domingo, 30 de setembro de 2012

Bento Domingues: As mulheres não contam?

Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje.

Sobre o livro "Jesus de Nazaré e as mulheres. A propósito de Maria Madalena", ver aqui uma referência. O proprietário de uma loja on-line (sobre tradições na Ilha Terceira) disse-me que o disponibiliza aqui.

Marca

A marca de Deus todos os homens a trazem em si como um vazio, uma sede de amor ilimitada.

Abbé Pierre, 1991

sábado, 29 de setembro de 2012

Crucificação de Neymar na "Placar"


Contexto: "Cai-cai", pelo que percebi, é fazer fita, caindo, para o que árbitro assinale falta contra a equipa que comete a suposta falta. Não falta disso, dizem, que eu nem sei como se chama o guarda-redes da equipa que me é menos indiferente, no futebol português. Pelos vistos, na Brasil, há um grande debate sobre o assunto.

Os bispos brasileiros, a propósito desta capa, emitiram uma nota:

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, manifesta profunda indignação diante da publicação de uma fotomontagem que compõe a capa de uma revista esportiva na qual se vê a imagem de Jesus Cristo crucificado com o rosto de um jogador de futebol. 
 Reconhecemos a liberdade de expressão como princípio fundamental do estado e da convivência democrática, entretanto, que há limites objetivos no seu exercício. A ridicularização da fé e o desdém pelo sentimento religioso do povo por meio do uso desrespeitoso da imagem da pessoa de Jesus Cristo sugerem a manipulação e instrumentalização de um recurso editorial com mera finalidade comercial. 
 A publicação demonstrou-se, no mínimo, insensível ao recente quadro mundial de deplorável violência causado por uso inadequado de figuras religiosas, prestando, assim, um grave desserviço à consolidação da convivência respeitosa entre grupos de diferentes crenças. 
 A fotomontagem usa de forma explícita a imagem de Jesus Cristo crucificado, mesmo que o diretor da publicação tenha se pronunciado negando esse fato tão evidente, e isso se constitui numa clara falta de respeito que ofende o que existe de mais sagrado pelos cristãos e atualiza, de maneira perigosa, o já conhecido recurso de atrair a atenção por meio da provocação.
E para quem aprecia pintura, que pintor emita a capa? Velázquez, penso.

Anselmo Borges: Assim está o mundo

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

No quadro da presente situação nacional e global de crise, e de violência dos extremistas radicais no mundo islâmico, retomo alguns ditos e duas histórias de ou sobre Jesus, plenos de sabedoria e ensinamentos, provenientes da tradição muçulmana.

É preciso saber que o Alcorão se refere várias vezes a Jesus como Profeta que anuncia o Deus único, criador e senhor da vida. Nasceu miraculosamente de Maria. A sua mensagem é de paz, mansidão e humildade. É "servo de Deus" e "Verbo da Verdade". Deus deu-lhe o poder de fazer milagres. Nega-se expressamente a crucifixão, tendo Jesus sido elevado miraculosamente para Deus.

Na literatura muçulmana, o amor e o respeito por Jesus são uma presença constante. Assim, Tarif Khalidi, que foi director do Centro de Estudos Islâmicos e membro do Conselho Directivo do King's College (Cambridge), reuniu em livro - Jesus Muçulmano - um conjunto das chamadas "máximas e histórias de Jesus", em que se encontram várias alusões aos Evangelhos.

Tarif Khalidi

Algumas máximas. Perguntaram a Jesus: "Quem foi o teu professor?" "Ninguém", respondeu ele; "vi a fealdade da ignorância e fugi dela". Disse Jesus: "Deus gosta que os Seus servos aprendam um ofício que os torne independentes e detesta um servo que adquira conhecimentos religiosos e depois faça disso o seu ofício." Também disse: "O mundo é uma ponte. Atravessa a ponte, mas não construas sobre ela." Conta-se que perguntaram a Jesus: "Até que idade é conveniente adquirir conhecimento?", e ele respondeu: "Enquanto for conveniente viver." Nenhuma palavra dita a Jesus lhe era tão querida como "aquele pobre homem." No dia em que Jesus foi elevado aos céus, deixou apenas um agasalho de lã, uma fisga e um par de sandálias.

As duas histórias. Uma vez, Jesus passou por uma caveira apodrecida e desfigurada. Ordenou-lhe que falasse. E ela disse: "Espírito de Deus, o meu nome é Bal- wan ibn Hafs, rei do Iémen. Vivi mil anos, gerei mil filhos, desflorei mil virgens, destrocei mil exércitos, matei mil tiranos e conquistei mil cidades. Que quem ouve a minha história não se deixe tentar pelo mundo, pois tudo isso foi como o sonho de um homem adormecido." E Jesus chorou.

A segunda história. Um homem juntou-se a Jesus, dizendo: "Quero ser teu companheiro." Jesus aceitou, e ambos seguiram viagem. Quando chegaram à margem de um rio, sentaram-se para comer. Levavam três pães. Comeram dois e sobrou um. Depois, Jesus foi ao rio beber água. No regresso, não tendo encontrado o terceiro pão, perguntou ao homem: "Quem tirou o pão?" Ele respondeu: "Não sei."

Continuaram a viagem, e, no caminho, Jesus realizou dois milagres. Das duas vezes voltou-se para o companheiro, dizendo: "Em nome d'Aquele que te mostrou este milagre, pergunto-te: quem tirou o pão?" E o homem voltou a responder: "Não sei."

Chegaram depois ao deserto e sentaram-se no chão. Jesus fez um montinho de terra e areia e disse-lhe: "Com a permissão de Deus, transforma-te em ouro." E assim aconteceu. Então, Jesus dividiu o ouro em três partes e disse: "Um terço para ti, um terço para mim e um terço para quem tirou o pão." Aí, o companheiro atirou: "Fui eu que tirei o pão!" Jesus disse: "O ouro é todo teu."

