segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

31 de Janeiro de 1606. Guy Fawkes, o conspirador católico, é enforcado


Guy Fawkes nasceu em Iorque, no dia 13 de Abril de 1570, e morreu em Londres, enforcado, no dia 31 de Janeiro de 1606. Foi um soldado inglês católico que teve participação na "Conspiração da pólvora" (“Gunpowder Plot”), na qual se pretendia assassinar o rei protestante Jaime I de Inglaterra e todos os membros do parlamento, durante uma sessão parlamentar, em 1605, no que pretendia ser o início de uma revolta católica.

Guy Fawkes era o responsável por guardar os barris de pólvora que seriam utilizados para explodir o parlamento. Porém, a conspiração foi descoberta e, após interrogatório e tortura, Guy Fawkes foi executado na forca por traição e tentativa de assassinato. Outros participantes na conspiração tiveram o mesmo destino.

A captura de Fawkes ainda hoje é celebrada, a 5 de Novembro, na "Noite das Fogueiras" (“Bonfire Night”), ritual que se assume como anticatólico (ler aqui um testemunho que o refere).
(Estas notas seguiram de perto o que está na Wikipedia.)

Reclamação paroquial

Um padre recebe uma carta com a seguinte reclamação: Faço parte desta paróquia há 17 anos e raramente falto à missa de domingo. Acho lamentável que ao longo destes anos todos cantem sempre os mesmos cânticos desconhecidos.

Papa rejeita criação de perfis falsos na Internet

O próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais, o 45.º, é só no dia 5 de Junho de 2011. A notícia do DN desta segunda-feira dá a entender que já passou. Na verdade, o que passou foi o dia de São Francisco de Sales, patrono dos jornalistas e escritores cristãos, 24 de Janeiro. O Papa divulga neste dia a mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que a Igreja faz coincidir com o Domingo da Ascensão (sétimo domingo da Páscoa), que, em 2011, é só no dia 5 de Junho.

A mensagem pode ser lida aqui.

A maldição de Jacques Maritain


Jacques Maritain escreveu no seu “Carnet de notes”, no dia 5 de Outubro de 1910:
Enlouquecedora influência da teoria do agrupamento. Lema da hierarquia de França: «Agrupemo-nos!» – Agrupemos as almas, os cães, os porcos! Agrupemos os mortos! Agrupemos os proprietários cristãos! – «A união faz a força». Este lema só pode ter um sentido para o cristão: a união com Deus faz a força.
E no entanto seremos mais fortes se estivermos unidos. Mas se pensarmos, por exemplo, no que seria uma união católica, rapidamente chegaremos à conclusão de que estamos unidos no desacordo.


Os católicos não votam num único partido, quando votam. Não acreditam todos na vida depois desta vida, quando não acreditam, por exemplo, na reencarnação. Não sabem, na sua maioria, que há um pensamento, uma doutrina, sobre as questões sociais, políticas e económicas. Não estão unidos na defesa da vida no seu princípio e fim. Uns querem latim, outros nem ouvi-lo. Uns são todos pró social, outros, se pudessem, não saiam de dentro do templo. Uns são marianos e papistas; outros, bíblicos e proféticos.


Na sociedade portuguesa, dita maioritariamente católica, exceptuando a conferência episcopal (e mesmo ela com tensões interiores entre norte e sul, opositores declarados às políticas oficiais e moderados, tradicionalistas e progressistas), não há grupos que falem e actuem como católicos. Vive-se como na anedota que diz que se Deus tivesse nomeado uma comissão em vez de mandar Moisés libertar o povo de Israel, ainda hoje lá estariam (no Egipto). Ou então é a maldição de Maritain.

domingo, 30 de janeiro de 2011

30 de Janeiro de 1948. Mahatma Gandhi é assassinado


Mahatma ("a Grande Alma") Gandhi foi assassinado no dia 30 de Janeiro de 1948, em Nova Deli, por um hindu radical. O corpo do líder indiano pacifista foi cremado. As cinzas foram atiradas ao rio Ganges.


Dizia que admirava as "Bem-aventuranças", mas criticava que os cristãos não as cumpriam (quem hoje foi à missa católica ouvir o trecho das "Bem-aventuranças", na versão de Mateus).

Ortodoxia e liberdade, por Chesterton


A ortodoxia não é, apenas (como muitas vezes se afirma), a salvaguarda da moralidade e da ordem, mas, também, o único guarda lógico da liberdade, da inovação e do progresso. Se desejarmos derrubar um próspero tirano, não o poderemos fazer com a nova doutrina da perfectibilidade humana: fá-lo-emos apenas com a velha doutrina do pecado original. Se desejarmos arrancar pelas raízes crueldades inatas ou erguer do marasmo em que jazem populações perdidas, não o poderemos fazer com a teoria científica de que a matéria precede o espírito; fá-lo-emos com a teoria sobrenatural de que o espírito precede a matéria. Se desejarmos, inclusivamente, acordar um povo para uma constante vigilância social e para uma luta sem tréguas, nada conseguiremos com as teorias da imanência de Deus ou da Luz Interior, porque estas são, quando muito, razões para contentamento; temos de insistir sobre a transcendência de Deus e o fulgor que flutua e se escapa: isso significa o descontentamento divino. Se desejarmos, particularmente, radicar a ideia dum equilíbrio generoso contra a ideia duma autocracia pavorosa, teremos de ser trinitários e nunca unitários (...). Se queremos, ainda, exaltar o proscrito e o crucificado, temos de nos lembrar de que um verdadeiro Deus, e não um simples sábio ou herói, foi crucificado também.

