domingo, 28 de fevereiro de 2010

Como Montaigne gostava de passar o tempo


Castelo de Montaigne e, à direita, a torre-biblioteca referida no texto

Montaigne “preferia passar o seu tempo numa biblioteca circular no terceiro piso de uma torre num dos cantos do castelo: «Passei aí a maior parte dos dias da minha vida, e grande parte das horas de cada dia».
A biblioteca tinha três janelas (com aquilo que Montaigne descrevia como vistas «esplêndidas e ilimitadas»), uma mesa de trabalho, uma cadeira e, dispostos em três prateleiras de estantes em semicírculo, cerca de mil livros de filosofia, história, poesia e religião. Foi aqui que Montaigne leu Sócrates («o homem mais sábio que alguma vez existiu») dirigindo-se energicamente aos impacientes jurados de Atenas, numa edição latina de Platão traduzida por Marsílio Ficino; foi aqui que leu a visão de Epicuro sobre a felicidade na obra de Diógenes Laércio Vidas, e na De Rerum Natura de Lucrécio, editada por Denys Lambin em 1563; e foi ainda aqui que ele leu repetidas vezes Séneca (um autor «espantosamente adaptado ao meu estado de espírito») num novo conjunto dos seus trabalhos impresso em Basileia em 1557”.
Alain de Botton, "O Consolo da Filosofia" (ed. D. Quixote), pág. 140-1

A religião deve ser como o sal na comida

Viseu. Estátua de D. António Alves Martins (1808-1882), bispo referido no início do texto de Bento Domingues deste domingo.

Bento Domingues: A boa medida em religião

28 de Fevereiro de 1533. Nasce Montaigne

Michel Eyquem de Montaigne nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1533 no castelo de Saint-Michel-de-Montaigne, em Périgord, não muito longe de Bordéus, e morreu no mesmo local, no dia 13 de Setembro de 1592. Era descendente de judeus portugueses por parte de mãe.

Humanista e céptico, é o inventor do ensaio, em que tanto reflecte sobre os costumes antigos como modernos, as grandes questões da história, as divisões dos cristãos que começavam a notar-se em França e as idiossincrasias pessoais.

A sua divisa era “Que sais-je?”, que fez gravar numa medalha em 1576.

A pergunta de Montaigne é título de uma colecção nas Presses Universitaires de France (PUF), em 1941, que até hoje publicou 3878 títulos (aqui).

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Respostas sem perguntas

Uma outra versão da história das respostas sem perguntas (primeira história aqui):

Um eremita, andrajoso, de pés ensanguentados e cabeça a arder ao sol, corre sem destino pela areia e grita:

- Tenho uma resposta! Tenho uma resposta! Quem tem uma pergunta?

***

Dizia Chesterton: Não é que sejam incapazes de ver a solução. São é incapazes de ver o problema.

Anselmo Borges: "O diabo do poder"

Anselmo Borges escreve sobre a tentação do poder, a maior tentação da Igreja, no DN.

O diabo do poder

Quando se reflecte sobre o mal, o que mais impressiona é o mal moral: porque é que a liberdade não é sempre boa? Porque não fazemos sempre o bem?

Estas perguntas são de tal modo dramáticas que, para explicar o bem e o mal no mundo, muitas vezes se recorreu a um duplo Princípio: um Princípio do Bem e um Princípio do mal. No contexto do cristianismo, que, por sua vez, bebeu noutras fontes religiosas mais antigas, o diabo apareceu como "solução" para o enigma. Ele seria o Tentador e o ser humano nem sempre resiste à tentação.

Neste contexto, é preciso dizer, em primeiro lugar, que o Credo cristão não fala do diabo. O cristão não acredita no diabo, mas em Deus. Quanto ao diabo tentador, seria necessário perguntar quem tentou o diabo para, de anjo bom, se tornar anjo mau, precipitado no inferno e tentador dos homens. Lembro que já Kant fez notar que um catequizando iroquês perguntou ao missionário: porque é que Deus não acabou com o diabo? Quanto às tentações, não é preciso diabo nenhum. Bastamos nós. O Homem, entre a finitude e o Infinito, está inevitavelmente sujeito à falibilidade e à queda.

Tentação vem do latim temptare, que, para lá de ensaiar, experimentar, tentar, também quer dizer atacar, procurar seduzir e corromper, pôr à prova.

Neste quadro, a tentação maior é a do poder, não enquanto serviço, mas enquanto domínio, vanglória e exaltação do eu. Pela sua própria dinâmica, o poder tende a ser total. E porquê? Porque a ilusão da omnipotência dá a ilusão da imortalidade, de dominar, vencer e matar a morte. Omnipotentes, seríamos imortais.

Quem quiser uma prova de que a tentação maior é a do poder - financeiro, económico, político... - olhe para o palco da presente situação nacional.

A Igreja, na liturgia, muda os textos, segundo os anos. Mas, no primeiro Domingo da Quaresma, a seguir ao Carnaval, lê-se sempre o Evangelho que refere as tentações de Cristo. São três e, contra a impressão que a Igreja acabou por dar - as tentações seriam sobretudo as do sexo -, são todas relativas ao poder.

O diabo não existe, não se justificando, portanto, os exorcismos. Ali, nas tentações de Cristo, também não há diabo nenhum. O diabo não apareceu a Jesus. Todo aquele excepcional passo do Evangelho é uma encenação dramática que personifica na figura do diabo a vivência da luta de Jesus em ordem à sua decisão: há-de ser um messias do poder ou o messias do serviço? O que ali se determina é se a sua mensagem é a divinização do Homem ou a humanização de Deus. Afinal, a boa nova do Evangelho é que Deus não está interessado nele mesmo nem no culto que lhe possamos prestar, mas exclusivamente no bem-estar e realização dos seres humanos, na plena humanização de todos.

