ritual begins
There is no sweeter innocence than our gentle sin

In the madness and soil of that sad earthly scene
Only then I am Human
Only then I am Clean
Amen. Amen. Amen. Amen.

[Chorus 2x:]
Take me to church
I'll worship like a dog at the shrine of your lies
I'll tell you my sins and you can sharpen your knife
Offer me that deathless death
Good God, let me give you my life

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Respiremos neste Natal

O melhor livro de Advento-Natal. Já tem uns aninhos. Original litaliano de 1995, edição portuguesa de 1996. Bem antes de Bento XVI, César das Neves e outros, afirmou o lugar do burro e o boi no presépio.

"O burro e o boi já fazem parte integrante do quadro em que Deus opera a nossa salvação. São o sinal de que o dia-a-dia em todas as suas versões não é um segmento de vida pobre ou sem sentido, mas o caminho pouco vistoso, por vezes até um pouco aborrecido, ao longo do qual Deus nos conduz gradualmente até ao cume da montanha. É fundamental que saibamos acolher o burro e o boi na nossa vida. Porque, apesar de nalguns dias não conseguirmos cantar nem falar, será importante que, pelo menos, possamos respirar" (pág. 98).

Bom Natal. A todos.

Luís Osório: "Jesus vive no Papa Francisco?"


Editorial de Luís Osório no "i" de hoje, Sobre Francisco, que chega aonde mais nenhum Papa chegou, pelo menos assim de repente.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 7


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 6


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 5



Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 4


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 3


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 2


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 1

Frei Bento Domingues deu uma entrevista ao "Expresso" de sábado passado. Vale a pena ler. Acho. Porque ainda não li. Mas vou ler. E colocá-la toda aqui. Aos bocadinhos. De meia em meia hora.

domingo, 21 de dezembro de 2014

O verdadeiro líder

"Todo o líder deve servir os seus liderados", disse Abraham Skorka na entrevista que deu ao DN. Se todos os líderes eclesiais assim pensassem e agissem, mais os líderes políticos e os gestores, o mundo seria uma maravilha. Ainda mais do que é.

Bento Domingues: Quantos Cristos ressuscitaram? (1)


1. Nas crónicas de Natal, durante vários anos, preocupei-me, com questões de ordem histórica e teológica, levantadas pelo género literário dos chamados “Evangelhos da Infância”. Esses belos tecidos simbólicos, anunciando o reinado do Espirito de Cristo – recusa do mundo de senhores e escravos – são mal servidos por uma leitura estéril de biologia milagrosa.

Este ano, opto pela peregrinação ecuménica do Papa Francisco à Turquia, fundamental para o renascimento das Igrejas. Selecciono, apenas, duas respostas descontraídas a perguntas dos jornalistas, no voo de regresso [1]. Voltarei, em breve, a outros aspectos.

O Papa Bergoglio tinha afirmado que, para chegar à suspirada plenitude da unidade, “a Igreja católica não tem intenção de impor qualquer exigência”. Daí a questão: “estaria a referir-se ao Primado (do Bispo de Roma)?

Resposta: A questão do Primado não é uma exigência; é um acordo porque também os ortodoxos o desejam. É um acordo para encontrar uma modalidade que seja mais conforme com a dos primeiros séculos. Li, uma vez, algo que me fez pensar – um parêntesis – aquilo que sinto de mais profundo acerca deste caminho da unidade está na homilia que fiz, ontem, sobre o Espírito Santo. Li, com efeito, que só o caminho do Espírito Santo é caminho certo, porque Ele é surpresa. Ele mostrar-nos-á onde está o ponto decisivo. Ele é criativo…

Talvez isto seja uma autocrítica, mas corresponde, mais ou menos, ao que eu disse nas congregações gerais, antes do Conclave, o problema está no seguinte: a Igreja tem o defeito, o hábito pecador, de olhar demasiado para si mesma, como se imaginasse que possui luz própria. Mas, como sabem, a Igreja não tem luz própria. Deve voltar-se para Jesus Cristo!

À Igreja, os primeiros Padres chamavam-lhe mysterium lunae, o mistério da lua, porquê? Porque dá luz, mas não tem luz própria; é a que lhe vem do sol. E, quando a Igreja olha demasiado para si mesma, aparecem as divisões. Foi o que sucedeu depois do primeiro milénio. Hoje, à mesa, falávamos do momento, de uma terra – não me lembro qual – em que um cardeal foi comunicar a excomunhão do Papa ao Patriarca (ortodoxo). Naquele momento, a Igreja olhou para si mesma; não estava voltada para Cristo. Creio que todos estes problemas que surgem entre nós, entre os cristãos – falo pelo menos da nossa Igreja católica – surgem quando ela olha para si mesma: torna-se auto-referencial.

Hoje, Bartolomeu usou uma palavra, não foi "auto-referencial", mas era muito semelhante, uma palavra muito bela… Agora não me recordo, mas era muito bela, muito bela [o termo na versão italiana é introversão].

Eles aceitam o Primado [do Bispo de Roma]. Hoje, na Ladainha, rezaram pelo "Pastor e Primaz". Como diziam? "Aquele que preside…". Reconhecem-no; disseram-no, hoje, na minha frente. Mas, quanto à forma do Primado temos de ir um pouco ao primeiro milénio para nos inspirarmos. Eu não digo que a Igreja errou, não. Percorreu a sua estrada histórica. Mas, agora, a estrada histórica da Igreja é aquela que pediu João Paulo II: "Ajudai-me a encontrar um ponto de acordo à luz do primeiro milénio".

