segunda-feira, 30 de novembro de 2009

"Só as mulheres, as mães, sabem o que é o verbo esperar"

Para o Fernando e a Carla, que também esperam

(Texto retirado do sítio da Pastoral Nacional da Cultura, via Pela Positiva)


Advento

Chegou sem ser esperado, veio sem ter sido concebido. Só a mãe sabia que era filho de um anúncio do sémen que existe na voz de um anjo. Tinha acontecido a outras mulheres hebreias, a Sara por exemplo.

Só as mulheres, as mães, sabem o que é o verbo esperar. O género masculino não tem constância nem corpo para hospedar esperas. Sinto de novo a agravante de ignorar fisicamente a voz do verbo esperar. Não por impaciência, mas por falta de capacidade: nem mesmo durante as febres de malária me acontecia recorrer ao repertório das fantasias de me curar, de estar à espera de.

Nos despertares matutinos ao folhear Isaías leio: «Felizes aqueles que o esperam» (Is 30,18). Não conheci esta sábia e física alegria. Mas mais forte do que esta notícia, no mesmo versículo está escrito «Por isso esperará Iod/Deus para vos fazer misericórdia». Existe uma primeira espera, que espera por Deus e tem o mesmo verbo hebraicohacchè. Na sua redução à forma da espécie humana, o Seu tempo infinito contrai-se no finito de uma espera. Deus espera: «para vos fazer misericórdia».

O tempo de Advento vive desta imitação, defronte à eternidade de um Deus que aceita fazer-se tempo, irrompendo no mundo em meses estabelecidos com nascimento, morte e ressurreição.

Quem tem no seu corpo os recursos para conceber esperas, conhece do versículo de Isaías a imensidade da correspondente espera de Deus.

Erri de Luca

(mais Erri de Luca aqui)

És maior do que as nossas palavras

Senhor meu Deus,
Tu és maior do que as nossas palavras,
mais silencioso do que o nosso silêncio,
mais profundo do que os nossos pensamentos,
mais elevado do que os nossos desejos...

Dá-nos, ó Deus soberano,
tão grande e tão próximo,
um coração cheio de vida
e uns olhos novos
para te descobrirmos
e te acolhermos
quando vieres vir a nós.

Francisco de Sales (1567-1622)

29 de Novembro de 800. Carlos Magno chega a Roma

No dia 29 de Novembro de 800, Carlos Magno chega a Roma. Pretende investigar possíveis crimes do Papa Leão III.

Leão III (Papa de 795 a 816) fora acusado pela nobreza romana de adultério e perjúrio. Carlos Magno vai a Roma, junta representantes de ambos os lados e resolve a contenda. Os opositores ao Papa são exilados. Isto fica resolvido no dia 23 de Dezembro. Dois dias depois, no dia de Natal, Carlos Magno é coroado "imperador romano", o que ofenderia os romanos do oriente (Constantinopla).

domingo, 29 de novembro de 2009

A velha e o ateu – humor teológico

Uma velhinha cristã vem ao alpendre de sua casa todas as manhãs e grita:
- Louvado seja o Senhor!
E, todas as manhãs, o ateu que vive na casa ao lado grita em resposta:
- Deus não existe!
Isto repete-se durante semanas.
- Louvado seja o Senhor! – grita a senhora.
- Deus não existe! – responde o vizinho.
O tempo vai passando e a velhota começa a ter problemas financeiros e tem dificuldade para comprar comida. Sai para o alpendre e pede ajuda a Deus para as compras da mercearia, dizendo em seguida:
- Louvado seja o Senhor!
Na manhã seguinte, quando sai para o alpendre vê as mercearias que tinha pedido. Como não podia deixar de ser, grita:
- Louvado seja o Senhor!
O ateu salta de trás de um arbusto e diz:
- Ah! Fui eu que comprei essas mercearias. Deus não existe!
A senhora olha para ele e sorri.
- Louvado seja o Senhor! – grita. – Não só ouviste o meu pedido, Senhor, como fizeste Satanás pagar as compras!