Gilbert Keith Chesterton (1874–1936)

Bento Domingues: Bem-aventurada desconstrução

Este domingo, diz Bento Domingues, sendo o das bem-aventuranças, é dedicado a retomar a desconstrução das falsas evidências acerca dos caminhos da felicidade, à descoberta de uma vida paradoxalmente feliz, sem publicidade enganosa.

Hoje é dia do Senhor

Precisamos da cura do tempo? O monge alemão Anselm Grun, um dos mais populares autores espirituais da actualidade, defende uma compreensão do tempo que alguns diriam rotineira, mas que permite revelar a qualidade própria de cada dia.

Seguindo a tradição da Igreja, a segunda-feira é dia da Santíssima Trindade. “Sei que não trabalho a partir de uma fonte de energia própria, mas a partir da fonte do Espírito Santo”. Na terça, “recordamos que não percorremos o dia sozinhos, mas que o anjo nos acompanha”. À quarta, recorda-se S. José. A quinta é o dia da Eucaristia, onde se celebra a transformação do trabalho. A sexta é o dia da morte de Jesus, o “tempo em que o Deus eterno produziu em nós a prosperidade, através da morte de Jesus”. O sábado é sempre consagrado a Maria. E a culminar a semana, o dia do Senhor.


“A semana tem, assim, uma estrutura. O ritmo sempre igual que nela penetra, vindo de fora, confere à semana a sua marca e não permite que o aborrecimento surja. Na heterogeneidade dos dias encontramos uma tensão e vitalidade interiores. Sinto que este ritmo me é benéfico. Dá-me vida e ânimo, não só para trabalhar, mas também para ter tempo suficiente para ler, rezar e descansar. Depois do domingo, começo o trabalho na segunda-feira de manhã com um novo entusiasmo. Não há qualquer relutância, mas sim o sentimento de que tudo está certo. E nunca fico com a sensação de que tudo é um exagero”, afirma Anselm Grun no livro “Ao ritmo do tempo dos monges”, que, ao contrário do que o título sugere, é uma partilha para que os leigos, que não vivem em conventos nem em mosteiros, vivam o tempo não como um peso, mas como o acontecer da salvação.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Deus e o barco

Miguel Esteves Cardoso escrevia ontem no “Público”, e nem interessa a propósito de quê, uma observação pertinente: “Quem não acredita em Deus está exactamente no mesmo barco de quem acredita – e é mais importante partilhar o barco do que a crença”.

O poder da oração

Havia uma cidade devota e temente a Deus, no Sul profundo dos Estados Unidos, onde toda a gente ia à igreja e era boa. Então, um dia, chegou um homem e abriu um bar, que se tornou o lugar de todos os géneros de conduta bravia: bebida, dança e, quem sabe, talvez sexo. Todos os bons cristãos rezaram para que o estabelecimento fosse encerrado. Acometeram os Céus e, de facto, seis meses mais tarde, o bar foi consumido pelo fogo. O seu dono pediu então uma indemnização aos cristãos, que negaram terem sido eles os responsáveis. O que é que tinham feito? Replicou o proprietário: “Serei eu, neste lugar, o único que acredita no poder da oração”.

Timothy Radcliffe na pág. 134 de “Ir à Igreja porquê?”

Anselmo Borges: 711-2011. 1300 anos depois

Régis Debray

Texto de Anselmo Borges no DN deste sábado.

Na noite de 31 de Dezembro passado, a explosão de uma bomba diante de uma igreja cristã copta, em Alexandria, à saída da celebração do Ano Novo, causou 23 mortos e 79 feridos. Um grupo ligado à Al-Qaeda no Iraque, responsável pelo ataque sangrento da catedral de Bagdad em Outubro, já tinha apontado os coptas como alvo. Independentemente de quaisquer considerações ideológicas, políticas ou religiosas, é legítimo perguntar-se pelas consequências do incêndio que alastraria pelo mundo inteiro, se algo de semelhante acontecesse, diante de uma mesquita, no Ocidente.