Este é o ponto-chave. Quando se fixa em si mesma, a Igreja renuncia a ser Igreja para ser uma ONG teológica.

2. Uma jornalista interpelou-o “acerca da histórica inclinação” que ontem o Papa Francisco tinha feito diante do Patriarca de Constantinopla: como pensa agora enfrentar a crítica de quem talvez não entenda estes gestos de abertura?

Resposta: Atrevo-me a dizer que não se trata de um problema só nosso; é também um problema dos ortodoxos. Eles têm o problema de alguns monges, de alguns mosteiros que estão nessa estrada. Por exemplo, há um problema que se discute desde os tempos de Paulo VI: é a data da Páscoa. E não nos pomos de acordo! Mas porquê? Porque, se a fizéssemos na data da primeira lua depois do 14 de Nisan, com o avanço dos anos, correríamos o risco – os nossos bisnetos – de ter de a celebrar em Agosto. E devemos procurar… Paulo VI propôs uma data fixa concordada, um domingo de Abril.

3. Bartolomeu foi corajoso, sublinhou o Papa. Por exemplo, em dois casos, recordo um, mas há outro. Na Finlândia, ele disse à pequena comunidade ortodoxa: festejai a Páscoa com os luteranos, na data dos luteranos, para que num país de minoria cristã não haja duas Páscoas. E o mesmo problema vivem os orientais católicos. Ouvi esta, uma vez, à mesa, na Via della Scrofa: preparava-se a Páscoa na Igreja católica e estava presente um oriental católico que dizia: "Ah, não! O nosso Cristo ressuscita um mês mais tarde! O teu Cristo ressuscita hoje?" O outro observou: O teu Cristo é o meu Cristo.

A data da Páscoa é importante. Há resistência a isto por parte deles e nossa. Quanto a estes grupos conservadores, devemos ser respeitosos, sem nos cansarmos de explicar, catequizar, dialogar, sem insultar, sem os denegrir nem criticar porque tu não podes arrumar uma pessoa dizendo: "este é um conservador". Não. Este é tão filho de Deus como eu. Mas convidemo-lo: vem cá, falemos! Se não quer falar é um problema dele, mas eu respeito-o. Paciência, mansidão e diálogo.

Boas festas.

[1] Cf. Seguirei, de perto, a narrativa do L’Osservatore Romano, 04.12.2014

sábado, 20 de dezembro de 2014

Anselmo Borges: Herança cristã da Europa

Até grandes pensadores agnósticos e ateus concordam que muito do bom da Europa é herança cristã. Anselmo Borges no DN de hoje.

Salvador


O período litúrgico do Advento e do Natal fala ao desejo de quem espera, e oferece um salvador a quem se sente perdido. O medo de perder coisas e pessoas e de perder-se com elas é uma das nossas preocupações mais profundas. O mistério da maldade que há em nós acrescenta mais alguma coisa do desejo e ao medo, criando mal-estar e desconfiança. Pode-se fingir que se ignora tudo isto, mas é como entrar num beco sem saída.

Domenico Pezzini, "O Tesouro e o Barro", pág. 7

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O amigo Abraão do Papa

Entrevista dada pelo amigo do Papa ao DN. Edição de 17 de dezembro de 2014.

Perdão e integridade


Houve altura em que cada um de nós sentiu necessidade de perdoar. Também houve momentos em que todos precisámos de ser perdoados. E todos esses momentos voltarão a repetir-se. De uma maneira muito particular, todos nos destroçamos e todos nós magoamos outras pessoas. O perdão é a viagem que empreendemos para sarar as partes destroçadas. É assim que reconquistamos a nossa integridade.

In "Livro do Perdão", de Desmond Tutu e Mpho Tutu (Editorial Presença), pág. 13

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Meditações de Santo Agostinho

Carlos Abreu Amorim, que tentou demonstrar que era esta a narrativa de Salgado, recomendou-lhe que lesse as "Confissões" de Santo Agostinho. O banqueiro, assumindo-se como "católico praticante", com "o maior respeito" pelo grande Doutor da Igreja, garantiu que "sempre que posso leio as Meditações de Santo Agostinho". Não sendo "Meditações" nenhum título canónico da obra do santo de Hipona, a referência de Salgado não deixa de ser adequada. É que, Salgado, meditar, até pode ter meditado. Confessar, não confessou.

Ler mais aqui.


(nota do blogue: Carlos Abreu Amorim é, segundo o conhecimento geral, ateu. Ou pelo menos agnóstico.)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Natal Comercial

Tem piada. E está lá a história do Natal (ainda que a anunciação do anjo não tenha sido em Belém). E não fala do Pai Natal.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

José Diogo Quintela: Sócrates e Jesus


Conclusão da crónica de José Diogo Quintela na 2 (Público) de domingo passado. Leia tudo aqui (só me interessa a aproximação a Jesus).

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Gálatas 3,28

A Igreja Anglicana aprovou na segunda-feira a possibilidade de ordenar mulheres bispas. Já podiam ser ordenadas em cinco países da Comunhão Anglicana, mas não em Inglaterra. Tenho pena de os católicos não estarem à frente nisto.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Marquês de Fronteira e ligações aos jesuítas


Morreu há dias o Marquês de Fronteira, Fernando Mascarenhas (deixa ver… foi no dia 12 de novembro), que se opôs à ditadura - “marquês vermelho” - e foi mecenas da cultura nos tempos democráticos.