Maquete do projecto da igreja de Troufa Real

Maquete do projecto de Troufa Real para a igreja do Alto do Restelo (ver texto de Bento Domingues). Clique para aumentar.

No Religionline fala-se da polémica e remete-se para notícias sobre o projecto.

Bento Domingues e a "chamada via da beleza"

Bento Domingues, no Público de hoje, fala da “chamada via da beleza”. “Na descoberta dos caminhos para o mistério de Deus, as vias da verdade e da bondade foram as mais recomendadas. Esquecida, porém, a beleza, as outras perdem capacidade de falar à inteligência e ao coração”.

O dominicano lembra o encontro do Papa com os artistas, a polémica a propósito do projecto de Troufa Real para a igreja no Alto do Restelo (“nem todas [as críticas] me parecem levianas”), os textos dos dominicanos Timothy Radcliffe e José Augusto Mourão (clicando dá para ler).

Darwin, humanista vitoriano

Pedro Mexia diz que temia que "Darwin fosse um ateu fanático ou um desvairado eugenista".

"Quando finalmente o li com atenção, percebi quão infundados eram tais receios. Darwin foi um humanista vitoriano, que descrevia e não prescrevia, e de quem aliás são conhecidas posições contra a escravatura, por exemplo. O abominável «darwinismo social» não é invenção nem culpa dele. Quanto à religião, não confundamos Darwin com Dawkins. Darwin escreveu na sua Autobiografia: «O mistério do início da todas as coisas é insolúvel para nós; e por mim contento-me em permanecer Agnóstico». Eu, que permaneço crente, concordo. O mistério é insolúvel. A humildade de dizer que é insolúvel já é muito" (A Lei Seca, post de 24 de Novembro).

sábado, 28 de novembro de 2009

Bendita ilusão

À noite, quando dormia,
sonhei - bendita ilusão -
que um ardente sol luzia
dentro do meu coração.

Era ardente porque dava
calor de vermelho lar,
e sol porque alumiava
e porque fazia chorar.

À noite, quando dormia,
sonhei - bendita ilusão -
que era Deus a quem eu tinha
dentro do meu coração.

António Machado (1875-1929)

Revista de Blogues

O Estação Cronográfica fala do Frei João da Comenda, um irmão leigo franciscano, o primeiro relojoeiro português.

"A pista da semana é pois Orgens e sua capela franciscana, onde está o mais antigo relógio de torre português que se conhece". Orgens fica perto de Viseu. Ler mais aqui.

O Rerum Natura, além de muitos bons textos sobre ciência, embora por vezes numa perspectiva que este blogue gostaria de contrariar (a da irrelevância da religião perante as ciências naturais), dá exemplos de como a criatividade (promovida por uma marca de automóveis) pode mudar o comportamento das pessoas, aqui.

Anselmo Borges: Darwin e a religião

Anselmo Borges escreve sobre Darwin e a religião, a propósito dos 150 anos da publicação de "A Origem das Espécies". Copiado daqui.

Ainda no contexto da dupla celebração neste ano de 2009 - 200 anos do nascimento de Charles Darwin e 150 anos da publicação de A Origem das Espécies -, fica mais uma reflexão sobre o tema em epígrafe.


Aquela história repetida - o bispo de Oxford, S. Wilberforce, perante enorme assistência a uma conferência, perguntou a Thomas Huxley, defensor de Darwin, se descendia do macaco pelo lado do avô ou pelo lado da avó; face à resposta, desconfortável para o bispo, uma senhora desmaiou e a mulher do bispo terá murmurado: "Só faltava esta: descender de macacos! Se for verdade, rezemos para que ninguém saiba" - não será completamente verdadeira, mas revela bem o abalo e a perplexidade causados pela tomada de consciência de que descendemos por evolução de outros animais.