Jesus continuou sozinho o seu caminho. Entretanto, chegaram dois salteadores que queriam roubar o ouro ao antigo companheiro. Este, porém, disse: "Vamos dividi-lo em três partes e um de vós vai à cidade comprar comida." Um deles foi então à cidade e pensou de si para consigo: "Porque hei-de dividir o ouro com estes dois? Vou antes envenenar a comida e ficar com o ouro todo para mim!" E comprou comida, que envenenou.

Por sua vez, os que tinham ficado à espera disseram: "Porque havemos de dar-lhe um terço do ouro? Em vez disso, vamos é matá-lo, quando regressar, e dividimos o ouro entre os dois."

Quando o terceiro voltou, mataram-no. Depois, comeram a comida envenenada e também morreram os dois. E o ouro ficou no deserto com os três homens mortos ao lado. Aconteceu que Jesus passou por ali e, ao ver aquela miséria, disse aos discípulos: "Assim é o mundo. Tende cuidado."

Os gnósticos que quiseram casar Jesus


No "Público" de hoje. Quem quiser aprofundar o assunto pode ler mais textos de Antonio Piñero no seu blogue. Estas páginas podem ser lidas online aqui. Também o jornal do Vaticano se pronunciou sobre o assunto. "Há razões consistentes para concluir que o papiro seja uma desajeitada contrafação (como tantas outras provenientes do Próximo Oriente ) que poderia estar destinada à venda, por parte de um privado”, refere o diretor do jornal do Vaticano, Gian Maria Vian (lido aqui).


Mais neste blogue:
Jesus tinha uma noiva e vem na Bíblia
Jesus casou no DN e no CM
Será fraude?
A mulher de Jesus, os filhos e a nora de Deus

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Bispos alemães defendem exclusão de quem não paga imposto


Na Alemanha, e também já em alguns comentário neste blogue, esta notícia está a dar polémica. Pode chocar que um sacramento fique por receber se não se paga o imposto religioso, mas as regras são essas e para não o pagar (em tal caso, a quantia não vai para o fisco alemão, mas fica no bolso do contribuinte) é preciso declarar que não se pertence à igreja em causa (católica ou outra).

Portanto, também fica mal a alguém não querer contribuir (um dos cinco antigos mandamentos da Igreja, julgo que já ninguém os aprendem é"contribuir para as despesas de culto" ou "ajudar a Igreja nas suas necessidades"), mas querer receber o que é próprio dessa comunidade.

Julgo que a notícia tem uma imprecisão. O imposto não será de 9 por cento sobre os rendimentos (quase o dízimo!) mas de 9 por cento do imposto liquidado. Mesmo assim é muito. Dá uma média de 200 e tal euros por pessoa, tendo em conta que a Igreja católica tem 25 milhões de membros declarados (muitos estarão isentos) e recebe 6 mil milhões de euros. 

Note-se que em Portugal pode-se dar 0,5 por cento do imposto liquidado a  uma instituição e na Itália há o "8 por mil". Em Espanha também há algo do género, embora a Igreja receba muito mais do Estado, por outras vias, comparativamente ao que acontece em Portugal.

Evidentemente, há aqui uma questão mais radical que se coloca: a graça de Deus - que só pode ser gratuita - precisar de uma estrutura que, para se manter, custa dinheiro. E custa em todo o lado, com impostos, côngruas, coletas, peditórios, cortejos, etc., etc. Poderia ser de outro modo? Até no tempo de Jesus assim foi. E, dizem alguns, quem o financiava eram... umas mulheres ricas.

A fotografia do Abbé Pierre

Ultimamente, tenho posto aqui umas frases do Abbé Pierre. Hoje, a seguinte critica este meu projeto se ele não se refletir em ações concretas:
Estou farto das pessoas que penduram com uma tacha um a fotografia do Abbé Pierre  por cima da cama. De manhã, ao acordar, deixam cair uma lágrima ao olhá-la e pensam que trabalharam muito. Não se agiu porque se chorou.
Abbé Pierre, 1970

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Penas de almofada e de galinha




No filme "A dúvida", baseado numa peça teatral de John Patrick que já foi representada em Portugal (Diogo Infante no papel do padre), o padre conta uma história para explicar a culpabilidade de quem gera boatos. Murmurações, como algumas pessoas dizem.

Lembrei-me do filme porque, por mero acaso, li hoje que a história da almofada, via penas, remonta a Filipe Neri.

Uma senhora caía frequentemente no pecado da murmuração. O santo impôs-lhe como penitência percorrer uma estrada de Roma depenando uma galinha. Na semana seguinte, a penitente confessa ter voltado a cair no mesmo pecado.
- Cumpriu a pela que lhe impus?
- Sim, exatamente como me disse.
- Muito bem. Volte agora pela mesma rua e recolha todas as penas que espalhou.
- Isso é impossível.
- Minha filha, do mesmo modo é impossível recolher as falsidades que se dedica a difundir ao longo do dia.

Bento XVI não se demitiu devido a D. José Policarpo, diz Luís Salgado de Matos



Na "Visão" da semana passada, veio esta curiosa explicação desse ser chamado Igreja Católica. E a realidade é que muita gente não está minimamente a par do que é uma diocese, um arciprestado ou uma vigararia.

Os dois últimos parágrafos são algo misteriosos, não só pela democracia, que pela primeira vez, em Portugal, "também se baseia na Cruz" (será a cruzinha do voto?), como pelo "plebiscito triunfal" organizado pelo Patriarca de Lisboa e que evitou que Bento XVI se demitisse.

Crente apesar de tudo

Para ser credível, o crente não deve ser "apenas crente", mas um "crente apesar de tudo", ou seja, com os olhos bem abertos, frente às realidades que interpelam os homens e os ferem.

Abbé Pierre, 1991

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O que dizem da Igreja: A justiça dos cardeais


No CM de hoje. Muita gente opina sobre a Igreja. Com mais ou menos pertença. Com mais ou menos apreço. Mesmo quem não se sente dentro dela gosta de comentar. E tem toda a legitimidade, ainda que nem sempre seja grande o acerto, porque a Igreja está na praça pública.

Com este texto foi iniciar uma etiqueta: "O que dizem da Igreja".