E lembrei-me disto porquê? Não sei da fé do marquês, embora se diga que o funeral teve missa, mas lembro-me de ter lido algures que os Marqueses de Fronteira apoiaram o Padre Carlos João Rademaker (1828-1885), que foi o principal impulsionador da restauração da Companhia de Jesus em Portugal. E julgo que por causa disso, há cerca de uma década, uma edição dos “Monita Secreta” foi apresentada no Palácio dos Marqueses de Fronteira.

O livro “Monita Secreta” (“Instruções secretas”) são umas falsas instruções da cúpula dos jesuítas, escritas por um polaco dissidente dos jesuítas, no princípio do séc. XVII. Há quem diga que os “Monita Secreta” estão na origem de toda a literatura conspiracionista. E não digo mais, caso contrário, ainda levo o leitor a engrossar as fileiras dos que acreditam nos conteúdos do livro. Aliás, nem devia ter falado nisto.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Óscar Afonso: "Pensamento económico do Papa Francisco"

No "i" de hoje. É mais pertinente esta análise dos que as inflamações por causa de afirmações isoladas do Papa. Mesmo que inteiras.

Jesus farto


Do "Inimigo Público" de hoje. O resto da "notícia" não a reproduzo. Demasiado mau gusto. (E talvez com isto leve algum leitor a procurar a prosa satírica).

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A confraria

Ouvi hoje na TSF que a Confraria do Pudim do Abade de Priscos quer que o Papa coma esta sobremesa. E pelos vistos, já falaram com um eclesiástico qualquer que tem uns contactos lá em Roma.

Há tempos, estava na moda entrar no Guinness com este tipo de coisas (a maior feijoada, a maior chouriça, o maior grelhador de não-sei-o-quê), agora parece que a moda é pedir publicidade ao Papa. Mesmo que ele não a dê, haverá sempre um jornalista por perto para noticiar a coisa.

E outro aspeto: não é impressionante a profusão de confrarias gastronómicas? E não é paradoxal que quando diminui a presença em atos litúrgicos e em procissões, as confrarias usem uma vestes, umas bandeiras,uns ritos e umas procissões paralitúrgicas? É muito fácil perder a dimensão do ridículo. E ainda mais em grupo.

Como Marx - um dos irmãos, não o Karl - eu era capaz de pertencer somente a uma confraria. A dos que não querem pertencer a nenhuma.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

terça-feira, 11 de novembro de 2014

A comunidade de Christiania tem a bandeira mais bonita que conheço


Pelo P3 (Público) soube de uma série de "reinos do nosso mundo", como o de Christiania, que não é reino mas comunidade. E tem a bandeira mais bonita de todas. Além do nome.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Mais uma grande novidade sobre Jesus. Ai, desculpem, não é

Jesus casou com Maria Madalena, teve dois filhos e tentaram assassiná-lo aos 20 anos (julgo que já depois dos filhos nascidos, tendo em conta os modos de vida da época). Vem num manuscrito que encontraram na British Library. Ler aqui.

Ainda há dias, um investigador russo ou ucraniano dizia que era impossível Jesus ter existido. Será que alguém pode pôr os três investigadores, o eslavo, o canadiano e o israelo-canadiano, em contacto?

A novidade, agora, está sem dúvida na tentativa de assassinato. O resto não é novidade, pois não Dan Brown? Ups, a tentativa de assassinato, antes da cruz, também está nos evangelhos.

Bento Domingues: "Este Papa é incorrigível"


Texto de Bento Domingues no "Público" de ontem.

domingo, 9 de novembro de 2014

“Senhor, ilumina-o ou elimina-o”

Conheço a oração, “Senhor, ilumina-o ou elimina-o”, as acusações de ser “comunista” e de usar os métodos do “prec” na reforma da cúria, de abusar da noção de hierarquia das verdades e de estar a perder, por palavras, gestos e atitudes, a tradicional dignidade de um “verdadeiro” Santo Padre. Há quem discuta a legitimidade da sua eleição e não só.

Bento Domingues
Público, 09-11-2014

O Muro de Berlim caiu, mas nem um cristão ajudou com uma martelada?

Pedaço do Muro de Berlim em Fátima

Ainda não li muito da imprensa de hoje (passei os olhos por todo o "Público" e "DN", ambos em papel), mas, do que li e vi, noto uma ausência gritante nos textos sobre a queda do Muro de Berlim, que se deu há 25 anos. Nada se fala do Solidariedade na Polónia, que realmente foi o motor que desencadeou o fim da Guerra Fria, muito menos de João Paulo II, e igualmente nada dos cristãos que em cidades da RDA como Leipzig se vinham organizando em favor da liberdade política. Parece que o fator religioso nada teve a ver com o fim de um regime confessionalmente ateu. Daí a minha interrogação brechtiana no título. (Voltarei aqui se entretanto as notícias impressas me desmentirem.)

sábado, 8 de novembro de 2014

A possibilidade de estar perto da fé segundo Ian McEwan

"Acreditar no amor sem limites é o mais perto que algum dia estarei da fé"


Ian McEwan no DN de hoje. Um bocadinho aqui.
Ian McEwan com a questão de Deus já por cá andou.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Tolerância católica

O sínodo sobre a família com poucas famílias lá dentro trouxe ao de cima o que sempre existiu na grande família que é Igreja, mas ultimamente estava mais wojtylaratzingerianamente abafado: duas grandes tendências, que geralmente os observadores dizem ser a dos progressistas e a dos conservadores. (Também há quem diga que são os católicos do Reino e os católicos da Comunhão. Ler aqui. Ou os católicos de Milão e os católicos de Roma, aqui.) Eu ia a dizer, na sequência disto: Não podem tolerar-se? Mas é claro que se toleram. E por isso todos são católicos. Apesar de tudo. E por causa de tudo.