Concretamente quanto à religião, é significativo que a obra de Darwin não tenha figurado no Índex (lista dos livros proibidos aos católicos). Por outro lado, Darwin foi sepultado com pompa na Abadia de Westminster, a alguns passos do túmulo de outro gigante da ciência, Newton.
Em 1996, o Papa João Paulo II declarou, perante a Academia Pontifícia das Ciências, que "a teoria da evolução é mais do que uma hipótese". E, para marcar os 150 anos de A Origem das Espécies, realizou- -se recentemente na Universidade Gregoriana de Roma um Congresso sobre "Evolução biológica, factos e teorias", patrocinado pelo Conselho Pontifício para a Cultura. Os organizadores fizeram questão de excluir os partidários do "criacionismo" e mesmo do "desígnio inteligente".


Há evolucionistas materialistas, ateus, mas também os há crentes. As relações só azedam, quando, de um lado e do outro, se ergue o fundamentalismo: cientista ou religioso. Ora, contra esse duplo fundamentalismo, é preciso saber que Deus não é objecto de ciência: cientificamente, não se demonstra nem que há Deus nem que Deus não existe. Deus é objecto de fé e há razões para acreditar como há razões para não acreditar.


Assim, é tão ridículo invocar o livro do Génesis, com o seu mito da criação, lido literalmente, para negar a evolução, como invocar a ciência para provar que não há Deus. O Génesis é um livro religioso e não científico e a ciência nega-se a si mesma, quando pretende pronunciar-se sobre questões da esfera metafísica e religiosa.


A evolução e a fé não são incompatíveis. A ciência responde ao "como" e não ao "porquê" da realidade. Porque há algo e não nada? Qual o sentido último da realidade? A própria afirmação do acaso cego confronta-se com o que se pode chamar o seu paradoxo: como é que por puro acaso surge um ser - o Homem - cuja questão fundamental é a do sentido.


Aliás, há o famoso "princípio antrópico", que não demonstra Deus, mas que dá que pensar. O físico R. Dicke apresentou-o, em 1961, na sua forma "fraca": "Uma vez que há nele observadores, o universo deve possuir propriedades que permitam a existência desses observadores". Depois, Brandon Carter apresentou-o na sua forma "forte": "O universo deve ser constituído de tal modo nas suas leis e na sua organização que não deixa de um dia produzir um observador". Mesmo se é menos justificável nesta forma "forte", há sempre esta pergunta: porque é que o mundo é como é, de tal modo que aparecemos nele, perguntando por ele e pelo seu sentido? De facto, a mínima variação nas suas condições iniciais faria com que não estivéssemos cá a colocar todas estas questões.


O próprio Darwin viveu a questão religiosa em perplexidade. Na sua Autobiografia, escreve que é extremamente difícil, ou melhor, impossível "conceber este imenso e maravilhoso universo, incluindo o homem, como sendo o resultado do acaso cego ou da necessidade. Quando começo a reflectir assim, sinto-me obrigado a recorrer a uma Causa Inicial que possua uma mente inteligente, até certo ponto análoga à mente do homem; e mereço ser chamado Teísta". Mas, depois, "surge a dúvida" e confessa: "Não posso pretender lançar qualquer luz sobre problemas tão abstrusos. O mistério do início de todas as coisas é insolúvel para nós; e por mim contento-me em permanecer Agnóstico."

O que diz Nicolau Breyner

"O Natal é uma coisa que inventaram para vender coisas! No meu tempo nem se falava no pai Natal". E: "Tenho comigo a melhor de todas as prendas que é ter a minha família em paz".

Nicolau Breyner na Notícias TV (DN/JN), 27 de Novembro

O homem que transformou a pedra em carne

Consta que Miguel Ângelo, ao concluir "Moisés", deu uma martelada no joelho da obra e lhe disse: "Fala!" Era tão perfeita que só lhe faltava esta viva.

Não sei se há alguma história de Bernini similar. Mas se há algum escultor em que a pedra parece transformar-se em carne é este.

Veja-se este pormenor de "O Rapto de Prosérpina". O raptor é o deus Plutão. A escultura está Galleria Borghese.

