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terça-feira, 20 de março de 2012

D. Rowan Williams: Os cristãos têm de aprender a viver na democracia argumentativa

Rowan Williams é o de óculos

Por estes dias, tem sido amplamente divulgada a reforma de Rowan Williams da liderança da Comunhão Anglicana, no final de 2012  - algo que já se dizia há meio ano. O arcebispo de Cantuária deu uma entrevista em que faz um balanço da sua atividade, aponta as razões da renúncia, antevê o que poderá fazer nos noves meses que faltam e diz o que espera ao  retomar da carreira académica.


Numa resposta, em especial, nota-se a sensatez que caracteriza o arcebispo (apesar do mau português do texto), que é alguém que passei a apreciar principalmente após a leitura dos livros do dominicano Timothy Radcliffe. 
O senhor acha que o cristianismo está perdendo a batalha contra a secularização na Grã-Bretanha? 
Eu não acho que o cristianismo está perdendo a "batalha contra a secularização". Eu certamente não tenho essa impressão quando estou com as congregações, quando estou nas escolas da Igreja ou em muitos ambientes como esses – nem mesmo quando estou falando sobre essas coisas em um grupo muito misto, digamos, de estudantes do Ensino Médio. 
Eu acho que ainda há um grande interesse pela fé cristã e, embora eu ache que há também muita ignorância e um preconceito bastante simplista sobre as manifestações visíveis do cristianismo, o que às vezes obscurece a discussão, eu não acho que há, de alguma forma, um único grande argumento de que a Igreja está perdendo. 
Eu penso que as pessoas voltaram a debater, muito apropriadamente, com Richard Dawkins, com Philip Pullman, com Tony Grayling e outros – esse argumento continua de forma muito robusta. O que eu acho que obscurece levemente tudo isso é essa sensação de que há uma enorme quantidade de pessoas de uma certa geração, agora, que realmente não sabem como a religião funciona, e muito menos o cristianismo em particular. E isso leva a confusões e sensibilidades nas áreas erradas – você sabe, usar uma cruz ofende as pessoas que não têm fé ou são não cristãs? Eu não acho que ofende, mas as pessoas se preocupam que ofenderá, e isso, em parte, porque há uma leve surdez sobre como a crença religiosa funciona. 
Então, sim, há um desafio, e, sim, o papel público da Igreja é mais contestado do que costumava ser, e, sim, temos que conquistar o nosso direito de falar talvez mais do que antigamente. Mas isso provavelmente será bom para nós. Eu tenho dito algumas vezes que eu acho que deveríamos viver naquela que eu gosto de chamar de "democracia argumentativa", um pluralismo argumentativo. E, para o cristianismo, ser capaz de responder clara e energicamente nesse ambiente é extremamente importante. Eu espero que eu possa continuar contribuindo com essa discussão pública na nova função. 
Lido aqui.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Anselmo Borges: Secularização e destino da Europa

"Como viu o filósofo Georges Gusdorf, "Deus morreu, a História enlouqueceu, o Homem morreu: tudo fórmulas desesperadas que exprimem a tomada de consciência, e o ressentimento, da ausência de sentido". Não colocando sequer a questão de Deus enquanto questão, que é a questão do sentido último, a Humanidade europeia sucumbe ao imediatismo, a uma visão fragmentária do aqui e agora, sem horizonte de ultimidade. Aí está então a falta de força anímica, de projecto, de futuro. Thanatos toma conta da Europa".

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Aí está um tema fundamental. Mas, quando se reflecte, é necessário perceber que há vários sentidos de secularização.

1. O primeiro sentido - secularização vem do latim saeculum (mundo) - tem a ver com a autonomia das realidades terrestres. A Bíblia é essencialmente dessacralizadora da natureza, da história e da política, precisamente porque a criação ex nihilo por Deus, pessoal e transcendente, criando, não por necessidade, mas livremente e por amor, implica a autonomia das criaturas.

Este sentido de secularização é particularmente importante para a política, que deve estar separada da religião. O Estado deve ser laico e não confessional. Jesus tinha dito: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." Mas também as ciências, a economia, a filosofia, a própria moral são autónomas, com as suas próprias leis, sem pedir legitimação à religião.