A saúde de João Paulo II

Uma vez, a superiora de uma congregação disse a João Paulo II:
- Estou muito preocupada com a saúde de Sua Santidade.
João Paulo II respondeu:
- Eu também.
- Está preocupado com a sua saúde?!
- Não, com a minha santidade.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Ética escandinava

No "Correio da Manhã" de há dias, no "Radar" de João Vaz, vinha isto:

Mais uma prova da existência de Deus

"Já a pescada arrepiada e anzolada é a prova da existência de Deus",
diz Miguel Esteves Cardoso na crónica de hoje no "Público".

Nulidades rápidas


JN de 06 de novembro de 2014. O despedimento foi na Argentina. Quanto à rapidez, facilidade e barateza do processo é simples: copiem o divórcio na hora português. Poderia ser "nulidade na hora". Acontece que não é aqui que reside o problema. Mesmo que todos as declarações de nulidade fossem rápidas, baratas e fácis, continuaria a haver muitos católicos recasados que não põem a questão da nulidade do primeiro casamento.

Ou mais

Aprender a amar-se a si mesmo é tarefa para uma vida inteira.

José Tolentino Mendonça

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Certeza

É nas questões em que faltam certezas que se pode experimentar a certeza de uma amizade.

Matteo Ricci, Máxima 26 do seu "Tratado da Amizade"

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Anselmo Borges: "Os dias da interrogação"

Texto de Anselmo Borges no DN de sábado.


Qual é a constituição da razão, que inevitavelmente põe perguntas a que depois não sabe responder? Essas perguntas, diz Kant, têm a ver com a liberdade: somos livres ou estamos inseridos na cadeia do determinismo causal?, com a imortalidade: tudo acaba com a morte ou continuamos para lá dela?, com Deus: há Deus ou Deus realmente não existe? Perguntas decisivas a que a razão científica não sabe responder. Ninguém pode gloriar-se de saber que Deus existe ou não existe e que haverá ou não vida futura; se alguém o souber, escreve, "esse é o homem que há muito procuro, porque todo o saber é comunicável e eu poderia participar nele".

Sobre aquilo que decisivamente nos interessa estamos praticamente na situação de sempre: nesses domínios, o saber no sentido científico estrito não avança. Mesmo sobre a morte o que é que sabemos? Ninguém sabe o que é morrer - lá está M. Heidegger: "A morte do outro revela-se como uma perda, mas sobretudo como a perda que experienciam os que ficam. A perda sofrida não lhes dá, porém, acesso à perda de ser enquanto tal que o moribundo "sofreu". Nós não experienciamos no sentido forte desta palavra o falecimento dos outros: quando muito, a única coisa que fazemos é "assistir" a ele." Por isso, ninguém sabe também o que é estar morto, nem sequer para o próprio morto. Depois, as palavras deslizam para o sem sentido, quando, perante o cadáver, dizemos, por exemplo: o meu pai está aqui morto, a minha mãe está aqui morta, o meu amigo está aqui morto, a minha amiga está aqui morta... De facto, o que falta é precisamente o sujeito: o pai, a mãe, o amigo, a amiga... Como não faz sentido dizer que os levamos à última morada, que os cremamos ou enterramos. Quem se atreveria a enterrar, a cremar o pai ou a mãe, o amigo, a amiga, o filho? E, quando vamos ao cemitério, que jogo de linguagem é esse que nos leva ao atrevimento de dizer que os vamos visitar? De facto, nos cemitérios, com excepção dos vivos que lá vão, não há ninguém - o Evangelho é cru: ali, só há "ossos e podridão". Assim, pergunta-se: o que há lá então, para que a violação de um cemitério seja um crime hediondo? O que lá há é uma interrogação in-finita, para a qual não há resposta adequada: O que é o Homem? O que é o ser humano?

Eu sei que hoje não é de bom tom falar ou escrever sobre estes temas. Mas não é a morte, facto perfeitamente natural, que se torna espaço de e da cultura? Sem a morte e a sua consciência, haveria religiões e filosofias?

O sintoma mais claro da crise deste nosso tempo - uma crise financeira, social, económica, religiosa, moral - é a morte tornada tabu, o único tabu. Para ser o que é, a nossa sociedade não teve apenas de fazer da morte tabu, ela é a primeira na história a colocar o seu fundamento sobre o tabu da morte: disso não se fala e vive-se como se ela não existisse.

O que se passou é que, como analisou Max Weber, na distinção entre Zweckrationalität (racionalidade referente a um fim condicionado, no quadro de imperativos hipotéticos) e Wertrationalität (racionalidade referente a valores morais categóricos), a primeira assumiu o primado e até o monopólio. A razão instrumental ou racionalidade técnica substituiu a razão prática enquanto racionalidade moral. Assim, como escreve o filósofo Luc Ferry, o nosso mundo é completamente dominado pela concorrência total, "o benchmarking, competição das empresas entre si, mas também dos países, das culturas, das universidades, dos laboratórios, etc. A história já não avança animada pela representação de uma finalidade, pelo projecto de construir um mundo melhor, animada por objectivos como a liberdade, a felicidade e o progresso. Já não avançamos referidos à representação de uma finalidade, mas apenas impelidos pela obrigação absoluta de fazer crescer os meios de que dispomos. Daí, a liquidação progressiva do sentido que caracteriza a vida política moderna". É preciso produzir, competir, inovar sempre, cada vez mais, mas, agora, "sem saber porquê nem para quê, em virtude de que finalidade", de tal modo que o homem moderno se tornou "o funcionário da técnica", como já tinha reflectido M. Heidegger.