Tantas mulheres no sínodo. São quase um décimo dos homens

29
Número de mulheres no próximo sínodo, de 7 a 28 de outubro, sobre a nova evangelização, não como padres sinodais (esses só os bispos e, ao que dizem as notícias, quatro padres), mas como especialistas e observadoras. Dizem que é um recorde (mas a RR diz que são só 19 ao todo; e outras notícias referem que no sínodo para África também participaram 29 mulheres).

10 especialistas
Destas 29, 10 participam no sínodo como peritas. Os homens, na mesma categoria, são 35.

19 observadoras
Destas 29, 19 são observadoras. Os homens, na mesma categoria, são 20. Quase que empatavam.

0
mulheres com direito de voto no sínodo.

Quantos participam no sínodo? Além dos acima referidos, Bento XVI escolheu pessoalmente 32 bispos e quatro padres. Das conferências episcopais do mundo inteiro vão os seus representantes (da CEP vão D. Manuel Clemente e D. António Couto). A estes há que acrescentar uns quantos das ordens religiosas e os responsáveis da Cúria Romana. No total, são mais de trezentos os padres sinodais.

Um vez basta!

Sou como uma bateria fora do circuito, faz faíscas e depois descarrega-se. Perguntou-me há pouco alguém: "Se rejuvenescesse hoje quarenta anos, quais seriam os vossos projetos?" Respondi-lhe: "Oh, uma vez basta!"

Abbé Pierre, 1993

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Como aprender a gerir o instante a pensar no longuíssimo prazo


Histórias de dinheiro na Bíblia
Sociedade Bíblica
152 páginas


É impossível não pensar e falar de dinheiro, até porque este, enquanto meio para outros fins e nunca como fim em si próprio, não é intrinsecamente mau. Fala-se dele porque é pouco, porque uns têm muito e outros vivem mal, porque sobram dias no fim do salário, porque aumentam os impostos, porque há desemprego, por ganância, por inveja, por solidariedade e até por gratuidade.

O Antigo Testamento está repleto de histórias em que as questões financeiras têm um papel importante. E o Novo testamento contém inúmeros avisos e recomendações sobre a gestão das finanças. “Jesus fala mais de questões financeiras do que do céu e do inferno, (n)uma ligação direta com a vida dos seus ouvintes” (pág.15).

Este livrinho faz parte de uma nova coleção que explica a Bíblia a partir de temas que a percorrem do princípio ao fim. Num outro volume já saído, fala-se de “histórias de amor”. Amor humano, entenda-se.

No caso do dinheiro, partindo das situações tão humanas como a divisão de terras entre Abraão e Lot, as riquezas de Salomão (que impressionam a rainha de Sabá), a vinha de Nabot, a dracma perdida da parábola de Jesus ou o apelo de Paulo aos ricos, entre tantos outros episódios, somos interrogados sobre a nossa relação com dinheiro.

Sabemos bem que as “coisas que não podem ser compradas são as que tornam a vida digna de ser vivida”: as pessoas importantes para nós, a saúde, a educação, o relacionamento com Deus… Mas também estas têm de ser geridas, quase sempre por nós, humanos.

Há sempre, pois, a questão da gestão, ainda que noutros prazos. A época moderna, mesmo a longo prazo, pensa nos próximos dez anos. Os políticos pensam nos próximos quatro ou cinco. Mesmo as políticas geracionais apenas pensam numa ou duas gerações. Já a Bíblia ajuda-nos a “planear para a eternidade”. “Onde está o teu coração? Que Deus vais servir?” (pág. 152).

Demonofílicos e misóginos de mãos dadas?

Parece-me demasiado evidente que a crença no diabo anda a par com a desconsideração da mulher. Por outras palavras, o diabo é uma questão de sexualidade. E por isso, demasiadas vezes, a sexualidade foi algo de diabólico. A misoginia será um fruto, bastardo, da crença no diabo/demónio?

aqui deixei uns breves apontamentos sobre o que Tertuliano pensava das mulheres. Hoje dei com esta frase de Tertuliano que é o pináculo do edifício diabólico-misógino:

"Mulher, tu és a porta do diabo!"

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Precisamos de outro Inácio, se quisermos evitar o surgimento de outro Lutero


Paul Valadier, jesuíta francês (julgo que foi ele que mostrou que uma das grandes invenções do cristianismo foi a consciência), afirma que a Igreja só terá credibilidade no presente e no futuro se fizer uma coisa óbvia: admitir dentro de si o pluralismo - como soube fazer ao longo da história. É preciso um novo Inácio, diz, para que não surja outro Lutero. E já agora, ao contrário da primeira vez, que o novo Inácio apareça antes do novo Lutero.
Deveria ser óbvio que, mesmo sem ter de conformar-se com o mundo atual, a Igreja não pode anunciar a mensagem da qual é portadora se ela mesma não se deixar marcar pelo Evangelho. Como na época de Inácio, mas de formas diferentes, a Igreja precisa reformar-se, converter-se, abrir-se para o Espírito. Isso é, na verdade, uma banalidade. Mas suas consequências são significativas. Inácio inventou meios para uma transformação da Igreja, fazendo um apelo à missão apostólica de um papado considerado irreformável por outros (Lutero). Nossa situação não é mais a mesma, mas, como Inácio, convém certamente chamar a Igreja a cumprir a sua própria missão. Esta foi muito significativamente esclarecida e atualizada pelo Concílio Vaticano II.

Como anda a abertura às grandes decisões desse Concílio? Os questionamentos sobre mentalidades e estruturas eclesiásticas esclerosadas continua? Não se está presenciando antes uma preocupante restauração, incentivada pelas mais altas autoridades da Igreja? Restauração imposta que, como vemos nos Estados Unidos, ameaça religiosas devotadas que dedicaram uma vida inteira aos outros e são amplamente reconhecidas pela opinião pública. Restauração sorrateira, quando a hierarquia romana incentiva as forças mais tradicionais e fechadas entre os fiéis ou no seio da sociedade.