Quem não anda completamente distraído já notou que há muito se observa um plano para acabar com os cristãos no Médio Oriente. Quem mais tem denunciado a situação são intelectuais ateus ou agnósticos, como Bernard-Henri Lévy ou Régis Debray. O último número de "Philosophie Magazine" faz notar que o novo objectivo da Al-Qaeda parece ser o de pôr as comunidades religiosas umas contra as outras, "passando por cima dos Estados". Começou no Iraque e estende-se ao Egipto e à Nigéria. Nesta estratégia, os cristãos do Oriente - "ângulo morto da nossa visão do mundo", segundo R. Debray - representam "um alvo ideal". Pela sua própria existência - "árabes não muçulmanos" -, "desmentem" a ideia de um choque entre civilizações fundadas na religião. Os cristãos "desempenham um papel insubstituível de traço de união e de mediador entre o exterior e o interior, o Ocidente e o Oriente", afirma Debray. Mas, por este andar, por quanto tempo?

A maior perseguição religiosa no mundo, hoje, é aos cristãos. Lembrando o atentado de Alexandria e a perseguição de diferentes comunidades cristãs, Nicolas Sarkozy, num discurso de Ano Novo perante as autoridades religiosas de França, declarou: "Não podemos tolerar o que cada vez mais parece ser um plano particularmente perverso de depuração religiosa no Médio Oriente".

Esquece-se frequentemente que esses cristãos nada têm a ver com as cruzadas ou outros tipos de perseguição ocidental, pois são originários desses países, aí presentes desde os tempos do cristianismo primitivo. Foi o que o Presidente francês também lembrou: "No Iraque como no Egipto, os cristãos do Oriente estão na sua casa e a maioria deles há 2000 anos", acrescentando: "Não se pode aceitar que essa diversidade humana, cultural e religiosa, que é a norma na França, na Europa e na maior parte dos países ocidentais, desapareça dessa parte do mundo". "Os direitos que estão garantidos na nossa casa a todas as religiões devem ser reciprocamente garantidos noutros países".

Preocupado com sondagens que mostram que mais de um terço dos franceses e dos alemães consideram os muçulmanos como uma ameaça, Sarcozy pediu que se combata esse sentimento "irracional" com "o conhecimento mútuo e a compreensão do outro". "O islão nada tem a ver com o rosto repugnante desses loucos de deus que tanto matam cristãos como judeus, sunitas e xiitas. O terrorismo fundamentalista também mata muçulmanos."

Lembro que, há precisamente 1300 anos, os muçulmanos entraram na Península e é inegável que se impôs um razoável espírito de tolerância entre muçulmanos, cristãos e judeus. Não é com esse espírito que é preciso avançar para o futuro? Levo comigo um sonho - um sonho acordado: que um dia a catedral de Córdova possa ser partilhada com os muçulmanos e a basílica de Santa Sofia (Hagia Sophia) em Istambul, partilhada com os cristãos. Dir-se-á que é mero "wishfull thinking", utopia irrealizável. Mas eu estou com Ernst Bloch, que, citando livremente Heraclito, escreveu: "Quem não espera o inesperado não o encontrará".

N. B.: É possível que a redacção do texto do sábado passado tenha levado alguns leitores a pensar que a história bárbara com o gato se passou com Juan Masiá. Quem o conhece sabe que isso nunca poderia acontecer. No texto, onde se lia "o missionário estrangeiro", deveria ler-se: "um missionário estrangeiro". Fica aqui um pedido de desculpa ao Prof. Juan Masiá e aos leitores.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

28 de Janeiro de 1621. Morre Paulo V, o Papa que inaugurou a Basílica de São Pedro


Paulo V (Camille Borghese) foi eleito papa no dia 16 de Maio de 1605 e morreu no dia 28 de Janeiro de 1621. No tempo deste Papa foi inaugurada a Basílica de São Pedro. Na fachada lê-se “IN HONOREM PRINCIPIS APOST PAVLVS V BORGHESIVS PONT MAX AN MDCXII PONT VII”, isto é “Em honra do príncipe dos apóstolos – Paulo V, romano, da família Borghese, Pontífice Máximo – ano 1612, 7.º do pontificado” (dá para ler a inscrição clicando na foto acima).

Paulo V

The Wonderful Wizard of Oz


Entre as explicações para o nome Oz, terra do feiticeiro criado por Lyman Frank Baum (1856-1919), está o nome da terra natal de Job, que é Uz. Li no primeiro volume do almanaque da revista “Sábado”.

Mas não quer dizer que tenha sido essa a origem. Pode ter sido os "Ohs" dos filhos, o pseudónimo de Charles Dickens, que era Boz, o arquivo O-Z do jornal onde Frank Baum trabalhava ou a abreviatura da onça, medida do ouro (oz).


Capa da primeira edição

Joseph Ratzinger pediu a abolição do celibato em 1970

Karl Rahner e Ratzinger

Um memorando assinado há mais de 40 anos por nove teólogos, incluindo Joseph Ratzinger, o actual Papa, pedia o fim do celibato.
A informação está a ser avançada pelo jornal alemão "Süddeutsche Zeitung". No artigo intitulado "As dúvidas do jovem Ratzinger", é revelado que Joseph Ratzinger assinou um documento datado de 9 de Fevereiro de 1970 em que era questionada a obrigação do celibato.
Além de Ratzinger, que na altura tinha 42 anos, outros oito teólogos rubricaram o referido documento. Entre eles estão pensadores teólogos como Karl Rahner, Otto Semmelroth, Karl Lehmann (que foi presidente da conferência episcopal alemã) e Walter Kasper (anterior presidente do Conselho Pontifício para Promoção da Unidade dos Cristãos).
Entretanto, Ratzinger mudou. A notícia vem no "Diário Económico" (aqui), o que é estranho na publicação em causa. Agradeço a Fernando Cassola, que me alertou para o assunto.