28 de Novembro de 1680. Morre o escultor Bernini

Auto-retrato de Bernini

No dia 28 de Novembro de 1680 morre em Roma Gian Lorenzo Bernini, escultor, arquitecto, pintor, cenógrafo e criador de espectáculos de pirotecnia. Nascera em Napóles, de uma família florentina, no dia 7 de Dezembro de 1598.

Inicialmente protegido do cardeal Scipione Borguese, tornou-se o grande artista dos Papas e da cidade de Roma. É autor do baldaquino do interior da Basílica de São Pedro e da colunata no exterior. Desenhou palácios, como os de Montecitorio e Chigi Odescalchim, e a Escada Real do Vaticano. Concebeu fontes como a dos Quatro Rios, a da Barca e a do Tritão. Esculpiu algumas das mais belas esculturas de sempre: “O Rapto de Prosérpina”, “Apolo e Dafne”, “Habacuc e o Anjo”, “O Êxtase de Santa Teresa”.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Os filósofos falam de Jesus Cristo

Um número "hors-série" integralmente dedicado a Jesus, evangelhos, milagres, Paulo, Apocalipse. Com contribuições de Tzvetan Todorov, René Girard, Vito Mancuso, Jurgen Moltmann e Luc Ferry, entre outros. "Ao commencement, donc, était le Verbe"... "À lá fin, il reste, provisoirement au moins, le verbe".

Vergonha da pedofilia na igreja irlandesa no Público

Notícia no "Público" de hoje:

Líderes católicos fecharam olhos a abusos de padres

Arcebispos irlandeses adoptaram, durante décadas, política de don"t ask, don"t tell. Mas o Estado também sai mal na fotografia (ler aqui)


O comentário de António Marujo (negritos meus):

1. A hierarquia católica nunca lidou bem com os abusos sexuais do clero, como mostra de novo o relatório publicado na Irlanda (como, já antes, documentos semelhantes no Canadá, EUA, Áustria e Austrália). Durante décadas, vários bispos (incluindo cardeais, como Bernard Law, ex-arcebispo de Boston) preferiram o chamado "bem da Igreja" ao bem das vítimas - exactamente o contrário do que a sua fé lhes diz.

Uma das razões para esta falta de tacto era a forma como se reprimia a sexualidade. Como certeiramente disse o ministro irlandês da Justiça, Dermot Ahern, o episódio traduz a "ironia cruel de uma wIgreja que, motivada em parte pelo desejo de evitar o escândalo, de facto criou um outro, de uma incrível amplitude". Para a própria Igreja, o encobrimento foi trágico: nos EUA várias dioceses tiveram que vender património e declarar falência, para pagar indemnizações às vítimas.

2. O problema é mais vasto: o relatório irlandês culpa também as instituições do Estado pela omissão na descoberta da verdade. A questão traduz também o modo como, em sociedade, nos relacionamos com os afectos e com os mais frágeis. As relações entre as pessoas são também, em muitos casos, relações de poder e só nas últimas décadas a pedofilia começou a ser mal vista pela opinião pública. O caso Polanski aí está para o recordar: alguns desculpam ao cineasta o que não perdoam em outros casos. E as contradições judiciais do caso Dutroux, na Bélgica, mostram a dificuldade com que ainda se lida socialmente com estas questões.

3. Nem sempre os media deram igual atenção às medidas tomadas para sanear o problema (posições de João Paulo II ou Bento XVI, decisões dos episcopados) que deram aos escândalos. Outro dado: números da Conferência Episcopal americana (80 por cento dos padres envolvidos eram dos EUA, uns 4400, num total de 5000 em todo o mundo) dizem que, desde 1950, foram "só" quatro por cento do número total os padres que estiveram envolvidos em casos de pedofilia. Apesar de tudo, uma parte reduzidíssima do clero. Mas bastaria um crime de um único padre para que a questão já fosse importante.

Ou aqui.