Nenhum exegeta viu tão fundo neste passo como Dostoievski em Os Irmãos Karamazov. Ivan conta a Lenda do Grande Inquisidor. Jesus aparece em Sevilha, no dia a seguir à queima de quase uma centena de hereges. A multidão reconhece-o e segue-o, mas o cardeal inquisidor manda prendê-lo. Na prisão, diz-lhe que ele não entendeu os homens, ao querer a liberdade para eles. Foi por isso que não cedeu às tentações do milagre: transformar as pedras em pães, deitar-se abaixo do pináculo do Templo. Mas os homens não suportam o fardo da liberdade. Assim, a Igreja corrigiu a sua façanha, baseando-a em milagre e poder. "E as pessoas ficaram contentes por serem de novo guiadas como um rebanho e por ter sido tirada dos seus corações a dádiva mais terrível que tanto sofrimento lhes causava: a liberdade." "Vai-te embora e não voltes mais... não voltes... nunca, nunca!"

A tentação maior da Igreja é a do poder: poder social e político, controlo das consciências, imposição das suas normas aos não crentes, aceitação de uma religiosidade mágica e milagreira...

"A última tentação de Cristo", na cruz, não foi, como sugeriu M. Scorsese, casar com Maria Madalena, mas descer da cruz. Não cedeu. Deus não livra da finitude nem, consequentemente, da morte.

27 de Fevereiro de 1620. O Cardeal de Richelieu proíbe os duelos em França

Cardeal de Richelieu por Philippe de Champaigne

Armand Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu, que de eclesiástico tinha pouco, embora tivesse sido ordenado bispo de Luçon, proibiu os duelos em França no dia 27 de Fevereiro de 1620.

Na origem da decisão terá estado a morte do seu irmão mais velho, Henri du Plessis, num duelo com o Marquês de Thémines, no ano anterior.

Com um cargo que hoje poderíamos comparar ao de primeiro-ministro, Richelieu esteve ao serviço de Luís XIII e fez uso exímio da “raison d’État”. Por exemplo: reprimiu os huguenotes (protestantes calvinistas) em França, mas apoiou os protestantes holandeses e alemães, no exterior, contra os Habsburgos.

A proibição dos duelos já tinha sido pedida pelo Concílio de Trento (1545-1563). “As pessoas que participassem em duelos seriam expulsas da Igreja, e estavam impedidas de receber os sacramentos e proibidas de ter sepultura católica”, escreve Thomas E. Woods, jr. em “O que a civilização ocidental deve à Igreja Católica” (ed. Alêtheia), pág. 226. Mas demorou muito até ser cumprida pela generalidade dos estados. Leão XIII, Papa de 1878 a 1903 ainda tem de escrever contra aquilo que, pela sua "própria natureza", "encerra manifestamente uma temeridade cega e um profundo desprezo pela vida".

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Victor Hugo e a troca de correspondência mais breve de sempre

Recorda o “Público” de hoje, na secção “No passado”, do P2, que Victor Hugo nasceu no dia 26 de Fevereiro de 1802. Dele só li um livro sobre as últimas 24 horas de um condenado. Qual seria o título? (Era de uma biblioteca). A net diz que é precisamente “O último dia de um condenado” (1829). Mas vi vários filmes. Num deles, baseado em “Os Miseráveis”, há um admirável episódio sobre o poder regenerativo do perdão.

Jean Valejean, criminoso fugitivo, obtém acolhimento em casa do bispo. O bispo trata-o bem, mas, a meio da noite, ouvindo barulho, vai ver o que se passa e é agredido por Jean Valejean, que rouba um conjunto de talheres de prata. Passados uns dias, a guarda aparece em casa do bispo com o ladrão e pergunta se os objectos roubados são do clérigo, que responde: “Não, não são meus. São dele. Dei-lhos”.

Jean Valejean fica admirado com tal atitude (a criada do bispo lamentaria mais tarde terem de comer com talheres de madeira) e pode partir em liberdade. E é esse episódio que está na origem da transformação total da sua vida. O filme (e o livro) retrata a seguir o dinamismo social e empresarial de Valejean, até que aperece um agente do Estado que desconfia do seu verdadeiro passado…

O “Público” afirma que a propósito de “Os Miseráveis” foi trocada aquele que deve ser a correspondência mais breve de sempre. Victor Hugo queria saber como tinha sido recebido o livro e telegrafa ao editor um ponto de interrogação. Como resposta, recebe um ponto de exclamação.

Pensava eu, desde os tempos das aulas de Latim, que a carta mais breve de sempre era uma de Voltaire, como resposta a uma outra, numa espécie de concurso sobre quem escreveria a carta com sentido com menos letras.

Escreveu o interlocutor de Voltaire:
Eo rus.
Voltaire responde:
I.

Traduzindo:
Vou ao campo.
Vai.

Respostas sem perguntas


O rabino percorria a cidade e chorava pelas ruas. Até que alguém lhe pergunta:
- Porque choras?
- Choro porque o Eterno, bendito seja Ele!, encheu-me o coração de respostas, mas ninguém me faz perguntas.

Há os que não fazem perguntas porque andam distraídos ou são frívolos, presunçosos, sabidos, ou simplesmente não lhes interessa ou não lhes convém, como há os que têm respostas que ninguém quer ouvir, porque tanto podem ser relevantes mas difíceis, como supérfluas, desinteressantes e descabidas. Ou não.