Entrevista ao bispo Jacques Gaillot


Há dias referi o bispo Jacques Gaillot, destituído da sua diocese de Evreux e dedicado à diocese virtual de Partenia (aqui). Pois no dia 20 de Janeiro de 2011, o portal esquerdista brasileiro “Carta Maior” fez-lhe uma entrevista. Fica-se a saber que processo político-eclesial da destituição foi e continua a ser obscuro. Por outro lado, o bispo mantém uma voz profética, necessariamente incómoda, quando diz:
A situação atual é perversa e destruidora tanto para os indivíduos como para a Igreja. O Vaticano é a última monarquia absoluta da Europa. A Igreja deve aceitar a democracia em todos os níveis. E deve mudar de modelo porque o atual não é evangélico.
E aponta algumas situações:
A Igreja deve mudar, modernizar-se, reconhecer que os casais têm direito a se divorciar e a usar a camisinha, que as mulheres podem abortar, que homens e mulheres podem ser homossexuais e se casar, que as mulheres podem chegar ao sacerdócio e ter acesso às esferas de decisão. Deve-se revisar a disciplina do celibato para que os sacerdotes possam amar como qualquer outro ser humano, sem ter que viver relações clandestinas, como delinquentes.
Ora, na questão do aborto, não vejo como é que a Igreja pode “modernizar-se”. Pode mudar alguma prática pastoral, mas não pode mudar o princípio da defesa da vida humana desde o princípio até ao fim.

Por outro lado, realça o dever e valor da justiça.
Eu julgo uma sociedade em função do que ela faz pelos mais desfavorecidos. E é claro que eu só posso fazer um juízo severo, porque na França não se respeita a todos os seres humanos. Para mim o problema número um é a injustiça que reina por toda parte. Os que estão no poder não investem nos pobres. Temos um governo que só favorece os ricos. Por isso temos três milhões de pobres.
(…)
Como disse o escritor Victor Hugo: “Fazemos caridade quando não conseguimos impor a justiça”. Porque não é de caridade que necessitamos. A justiça vai às causas; a caridade, aos efeitos. Eu não estou dizendo que não se deve ajudar com um prato de sopa ou um abrigo a quem está nas ruas. Existem urgências. Eu faço isso, mas minha consciência não fica tranquila, porque penso que devemos lutar contra as causas estruturais que prendem essas pessoas na injustiça. O mais triste é que as pessoas vão se acostumando com a injustiça. E eu digo: Despertem! Tenham vergonha! Vamos nos indignar contra a injustiça!
Mas parece sacrificar o da democracia, quando opta incondicionalmente pelos palestianianos em detrimento de Israel (“Estado colonialista”, diz) e diz o que diz de Cuba.
Cuba. Este é um país que tem futuro. Eu pude constatar que é um povo digno, corajoso e solidário. Em Cuba pode haver pobreza, mas não existe a miséria que se vê em qualquer país da América Latina, ou na França, ou nos Estados Unidos. Apesar do bloqueio imposto pelos EUA, todos têm saúde e educação gratuita, e ninguém dorme nas ruas. É incrível!
Dá a sensação que a ideologia de Esquerda lhe deturpa o olhar. É mesmo preciso sacralizar a Esquerda radical para defender a justiça e os pobres? Para desejar mudanças eclesiais? Ler a entrevista toda aqui.

Semente de mostarda

À medida que a nossa linguagem pomposa e os nossos ideais demasiado preciosos vão encolhendo até ficarem do tamanho de uma semente de mostarda, acordamos para a vida de uma maneira nova. Em vez de estarmos cheios de nós próprios por sermos donos da verdade, vivemos a nossa vida de forma serena, sabendo que estamos espiritualmente vivos.


Thomas Moore, pág. 33 de "Escrever na Areia. Jesus e a Alma dos Evangelhos" (ed. Estrela Polar)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"Não muda nada desde há 40 anos"? Creio ser uma afirmação redutora

João Pedro Silva comentou um “post” sobre a pobreza do panorama teológico mundial e português (aqui). Agradeço-lho o comentário e puxo-o para aqui, antes de alinhar umas ideias sobre o assunto:

Mais um tema que não posso passar sem me intrometer e comentar. 
Creio que, primeiro, há uma grande falta de interesse (e desconhecimento) da teologia, por parte da população (católica, não católica, crente, não crente, etc.), o que gera, também, não só um grande desconhecimento dos vários trabalhos monográficos teológicos que se realizam em Portugal (e mesmo entre faculdades), assim como não há grandes incentivos à continuação da pesquisa e investigação teológica. 
Mas dizer que a nível mundial, "não muda nada desde há 40 anos"!? Creio ser uma afirmação redutora. 
Antes de mais, a doutrina não anda a par e passo do desenvolvimento teológico por razões claras. Por outro lado, por exemplos, os desenvolvimentos da exegese bíblica estão a dar cada vez mais passos de desenvolvimento - e a área bíblica sabemos como é fundamental para a teologia. Depois, os trabalhos interdisciplinares com as outras áreas do saber aumentam de dia para dia. 
E para concluir, na teologia, os desenvolvimentos atingidos há "40" anos, proporcionaram mudanças de paradigma que não há ainda grandes argumentos para voltarem a mudar... Quando acontece algo como um Vat. II, nota-se uma grande alteração em todas as áreas teológicas, como se verificou. Isto resulta nalguma estagnação natural nas grandes afirmações. Quase como a Teoria do Big Bang que já leva alguns anos de aperfeiçoamento, mas continua a ser a teoria predominante por não se ter descoberto outra que fosse mais completa. 
Também na teologia, neste momento, os desenvolvimentos são tão subtis, particulares e especializados, que praticamente não atingem nem as grandes posições teológicas, nem a população em geral.

27 de Janeiro de 672. Morre o papa do órgão litúrgico


O Papa Vitaliano foi eleito no dia 30 de Julho de 657 e morreu no dia 27 de Janeiro de 672. Para lá dos seus esforços para manter ligações com as igrejas orientais, cada vez mais distantes de Roma, e unificar os costumes do cristianismo inglês, este papado ficou na história por nele ter sido aprovado o uso do órgão como instrumento musical nas celebrações litúrgicas.

Acreditar na Igreja

Igreja de Saint Lupicin, França

Acreditar na Igreja como um artigo de fé isolado, e não como parte da nossa crença no Espírito Santo, seria cair na idolatria. Trata-se de uma tentação. Um dos meus confrades escoceses afirmou que a Igreja é verdadeiramente a sucessora de Israel, porque também ela andou sempre a prostituir-se com falsos ídolos! (…) A crença na Trindade sem a Igreja leva à mitologia, e a crença na Igreja sem a Trindade, à idolatria. A amizade de Deus incita-nos a ir para além das duas.

Timothy Radcliffe na pág. 133 de “Ir à Igreja porquê?”

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

26 de Janeiro de 1564. Os decretos de Trento são aprovados

O Papa Pio IV confirmou no dia 26 de Janeiro de 1564  todos os decretos do Concílio de Trento, que se tornam, assim, parte da doutrina católica.


O Concílio de Trento, o maior da história, começou em 1545 e durou até 1563. O que estava em causa era a reforma da Igreja para fazer face ao protestantismo. Por isso, entre outras coisas, aprovou-se uma doutrina sobre a salvação, elencaram-se definitivamente os sete sacramentos, realçou-se a Tradição, sistematizou-se o rito da missa, esclareceram-se as dúvidas sobre práticas como a veneração de santos e de relíquias e venda de indulgências, reorganizou-se a Inquisição, mandou-se elaborar um catecismo.


Um concílio cujos efeitos ainda hoje se notam. E pelo qual os mais tradicionalistas anseiam.

L’origine du monde



Só as revistas francesas fazem números assim, os “hors-série”, autenticamente fora de série. Este, do “le nouvel Observateur”, Janeiro-Fevereiro de 2011, dedica-se às origens. 100 páginas para ler sem saltar nenhuma, até porque só há publicidade na contracapa.

Na primeira parte, traça-se um “atlas das crenças”, isto é, o que as religiões e as mitologias dizem das origens.

A segunda parte é especificamente sobre “ciência e religião”, nos moldes clássicos. A ciência é a ocidental; a religião é o cristianismo (com uma página para o Islão, porque houve um tempo em que não havia divórcio entre ciência e islamismo). Estão lá os pontos fundamentais: Galileu, o Génesis e a literalidade da Bíblia, Kant-Laplace, Einstein…

Na terceira parte fala-se dos novos mistérios do universo, que se resumem às respostas actuais para a velha questão do “ser e nada”.

Na última parte apresentam-se trechos s clássicos: excertos da “Teogonia”, de Hesíodo, à “Breve História do Tempo”, de Hawking, passando por Darwin, entre outros.

Maior do que nós e do que a própria Igreja


Não o posso negar. Sempre que me encontro com uma pessoa que, apesar de viver à margem da Igreja e de agir fora do seu apostolada hierárquico, me cita com calor, com convicção, com amor uma palavra de Cristo, sinto dentro de mim uma grande alegria. No fundo, significa que Cristo é maior do que nós e do que a própria Igreja; que, se as cristandades morrem e definham, o Evangelho continua a ser uma mina de que sempre se podem extrair novas realidades e uma nova vida.

Juan Arias

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

25 de Janeiro de 2006. É publicada a primeira encíclica de Bento XVI


Assinada por Bento XVI no dia 25 de Dezembro de 2005, a encíclica “Deus caritas est” (“Deus é amor”) é publicada no dia 25 de Janeiro de 2006, dia litúrgico da conversão de São Paulo.