Compreende-se que nesta sociedade, no quadro da objectivação total e humanamente "des-finalizada", a morte não tenha lugar. Daí, a desumanização crescente, sendo, pois, necessário voltar ao pensamento sadio, não mórbido, da morte. Esse pensamento não impede de viver. Pelo contrário, pela consciência do limite, leva a viver intensamente o milagre do existir, a cada instante, é ele também que remete para a ética, distinguindo entre bem e mal, justo e injusto, o que verdadeiramente vale e o que realmente não vale, e ensina a fraternidade: somos mortais, logo, somos irmãos. E abre à Transcendência, pelo menos enquanto questão.

Neste sentido, apesar do tabu, os dias 1 e 2, hoje e amanhã, dias dos santos e dos finados, são os dias da interrogação essencial.

Nik Wallenda Conquers Chicago Skyline

Saltei à sorte para o minuto 3:00 e lá estava, uns segundos a seguir, o habitual agradecimento.

Reverberação

Em cada instante pode reconhecer-se a reverberação de uma Presença: os passos de Deus.

JTM, "A mística do instante"

domingo, 2 de novembro de 2014

Os católicos recasados que podem comungar são os...


...que vivem como irmãos (espero que não como Caim e Abel). Capa do DN de hoje, 2 de novembro.

Bento Domingues: "Eu já não acredito no Papa Francisco (2)"


Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje.

Causam-me sempre bastante tristeza os desabafos das pessoas que deixam de “ser católicas”...

Bento Domigues no "Público" de hoje:

Causam-me sempre bastante tristeza os desabafos das pessoas que deixam de “ser católicas” devido a certas posições da hierarquia eclesiástica. Nessas alturas, lembro-me da reacção do Padre Chenu, quando, em meados do século passado, louvaram a sua “obediência”, em vez de revolta contra as condenações romanas a que fora submetido. Escreveu um texto para dizer que não se tratava de obediência: foi e é a fé sobrenatural em Jesus Cristo, que recebi na Igreja, mas que não é propriedade de nenhuma instituição humana ou religiosa, que me sustenta.

Máxima 50 de Matteo Ricci

Os amigos são superiores aos pais pois estes podem não se amar, aqueles não. Quando os membros de uma mesma família não se amam, os laços de parentesco permanecem. Retirai o amor à amizade, e ela não terá mais razão de ser.

Matteo Ricci, máxima 50 do seu "Tratado da Amizade" 

sábado, 1 de novembro de 2014

A propósito da parábola do mau samaritano contada por P.e Portocarrero de Almada

O papel do burro está claramente subestimado na história do P.e Gonçalo Portocarrero de Almada


O P.e Portocarrero de Almada, hoje, no “Observador” (ver link na entrada anterior)  conta a “parábola do mau samaritano” para criticar quem defende mudança na abordagem da Igreja a certos problemas. As questões subjacentes são as dos católicos recasados e dos homossexuais católicos.
Na parábola, o homem espancado pelos salteadores é, para essa nova moral, a imagem dos fiéis que, por se encontrarem em situação canónica irregular, não se podem confessar, nem receber a comunhão. Também eles parecem vítimas de uma Igreja que os não compreende e abandona, embora tenham sido eles que, pelas suas opções e acções, se colocaram à margem, não da Igreja, que continua a acolhê-los, mas da vida sacramental, de que se auto-excluíram.
Tem alguma piada e faz umas boas observações no início do texto, mas, quanto a mim, falha o alvo. Aliás, as suas observações e paradoxos mais depressa se aplicam ao seu texto do que às situações que pretende atingir.

Segundo P.e Portocarrero, “dever-se-ia elogiar o sacerdote e o levita que, em nome da nova moral, se abstiveram de intervir, e criticar a acção da Igreja, representada na censurável atitude do samaritano”.

Ora, Jesus conta a história do samaritano precisamente para dizer que a compaixão não veio do lado institucional, legal, ortodoxo – o sacerdote e o levita – mas do herético, transgressor, semi-estrangeiro, heterodoxo, que era o do samaritano. E é precisamente a história contada por Jesus na versão de Lucas que podemos invocar para pedir as mudanças na Igreja, que, por muito evangélica que seja, tem sempre poder religioso, tem sempre sacerdotes e levitas zelosos do Direito Canónico.

A parábola do bom samaritano, que ele reconta como se a suposta nova moral a lesse como “parábola do mau samaritano”, é precisamente uma crítica à intransigência do poder religioso (sacerdotes e levitas, duas profissões do sagrado), ao legalismo, à formalidade, à lei sobre o espírito. O que Jesus ensina é que o cumprimento da lei é fazer o bem, amar, cuidar do próximo. E por isso é que alguns tidos por perdidos nos hão de preceder no Reino dos Céus.

No fundo, como não poderia deixar de ser, o P.e Portocarrero concorda com a precedência do amor. E afirma:
É que Cristo não veio ao mundo para revogar a lei – sendo Deus, como poderia revogar a sua lei?! – mas para lhe dar pleno cumprimento, nomeadamente através de mais um preceito: o mandamento novo da caridade. O único amor que nos salva, precisamente porque nos cura.
Mas o final da parábola original não é contado nem parafraseado. É que é muito mais direto e percetível, tanto no tempo de Jesus (porque omite o padre atual que quem faz a pergunta é um “doutor da lei”, um especialista em Escritura e em legalidades?) como hoje:
"Qual destes três achas que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?" "Aquele que teve misericórdia dele", respondeu o doutor da lei. Jesus disse-lhe: "Vai e faz o mesmo" (Lc 10...).