D. Carlos Azevedo, a pobreza, Jesus Cristo e os cristãos

"Por favor, por amor de Deus, não me venham justificar a impossibilidade de erradicação da pobreza com a frase de Jesus". D. Carlos Azevedo no Correio da Manhã de hoje (aqui):

Pobreza zero

Ir às raízes das injustiças e destruir-lhes a fatalidade é trabalho de caridade e dever de cada ser humano.

Por favor, por amor de Deus, não me venham justificar a impossibilidade de erradicação da pobreza com a frase de Jesus, no momento da unção em Betânia, na casa de Simão, quando a mulher perdoada lhe derramava caro perfume nos pés: "Sempre tereis os pobres convosco, e quando quiserdes, podeis fazer-lhes o bem, mas a mim nem sempre tereis" (Mc 14, 7; Mt 26,11). Esta afirmação tem sido citada como justificação para manter o estado da pobreza, como autorização de Jesus Cristo a resignar-se perante os pobres. Ora esta citação não manifesta nenhuma declaração de Jesus sobre a pobreza como um factor social permanente. Jesus não justifica a miséria. O que se sublinha é o carácter efémero da permanência de Jesus entre eles. Passados uns dias já não podiam fazer-Lhe bem, mas tinham muita oportunidade para tratar dos pobres. A união íntima entre o serviço a Cristo e o serviço aos pobres está presente no Evangelho.

O lema do ano Europeu, infelizmente, tem actualidade acutilante no drama permanente e nas tragédias que se abatem sobre a humanidade, como agora sobre a Madeira. Neste caso, como em ocasiões similares, logo a Cáritas se mobilizou como expressão viva da solidariedade dos portugueses. A partilha não é posta de lado, mesmo em horas mais apertadas, como a que vivemos. Portugal sente é falta de quem tenha autoridade moral para o mobilizar para o bem comum. Sem este crédito, abre falência.

A Cáritas europeia adoptou o lema ‘pobreza zero’. Realmente, ir às raízes das injustiças e destruir-lhes a fatalidade é trabalho de caridade e dever de cada ser humano diante de si próprio. Há soluções para a pecaminosidade que a situação evidencia. Os pobres e excluídos não são realidade homogénea e a nossa visão é situada e variada, a partir do ponto social em que a olhamos e consideramos. A conversão do nosso olhar adquire objectividade para reconhecer que é o modelo de desenvolvimento que seguimos a abrir ou não a nossa mente e coração aos que perdem os mais essenciais laços de pertença social e de cidadania consciente, propendem para a marginalidade, afastados das oportunidades de integração.

A consciência que os pobres e excluídos têm de si mesmos e a assunção do seu caminho libertador é paciente serviço ao futuro. Importa passar ao seu terreno fazendo nosso o seu projecto – não dirigindo-o, mas apoiando-o, estando ao serviço. Ser companheiro das suas lutas e defensor dos seus interesses, ajudá-los a ter peso na sociedade, implica em nós um êxodo mental e cultural, político e afectivo.

D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa

26 de Fevereiro de 277. Execução do profeta Mani, fundador do maniqueísmo

Mani, que se considerava o último profeta de uma longa linhagem que começava em Adão e passava por Buda, Zoroastro e Jesus, foi executado pelo mazdaístas (religião da antiga Pérsia, que quase desapareceu com o advento do islamismo) no dia 26 de Fevereiro de 277, em Gundishapur (actual Irão).

Mani ou Maniqueu deu origem a uma nova religião que se fundamenta no dualismo absoluto, na oposição entre Bem e Mal, Luz e Trevas, os dois princípios do universo. Esta religião que chegou a ter como adepto Agostinho de Hipona.

De Mani e dos seus seguidores vem o termo maniqueísmo, que tem uso extra-religioso. Todos gostam de usá-lo em relação àqueles que deixam bem vincadas as suas posições, que extremam as facções em confronto ou que acham que, afinal, o Bem está mesmo em confronto permanente com o Mal.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Somos muitos ou somos poucos?

Em "A Criação. Um apelo para salvar a vida na Terra" (apelo de um cientista aos crentes para que cuidem mais do planeta; por enquanto há uma imagem deste livro ali ali ao lado), de E. O. Wilson, escreve-se a certa altura que a biomassa humana é "invisivelmente pequena". "É matematicamente possível empilhar todas as pessoas que existem na Terra num único contentor cúbico com 1,6 km de lado e enfiá-lo longe da vista numa parte remota do Grand Canyon" (pág. 45). Diz também que o ser humano tornou-se uma força geofísica (daí o problema ecológico). Mas realço o ponto: cabemos todos num espaço muito pequeno.

Aplicando ao nosso país, reparo que se formos 7 mil milhões (7 000 000 000 - mas ainda não somos tantos; os relógios da população mundial dizem que somos uns 6,8 mil milhões) cabemos todos no Alentejo, se a cada um for dado um metro quadrado de superfície. Aliás, cabemos todos e mais 21 mil milhões. Num país como Portugal, caberia a população toda 13 vezes. Ou, por outros números, 92 mil milhões de pessoas, já que temos 92 mil quilómetros quadrados de superfície.

Confissões em Público

Com o jornal “Público”, à quinta-feira, está a sair a coleção “20 livros que mudaram o mundo”. Hoje saiu “Confissões”, de Santo Agostinho (354-430), por mais 5,95 euros.

“Confissões” foi escrito entre 397 e 398. É a primeira autobiografia espiritual e durante mais de mil anos não seria escrito mais nada semelhante. Aqui obtém-se uma visão geral da colecção e dos autores.