Ora, a Igreja Católica só terá credibilidade se admitir em seu seio um justo pluralismo, segundo sua longa tradição, que sempre aceitou a vasta pluralidade das liturgias (não só no Oriente, mas também no Ocidente antes do Concílio), assim como admitiu espiritualidades diversas e ordens religiosas de estilos de vida tão diferentes! Aceitar tal pluralismo pressuporia, da parte da hierarquia, uma escuta deliberada do povo de Deus, movido pelo Espírito, abandonando a arrogância, muito romana, daqueles que creem estar acima, quando, em princípio, são servidores. Uma revolução copernicana como essa é improvável de imediato. No entanto, é uma condição de sobrevivência do catolicismo num mundo pluralista que suporta cada vez menos o autoritarismo de uma minoria apartada das raízes vivas da vida cristã e, por esta razão, cada vez menos “reconhecida” pelos fiéis, sem falar das outras. Para tanto, precisamos de outro Inácio, se quisermos evitar o surgimento de outro Lutero.
Ler tudo aqui.

Misericórdias e tutela da Igreja

No JN de hoje. Julgo que a notícia, a começar pelo título, faz eco da polémica recente entre bispos  (ainda era D. Jorge Ortiga o presidente da CEP) e misericórdias, depois de o episcopado ter aprovado legislação que foi entendida pelas misericórdias como uma tentativa de interferência na nomeação dos dirigentes e desejo de ficar com "bens apetecíveis".

Na minha opinião, a julgar pela prática de uma ou outra misericórdia (pouco misericordiosa), e visto que inspiração cristã qualquer um pode ter (com ou sem a bênção dos bispos), antes de as misericórdias darem o grito do Ipiranga, a CEP devia, muito cordialmente, desejar-lhes boa viagem.

Homem e mulher os criou

Isidorus Hispalensis, mais conhecido por Isidoro de Sevilha, nas suas tão magníficas quanto fantasiosas e influentes etimologias (Etymologiae), dizia que o macho vai buscar o seu nome (vir) à própria força (vis), enquanto a mulher (mulier) está ligada à moleza, à impudicícia (mollities). 

domingo, 23 de setembro de 2012

Possuir e ser possuído

Só se possui verdadeiramente o que somos capazes de dar. De outro modo, não somos os possuidores, somos possuídos.

Abbé Pierre, 1990

Bento Domingues: "Queimar o país?"

Incêndios. Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje.

Mas hoje é dia do Criador

Poema do Conchólogo G. B. Sowerby, que também era poeta ("sem qualquer justificação", ironiza  Stephen Jay Gould em "O sorriso do Flamengo"):

Coisas que não o eram, por tua ordem,
Em perfeita forma ante Ti se perfilam;
E todas elas para o seu Criado erguem
Uma maravilhosa harmonia de louvor.

sábado, 22 de setembro de 2012

Procurar Deus nos buracos da ciência?


Excertos de uma entrevista que o IHU fez ao físico Marcelo Gleiser.


A espiritualidade é parte da nossa humanidade
Não vejo que a ciência avance devido ao diálogo com a fé, ao menos nos tempos modernos. Sem dúvida, historicamente alguns dos grandes nomes da ciência eram também profundamente religiosos; Copérnico, Galileu, Kepler, Newton. Para eles, a ciência engrandecia a obra de Deus e era interligada com a fé. Hoje, existe uma separação prática entre as duas. A religião não faz parte do discurso científico, ao menos diretamente. É perigoso para as duas buscar-se por estas ligações. Ciência e fé devem coexistir e não insistir numa relação de dependência mútua. Por outro lado, se buscarmos por uma inspiração na ciência, o que faz tantos homens e mulheres dedicarem suas vidas ao estudo da Natureza, encontraremos, em muitos casos, uma relação de profunda espiritualidade com o mundo, mesmo que, na maioria deles, esta relação não inclua fatores sobrenaturais. A espiritualidade é parte da nossa humanidade, e se manifesta de formas diferentes em tempos diferentes. (…)

Humildade de crentes e ateus
Acho que Dawkins, Dennett, Harris e Hitchens pecam pelo excesso, pelo uso da mesma retórica virulenta que criticam nos extremistas religiosos. Todo fundamentalismo é, por definição, exclusivista e destrutivo. Mesmo que muita gente ache que eles representam a posição da ciência, isso não é verdade. Existem muitos cientistas que, mesmo sendo ateus ou agnósticos, não adotam uma postura combativa em relação à fé. Esse tipo de atitude não só não leva a nada como é filosófica e extremamente ingênua. Basta dar uma olhada mais cuidadosa na ciência e em como ela funciona para entender que têm limitações essenciais, questões que estão além do seu alcance. Isso não significa que as pessoas de fé devam buscar Deus nos limites da nossa compreensão científica, mas que os cientistas precisam ter mais humildade em seus pronunciamentos sobre o que a ciência já compreende e o que é ainda mera especulação. Achar que todas as questões podem ser reduzidas ao método científico é privar a cultura humana de outros modos de compreensão. A realidade é bem mais rica do que isso.

Deus nas brechas? Estratégia de fracasso
Buscar por Deus nas brechas da ciência é uma estratégia que leva inevitavelmente ao fracasso; a ciência avança e esse Deus que “explicava” o que não se sabia explicar torna-se desnecessário. Melhor guardar a fé para questões de aspeto transcendente, que não são necessariamente abordadas pela ciência e seus métodos: qual o sentido da nossa existência, o que é o amor, por que existe o mal, o que é verdade etc.

Ler tudo, que não é muito mais, aqui.
Mais Marcelo Gleiser aqui.

Anselmo Borges: Bento XVI no Líbano


Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui):

As circunstâncias podiam não aconselhar a viagem do Papa ao Líbano. Por um lado, o conflito sangrento - 27 000 mortos - na Síria, com o risco de reabertura de tensões no próprio Líbano, já com combates em Trípoli. Por outro, a violência dos radicais no mundo islâmico, indignados com um vídeo de um extremista copta americano -Inocência dos Muçulmanos -, ridicularizando Maomé.