P.e Portocarrero de Almada: "Parábola do mau samaritano"

A parábola do mau samaritano, no "Observador"

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Seis ideias contrárias ao pensar comum a propósito das bruxas

Umas coisinhas sobre as bruxas, ao arrepio do pensar comum. E posto isto, vou para casa dar cabo de uma abóbora.


1
As bruxas e os seus sabbats são uma invenção dos inquisidores medievais tardios, mais concretamente nas montanhas da Suíça. Foram os inquisidores que associaram as feiticeiras ao culto do diabo e à heresia. E a partir daí acaba a tolerância e começa a perseguição no centro da Europa.


2
A queima das bruxas aconteceu em muito maior escala na Idade Moderna do que na Idade Média. Na realidade, se considerarmos que Idade Média vai até 1453 (Queda de Constantinopla), a perseguição às bruxas foi uma raridade. Houve condenações, mas quase todas no contexto de heresias como as dos cátaros. O pior viria a seguir, de modo sistemático, até aos princípios do séc. XVIII. Diz-se que a última mulher a ser condenada à morte por bruxaria foi uma jovem, em Glarus (cantão protestante), na Suíça, em 1783. A tragédia terminou onde começara.


3
Os protestantes (luteranos, calvinistas, anglicanos) queimaram mais bruxas do que os católicos (o que, mesmo assim, é claro, não é motivo nenhum de glória). E, o que ainda é mais estranho e contrário ao pensar comum, houve mais juízes e condenações seculares (em tribunais seculares) do que religiosas.


4
O livro que foi um best-seller na perseguição das bruxas, o “Malleus Maleficarum” (“O Martelo das Bruxas”), de 1487, escrito por dois frades dominicanos, nunca foi aprovado pela Igreja Católica. Pelo contrário, foi colocado no Index. Mas fez imenso sucesso entre católicos e ainda mais entre protestantes alemães.


5
Na Península Ibérica, não houve queima de bruxas (ou se houve, foram residuais e a bruxaria não foi o principal motivo). Porquê? Por causa da Inquisição ibérica, quase exclusivamente preocupada com a perseguição aos judeus e muçulmanos. Isso mesmo. Não queimou bruxas. Sem tirar nem pôr.


6
Há uma tese que diz que nos tempos em que algumas mulheres (geralmente viúvas, solitárias, com conhecimentos de medicina popular, nas margens das povoações, curandeiras) eram perseguidas como bruxas detinham um alto estatuto jurídico. E que depois do fim das perseguições passaram a ser consideradas doentes, incapazes de personalidade jurídica, pelo que viram o seu estatuto social diminuído.

O diabo detesta o Halloween



Com a americanice cada vez mais difundida, é difícil não dar com o dia das bruxas. Ao almoço fui servido por uma senhora cheia de teias de aranha. Literalmente. Mas suponho que as teias não eram literais. O café estava cheio de motivos halloweenescos.

E quem tem filhos sabe que é impossível ignorar a data. Pelos vistos, pelas minhas constatações diárias em dois infantários, é das ocasiões preferidas para os educadores motivarem os mais pequenos (há dias, um dos meus filhos: “Não te esqueças de me dizer que é o dia das bruxas logo que eu acordar”), mudarem a decoração, testarem pinturas faciais, pedirem a colaboração dos pais.

Ora – e é por isso que escrevo – ontem dei com um louvor católico do dia das bruxas. Cá está (Why the Devil Hates Halloween). O autor, “expert” em catolicismo (e católico, como se pode ler e por outros textos sobre novenas e afins), diz que o diabo detesta o Halloween. E dá seis razões, que até estão bem vistas. E que se aplicam como uma luva ao nosso “pão por Deus”, coisa em que nunca participei, nem sei se há no centro do país, mas da qual ouvia falar as minhas colegas de trabalho na meia década que vivi em Lisboa. Eram saloias-no-bom-e-verdadeiro-sentido (eram de Mafra) e gostavam muito do “pão por Deus”.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A prova da catolicidade de Bento Domingues

De vez em quando dizem cá pelos lados do blogue que Bento Domingues é pouco católico, tal como este blogue (Jacob é judeu, ainda não repararam?). Pois esta foto saída na "Sábado", há semanas, mostra que o dominicano é profundamente católico. Está aqui toda a exuberância e universalidade do catolicismo. Nada de puritanismo, calvinismo, jansenismo. Desarrumação imensamente católica.


O líder da Apple diz que ser gay foi um dos maiores presentes que Deus lhe deu

Tim Cook

No "Público" de hoje:

O homem que sucedeu no cargo o carismático Steve Jobs há três anos sempre quis “manter um nível básico de privacidade” e que a Apple fosse apenas citada pelos seus produtos e pela sua utilização. Citando uma frase de Martin Luther King – “O que estás a fazer pelos outros?” –, Cook explica que o desejo de manter privada a sua vida pessoal o impedia de fazer “algo muito mais importante”. 
“Durante anos, fui aberto com muitas pessoas sobre a minha orientação sexual. Muitos dos colegas na Apple sabem que sou gay e isso não parece fazer a diferença na forma como me tratam. Claro que tive a sorte de trabalhar numa empresa que adora a criatividade e a inovação e sabe que só pode florescer quando aceitarmos as diferenças das pessoas. Nem todos têm tanta sorte”, escreve.
Se até agora a sua homossexualidade era mantida em privado, Tim Cook diz que chegou o momento, aos 53 anos, de falar. “Por isso deixem-me ser claro: Tenho orgulho de ser gay e considero que ser gay foi um dos maiores presentes que Deus me deu”. 
O dirigente diz que a homossexualidade permitiu que compreendesse melhor o que é ser uma minoria. Possibilitou-lhe tornar-se mais “empático”, ter “confiança” em ser como é e ser superior à “adversidade e fanatismo”. “Também me deu a pele de um rinoceronte, o que dá muito jeito quando se é CEO da Apple”. 
Tim Cook afirma que “parte do progresso social é entender que uma pessoa não se define apenas pela sua sexualidade, raça ou género”. “Sou um engenheiro, um tio, um amante da natureza, um doido por fitness, um filho do Sul, um fanático por desportos, e muitas outras coisas. Espero que as pessoas respeitem o meu desejo de me concentrar nas coisas para as quais estou mais preparado e no trabalho que me traz alegria”. 