25 de Fevereiro de 1570. Pio V excomunga a rainha de Inglaterra

Isabel de Inglaterra (1533-1603)

Na sequência de uma rebelião mal sucedida de católicos ingleses, Pio V publica a bula "Regnans in Excelsis", que excomunga a rainha de Inglaterra, Isabel (Elizabeth), no dia 25 de Fevereiro de 1570.

A excomunhão da “serva do crime”, chefe da Igreja Anglicana, era extensiva àqueles que lhe obedecessem. Mais tarde, em 1580, o Papa Gregório XIII clarifica que os católicos devem o obedecer à rainha em matéria civis.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A santa que chegou a estar excomungada

No P2 (do "Público") de ontem (23-02-2010) veio um artigo assinado por João Manuel Rocha sobre a primeira santa australiana. Mary Mackillop (15 de Janeiro de 1842 – 8 Agosto de 1909) vai ser canonizada no dia 17 de Outubro como Santa Maria da Cruz.

De pais escoceses, Mary Mackillop tornou-se freira e fundou com o padre Julian Tenisson Woods a Congregação das Irmãs de São José do Sagrado Coração. Rapidamente a congregação dedicada a crianças necessitadas, ex-reclusas, idosos, sem-abrigo, aborígenes, novos imigrantes e prostitutas se progagou pela Austrália e Nova Zelândia.

Mas o que é excepcional nesta canonização é que a feira chegou a estar excomungada devido a “desentendimentos sobre matérias educativas. O bispo de Adelaide entendeu-os como desobediência. D. Laurence Sheil excomungou-a em 1871, em Setembro. Passados cinco meses, revogou a excomunhão. (E passados nove dias da revogação, morreu). A seguir, a Ir. Mary Mackillop viajou para a Europa a fim de obter a aprovação papal. Obteve-a de Pio IX e a depois de Leão XIII. Pelo meio houve desentendimentos com o novo bispo de Adelaide, D. Christopher Reynolds.

O homem é como o camaleão, diz Pico della Mirandola.

Picco della Mirandola, ao centro, com Marsílio Ficino e Angelo Poliziano, num fresco em Florença

“Ó suma liberalidade de Deus pai, ó suma e admirável felicidade do homem! Ao qual é concedido obter o que deseja, ser aquilo que quer. As bestas, no momento em que nascem, trazem consigo do ventre materno, como diz Lucilio, tudo aquilo que depois terão. Os espíritos superiores ou desde o princípio, ou pouco depois, foram o que serão eternamente. Ao homem nascente o Pai conferiu sementes de toda a espécie e germes de toda a vida, e segundo a maneira de cada um os cultivar assim estes nele crescerão e darão os seus frutos. Se vegetais, tornar-se-á planta. Se sensíveis, será besta. Se racionais, elevar-se-á a animal celeste. Se intelectuais, será anjo e filho de Deus, e se não contente com a sorte de nenhuma criatura, se recolher no centro da sua unidade, tornado espírito uno com Deus, na solitária caligem do Pai, aquele que foi posto sobre todas as coisas estará sobre todas as coisas.

Quem não admirará este nosso camaleão?”

Pico della Mirandola em "Discurso sobre a Dignidade do Homem", nas Edições 70.

24 de Fevereiro de 1463. Nasce o homem que sabia tudo

Giovanni Pico nasceu em Mirandola, no dia 24 de Fevereiro de 1463 e morreu em Florença, no dia 17 de Novembro de 1494. Humanista, homem típico do Renascimento, diz-se que foi dos últimos a dominar todas as áreas do conhecimento (também há quem atribua este título a Leibniz). Há em português um livro de Catherine David, sobre Pico della Mirandola e a sua época, que se intitula presicamente “O homem que sabia tudo”.

Com apenas 23 anos de vida (viveria até aos 31), publicou as suas 900 teses, intituladas “Conclusiones philosophicae, cabalisticae et theologicae” ("Conclusões de filosofia, cabalística e teologia"). A mistura de neoplatoniamo, hermetismo, cabalismo e cristianismo (além de lógica, matemática e física) é condenada em parte pela Igreja Católica. 13 teses são consideradas heréticas. Estava-se em 1486, ano em que publica também o “Discurso sobre a Dignidade do Homem” (“De hominis dignitate oratio”), que, aliás, é considerado introdução às 900 teses.

No final da vida repudiou parte do que escreveu e reaproximou-se do cristianismo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tragédias naturais são "Actos de Deus"

No sempre instrutivo “Rerum Natura” li que nas antigas apólices de seguro as tragédias naturais, como a das enxurradas da Madeira ou a que esteve na origem da queda da ponte de Entre-os-Rios, tinham o nome de “Actos de Deus”. E que, “segundo um estudioso das catedrais góticas, as construções que não caem nos primeiros cinco minutos não cairão nos seguintes quinhentos anos...” Aqui.

Inspirações: Papa, pecados e virtudes nas contas públicas

No “Jornal de Negócios” de hoje (23 de Fevereiro), Camilo Lourenço diz que para Portugal ter credibilidade nas contas públicas tem de ser mais papista do que o Papa e pecar por excesso. Está a falar de finanças e não de moral. Mas também as finanças devem ser geridas com virtude.

O vírus de Dawkins e o sarampo de Claudel

Richard Dawkins diz que a religião propaga-se entre as pessoas como uma virose da mente. Por isso é necessário combater esses vírus. Sendo ele um pregador do novo ateísmo, assume-se fundamentalmente como um limpador de consciências, um anti-epidemiologista mental.