Mas a Bento XVI, que tem o sentido de missão e do dever, não faltou coragem, aproveitando precisamente o momento tão delicado da região, para levar aí a mensagem da paz e encorajar os cristãos a não abandonar o Médio Oriente, onde o seu número tem caído constantemente ao longo do último século, podendo o cristianismo desaparecer. Como disse ao Público o antigo arcebispo católico de Argel H. Teissier - ele sabe por experiência de que é que está a falar -, "é nas situações de tensão que a Igreja deve estar presente, mesmo que tenha de assumir riscos para tentar anunciar a sua mensagem de paz, de respeito recíproco."

E a visita foi um êxito. Muhammad Sammak, assessor político do Grande Mufti do Líbano e secretário-geral do Comité Libanês para o diálogo islâmico-cristão, declarou: "A visita de Bento XVI demonstrou ao mundo que o povo libanês, cristãos e muçulmanos, estão unidos enquanto os partidos políticos e as facções se dividem e criam conflito. A esperança é que os políticos do Líbano também aprendam algo com o espectáculo de unidade que se viu nestes dias da visita papal." De facto, juntaram-se cristãos e muçulmanos, incluindo mulheres com chador e jovens do Hezbollah, para a recepção papal, no único país islâmico (35% de cristãos) onde o Presidente é um cristão (num original sistema de governo, o Presidente da República deve ser cristão maronita, o primeiro-ministro, muçulmano sunita e o presidente do Parlamento, muçulmano xiita).

Durante a visita, Bento XVI assinou oficialmente a exortação Ecclesia in Medio Oriente (A Igreja no Médio Oriente), um documento papal, na sequência do Sínodo dos Bispos sobre o Médio Oriente, realizado há dois anos em Roma. Nele, reconhecendo a situação actual das Igrejas como "um grito cheio de angústia" e "de desespero de tantos que se encontram em situações humanas e materiais difíceis, que vivem fortes tensões com medo e inquietação e que querem seguir a Cristo, que dá sentido à sua existência, apesar de muitas e muitas vezes se verem impedidos de fazê-lo", apela aos 15 milhões de cristãos para que permaneçam. Foi nesse Sínodo que M. Sammak, convidado especial, declarou que a diminuição da presença dos cristãos "é uma preocupação tanto cristã como islâmica, não só para os muçulmanos do Oriente, mas para todos os muçulmanos do mundo." Nele, os Bispos rejeitaram o recurso à Bíblia para justificar as "injustiças" e advogaram um Estado para os Palestinianos, no quadro de "dois Povos, dois Estados". Dizia o cardeal Carlo Martini: "Quando houver paz em Jerusalém, haverá paz em todo o mundo."

O Papa declarou que vinha como "amigo de Deus e dos homens" e, "simbolicamente", visitava todos os países da região. E falou sobre a primavera árabe, o fundamentalismo, a Síria.

Exortou ao fim da entrega de armas à Síria: "As importações de armas devem acabar de uma vez por todas. Sem essas importações, a guerra não poderia continuar." Viu na primavera árabe "um desejo de mais democracia, mais liberdade, mais cooperação e uma renovada identidade árabe. Este grito da liberdade, que vem de uma juventude mais bem formada cultural e profissionalmente, que quer mais participação na vida política e social, é um progresso, algo muito positivo". Mas não se deve esquecer que a liberdade "só pode crescer na solidariedade, no viver juntos com determinadas regras". A liberdade deve "corresponder a um diálogo maior, não ao domínio de uns sobre os outros". Quanto à religião, insistiu que tem de ser a favor da tolerância e da paz, contra a violência. Esta, como o fundamentalismo, é uma "falsificação da religião". "O verdadeiro crente não mata." Esta região está ligada às três grandes religiões monoteístas. Que seja, pois, o espaço do grande diálogo entre as três: um "triálogo"!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

As melhoras, Padre Zezinho


José Fernandes de Oliveira está internado por ter sofrido uma isquemia cerebral (não faço a mínima ideia do que é uma isquemia. Deixa ver, São Google. Ah, é uma obstrução que leva ao AVC).

E quem é José Fernandes de Oliveira? É aquele que compôs “Amar como Jesus amou”. Até o José Cid sabe disso, o Padre Zezinho. Dificilmente uma criança, adolescente ou jovem católico nos últimos 40 anos não conhecerá três ou quatro canções do Padre Zezinho.

Em meados dos anos 80, no auge da popularidade entre católicos portugueses, o Padre Zezinho fez uma digressão por Portugal, juntando milhares de jovens e adultos para o ouvir. Eu foi vê-lo ao pavilhão do Beira-Mar. Não cabia lá mais ninguém.

Jesus tinha uma noiva e vem na Bíblia

Hoje, na imprensa portuguesa, que eu visse, ninguém falou da possibilidade de ser falso o papiro em que Jesus aparece a dizer: “Minha mulher…” Talvez amanhã, que estas coisas levam tempo.

O visado com certeza não vai exigir o direito de resposta. Não faria outra coisa se tivesse de desmentir o que dizem dele sem corresponder à realidade. O caso mais curioso, na minha opinião, acaba por ser o diagnóstico de Binet-Sanglé.

Mas a verdade é que Jesus se não foi casado, esteve lá perto. Estava noivo (“bridegroom”). Tinha uma noiva. A minha Bíblia fala mesmo em "esposo" e "esposa".

Diz João Baptista (Jo 3,27), descartando a hipótese de ser ele próprio o eleito: “O esposo é aquele a quem pertence a esposa; mas o amigo do esposo, que está a seu lado e o escuta, sente muita alegria com a voz do esposo. Pois esta é a minha alegria!”

João, quando muito, é o padrinho do casório.

Temos a confirmação do casório da boca do próprio Jesus (Mc 2,19): “Poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar”.

Então, como explicar o papiro copta? Ontem surgiu mais uma explicação sobre o pedacinho de antepassado do papel. Aqui fica.


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

"Jesus casou" no CM e no DN


No "Correio da Manhã" de hoje (em cima) - admiro-me como este jornal não  tem fotos do casório - e no DN (em baixo). Veremos que dizem estes jornais sobre o mesmo assunto amanhã.