27 de Novembro de 1095. Urbano II convoca a primeira Cruzada

Urbano II. Gravura do séc. XIV

No dia 27 de Novembro de 1095, no Concílio de Clermont-Ferrand, Urbano II convoca a primeira Cruzada. Seguir-se-iam mais oito (a última é em 1271). A primeira começou em 1096 e durou até 1099.

Quando Urbano II convocou a cruzada, prometendo a salvação a todos os que morressem em combate, foi aclamado pela multidão.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Depois da Acção de Graças

Nos EUA, hoje é dia de Acção de Graças, última quinta de Novembro. E amanhã é a Black Friday, a "sexta-feira negra", o dia de maior consumo.

"Já nos disseram tantas coisas", escreve Péguy

Ao entusiasmo de Anselmo (aqui) é preciso contrapor a sensatez de Péguy:

Já nos disseram tantas coisas, ó Rainha dos Apóstolos
Perdemos o gosto por discursos
Não temos mais altares, a não ser os vossos
Não sabemos mais nada, a não ser uma oração simples.

Epitáfio de Ionesco

A tradução do epitáfio de Ionesco, na entrada anterior, não é literal. O que lá está escrito é "Prier le Je Ne Sais Qui. J'espère: Jésus-Christ", que, ao pé da letra, será isto: "Rezar o não sei quem. Espero: Jesus Cristo".

26 de Novembro de 1909. Nasce Ionesco

Eugéne Ionesco, criador e nome maior do Teatro do Absurdo (“A Cantora Careca”, “O Rinoceronte”, “Jacques ou a submissão”, “A Lição”, “O Rei está a morrer”…), nasceu há 100 anos.

Oriundo de Slatina, na Roménia, viveu parte da infância em Paris, voltou à Roménia, mas a partir de 1940 fixou-se na cidade-luz. Morreu no dia 29 de Março de 1994.

O “intérprete do mal-estar, das dúvidas e do desespero do homem contemporâneo” está sepultado no Cemitério de Montparnasse. O seu epitáfio diz: “Rezo a não sei quem. A Jesus Cristo, espero”.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Mar alto dos debates

Retrato de Ambrósio de Milão, do séc. V.
Pormenor de um mosaico na Basílica de Santo Ambrósio (em Milão; não confundir com a Catedral)

Num tempo de secularização, laicidade, pluralismo, diz-se que o significado cristianismo, a credibilidade da fé, a pertinência da religião se jogam no campo cultural, mais do que no campo político (estou a pensar em intervenções recentes do historiador António Matos Ferreira e de D. José Policarpo).

Ambrósio de Milão (340-397) disse o mesmo com 1600 anos de avanço, comentando o trecho evangélico de Lc 5,4:

«Avança para o largo (duc in altum)», quer dizer, para o mar alto dos debates. Haverá profundidade comparável ao “abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência do Filho de Deus" (Rm 11,33), à proclamação da sua filiação divina?... A Igreja é conduzida por Pedro para o mar alto do testemunho, para contemplar o Filho de Deus ressuscitado e o Espírito Santo derramado.

Quais são as redes dos apóstolos que Cristo manda lançar? Não será o encadeado das palavras, as voltas do discurso, a profundidade dos argumentos, que não deixam escapar aqueles que são agarrados? Estes instrumentos de pesca dos apóstolos não fazem morrer a presa, mas guardam-na, retiram-na dos abismos para a luz, conduzem-na lá de baixo até às alturas...

«Mestre, diz Pedro, trabalhamos toda a noite sem nada apanhar mas, à tua palavra, lançarei as redes». Também eu, Senhor, sei que para mim se faz noite quando tu não me dás ordens. Ainda não converti ninguém com as minhas palavras, ainda é noite. Falei no dia da Epifania: lancei a rede e não apanhei nada. Lancei a rede durante o dia. Espero que tu me ordenes; à tua palavra, tornarei a lançá-la. A confiança em si mesmo é vã, mas a humildade dá muito fruto. Aqueles que até então não tinham apanhado nada, eis que, à palavra do Senhor, capturam uma enorme quantidade de peixes.