2. Há um segundo sentido de secularização. Tem a ver com aquele processo mediante o qual, concretamente na modernidade, se pretendeu realizar no mundo o Reino de Deus. A modernidade ainda era teológica, na medida em que queria, pela razão, pela ciência, pela técnica, pelo progresso ilimitado, trazer para a imanência, realizando-as, ideias religiosas da fé cristã: messias, salvação, consumação da história - o Além deveria realizar-se no aquém. Pense-se em Feuerbach, Marx, Condorcet, Bloch... O seu ateísmo era de algum modo "positivo", no sentido de que não negava Deus pura e simplesmente: o que queria era realizá-lo no mundo e na história intramundana.

3. Que sucedeu no nosso tempo? As grandes esperanças da modernidade ruíram. O "socialismo real" faliu, o progresso científico-técnico põe problemas graves, sobretudo por causa da ecologia, a razão já se não encontra divinizada, assiste-se ao fim das meta-narrativas - só há pequenas histórias, o pensamento é débil (il pensiero debole, de G. Vattimo). Assiste-se assim a uma crise geral de Deus, na medida em que a descrença parece normal - pelo menos na Europa, já não se sabe se Deus existe ou não, e reina a indiferença, numa sociedade que já é, em grande parte, pós-cristã.

Consequências: encontramo-nos cada vez mais inseguros e assiste-se ao aumento do consumo de drogas e antidepressivos. A perspectiva é cada vez mais pragmática - o que interessa é o aquém sem Além: a vida depois da morte já não parece sequer ser problema. Continua a festa do consumo, mas os europeus andam cada vez mais insatisfeitos. Não há filhos nem futuro. É a desorientação e a consumação do niilismo.

A actual situação é fruto do terceiro sentido de secularização: secularização da secularização, isto é, fim da secularização moderna e secularismo radical. Deste modo, a questão essencial é precisamente a crise dos valores e do sentido. Como viu o filósofo Georges Gusdorf, "Deus morreu, a História enlouqueceu, o Homem morreu: tudo fórmulas desesperadas que exprimem a tomada de consciência, e o ressentimento, da ausência de sentido". Não colocando sequer a questão de Deus enquanto questão, que é a questão do sentido último, a Humanidade europeia sucumbe ao imediatismo, a uma visão fragmentária do aqui e agora, sem horizonte de ultimidade. Aí está então a falta de força anímica, de projecto, de futuro. Thanatos toma conta da Europa.

Isto tem, evidentemente, repercussões também na economia e na democracia. Para quê poupar, por exemplo, e investir no futuro? Václav Havel, um dos europeus mais lúcidos do século XX, preveniu: "Pela primeira vez na História, assistimos ao desenvolvimento de uma civilização deliberadamente ateia. Deve alarmar-nos". "A transcendência é a única alternativa à extinção." E o agnóstico M. Gauchet disse: "O que ameaça a democracia, hoje, é o vazio, a futilidade, o esquecimento, a facilidade, o curto prazo, a superficialidade. As religiões, e o cristianismo em particular, têm o sentido do essencial, do trágico, do mistério da aventura humana, coisas que a democracia facilmente ignora. Elas podem ser decisivas para a democracia."

quinta-feira, 24 de março de 2011

Começa hoje o Pártio dos Gentios. A Igreja só dialoga com ateus que são "patos mancos"?

Começa hoje, em Paris, a primeira edição do Pátio dos Gentios, “dois dias de trocas e diálogos entre crentes e não crentes”.

O cardeal Gianfranco Ravasijustificou em entrevista ao jornal italiano “Il Fatto Quotidiano” a escolha da cidade de Paris por ser um “estandarte de laicidade”, uma cidade onde encontrou “um mundo laico interessado num confronto verdadeiro sobre grandes temas”.

O diálogo é necessário porque, afirma o cardeal que coordena a iniciativa, “o crente e o ateu são, cada um, portadores de uma mensagem, que é «performativa», já que envolve a existência”. E acrescenta: “Estou contente por ter como interlocutores em Paris personalidades como Julia Kristeva, semióloga e psicanalista agnóstica, ou o geneticista Axel Kahn”.

Os assuntos a discutir hoje e amanhã são, segundo o cardeal, na Unesco, “o papel da cultura”, mas também “as mulheres na sociedade moderna”, o “empenho pela paz e a busca de sentido num mundo que é ao mesmo tempo secularizado e religioso”, na Sorbonne, “Iluminismo, religiões, razão comum”, no Institut de France, “economia, direito, arte”.