Na realidade, a ideia do contágio não é nova. Paul Claudel (1868-1955) afirmou há muito tempo, talvez ainda Dawkins (1941) não fosse nascido: “As crianças não devem receber a religião; têm que pegá-la do meio ambiente, como se pega o sarampo”.

23 de Fevereiro de 1955. Morre Paul Claudel

"Paul Claudel", por Jean Bernard

Paul Claudel, poeta, dramaturgo e diplomata, grande escritor católico francês, a par de Bernanos e Mauriac, nasceu no dia 6 de Agosto de 1868 e morreu no dia 23 de Fevereiro de 1955. Há 55 anos.

Era amigo dos teólogos Jean Daniélou e Henri de Lubac. “Tal como Deus diz às coisas para que elas sejam, o poeta rediz o que elas são”, escreveu.

Autor de “O anúncio a Maria”, escreveu também a peça “Le soulier de satin” (“O sapato de cetim”), que deu origem a um filme de Manoel de Oliveira, em 1985. A peça dura oito horas, pelo que poucas vezes foi representada. O filme dura sete.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Descartes foi assassinado por um padre católico?

A tese aí está, defendida pelo académico alemão Theodor Ebert: René Descartes não morreu de pneumonia, devido à inclemência do clima sueco, mas envenenado por um padre que queria que a rainha Cristina se aproximasse do catolicismo mas temia que Descartes fosse má influência, talvez por causa da dúvida metódica, suponho.

O padre em causa é Jacques Viogué, que terá envenenado Descartes com arsénio ao dar-lhe a Comunhão.

O estudioso alemão da Universidade de Erlangen fundamenta a sua teoria principalmente em dois pormenores:

- o médico de Descartes, Van Wullen, disse ter encontrado algo de estranho na urina do seu paciente (Theodor Ebert diz que seria sangue, como é típico nos envenenamentos por arsénio)

- Descartes, pouco antes de morrer, pediu ao médico algo que lhe fizesse vomitar (estando a par dos conhecimentos médicos da época, Descartes sabia que em caso de envenenamento devia vomitar).

Mas também há quem diga que o católico Descartes (educado pelos jesuítas) foi antes assassinado por clérigos protestantes, esses, sim, temendo uma conversão da rainha que tinha simpatia pelo catolicismo.

No Guardian a tese do alemão. Aqui, a hipótese de ter sido assassinado por protestantes.

Os dez melhores discos segundo o jornal do Vaticano

O "L'Osservatore Romano" publicou há dias uma lista dos melhores álbuns de sempre. Eu nunca poria o "Thriller". De "Rumours", "Graceland" e "(What's the story) Morning Glory" gosto. Não conheço os de David Crosby e de Donald Fagen (este, nem de nome). Pensava que "The Joshua Tree" era melhor do que "Achtung Baby" (mas este tem "One") e que talvez aparecesse algum disco de Bob Dylan... Os dez discos:

1. The Beatles - Revolver
2. David Crosby - If I could Only Remember My Name
3. Pink Floyd - The Dark Side of the Moon
4. Fleetwood Mac - Rumours
5. Donald Fagen - The Nightfly
6. Michael Jackson - Thriller
7. Paul Simon - Graceland
8. U2 - Achtung Baby
9. Oasis - (What's the story) Morning Glory
10. Carlos Santana - Supernatural

22 de Fevereiro, dia da Cátedra de São Pedro

A festa da Cadeira de São Pedro é celebrada desde o século IV, primeiro em Roma e depois no mundo, no dia 22 de Fevereiro, para significar a “unidade da Igreja, fundada sobre o Príncipe dos Apóstolos”.

Diversos papas, ao longo da história, eleitos na proximidade, escolheram este dia para a tomada de posse / coroação / consagração: Inocêncio III em 1198; Nicolau V em 1288; Júlio III em 1550; Pio VI em 1775... Neste dia, mas no ano 2006, Bento XVI anunciou um consistório para criar cardeais. Alguns deles elegerão o próximo Papa.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Entretanto em Espanha 2: Exposição “Circus Christi” encerrada

A exposição de 13 fotografias “Circus Christi”, de Fernando Bayona, na Universidade de Granada foi encerrada por razões de segurança. Devia durar até cinco de Março, mas não passou do primeiro dia. A exposição foi descrita pelo autor como “uma visão actualizada da vida de Jesus pelo filtro da sociedade actual, nas quais os personagens vivem vidas paralelas às narradas nos textos bíblicos".

Para ter uma ideia da exposição (algumas fotos e notícia aqui; vídeo aqui), a pregação de Jesus é simbolizada por um concerto rock. O beijo de judas dá-se entre dois modelos masculinos enquanto trocam carícias. Já para não falar da Anunciação ou do relacionamento com Madalena.

O circo foi visto por 38 pessoas. O autor disse à BBC Brasil que ficou “surpreendido” com a reacção das pessoas e que não retira benefícios da polémica.


Episódios destes repetem-se pela enésima vez. Julgo não haver temas intocáveis para a liberdade artística, mas neste caso vejo mais provocação gratuita do que uma tentativa de expressar o que quer que seja. Ou o autor é ingénuo ou faz das pessoas ingénuas.

Entretanto em Espanha 1: Advogado tenta remover o Cristo de Monteagudo


Em Múrcia, o advogado laicista José Luis Mazón, presidente da Asociación Preeminencia del Derecho, pediu a demolição do Cristo de Monteagudo. A escultura é um símbolo “da Múrcia atrasada, visceral, irracional e preguiçosa, zaragateira e triste, que reza e pedincha”, diz.