25 de Novembro de 1491. Início do cerco a Granada

"A Capitulação de Granada" (pormenor), por Francisco Pradilla y Ortiz (1882).
Maomé XII rende-se a Fernando de Aragão e Isabel de Castela.

No dia 25 de Novembro, os reinos de Castela e Aragão cercam a cidade de Granada. O sultão Boabdil (Maomé XII) render-se-ia no dia 2 de Janeiro de 1492. Com o fim emirato de Granada, termina a presença muçulmana na Península Ibérica.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

João Cristósomo e a tristeza num tempo em que ainda não havia depressão

João Cristósomo (349-407) escreveu sobre a tristeza. Mas só escreveu sobre a tristeza porque a palavra depressão ainda não tinha sido inventada.

“A tristeza, na realidade, é para as almas um local horrível de tortura, uma espécie de dor inexplicável, castigo mais amargo do que todos os tormentos e penalidades.

Assemelha-se a um verme venenoso que corrói não somente a carne mas também a própria alma, e não só tritura os ossos como a mente.

A tristeza é um carrasco perpétuo que não rasga as costas mas arruína o vigor espiritual. É uma noite contínua e trevas sem luar; é tempestade, agitação, fogo secreto mais ardente que qualquer chama, guerra sem tréguas, doença que sombreia a maioria das coisas visíveis. O sol, porém, e a limpidez da atmosfera para os assim mal-dispostos parecem importunação e o pleno meio-dia compara-se à noite profunda”.

24 de Novembro de 1859. Darwin publica "A Origem das Espécies"

No dia 24 de Novembro de 1859, Charles Darwin publica "On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life" ("Acerca da origem das espécies através da selecção natural ou a preservação das raças mais fortes na luta pela vida"), uma obra que (r)evolucionaria o modo de entender a Biologia, a vida, a criação.
Na edição de 1872, a sexta, o título seria abreviado para "A Origem das Espécies".

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

John Milton e liberdade para cair

John Milton, que hoje foi invocado neste blogue, era "partidário da causa republicana e fervoroso adepto da execução de Carlos I". "Sobrevive como que por milagre à restauração da monarquia e do absolutismo em Inglaterra. Talvez essa sobrevivência tenha um único propósito, providencial: que um Milton cego, arredado da esfera pública, dite à filha uma obra cuja posteridade crítica será marcada por violentos confrontos: Paraíso Perdido, longo poema épico sobre a Queda do Homem e a consequente expulsão do Paraíso, também classificado como uma assombrosa reflexão retórica sobre o bem e o mal, e a liberdade – a liberdade para escolher, a liberdade para cair" (TNSJ).

Quem quiser ouvir o "Paraíso Perdido" de um assentada, deve deslocar-se ao Teatro Nacional São João, no Porto, dia 14 de Dezembro, a partir da 20h.

Eutanásia e morte assistida - o debate continua

A Conferência Episcopal Portuguesa publicou recentemente uma nota sobre a eutanásia. Pode ser lida na íntegra aqui.

Alguns excertos:

É eticamente inaceitável qualquer forma de eutanásia, isto é, qualquer “acção ou omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte”. Nem sequer o objectivo de eliminar o sofrimento ou livrar a pessoa de um estado penoso pode legitimar a eutanásia, tanto mais que a medicina e a sociedade dispõem de outros meios para socorrer os pacientes em fase terminal. Equivalente à eutanásia, do ponto de vista ético, é qualquer forma de ajuda ao suicídio, também designado suicídio assistido.

(…) Do ponto de vista da ética, reconhece-se uma diferença fundamental entre matar e deixar morrer, quando esta última opção não for equivalente a negligência, mas for concretização do respeito pelo curso normal da vida humana. (…)

Na procura de critérios éticos é fundamental também a distinção entre matar e acompanhar o morrer. Esta última é a opção concretizada, por exemplo, nos cuidados paliativos. (…)

Parece-nos que seria de evitar a expressão “ajudar a morrer”, dada a sua acentuada ambiguidade, não sendo claro o que se quer indicar com ela, e tendo em conta que as expressões equivalentes noutras línguas são usadas para referir aquilo que designámos por “suicídio assistido”.