Se me é permitido escolher uma afirmação-chave da encíclica, escolho a seguinte:
Na realidade, eros e agape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral (do n.º 7).
Nunca se tinha visto um Papa falar do amor eros. Isto não é uma mudança, é uma revolução. Parecia abrir as portas para quase tudo, a começar por uma nova compreensão da sexualidade pela Igreja católica. As consequências ainda estão por tirar. Mas nunca mais se voltou a falar disso. Talvez o Papa se tenha arrependido.

Outro Papa polaco?


Foi André Frossard quem ouviu pessoalmente a João Paulo II a anedota que se segue:
“O Papa pergunta a Deus:
- Senhor, a Polónia vai conquistar um dia a liberdade?
- Sim – responde Deus –, mas não durante a tua vida.
Então, o Papa pergunta:
- Senhor, depois de mim haverá outro Papa polaco?
- Não durante a minha vida – responde Deus.

Anedota citada na página 152 de "Recordações de João Paulo II" (ed.Lucerna)

A riqueza da teologia católica e a ainda maior riqueza da teologia portuguesa

Manuel Fraijó, teólogo e filósofo espanhol que foi aluno de Hans Kung e Joseph Ratzinger, diz que “não há grandes projectos teológicos. Há quarenta anos que não se move nada na teologia”. Li aqui.

Noutro ponto diz que depois de Paulo VI, teologicamente… nada.

Mesmo nos círculos mais próximos, entre os teólogos portugueses, ou melhor, os professores de teologia portugueses, se diz que a teologia só ressurgirá depois do actual pontificado. Actualmente está convertida em serva do magistério. Isto diz-se, porque não há cá nenhum teólogo, ou melhor, professor de teologia português, a escrever sobre o assunto.

Vozes caóticas


As vozes caóticas, ruidosas, de todos os homens que se combatem mesmo sem pensar em procurar Deus, mesmo julgando-se fora de Deus, mesmo se Deus não está em questão – este zunzum – é talvez para Deus uma oração que se dirige a Ele. Esse barulho é talvez uma música que Ele ouve, que Ele acolhe.

Eugène Ionesco (1912-1994)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

24 de Janeiro de 1656. Pascal defende o jansenismo


Blaise Pascal começa a escrever as 18 "Cartas provinciais" no dia 24 de Janeiro de 1656. Nelas defende o jansenista Antoine Arbauld, de Port-Royal, que havia sido condenado por heresia  na Faculdade de Teologia da Sorbnone, Paris. Pascal assina as missivas com o pseudónimo Louis de Montalte.

As questões técnicas de Elvis Presley

É de almanaque (e é mesmo, porque veio no primeiro volume do Almanaque da revista Sábado, que saiu na quinta-feira passada):
O cantor norte-americano Elvis Presley (1935-1977) usava sempre uma cruz de Cristo, um estrela de David e a letra hebraica “chi”, segundo ele por não querer «deixar de entrar no Céu devido a questões técnicas».

José Maria Castillo reflecte sobre o inferno

Esquema do Inferno de Dante

Desde que o Papa há dias falou do Purgatório (aqui), têm surgido comentários pertinentes à questão da vida depois da vida.

No blogue Teología Sin Censura (aqui em espanhol; aqui em português), José María Castillo apresenta as razões contra o inferno tal como tem sido concebido.

Falar de inferno como se costuma fazer nos catecismos e sermões de costume, com todo o respeito do mundo, eu não acredito que isso possa ser verdade. Por uma razão que, para mim pelo menos, é incontestável. O inferno, por definição, é um castigo eterno. Pois bem, um castigo (seja o que for) tem razão de ser como "meio" para algo (corrigir, melhorar, educar, defender os inocentes...), mas nunca pode ter razão de ser como "finalidade" em si mesmo. Um castigo, assim pensado e realizado, não pode ter sua origem na bondade, mas sim na maldade. Ou seja, um castigo assim não pode ter sido pensado por Deus, nem pode ser mantido por Deus. Um suposto castigo "divino", que, ao mesmo tempo, é concebido como "eterno", é uma contradição em si mesmo. Porque o "divino", que não pode ser entendido senão como bondade e fonte de bem, não pode ser causa e origem de um mal, que não tem mais finalidade em si mesmo do que fazer sofrer, ou seja, causar mal, dano e maldade. Porque, se é "eterno", não é "meio" para coisa nenhuma, mas sim algo cuja única finalidade é o sofrimento sem fim. Tornar Deus causador e responsável por isso é a agressão mais brutal ao "divino" que a mente humana pôde inventar.

Alemães querem casados padres

Na Alemanha, corre uma carta aberta a pedir o fim do celibato obrigatório para os padres católicos, ou melhor, a possibilidade de ordenação de homens casados. Até aqui, nada de original. A novidade está no facto de a carta ser assinada por pessoas como o presidente do Parlamento (Bundestag), Norbert Lammert, a ministra da Educação, Annette Schavan, e o ex-primeiro-ministro do estado da Turingia, Dieter Althaus. Apontam como principal razão haver cada vez mais comunidades sem padre para celebrar a Eucaristia dominical.