A tentativa, desta vez, uniu o PSOE, o PP, o alcaide local, o bispo de Cartagena, os líderes muçulmanos e protestantes, os meios de comunicação local e populares na defesa do símbolo religioso.

Bento Domingues: De que falamos, quando falamos?

Poema de W. H. Auden, que nasceu num 21 de Fevereiro

Wystan Hugh Auden nasceu a 21 de Fevereiro, em 1907, em Iorque, Inglaterra. Morreu no dia 29 de Setembro de 1973, em Viena, Áustria. Entre 1939 e 1973 viveu nos Estados Unidos. Escreveu o seguinte poema em 1936.

Funeral Blues

Parem já os relógios, corte-se o telefone,
dê-se um bom osso ao cão para que ele não rosne,
emudeçam pianos, com rufos abafados
transportem o caixão, venham enlutados.

Descrevam aviões em círculos no céu
a garatuja de um lamento: Ele Morreu.
no alvo colo das pombas ponham crepes de viúvas,
polícias-sinaleiros tinjam de preto as luvas.

Era-me Norte e Sul, Leste e Oeste, o emprego
dos dias da semana, Domingo de sossego,
meio-dia, meia-noite, era-me voz, canção;
julguei o amor pra sempre: mas não tinha razão.

Não quero agora estrelas: vão todos lá para fora;
enevoe-se a lua e vá-se o sol agora;
esvaziem-se os mares e varra-se a floresta.
Nada mais vale a pena agora do que resta.

(Tradução de Vasco Graça Moura)


E o original:

Funeral Blues

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.

Outro poema de W. H. Auden aqui.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Cristo a fumar e a beber cerveja

Mais uma notícia do DN de hoje:

“As autoridades do estado de Meghalaya, na Índia, confiscaram os livros escolares nos quais aparece uma imagem de Cristo com uma cerveja numa mão e um cigarro na outra. Os livros eram usados nas escolas primárias e indignaram os 70% de cristãos daquele estado”.

Informação adicional: Meghalaya, diz a Wikipedia, é um estado no leste da Índia, na fronteira com o Bangladesh. Mas 70% de cristãos? Talvez. Diz a BBC que todos os sete estados do nordeste da Índia, entre o Bangladesh muçulmano e o Burma budista, são maioritariamente cristãos. E, diz o mesmo texto, ultimamente têm acontecido por lá diversos milagres.

20 de Fevereiro de 1888. Nasce Georges Bernanos

Georges Bernanos, autor de “Diário de um pároco de aldeia”, “Sob o sol de Satã” e “A relapsa e a santa”, entre outras obras enformadas pelo catolicismo, nasceu no dia 20 de Fevereiro de 1888, em Paris, e morreu no dia 5 de Julho de 1948, em Neuilly-sur-Seine. Entre 1938 e 1945 viveu no Brasil. Após a II Guerra Mundial, foi convidado por de Gaulle para fazer parte do governo, mas declinou o convite.

Simpatizante da Action Française, Bernanos anteviu as “monstruosidades nojentas” (expressão dele) que foram o nazismo e o fascismo (embora inicialmente simpatizasse com Franco, afastou-se e criticou o ditador espanhol nas suas obras).

Como escritor (não se considerava escritor por ter publicado somente aos 40 anos), é apreciado pela profundidade das análises psicológicas. Os seus escritos revelam oposição à sociedade técnica e ao individualismo.

Dele disse a revista “Time” (14/10/1946): “Georges Bernanos é o mais distinto autor católico francês e o mais contundente crítico da sua própria Igreja”.

Armando Vara, Jesus Cristo, o Papa e o Cardeal



"Com percursos com este rigor lógico dedutivo até Jesus Cristo de Nazaré vai acabar acusado por tráfico de influências, e o Papa também vai lá chegar com uma participação económica em negócio e o senhor cardeal-patriarca de Lisboa que se cuide, porque, no mínimo, será brindado com uma prevaricação ou abuso de poder." Este é apenas uma das expressões com que a defesa de Armando Vara mimoseia o procurador do caso "Face Oculta" e o juiz de instrução, que interrogaram o ex-administrador do BCP, em Dezembro de 2009.

Anselmo Borges: Haiti. Onde estava Deus? (2)

Anselmo Borges continua no DN de hoje a reflexão sobre Deus e o mal iniciada na semana passada.

Artigo retirado do DN.

Primeiro artigo aqui.


Haiti. Onde estava Deus? (2)


Como se lê no documento da Associação de Teólogos João XXIII, aqui citado na semana passada, a pergunta religiosa "onde está Deus no Haiti?" "não é nem pode ser a primeira". Na tragédia do Haiti, converge um conjunto de dados: uma zona sísmica; a mão agressiva do Homem, que desflorestou o Haiti, explorou sem limites as suas reservas naturais e construiu sem o mínimo de segurança; as condições de extrema precariedade em que os colonizadores deixaram o país, a tradição esclavagista, a corrupção generalizada, a ditadura de Governos exploradores, a distribuição injusta dos recursos... O documento observa, criticamente: tudo se afundou, mas o moderno bairro rico de Pétionville, em Port-au-Prince, foi preservado.

A ordem internacional "está montada sobre a concentração da riqueza em 20% da Humanidade e o desamparo de boa parte dela". Governos corruptos, países ricos que os protegem por causa dos seus próprios interesses, tornam alguns povos e Estados incapazes de defender-se de catástrofes naturais. "Sem esta ordem de coisas, a catástrofe teria sido muito menor." Os haitianos são tão pobres que nem possibilidades tinham de receber e distribuir as ajudas que chegavam ao território. Assim, deve-se culpar "a actual ordem internacional que só pode sustentar-se na base do poder económico, político e militar dos países ricos e a persistente corrupção das elites dirigentes do país".