Será fraude?


Ancient papyrus that 'proves Jesus was married' declared 'a forgery', 'unconvincing' and 'suspicious' by historical experts


  • Ancient document attracted worldwide attention because of a phrase that says Jesus refers to Mary Magdalene as his wife
  • Experts criticise its appearance and grammar, with one calling it 'dodgy'
...

Stephen Emmel, professor of Coptology at the University of Muenster, was on the international advisory panel that reviewed the 2006 discovery of the Gospel of Judas.

He said the text accurately quotes Jesus as saying 'my wife', but added: 'There's something about this fragment in its appearance and also in the grammar of the Coptic that strikes me as being not completely convincing somehow.'

...

  • Ler tudo (muito mais do que isto acima) aqui.

Agradeço a Fernando d'Costa, que me alertou para a notícia. O título da notícia da fraude também não é lá muito convincente, ao dizer que o papiro "prova que Jesus foi casado" - o que, sendo a conclusão de alguma comunicação social, não está afirmado nas palavras da investigadora que o revelou (ver e ouvir aqui).

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A mulher de Jesus, os filhos e a nora de Deus



A notícia de hoje é que um “papiro cita Jesus a falar da sua mulher”, segundo o “Público” (aqui). E o DN pergunta: “Será que Jesus foi casado?” (aqui).

Os factos resumem-se a isto:
Uma historiadora norte-americana [Karen King, da Universidade de Harvard] revelou num congresso em Roma ter identificado um papiro escrito no século IV com uma frase que nunca se viu nos Escrituras: “Jesus disse-lhes: ‘A minha mulher…”
Sobre a origem do bocadinho de papiro (uns 8 por 4 centímetros), convém acrescentar o seguinte, que as notícias acima não referem (li aqui):
Karen diz que ficou sabendo do que chama de "O Evangelho da Mulher de Jesus" quando recebeu, em 2010, um e-mail de um colecionador de papiros coptas, gregos e arábicos com um pedido de ajuda para traduzir o documento. O colecionador o comprou em 1997 de um professor de egiptologia alemão. Não se sabe onde, quando ou como o papiro foi descoberto originalmente.  
Karen recebeu o fragmento em dezembro passado. Após três meses, ela o levou a Nova York para mostrá-lo a dois papirologistas, das renomadas Universidades de Nova York e Princeton. Eles concluíram que "é algo impossível de falsificar" e que o significado das palavras "minha mulher" não pode ser questionado. A idade do fragmento será confirmada por espectroscopia.
Claro que, para muitos, com agendas mais ou menos explícitas (casamento dos padres, ordenação de casados e casadas), um eventual casamento de Jesus dá jeito para algumas reivindicações ou estraga os fundamentos de certas teologias, consoante o lado da barricada. Mas, lê-se no “Público”…
…Isto não quer dizer que Jesus, o homem real, tenha sido casado, sublinhou Karen L. King, investigadora da Harvard Divinity School ao New York Times, que viu o papiro e falou com a historiadora antes de ela revelar o seu trabalho esta terça-feira em Roma, no Congresso Internacional de Estudos Coptas. 
Este texto terá sido escrito vários séculos depois da vida de Jesus, e as fontes mais contemporâneas são omissas nesse importante pormenor. Mas, a confirmar-se a veracidade deste papiro, é mais uma prova de que havia uma grande discussão na altura sobre se Jesus era celibatário ou casado, e qual a via que os seus seguidores deveriam seguir, disse King ao New York Times. 
“Já sabíamos que havia uma controvérsia no século II sobre se Jesus era casado, que foi incluída no debate sobre se os cristãos deviam casar-se e fazer sexo”, explicou a investigadora, que é especialista em literatura copta e escreveu livros sobre o Evangelho de Judas, o Evangelho de Maria Madalena, o gnosticismo e as mulheres na antiguidade.
Se o Papiro é do séc. IV, é já algo tardio, digamos, em relação ao Novo Testamento (cujos últimos livros são de por volta do ano 100 d.C.) e a Clemente de Alexandria, que morreu por volta de 215. Segundo o DN, foi este o primeiro a dizer que Jesus não era casado.
"Desde o início, os cristãos discordavam sobre se era melhor não casar, mas só um século após a morte de Jesus começaram a recorrer ao estatuto marital de Jesus para defender as suas posições", indicou [Karen King]. Só a partir de 200 d.C. é que começaram a surgir indicações, através de um teólogo conhecido como Clement de Alexandria, de que Jesus não era casado. "Este fragmento sugere que outros cristãos do mesmo período defendiam que era casado", concluiu.
Pode-se colocar, então, uma questão: um papiro é suficiente para negar a tradição – ainda que sem fundamento neotestamentário – de Jesus ter sido celibatário?

John P. Meier, biblista norte-americano, padre diocesano - e não jesuíta, ao contrário do que refere Bento  XVI na página 438 do seu primeiro volume sobre Jesus -, refere uma “influência subliminar” de Jesus célibe e aponta uma obra como sendo a primeira a defender o casamento de Jesus, de William E. Philips ("Was Jesus Married?"). Crê, no entanto, haver “razões sólidas para afirmar que Jesus foi célibe” (pag. 343 do vol I de “Un Judío Marginal”).

A questão de se era melhor casar ou não, a que supostamente o papiro quer sugerir uma resposta a partir dos procedimentos de Jesus, aparece já no NT, nas cartas de Paulo, em I Coríntios. O contexto, dizem, era de convicção de que o fim do mundo estava próximo (para quê ter filhos e netos, se isto vai durar pouco?). Ora, Paulo é omisso em relação à prática de Jesus.
Relendo São Paulo, capítulo 7 de I Coríntios, é curioso notar os conselhos que dá sobre matrimónio, celibato e virgindade. Só invoca uma vez a autoridade de Jesus Cristo: “Aos que estão casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido (…), e o marido não repudie a mulher (v. 10)”. (Não cabe aqui interpretar o preceito, mas sabe-se bem o que significava o divórcio para a mulher em termos de degradação da sua condição social). De resto, diz: “Aos outros, digo eu, não o Senhor…” (v. 12). E ainda: “A respeito de quem é solteiro, não tenho nenhum preceito do Senhor, mas dou um conselho…” (v. 25). O Apóstolo preocupa-se em separar o que é do seu pensamento e o que tem origens no Senhor.
Citei-me a mim próprio (aqui).