Os bispos reagiram pedindo “paciência”. E disseram que a questão poderá ser tomada em consideração “nos próximos anos”. Li aqui.

Ponto e infinito

Deus é o ponto tangente de ser e do infinito.

Alfred Jarry (1873-1907)

23 de Janeiro de 1883. Morre o ilustrador Gustave Doré

O grande ilustrador Paul Gustave Doré nasceu em Estrasburgo, no dia 6 de Janeiro de 1832, e morreu em Paris, no dia 23 de Janeiro de 1883.

Entre muitas obras, deixou uma Bíblia ilustrada com as suas gravuras, da qual foi retirada a imagem acima reproduzida: Noé envia uma pomba. A destruição está patente, após o fim do dilúvio.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Cristãos num estado felizmente laico

Os cristãos num estado laico

Luis González-Carvajal Santabárbara

Gráfica de Coimbra 2

178 páginas


Dificilmente um livro escrito a partir da realidade de outro país poderia dizer tanto a Portugal como este. “Os cristãos num estado laico”, de Luis González-Carvajal Santabárbara, logo na primeira linha mostra que fala de Espanha – “Franco morreu no dia 20 de Novembro de 1975” –, mas o tema e o seu desenvolvimento são perfeitamente aplicáveis ao caso português.

Espanha e Portugal passaram por ditaduras e alcançaram a democracia praticamente ao mesmo tempo. Foram e são tanto clericalistas como anticlericalistas. E hoje assistem a correntes laicistas mais ou menos conscientes em sectores sensíveis como a educação, a saúde ou cultura. Tem sido observado que em Espanha o extremismo é sempre maior. Não só há mais anticlericalismo como a Igreja, principalmente o episcopado, é mais aguerrida. Em Portugal os costumes são mais brandos e os confrontos nunca são assumidos abertamente.

Este livro dá umas breves notas históricas e define conceitos como clericalismo, laicismo, laicidade, destacando a doutrina conciliar; fala das soluções legislativas, que têm sido sempre imperfeitas; aponta valores e lugares para presença pública dos cristãos; sugere uma útil mudança de sensibilidade aos cristãos; aborda por fim a questão do financiamento (de parte das actividades) da Igreja pelo Estado.

González-Carvajal aponta critérios e orientações, muitas vezes iluminados por uma situação histórica, para que os cristãos de hoje possam ter comportamentos públicos coerentes com a sua identidade num Estado que é e será, como diz, irremediável mas felizmente laico.

Não se distinguem

Mostrou-me muitas árvores que não tinham folhas, mas pareciam-me como que secas. Eram realmente todas semelhantes, e pergunta-me:
- Vês estas árvores?
- Vejo, Senhor, digo eu, são semelhantes e secas.
Respondeu-me dizendo:
- Estas árvores que vês são os que habitam neste mundo.
- Então, Senhor, digo eu, porque são como que secas e semelhantes?
- Porque, disse ele, neste mundo, nem os justos nem os pecadores se distinguem, mas são semelhantes. Este mundo é, para os justos, um inverno e não se diferenciam, enquanto habitam com os pecadores. Pois, assim como, no inverno, as árvores que deixaram cair as folhas são semelhantes e não se distingue quais sejam as secas das verdes, do mesmo modo, neste mundo, não se distinguem os justos dos pecadores, mas são todos semelhantes.

Parábola retirada de “O Pastor”, obra cristã de meados do século II, atribuída a Hermas. O escravo Hermas, depois de libertado, constitui família e acumula fortuna, mas acaba por desbaratá-la e é denunciado pelos seus próprios filhos a quando de uma perseguição aos cristãos. Durante a crise, Hermas encontra-se com enviados de Deus (“Visões”), o que dá origem à obra “O Pastor”.

Bento Domingues: Não é preciso ser ridículo

Texto de Bento Domingues no "Público" de 23 de Janeiro de 2011.

Filosofia?


Eu nunca falo de filosofia de «Deus», mas da universal vontade de vida que se manifesta à minha consciência de duas formas: como vontade criadora fora de mim e como vontade ética em mim.

Albert Schweitzer (1875-1965)

sábado, 22 de janeiro de 2011

22 de Janeiro de 1492. Descoberta da Ilha de São Vicente, Cabo Verde

Cidade do Mindelo, na Ilha de São Vicente - Cabo Verde

A Ilha de São Vicente do arquipélago de Cabo Verde foi descoberta no dia 22 de Janeiro de 1462. Recebeu o nome que tem porque 22 de Janeiro é dia de São Vicente.

Passados 40 anos, em 1502, os portugueses descobrem mais uma ilha, desta vez no Brasil, no litoral do estado de São Paulo. Que nome lhe dar? São Vicente, pois claro.

Vicente de Saragoça, ou São Vicente de Fora, foi martirizado no século IV, em Valência. Era diácono. É o padroeiro da Diocese do Algarve e do Patriarcado de Lisboa.