E Deus? Todos temos de mudar, para que não haja mais "Haitis assolados nem Palestinas massacradas nem Auschwitz nem Hiroshimas", e o Deus de Jesus deve ser "o grande acicate de justiça e solidariedade para todos os que se chamam cristãos".

Mas a pergunta atravessa a história do pensamento, e é particularmente dramática para quem acredita no Deus pessoal e criador, omnipotente e infinitamente bom. Deus quis evitar o mal, mas não pôde: então, não é omnipotente. Pôde, mas não quis: então, não é bom. Pôde e quis: então, donde vem o mal?

Aqui, também é necessário perguntar: donde vem o bem? De qualquer modo, as tentativas de resposta sucederam-se. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino argumentaram que o mal não existe em si mesmo, pois é só uma privação no bem. Ou então que Deus não quer o mal, apenas o permite como provação e castigo. Pergunta-se: e as crianças inocentes? É por causa do sofrimento das crianças que Dostoievski, em Os Irmãos Karamazov, faz Ivan dizer que entrega o "bilhete de entrada" no mundo. Em A Peste, de A. Camus, o Dr. Rieux diz ao padre que, diante da criança que morre, não pode aceitar Deus.

À famosa Teodiceia (justificação de Deus), de Leibniz, onde se defende que este é o melhor dos mundos possíveis, Voltaire contrapôs ironicamente o seu Cândido e o "Poema sobre o desastre de Lisboa", por causa do terramoto. A. Schopenhauer escreverá que este é o pior dos mundos possíveis.

Hegel dialectizou o sofrimento em Deus: a negatividade é um momento da história de Deus. Um pouco na esteira hegeliana, alguns teólogos falaram de um "Deus sofredor" e, face ao horror do Holocausto, o filósofo judeu Hans Jonas defendeu a impotência de Deus: em Auschwitz, Deus calou-se, "não porque não quis, mas porque não pôde". Pergunta-se: é claro que o poder e a bondade de Deus não podem ser concebidos ao modo humano, mas que ajuda traz um Deus impotente? Deus solidariza-se com o ser humano na cruz de Cristo.

O teólogo A. Torres Queiruga pergunta se não é contraditório pretender pensar um mundo finito sem mal. Face ao mal, que atinge crentes e não crentes, todos têm de viver e justificar a sua fé. E Hans Küng, que reconhece que o mal parece ser "a rocha do ateísmo", pergunta, com razão, na sua última obra Was ich glaube (A minha fé): "O ateísmo explica melhor o mundo" do que a fé em Deus? "No sofrimento inocente, incompreensível, sem sentido, a descrença pode consolar? Como se a razão descrente não encontrasse também neste sofrimento o seu limite! Não, o antiteólogo não está aqui de modo nenhum melhor do que o teólogo."

Hitchens: Ai de mim se não ateizar

Christopher Hitchens esteve na Casa Fernando Pessoa, no dia 18 de Fevereiro, para falar sobre “A Urgência do Ateísmo”. Hitchens, inglês, é um dos novos evangelizadores ateus, autor de “Deus não é grande – Como as religiões envenenam tudo” (na D. Quixote), e colunista da “Vanity Fair” (e irmão de Peter Hitchens, crente).

Apesar de ser estranho que a Casa Fernando Pessoa, instituição dependente da Câmara Municipal de Lisboa, logo de dinheiros públicos, promova uma conferência para defender o ateísmo (ele não veio falar do ateísmo em Fernando Pessoa, da história do ateísmo ou de tema similar, mas tentar convencer que ser ateu é melhor, veio “ateizar”), a conferência deve ter sido uma decepção. Procurei na net e na imprensa e pouco encontrei sobre o evento e muito menos argumentos sérios. O “Público” diz isto, que, convenha-se, é muito infantilizado e incongruente (as 72 virgens não fazem parte do imaginário cristão, como foi o da educação de Hitchens, mas são sempre um bom trunfo para a gargalhada):

“Contou – escreve Isabel Coutinho – que quando era pequeno e o padre lhe falava do céu e do inferno ele conseguia ter uma ideia muito precisa do inferno mas não lhe acontecia a mesma coisa com o céu. «Não sabia da existência das 72 virgens nessa altura… e seria demasiado novo para apreciar», brincou, e a sala gargalhou. Quando perguntava o que se fazia no céu e lhe respondiam que se louvava a Deus o dia inteiro e para sempre eternamente parecia-lhe que isso é que era o inferno”.

Também falou da beleza e da dialéctica da frase de Marx "a religião é o ópio do povo", que, aliás, Marx plagiou de outros autores. Talvez algumas religiões sejam o ópio do povo, mas quem não distingue confunde. A experiência da generalidade dos crentes que conheço é que a religião (se o cristianismo, que é uma fé, for um religião, o que não é consensual) é o fermento do povo. Ópio e fermento. Ambos são brancos. Mas o efeito é diferente.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Escultura da ARCO incomoda israelitas

"Stairway to heaven", de Eugenio Merino

A escultura do catalão Eugenio Merino, na feira de arte contemporânea de Madrid, ARCO, que abriu ontem indignou, indignou a embaixada de Israel na capital espanhola. A escultura intitula-se “Stairway to heaven” e consiste num muçulmano prostrado em oração, um cristão ajoelhado sobre o muçulmano e um judeu de pé sobre o cristão, todos em oração. Ao lado vê-se uma metralhadora e, sobre o cano da metralhadora (que é uma Uzi, israelita), um candelabro (“menorah”).