Não me interessa a pertença sexual de Tim Cook. Noto é que ele a considera um dos maiores presentes de Deus.

Defuntos

Se amarmos é provável que sejamos morte. Se não amarmos, já somos defuntos.

McCabe citado por Timothy Racliffe

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

DN: Os perigos e as virtudes de combinar ciência com religião


No DN de hoje. Leia-se com atenção o depoimento de Carlos Filhais. Continuo a pensar que a afirmação de que o Big Bang precisa de Deus ou exige uma intervenção divina é infeliz. Como Fiolhais. Mas pelo que tenho lido noutros lados, a intervenção mais vasta do Papa parece ter em vista os criacionistas que não aceitam o Big Bang nem a teoria da evolução.

Duas frases de Pascal para abrir

Há dias, uma frase de Pascal. Inesperada, pelo menos para mim:
"O tempo cura as dores e as querelas, pois mudamos: já não somos a mesma pessoa. Ele já não ama esta pessoa que amava há dez anos. É isso: ela já não é a mesma, e ele também não. Ele era jovem, ela também; ela agora é totalmente diferente. Talvez ele ainda a amasse se ela fosse como era."
(Daqui.)

Outra hoje, embora me pareça mais pascalina:
O último ato é violento, não importante quão refinado é o resto da peça. Atiram-nos terra para cima da cabeça, e ele acabou para sempre.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Mais sínodo

Uma síntese interessante - para usar o adjetivo mais desinteressante -, e com muitas referências, do sínodo da família. Por António Marujo, no Religionline.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A asneira franciscana da exigência divina do Big Bang


Eu acho que o Papa Francisco fez asneira ao afirmar o seguinte:

“O Big Bang, que hoje se coloca na origem do mundo, não contradiz a intervenção criadora divina, mas exige-a”, declarou, numa audiência aos membros da Academia Pontifícia das Ciências.

Li aqui.

Por estas e outras é que Stephen Hawking há de sempre repetir que, percebendo tudo da física, Deus não pode existir (por não ser preciso). A asneira pseudo-científica do Papa está, portanto, ao nível das habituais asneiras pseudo-religiosas de Hawking, que é (ou pelo menos era) membro da Academia Pontifícia das Ciências, pois, como disse, é um lugar onde se encontram muitos cientistas.

Riccardi, Osório e portas que Francisco abriu e não se voltarão a fechar


Um artigo e um comentário no JN de ontem. Registo, em consonância com o que se vai por aí ouvindo; "O Sínodo abriu portas que são se voltarão a fechar" (Rui Osório).

Vínculo da morte e morte do vínculo

Um artigo inteligente. Dos melhores que li sobre o assunto, embora tenha lido pouco, talvez por ter ideias próprias de mais e esperança no sínodo sobre a família de menos. Cinco posições do sínodo quanto à comunhão para os católicos recasados. Eu fico-me pela última:
e) há, enfim, a solução que propõe que se considerar a dissolução do vínculo por "morte" também como extensível à hipótese de "morte do vínculo". Na tradição oriental, essa leitura é possível graças a uma interpretação das "exceções matianas" [referentes ao Evangelho de Mateus] entendidas como verdadeiras exceções. A possibilidade de assumir essa leitura também no Ocidente, no entanto, não é totalmente pacífica.
Como disse o outro, é eterno enquanto dura.

Por outro lado, noto que um mal-entendido geral perdurou no sínodo - julgo eu, mas não acompanhei o sínodo com a devida atenção. As pessoas, desde a revolução industrial, casam-se por amor. Antes disso, casavam-se por outros motivos (a escolha dos pais, as questões do património, a obrigação de descendência). Casavam-se e depois talvez surgisse o amor. Se não surgisse, também pouco importava. Hoje casam-se por amor e desejo. Manda a paixão. E enquanto dura a paixão, tudo suportam. Quando acaba, é que pode passar a mandar a vontade. No fim, manda a vontade. E por isso muitos não se separam, mesmo que não se amem. Antes, no princípio mandava a vontade. É com base na vontade que existe todo o processo de casamento católico e toda a teologia sacramental matrimonial da indissolubilidade. Esta discrepância entre a mentalidade comum e a história da Igreja é a fonte de todos os equívocos. Só a alínea e) do artigo de Gillo a pode ultrapassar.

Ao que interessa:  O artigo pode ser lido aqui.

Guardai tesouros no céu, não no espírito santo

A notícia do DN de sábado. Sobre as instituições católicas que perderam (pelo menos terão muita dificuldade em recuperar na totalidade) dinheiro na derrocada do Grupo Espírito Santo.


Glória

Glória a Deus pelas coisas sarapintadas.