Esta vontade de diálogo a partir da Igreja obteve um curioso contraponto crítico num artigo de Paolo Flores d’Arcais (que em português, em co-autoria com Joseph Ratzinger, tem publicado “Existe Deus? Um confronto sobre verdade, fé e ateísmo”, ed. Pedra Angular).

O filósofo ateu realça que por vezes a Igreja escolhe interlocutores que são “patos mancos”, segundo expressão do entrevistador de Ravasi, isto é, aqueles ateus que parecem sofrer a condição da falta de fé como uma amputação ontológica. (A observação é perfeitamente aplicável à Igreja portuguesa, que também tem os seus "patos mancos".) E provoca o cardeal:
Espero, por isso, sinceramente, que às suas palavras sigam-se os fatos. Não só em Paris, também na Itália. Nos últimos anos, a atitude foi, porém, de sinal oposto. O diálogo com o ateísmo foi sistematicamente rejeitado pela Igreja hierárquica e até pelo senhor, pessoalmente. Trata-se de uma verdade indiscutível, da qual, infelizmente, eu posso dar testemunho direto. (…) 
Convido-lhe, portanto, às"Jornadas da Laicidade", que ocorrerão em Reggio Emilia entre os dias 15 e 17 de abril, às quais se recusaram a participar os 15 cardeais que convidamos e nas quais o senhor poderá discutir com ateus não "patos mancos" como come  Savater,  Hack, Odifreddi, Giorello, Pievani, Luzzatto e, bom último, o subscrito. 
Se, depois, a sua agenda não lhe permitir acolher este convite, proponho-lhe organizar juntos, o senhor e eu, uma série de confrontos nos tempos e lugares que o senhor julgar oportunos. Devo, porém, dizer-lhe, com toda a franqueza, que não consigo libertar-me da sensação – nos últimos anos empiricamente consolidada – de que o "diálogo" que o senhor teoriza quer, ao contrário, evitar o próprio confronto com o ateísmo italiano mais consequente.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Cristãos num estado felizmente laico

Os cristãos num estado laico

Luis González-Carvajal Santabárbara

Gráfica de Coimbra 2

178 páginas


Dificilmente um livro escrito a partir da realidade de outro país poderia dizer tanto a Portugal como este. “Os cristãos num estado laico”, de Luis González-Carvajal Santabárbara, logo na primeira linha mostra que fala de Espanha – “Franco morreu no dia 20 de Novembro de 1975” –, mas o tema e o seu desenvolvimento são perfeitamente aplicáveis ao caso português.

Espanha e Portugal passaram por ditaduras e alcançaram a democracia praticamente ao mesmo tempo. Foram e são tanto clericalistas como anticlericalistas. E hoje assistem a correntes laicistas mais ou menos conscientes em sectores sensíveis como a educação, a saúde ou cultura. Tem sido observado que em Espanha o extremismo é sempre maior. Não só há mais anticlericalismo como a Igreja, principalmente o episcopado, é mais aguerrida. Em Portugal os costumes são mais brandos e os confrontos nunca são assumidos abertamente.

Este livro dá umas breves notas históricas e define conceitos como clericalismo, laicismo, laicidade, destacando a doutrina conciliar; fala das soluções legislativas, que têm sido sempre imperfeitas; aponta valores e lugares para presença pública dos cristãos; sugere uma útil mudança de sensibilidade aos cristãos; aborda por fim a questão do financiamento (de parte das actividades) da Igreja pelo Estado.

González-Carvajal aponta critérios e orientações, muitas vezes iluminados por uma situação histórica, para que os cristãos de hoje possam ter comportamentos públicos coerentes com a sua identidade num Estado que é e será, como diz, irremediável mas felizmente laico.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Católicos com "cultura da ausência de Deus"

Reflexão breve e provocadora de José Antonio Pagola, autor do livro (polémico) “Jesus, uma abordagem histórica” (ed. Gráfica de Coimbra), no blogue “Buenas Noticias”:

La crisis religiosa de nuestros días se está extendiendo con tal radicalidad que la indiferencia está afectando ya a los mismos creyentes. Los indicios son cada vez más inquietantes. Hay analistas que denuncian el "ateísmo interior" que está diluyendo la fe de algunos que se dicen cristianos.