Se Jesus tivesse sido casado, São Paulo teria sabido? Parece-me que sim. Mas também teria sabido se fosse solteiro. Por outro lado, o Senhor de Paulo é o Jesus ressuscitado. Se Paulo não diz que Jesus foi casado ou solteiro e se não retira qualquer conclusão da condição de Jesus, o que significa isto?

Significa algo de muito concreto, pelo menos assim me parece. Não devemos justificar com Jesus as nossas opções de estado civil ou condição sexual, nem esperar que Ele nos diga o que deve ser uma decisão nossa. Digo isto numa perspetiva individual e eclesial.

Sobre esta questão, Anselmo Borges escreveu aqui (ele diz que Jesus foi celibatário) e deixei lá duas notas.

Kenn Follett e a Igreja Católica

Na "Sábado" da semana passada, Ken Follet (devo-lhe algumas tardes adolescentes bem passadas a ler "O Homem de Sampetersburgo", quando o muro ainda não tinha caído; livro do Círculo de Leitores com uma capa toda "guerra-fria") justificava o seu anticatolicismo.

Dizem que no enredo de "Os Pilares da Terra", quando o gótico é introduzido em Inglaterra, há de tudo para afirmar que a Igreja é obscurantista, retrógrada, déspota, como é típico na associação entre Idade Média e Igreja.

Mais sobre o poder, segundo Abbé Pierre

O poder é feito não para servir o prazer dos felizes, mas para a libertação dos que injustamente sofrem.

Abbé Pierre em 1995

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Adivinhe quem escreveu isto: "Pio não é o último dos papas..."


Quem escreveu isto?

“Pio não é o último dos papas... Tenhamos paciência, um novo concílio e um novo papa polirão a obra”.

a) John Henry Newman em relação a Pio IX
b) Alfred Loisy em relação a Pio X
c) Chesterton em relação a Pio XI
d) Joseph Ratzinger em relação a Pio XII

Resposta: a) John Henry Newman em relação a Pio IX, numa carta a um amigo. Pio é Pio IX e o concílio é o primeiro do Vaticano, interrompido em 1870 devido à reunificação italiana.

Como juntar saber e poder?

O poder é cego, os infortúnios mais acabrunhantes são mudos... Como conseguir juntar os que sabem e os que podem?

Abbé Pierre, 1979

Como os cristãos reconheceram Deus em Jesus



O "Q" acaba por ser o único sítio onde podemos ler textos relativamente longos na imprensa portuguesa. Há dias alguém me dizia que, nos jornais, só lê os textos longos. Subscrevo, embora se diga que já ninguém tem tempo para textos grandes.

Em relação a esta peça do último sábado, diga-se que a entrada tem pouco a ver com o resto do texto. Praticamente não se fala de Niceia. O livro de Geza Vermes, que está na origem destas duas páginas, com certeza que sim. Mas este resumo de Miri Rubim poderia estar enquadrado de outro modo.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Bispos pela estabilidade política

Os bispos portugueses acabam de emitir uma nota sobre sobre a crise. Alguns dirão que é inócua. Principalmente se queriam sangue. Eu penso que disseram o que podiam dizer. Imagino que D. Januário - penso que não faz parte do Conselho Permanente - não se reverá na ponderação.

Ler a nota aqui.

Estabilidade política. É exigida pela própria natureza da democracia e da responsabilidade dos seus atores, requerendo a busca permanente do maior consenso social e político. Numa democracia adulta, as “crises políticas” deverão ser sempre exceção. Em momentos críticos, podem comprometer soluções e atrasar dinamismos na sua busca. Todos sabemos que, para superar as presentes dificuldades, não existem muitos caminhos de solução. Compete aos políticos escolhê-los, estudá-los e apresentá-los com sabedoria. 
Respeito pela verdade. O discurso público tem de respeitar a verdade do dinamismo das situações e da procura de soluções. 
(...) Os sistemas económico-financeiros. Portugal, membro da União Europeia e da Zona Euro, está inserido no quadro das economias liberais, vulgarmente designadas de capitalismo. A Igreja sempre defendeu, entre as expressões da liberdade, a liberdade económica, desde que as suas concretizações se submetam aos objetivos do bem-comum. Os próprios lucros das pessoas, das empresas e dos grupos devem orientar-se para o bem-comum de toda a sociedade.

Quando não puderes amar mais...

Quando não puderes amar mais, espera. Quando não puderes esperar mais, acredita. Quando não puderes acreditar mais, vai dormir.

Notas de Abbé Pierre durante o noviciado (1931-1928)

domingo, 16 de setembro de 2012

Miguel Esteves Cardoso: "Aprendam a ser ofendidos"

Crónica de Miguel Esteves Cardoso no "Público" de hoje. 

Bento Domingues: Política sacrificial


Bento Domingues no "Público" de hoje.

Quando Bento Domingues fala de economia, geralmente discordo. Concordo com os valores subjacentes, mas a única ideia prática parece-me ser esta: cortar em quem tem mais e dar a quem tem menos. Redistribuição, por assim dizer. Conhece-se o filme. É pouco. E empobrecedor.

Eu prefiro que se criem condições para que cada um se realize (bem comum, como a DSI defende), tendo muito ou pouco, como bem entender (direito à propriedade privada, à livre iniciativa, à subsidiariedade, como a DSI defende) - que Portugal tenha acesso ao mercado de crédito, é fundamental para o bem comum do país; e a troika, que não é o demónio, só cá está por causa disso - , sem esquecer o seu dever de solidariedade e o destino universal dos bens (como defende a DSI, individual, institucional, nacional, internacional e intergeracional; as gerações que ainda não existem também têm direito à Terra).