Gerard Manley Hopkins

domingo, 26 de outubro de 2014

Bento Domingues; "Eu já não acredito no Papa Francisco"

Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje, agora como saiu no papel.

Bento Domingues já não acredita no Papa Francisco

Eu já não acredito no Papa Francisco

David era um homem dotado, capaz de compor salmos. E eu?

Em meados do século XVIII, o rabi Uri de Strelisk interrogou-se: «David era um homem dotado, capaz de compor salmos. E eu? Que sei fazer?» A resposta foi: «Sei lê-los». Ler é um trabalho de memória que nos permite, através das histórias, desfrutas da experiência passada de outros como se fosse nossa.

Aberto Manguel, "A Cidade das Palavras" (Gradiva), pág.19

Anselmo Borges: "Igreja, sexo, família"

Texto de Anselmo Borges no DN de ontem, 25.

Aí está um tema sobre o qual a Igreja tem imensa dificuldade em falar. À partida, porque é em si mesmo difícil. Mas a dificuldade aumenta na Igreja, porque, para lá de outras razões, que talvez Freud ajudasse a explicar, está entregue ao papa, a cardeais, bispos e padres, que devem ser celibatários e não têm propriamente família. Mas que o tema é relevante, mostra-se, por exemplo, pela enorme importância dada pelos media ao Sínodo que lhe foi dedicado, cuja primeira fase - segue-se um ano de reflexão, que culminará na nova assembleia sinodal, em Outubro de 2015, e na Exortação final do Papa Francisco, nos inícios de 2016 - concluiu no domingo passado.

Quem foram os vencedores e os perdedores? Há quem insinue que o Papa Francisco não conseguiu levar adiante o seu projecto. Não creio nessa tese. É preciso perceber que se trata da primeira fase do Sínodo. Depois, sobretudo, criou-se um clima e abriram-se portas que já não é possível fechar. Votou-se um texto que, se em relação aos divorciados e aos homossexuais, não obteve os dois terços necessários para a aprovação, venceu, mesmo aí, por forte maioria, continuando, portanto, o debate. Que haja tomadas de posição diferentes, é sinal de vida, embora a Igreja não esteja habituada a este estilo de abertura democrática. Teve alto significado o facto de o Papa ter mandado votar os vários pontos e publicar os resultados, para que haja transparência e cada um assuma as suas responsabilidades.

A Igreja não abdica da doutrina, mas esta tem de ser aplicada na vida real, atendendo a dois princípios: o da compreensão e misericórdia e o da não exclusão. Penso, assim, possível antecipar, em termos gerais, o que se seguirá.

1. O casamento enquanto união em amor fiel e estável por toda a vida, aberta à procriação, lugar privilegiado de apoio mútuo e para a educação dos filhos, é um ideal de que se não deve abdicar e pelo qual vale a pena bater-se. Mas, por outro lado, o divórcio é uma realidade que não está em vias de declínio, e por razões múltiplas. Há situações e situações. É inegável um ambiente de hedonismo, de sociedade "líquida" e recusa de compromissos perenes. Pense-se também que há 100 anos a esperança de vida na Alemanha era à volta de 35 anos, sendo hoje de mais de 70; no tempo de Jesus, era à volta de 28 anos. Depois, se tradicionalmente parecia que os casamentos aguentavam mais, isso também se devia ao facto de as mulheres terem de aceitar ficar na penumbra e por vezes quase escravizadas, o que felizmente hoje não aceitam. E há aquele pensamento de Pascal, na linha da identidade processual e narrativa da pessoa: "O tempo cura as dores e as querelas, pois mudamos: já não somos a mesma pessoa. Ele já não ama esta pessoa que amava há dez anos. É isso: ela já não é a mesma, e ele também não. Ele era jovem, ela também; ela agora é totalmente diferente. Talvez ele ainda a amasse se ela fosse como era."

De qualquer modo, pergunta-se: se, divorciados, recomeçarem a vida em amor, em dignidade, se tiverem filhos que se esforçam por educar humana e cristãmente, poderá a Igreja negar-lhes a participação plena na vida eclesial, incluindo a comunhão?

2. Será reconhecido o valor dos casamentos civis e também das uniões de facto e da coabitação, que até poderão, nalgumas circunstâncias, desembocar no sacramento do matrimónio. Quantos sabem que só a partir do século IX foi exigida no casamento a presença de um padre e só no século XII se começou a definir o matrimónio como sacramento?

3. Quanto à homossexualidade, não se espere o reconhecimento do casamento de pessoas do mesmo sexo. Como já aqui expliquei, a linguagem eclesiástica não fala em casamento, que vem de casa, mas em matrimónio, que vem de mater (no genitivo, matris), mãe, o que significa que, segundo a Igreja, a abertura à possibilidade da procriação é constitutiva do casamento. Mas a linguagem mudou: os homossexuais "devem ser acolhidos com respeito e delicadeza; deve ser evitada qualquer marca de discriminação injusta". Será dada especial atenção às crianças que vivem com pessoas do mesmo sexo.

4. Evidentemente, será necessário rever a questão da contracepção, o que implica rever o pressuposto de uma natureza fixa e imóvel, centrada na biologia. A sexualidade humana não se reduz ao biológico e é próprio da natureza de o homem ser histórico e cultural e intervir artificialmente, com responsabilidade, na natureza.

5. Em todos estes pontos vale um princípio tradicional, retomado por Bento XVI, quando era professor: "Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se fosse necessário, até contra o que disser a autoridade eclesiástica." Não vale tudo, mas, para lá da moral reduzida a normas e proibições, é preciso educar para a autonomia, para a liberdade na responsabilidade e dignificação.


Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...