La Iglesia no es un "espacio inmunizado". Hay practicantes que de hecho no cuentan con Dios. Pueden pasar tranquilamente sin él. Dios no estimula su vida ni inspira su comportamiento. Viven una religión vacía de comunicación con Dios. En la práctica, Dios no existe para ellos. Sin advertirlo, se están instalando en la "cultura de la ausencia de Dios".

¿Vamos a permanecer pasivos ante esta extinción progresiva de la verdadera fe incluso dentro de nuestros hogares y comunidades? ¿No nos estamos haciendo cada vez más indiferentes a la indiferencia religiosa que parece invadirlo todo? ¿No ha llegado el momento de reaccionar?

Ler tudo aqui.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O excepcional laicismo português

Uma vez vi um cartoon na imprensa espanhola que mostrava o mapa de Portugal, Espanha e França. Portugal e França estavam assinalados com a expressão “Países normais”.

Hoje, leio no “Periodista Digital”, a propósito do congresso das ordens religiosas, realizado em Lisboa, no início de Novembro, algo que me faz lembrar o cartoon da excepção espanhola. Na verdade, nem parece que Mariano Sedano fala de Portugal. Um português escreveria o texto? Provavelmente, mais depressa procuraria exemplos positivos em Espanha e França do que em Portugal. Mesmo que saiba que em Espanha há um laicismo agressivo, diria que em Portugal acontece aproximadamente o mesmo. O espanhol acha que não.

Mas sem dúvida que isso acontece do ponto de vista político e de alguma opinião pública. Vejam-se os políticos finalmente a reconhecerem que o fim dos contratos de associação (que permitem que os alunos frequentem 93 colégios gratuitamente) é mais uma questão ideológica (porque sabem que uma boa parte do ensino privado e cooperativo está nas mãos da Igreja católica) do que económica (afinal, ninguém desmente que o ensino privado é mais barato do que o público). Mas em Portugal o clero é mais pacificador.

Vejamos o que diz, afinal, o texto (retirado daqui):

En Portugal llevan todo el año celebrando el centenario de la proclamación de la República en 1910. La Memoria histórica de este evento es especialmente dolorosa para los religiosos, porque el inicio de la República significó el fin de la presencia de las órdenes religiosas en Portugal. De hecho, una de las primeras medidas del nuevo régimen fue abolir las Congregaciones y expulsar a los religiosos.

Esto tampoco es nuevo en la piel de toro. A un lado y otro de la frontera, hemos estado siempre detrás de los curas y frailes, sea con una vela en la mano, sea con una estaca.

Lo más curioso, es que la memoria histórica de esos sucesos no se ha hecho en clave de revancha, ni de reivindicaciones estériles. Hoy las diversas congregaciones están profundamente integradas en la vida de Portugal y su presencia es numerosa y significativa en todas las esferas de la vida social y cultural. El anticlericalismo, otrora beligerante, hoy no es moneda de uso allí.

Algo así sería impensable en España. Entre nosotros un anticlericalismo trasnochado, acrítico y simplón sigue vivo en toda la clase política. En unos como orgullosa herencia del pasado (izquierda) y en otros como amenazante espada de Damocles, si se hace algún gesto de reconocimiento social o cultural del hecho religioso (derecha).

Si a esto se añade que el Presidente de la República, el Primer Ministro, varios ministros y los Rectores de todas las Universidades portuguesas han formado parte del Comité Organizador, asumiendo sus costes así como la publicación de las actas del congreso y de una Enciclopedia de las Ordenes y Congregaciones religiosas en Portugal y han tomado parte en el Congreso o enviado un mensaje de apoyo, nos parece estar en otro mundo.