Jejum e abstinência eleitoral

Em Portugal, hoje é dia de reflexão por causa das eleições para a Presidência da República, que são amanhã. O “Público” escreve no editorial:

Na sua génese, esse dia de reflexão exprime uma visão sacralizada, quase religiosa, da democracia. A relevância do voto era tal que se impunha ao cidadão eleitor o equivalente a um dia de jejum pascal. Em vez de não poder comer carne, o cidadão não podia comer propaganda eleitoral.

Mais um exemplo de inspiração religiosa, apesar dos dois erros. Primeiro, não há “jejum pascal”, mas somente quaresmal (antes de Páscoa). Depois, o jejum dos católicos não significa não poder comer carne. Isso é a abstinência. Jejum é não comer. Nada.

Quanto a amanhã, que haja pouca abstinência. Pouca abstenção.

Tempo para Wojtyla

Jozef Klasy foi secretário do Partido Comunista em Cracóvia no tempo do cardeal Wojtyla. Consta que o que viria a ser Papa queria encontrar-se com o responsável partidário. Mas este nunca arranjava tempo.

Em 1979, Klasy era embaixador da Polónia no México e nessa qualidade foi apresentado ao Santo Padre.

– Nunca duvidei de que, um dia, o senhor haveria de arranjar tempo para se encontrar comigo – felicitou o Papa.

Anselmo Borges: Conviver com a natureza e os animais

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.


Um amigo jesuíta, Juan Masiá, que vive há trinta anos no Japão, contou-me uma história muito significativa, passada numa paróquia japonesa. O missionário estrangeiro começou a notar que os paroquianos deixaram de frequentar a missa por ele celebrada. Intrigado, decidiu informar-se discretamente. Foi recebendo respostas evasivas, até que alguém ganhou coragem e lhe disse: "E por causa do gato." Achou estranho, embora se lembrasse de que uns meses antes tinha agarrado pelo rabo um gato vadio que andava pela cozinha e o tinha atirado contra a parede. No entanto, não via razão para o afastamento dos paroquianos. Quando tentaram explicar-lhe, disse-lhes, indignado: "Tanto esforço para ensinar-vos que o ser humano tem alma e os animais não e agora ficais chateados por causa da morte do gato, um animal irracional?!" Mas os cristãos responderam-lhe: "O problema não é a alma do gato, se tem ou não tem alma. O problema é você. Que terá no íntimo do coração, se foi capaz de a sangue frio esborrachar o gato contra a parede?"


Ainda se continua a escrever aqui e ali: "proibida a entrada de animais", "no animals", esquecendo que os seres humanos também são animais. É necessário tomar consciência de que a humanidade não se pode pensar isolada, pois fazemos parte da comunidade natural da vida, em relação com animais e plantas, respirando o mesmo ar, tendo a mesma exigência de alimentação e água, na mesma terra e sob o mesmo céu, o que implica, contra o monopólio antropocêntrico explorador e dominador, um paradigma holístico de existência.


O cristianismo é agora apresentado como sendo um dos responsáveis pelo antropocentrismo arrogante e pela crise ecológica, por causa da ordem de Deus aos seres humanos no Génesis: "Dominai a terra." Mas, como reconhecem os exegetas, trata-se de uma interpretação errada da Bíblia, já que o que lá se encontra nada tem a ver com domínio despótico, mas apenas com guardar e cuidar da Criação, contribuindo para o seu aperfeiçoamento responsável, no quadro de um desenvolvimento harmónico do conjunto de todas as criaturas. Aliás, a aliança de Deus, depois do dilúvio, simbolizada pelo arco-íris, inclui todas as criaturas.


Há dois extremismos a evitar. O antropocentrismo tecnocientífico moderno, que vê o homem fora da natureza e o coloca na posição de sujeito objectivante e explorador da natureza, como se esta não tivesse valor próprio e se reduzisse a um reservatório de energias a dominar. A chamada deep ecology, que invoca uma natureza divinizada, encerra o homem na totalidade naturalista, cósmico-biológica, esquecendo a sua singularidade única de pessoa.


Assim, independentemente do debate sobre os direitos dos animais, a analisar em artigo próximo, não há dúvida de que temos obrigações para com eles, concretamente quando se reflecte no seu sofrimento. São inadmissíveis a tortura e a crueldade bem como sofrimentos desnecessários. Neste contexto, é necessário pôr em causa, por exemplo, as touradas.


Mesmo Kant, que só reconhecia direitos às pessoas como fins em si, referiu a insensibilidade face aos animais como reveladora de desumanidade e anti-educativa, tendo escrito: "Aquele que se comporta cruelmente com os animais possui também um coração endurecido com os humanos", de tal modo que "se pode conhecer o coração humano a partir da sua relação com os animais". Admitiu alguma experimentação com animais, mas opôs-se à experimentação irresponsável, concretamente à vivissecção.


Sobre esta problemática lê-se no Tratado de Lisboa: "Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional".

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...