Por outras palavras, concordo com a política sacrificial quando é remédio para imprudência político-financeira em que vivemos largos anos. Mesmo sofrendo com essa política sacrificial.

Me aventure


Faz com que eu deixe a minha miséria atrás de mim e, em Ti apoiado, me aventure pelos mares desconhecidos da liberdade.

Pierre Teilhard de Chardin

sábado, 15 de setembro de 2012

Contestação inspirada em menagens cristãs


Imagens tiradas do sítio eletrónico do "Expresso"

Da importância da cultura cristã para conhecer as artes clássicas

Texto de António Pinto Ribeiro no "Ípsilon" ("Público") de ontem. Sobre como o declínio da cultura cristã leva ao desconhecimento da grande arte.

Anselmo Borges: Martini, "Um Papa da frente"

Bela prosa de Anselmo Borges sobre Padre Carlo Maria Martini. Tirei do DN de hoje.

Segundo o protocolo, um cardeal é tratado por Eminência. O cardeal Carlo Maria Martini recusava esse tipo de tratamento: "Chame-me Padre Carlo Maria Martini."

Até nisto era eminente. Por isso, denunciava vícios impregnados na Igreja. Para ele, "o vício clerical por excelência" é a inveja. Mas há outros pecados capitais na Igreja: a vaidade e a calúnia. "Que grande é a vaidade na Igreja! Ela tem essa tendência para a ostentação, o alarde." E há o "terrível carreirismo" clerical, especialmente na Cúria Romana, "onde todos querem ser mais". Precisamente por causa do carreirismo é que muitos se calam: "certas coisas não se dizem, porque se sabe que bloqueiam a carreira." Isso é "péssimo na Igreja". A verdade brilha pela ausência, pois "procura-se dizer o que agrada ao superior e age-se como cada um imagina que o superior gostaria, prestando deste modo um fraco serviço ao Papa".


Cardeal Martini em Jerusalém

Especialista em ciências bíblicas, Martini era um intelectual reconhecido mundialmente, com vários doutoramentos e falando muitas línguas. Foi Director do Instituto Bíblico de Roma e Reitor da Universidade Gregoriana. Depois, esteve à frente da arquidiocese de Milão durante 22 anos e presidiu ao Conselho das Conferências Episcopais da Europa. Quando completou 75 anos, retirou-se para Jerusalém - não quis ficar perto do Vaticano: "Jerusalém é a minha pátria. Antes da pátria eterna."

Falava com liberdade interior limpa, em sincera sintonia com os problemas dos homens, das mulheres e dos jovens, e tinha convicções e coerência de vida. Não receava discutir com Deus e fazer-lhe perguntas - não disse Heidegger que "a pergunta é a piedade do pensamento"? "Como bispo, perguntei frequentemente a Deus: porque não nos dás ideias melhores, porque não nos fazes mais fortes no amor, mais corajosos ao lidar com as questões actuais?" Não conseguia compreender porque é que Deus deixou morrer o seu Filho na cruz. "Combati com Deus", "porque, quando vejo o mal do mundo, fico sem alento e entendo os que chegam à conclusão de que Deus não existe".

Não era de modo nenhum partidário de propostas tíbias, e criticava a nossa sociedade, que não sabe viver com a dificuldade e, "no fundo, se baseia no espectáculo e no aparecer", mas ousou enfrentar com realismo e valentia questões de ética, nomeadamente no domínio sexual, como a homossexualidade, a contracepção, o preservativo, o problema dos divorciados recasados -"prevejo que a Igreja deva encontrar soluções para estas pessoas"-, e propugnava reformas profundas na estrutura da Igreja, como mais participação de todos, fim do celibato obrigatório, ordenação de mulheres - "os homens de Igreja têm de pedir perdão às mulheres".

Era um místico, que confiava radicalmente em Deus. "Talvez, ao morrer, alguém segure a minha mão. Desejo nesse momento poder rezar. Durante toda a vida reflecti sobre Deus e sobre o além; neste momento, não sei nada a não ser que eu próprio na morte também me sinto acolhido. Isto é também a minha esperança." No seu último escrito no Il Corriere della Sera, escreveu: "Deus quis que passássemos por esta 'dura viela' que é a morte e que entrássemos na escuridão que mete sempre um pouco de medo. A morte obriga-nos a confiar totalmente em Deus."

Gostava da expressão "a concupiscência da criatividade" e declarava-se um enamorado da justiça, "o atributo fundamental de Deus." Reclamava coragem para si e para Igreja, também porque "a vida me demonstrou que Deus é bom", um Deus que sentia "nas estrelas, no amor, na música, na literatura e na palavra da Bíblia". "O assombro pode levar a Deus."

Homem de diálogo, criou em Milão a "Cátedra dos não crentes" e, reportando-se a um pensamento de Norberto Bobbio, dizia: "O que me interessa é a diferença entre pensantes e não pensantes. Quero que todos vós sejais pensantes. Depois, escutarei as razões de quem crê e as de quem não crê."

A quem o acusava de ser anti-Papa, respondia: "Serei um 'ante-Papa' (um Papa da frente), alguém que se adianta ao Santo Padre como seu colaborador e que trabalha para ele."

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Clara Schumann é um exemplo



O Google, neste 13 de setembro, tem um doodle que lembra que Clara Schumann nasceu há 193 anos e teve oito filhos. Como estudei História da Música, no 10.º e 11.ºs anos (enfim, uma excentricidade que deu bastante cultura geral), sei relativamente bem quem foi Robert Schumann, um grande romântico, principalmente pianista e sinfonista, que até viu ficar paralisado o seu  quarto dedo da mão direita devido à obsessão da perfeição (terá usado um tala ou algo do género para exercitar o dedo preguiçoso).


Conhecia o dedo de Schumann, mas nunca tinha ouvido falar da sua mulher. Clara Schumann ficou na sombra do marido. E só quando ficou viúva emergiu o seu valor. Vale a pena ler a sua biografia (li-a de manhã, na Wikipedia, e dizia, no final, que tinha sido contemplada com um doodle do Google no seu 193.º aniversário; voltei lá agora e a informação desapareceu).

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...