Ejemplos como este, nos hablan de la mediocridad personal e intelectual de la clase política española y de gran parte de nuestra opinión pública que aprueba o no se opone a esta miopía patente. Nos queda mucho camino que recorrer. Portugal…¡tan cerca…. y tan lejos de nosotros!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Católicos (e protestantes), republicanos e interventivos

A “Pública” (revista dominical do “Público”) de ontem encheu-me as medidas. Já para aqui copiei a “crónica é muito isto” de José Diogo Quintela. Não vou copiar a entrevista a Maria João Avillez sobre o que a Gulbenkian anda a fazer em África (cooperação inteligente) nem as 11 páginas sobre a filantropia dos empresários portugueses (ela existe, sim, amigos cínicos, e nem sempre é feita com intenções de aumentar os lucros), ou a entrevista sobre o Brasil a Laurentino Gomes (autor de “1822”). Mas não resisto a copiar o artigo de António Marujo, nas vésperas dos 100 anos da implantação da República, quando crescem as opiniões de que não há nada para comemorar (Pulido Valente, Pacheco Pereira…). Intitula-se “Católicos (e protestantes), republicanos e interventivos”. Oito páginas. Valiosas. Também está on-line, aqui.








sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Publicação sobre Igreja e República

A Agência Ecclesia lançou há dias um número especial sobre a Igreja e a Primeira República. A publicação conta com a colaboração científica do Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa e procura abordar “questões do âmbito da religião na sociedade portuguesa no período da Primeira República”. “A reflexão que se apresenta, acompanhada pela publicação de documentos da época e do levantamento iconográfico e biográfico referentes a acontecimentos e personalidades anteriores e posteriores à República de 1910, pretende contribuir para a memória crítica dos cidadãos portugueses”, escreve António Matos Ferreira, um dos coordenadores da edição. Mais informações e pedidos aqui.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

B sixteen in UK

A visita ao país culturalmente mais influente da Europa e um dos mais secularistas (porque "secularizado" é positivo) merece atenção por parte dos católicos europeus. Confesso que a aguardo com mais expectativa do que a que fez a Portugal, onde jogava num terreno mais fácil.

sábado, 19 de junho de 2010

Anselmo Borges: O declínio da Europa

Anselmo Borges e a crise da Europa, no DN de hoje. Um texto que mais uma vez relaciona secularismo e decadência. "Com a morte de Deus, criou-se um vazio. Os europeus instalaram-se no ter e no prazer. Sem Deus, onde está o sentido que dá unidade? Não se pode esquecer o que já Nietzsche anteviu".


Não faz falta o pessimismo para sentir perplexidade e desalento face ao futuro da Europa. Jorge Semprún, por exemplo, esse grande espírito europeu, não sabe se o euro vai desaparecer, mas diz que é possível que desapareçam várias aquisições e teme o pior, pois precisamente "o pior é possível, incluindo a desarticulação europeia". E proclama: depois do esgotamento da luta contra o passado nazi e fascista, de um lado, e contra o totalitarismo estalinista, do outro, "a Europa precisa de um novo motor ideológico e moral".


Donde vem a crise? Já em 1918, Oswald Spengler escreveu a obra polemicamente célebre: A decadência do Ocidente. De modo agudo, o eminente filósofo Edmund Husserl pronunciou, em Maio de 1935, em Viena, uma conferência famosa, subordinada ao tema A crise da humanidade europeia e a filosofia. A crise, segundo ele, deriva do positivismo, portanto, da redução das ciências ao puro conhecimento dos factos, esquecendo a subjectividade. Esta crise das ciências exprime a crise ético-política, dos valores e do sentido. A ciência positivista nada tem para dizer-nos: "As questões que ela exclui por princípio são precisamente as questões mais escaldantes na nossa época desgraçada para uma humanidade abandonada aos sobressaltos do destino: são as questões que dizem respeito ao sentido ou ausência de sentido de toda esta existência humana."


Claro que a nossa crise europeia tem a ver com a crise económico-financeira mundial, com a chegada ao palco da história dos países emergentes, como a China, a Índia, a Rússia, o Brasil, a África do Sul, com problemas globais que só poderão encontrar solução no quadro de uma governança global. Mas o que tem feito a União Europeia para se tornar uma real União, com um projecto sólido económico-político, e não simples consórcio de negócios? Sobretudo, onde está a alma da Europa e os valores capazes de a cimentarem?