A embaixada israelita já disse que a obra é “ofensiva para judeus e, provavelmente, para outros”. “Os valores como a liberdade de expressão ou liberdade artística por vezes servem a finalidade dos preconceitos e dos estereótipos ou a mera provocação por provocação”.

O artista diz que a escultura não é “agressiva” porque está imbuída de um “ar de verdadeira religião”. Diz ainda que não é anti-semita, mas reflecte a aliança de civilizações.

Eugenio Merino, noutra ocasião, apresentou um Fidel Castro "zombie" e um Bin Laden à John Travolta na "Febre de sábado à noite".

D. Carlos Azevedo: "Artifícios ou sacrifícios"

No Correio da Manhã, o bispo auxiliar de Lisboa diz que os católicos presentes na vida pública têm responsabilidade acrescida no valioso serviço à pátria

Artifícios ou sacrifícios

O ‘grande teatro do mundo’ português soma cenas e cenários, multiplica actores e afasta personagens, em rodopiante vertigem, infelizmente abismal. Descobrem-se falhas de carácter mas os dotes de persuasão tudo apagam; investigam-se crimes graves no peso ético mas os processos enredam-se sem fim, numa justiça doente; verificam-se engenharias ou melhor engenhocas financeiras que infernizam pessoas bem intencionadas e ninguém é responsabilizado; exportam-se jovens sábios e experimentados sabedores deixam o país à procura de saídas para os seus problemas; inventam-se antagonistas para, na divisão, fomentar hostilidades.

Era aqui que me queria deter, por hoje. Superar divisões artificiais é serviço à pátria, se ainda há amor cívico de autênticos compatriotas. Tanto é bom para a sociedade que não se abafem divergências sobre as formas de orientar o destino colectivo da nação, como é nocivo fomentar conflitos sem real e profunda diferença de visão sobre o futuro. Uma estratégia rigorosa e consistente, não meramente economicista, antes sustentada no sistema educativo e judicial, sustentará a esperança a médio e longo prazo.

O momento atribulado que o nosso Portugal atravessa não pede fracturas, mas unidade de esforços que permitam planear corajosas e drásticas medidas, sacrifícios de todos, em vez de artifícios de uns poucos, sem respeito pela realidade. Não é hora para fogos-de-artifício politiqueiro, antes para pés na terra e olhar no futuro.

São de saudar todas as intervenções decorrentes da natureza social do ser humano, presentes na bondade espontânea do povo português, e que tenham em vista ultrapassar a atmosfera de guerra, que o império absoluto da comunicação social indaga, orienta ou promove.

Até quando resistirão os artifícios financeiros e políticos, até quando cederá o cupulismo partidário à tentação do domínio das bases e negligenciará o bem comum do país?

Um deficit de sensatez campeia nas hostes. Pede-se a cada patriota que redefina a sua responsabilidade no delinear de caminhos exigentes, sólidos e eficazes, que nos permitam relançar a esperança. Políticos apaixonados pelo bem comum e determinados, sem medo das reformas sérias e de antagonismos manobrados e artificiais. Venham sacrifícios justificados, explicados e medidos nas consequências. É hora para uma reconciliação entre sensibilidades políticas, completando-se para uma visão maior, e facilitando uma acção colectiva. Os católicos presentes na vida pública têm responsabilidade acrescida nesse valioso serviço à pátria.

Copérnico como se fosse hoje




Cientistas polacos e suecos, da Fundação Kronenberg, reconstituíram no ano passado uma imagem do rosto de Nicolau Copérnico a partir de ossos descobertos em 2005 nas imediações da catedral de Frombork (ou Frauenburgo), na Polónia, de que Copérnico foi cónego. O crânio descoberto evidencia um nariz partido. E o rosto da reconstituição é parecido com as pinturas feitas na época.

A confirmação de que se trata de ossos do astrónomo advém da coincidência entre o DNA dos restos mortais das escavações (incluindo um dente) e o de vários pêlos encontrados no livro “Calendarium Romanum Magnum”, de Johannes Stoeffler (1542-1531), que pertenceu a Copérnico.

Na proximidade do aniversário da morte, o polaco será novamente sepultado. Copérnico morreu no dia 24 de Maio de 1543. A cerimónia será no dia 22 de Maio de 2010, um sábado, passados quase 467 anos.

19 de Fevereiro de 1473. Nasce Nicolau Copérnico

Sistema Solar. Manuscrito de Copérnico

Nicolau Copérnico, matemático, cónego da Igreja Católica e médico, astrónomo que desenvolveu a teoria heliocêntrica do Sistema Solar, nasceu no dia 19 de Fevereiro de 1473 e morreu no dia 24 de Maio de 1543.

Copérnico foi o primeiro a afirmar com alguma certeza que o Sol está no cento do sistema, embora as provas viessem mais parte, principalmente com Galileu (que viu as fases de Vénus e as luas de Júpiter) e Kepler (que chegou à conclusão de que o Sol não está precisamente no centro). Afirmou, também, que a terra faz três movimentos: rotação sobre si mesma (que dá os dias), translação à volta do Sol (os anos) e inclinação anual do seu eixo (as estações). Tudo isto no livro “De Revolutionibus Orbium Coelestium” ("Das revoluções das esferas celestes"), publicado em 1543, pouco antes da morte do autor, pelo discípulo Joachim Rheticus, em Nuremberga.

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...