Como escreveu Theodor Dal- rymple, em Março passado, em The American Conservative, "num certo sentido, a Europa nunca esteve tão bem. Os progressos em termos de saúde e de riqueza foram prodigiosos. Apesar destes êxitos, há como que uma atmosfera de declínio. Os europeus, que nunca foram tão prósperos, olham para o futuro com temor, como se tivessem uma doença oculta que ainda se não tivesse manifestado mas devorasse já os seus órgãos vitais. Deus morreu na Europa e a sua ressurreição é pouco provável, excepto talvez na sequência de uma catástrofe. No entanto, nem tudo foi perdido na atitude religiosa. Cada indivíduo vê-se sempre como um ser único na sua importância, mas já não tem esse contrapeso da humildade própria de quem se sente um dever para com o seu Criador. Acima de tudo, a maior parte dos europeus já não crê num grande projecto político. Este miserabilismo leva a uma mistura de indiferença e de ódio face ao passado." E, depois de se interrogar sobre se os americanos terão algo a aprender com tudo isto, o autor conclui: "Uma sociedade moderna sã deve saber tanto manter-se como mudar, tanto conservar como reformar. A Europa mudou sem saber conservar: essa é a sua tragédia".


Com a morte de Deus, criou-se um vazio. Os europeus instalaram-se no ter e no prazer. Sem Deus, onde está o sentido que dá unidade? Não se pode esquecer o que já Nietzsche anteviu. O louco, em A Gaia Ciência, proclama "a grandiosidade do acto" de matar Deus, mas também pergunta: "Para onde vamos nós? Para longe de todos os sóis? Será que ainda existe um em cima de um em baixo? Não andaremos errantes através de um nada infinito? Não estará a ser noite para todo o sempre, e cada vez mais noite?" E Nietzsche, ele mesmo, sete anos antes de se afundar na noite da loucura, escreveu a Ida, mulher do seu amigo Overbeck, advertindo-a para que não abandonasse a ideia de Deus: "Eu abandonei-a, quero criar algo de novo, e não posso nem quero voltar atrás. Desmorono-me continuamente, mas não me importa". Sem Deus nem eternidade, na ditadura do presentismo consumista, hedonista, individualista, apenas restam instantes que se devoram na voragem do efémero.

sábado, 5 de junho de 2010

Diferentes tipos de ateísmo

No texto do DN de hoje (ver post anterior), Anselmo Borges fala de quem “se considera ao mesmo tempo religioso e ateu”. De ateus que têm espiritualidade. E que, por isso, consideram o facto religioso como significativo. Ainda que não acreditem em Deus. Vale a pena confrontar as ideias do texto de Anselmo Borges com as de Fernanda Câncio, no mesmo jornal, mas na edição de ontem, a propósito da procissão do Corpo de Deus em Lisboa. É a diferença entre ateísmo aberto e dialogante, de um lado, e ateísmo laicista, anticlerical e intolerante, do outro.

Deixo aqui o final do texto de Fernanda Câncio (o resto está aqui):

"Significa então isto que se, como cidadã, sou bombardeada com proselitismo religioso com permissão e beneplácito das autoridades que elegi, se me ocorrer gritar da janela da minha casa, à bulha com o som dos altifalantes, uma coisa do género do castelhano "me cago en dios" corro o risco de ser processada por blasfémia. Afinal, o que o Código Penal e a prática reiterada das autoridades portuguesas dizem é que os sentimentos religiosos (desde que católicos, claro) valem mais que quaisquer outros e têm permissão para se impor a todos os corpos - mesmo os que não querem comungar deles. E isso, sinto muito, não é só ridículo e inaceitável e absolutamente fracturante. É também claramente inconstitucional - a não ser que a liberdade de consciência só exista para escolher uma religião, e a certa".

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Religião e política, Câncio e Policarpo

Fernanda Câncio escreve na página 9 do DN. No mesmo jornal, umas páginas à frente, na 25, D. José Policarpo diz que é bom que a religião esteja separada da política.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Entretanto em Espanha 1: Advogado tenta remover o Cristo de Monteagudo


Em Múrcia, o advogado laicista José Luis Mazón, presidente da Asociación Preeminencia del Derecho, pediu a demolição do Cristo de Monteagudo. A escultura é um símbolo “da Múrcia atrasada, visceral, irracional e preguiçosa, zaragateira e triste, que reza e pedincha”, diz.

A tentativa, desta vez, uniu o PSOE, o PP, o alcaide local, o bispo de Cartagena, os líderes muçulmanos e protestantes, os meios de comunicação local e populares na defesa do símbolo religioso.

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...