Como reacção, Laura Ferreira dos Santos escreveu no "Público" de domingo (22 de Novembro) o texto acima digitalizado.

Filosofia de Tomás de Aquino em dois minutos

Excerto de uma oração de Tomás de Aquino (1225-1274):

Dá-me, Senhor Deus, um coração vigilante, que nenhum pensamento curioso arraste para longe de ti; um coração nobre que nenhuma afeição indigna debilite; um coração recto que nenhuma intenção equívoca desvie; um coração firme, que nenhuma adversidade abale; um coração livre, que nenhuma paixão subjugue.

Concede-me, Senhor meu Deus, uma inteligência que te conheça, uma vontade que te busque, uma sabedoria que te encontre, uma vida que te agrade, uma perseverança que te espere com confiança e uma confiança que te possua, enfim.

23 de Novembro de 1644. Publicação de "Areopagitica", de John Milton

No dia 23 de Novembro de 1644, John Milton publica “Areopagitica. A speech of Mr. John Milton for the liberty of unlicensed printing to the Parliament of England”. Trata-se de um dos escritos mais inlfuentes sobre a liberdade de expressão.

John Milton (1608 - 1674) é o autor de “Paraíso Perdido”. O seu pai, também chamado John Milton, foi expulso de casa quando Richard Milton (avô do primeiro), católico, o apanhou a ler a Bíblia em inglês.

Milton, republicano e protestante, escreveu em 1672 a obra “Of True Religion”, em que defendia a tolerância para todas as religiões, excepto para os católicos.

A influência das cenouras no afastamento das tentações

“Os directores espirituais católicos aconselham aqueles que dirigem a comer uma cenoura quando têm vontade de comer um queque; não é que os queques sejam maus em si mesmos, mas acontece que, se adquirirmos o hábito de disciplinar a nossa vontade naquelas situações em que não estão em causa princípios morais, estaremos mais bem preparados nos momentos de tentação, quando formos efectivamente confrontados com a necessidade de optar entre o bem e o mal”.

Thomas E. Woods, Jr. in "O que a Civilização Ocidental deve à Igreja Católica" (Ed Alêtheia), pág. 235.

domingo, 22 de novembro de 2009

“Fátima a rezar por um grande negócio”

Seis meses antes da visita de Bento XVI a Fátima, os quartos de hotel e de casas particulares estão todos reservados. “Em poucas horas, hotéis e pensões esgotaram. Como nem os quartos particulares parecem suficientes para a procura, há quem esteja a fazer marcações em Lisboa e Coimbra. Muitos comerciantes dizem que a visita papal não trará grandes lucros, pois João Paulo era mais carismático. Mas todos estão a prever uma grande enchente”.

O administrador de um supermercado de recordações de Fátima diz: “Vou fazer um porta-chaves ou colocar aí á venda uma caixa de madeira com a figura dele [Bento XVI] colada na tampa. Já está feita, é só pôr o autocolante e, se não vender, tira-se”.

Um empresária da restauração: “As expectativas são maravilhosas, vai ser sempre a trabalhar. Vou triplicar o número de funcionários para conseguir atender as pessoas”.

Texto de Samuel Alemão e fotos de Paulo Alexandrinho na "Notícias Sábado" (DN e JN) de 21 de Novembro.

Fé, frades e futebol (1)

O padre Vítor Melícias, frade franciscano, conhecido sportinguista, benzeu a primeira pedra do Estádio Alvalade XXI e benzeu a obra erguida, em 2003, a tempo do Euro do ano seguinte.

No dia da bênção da primeira pedra, depois da cerimónia, a comitiva foi para o antigo estádio ver a partida Sporting – Braga. Jogo amigável. O Braga ganhou. Julgo que 2-1. Pelo que um adepto sportinguista, descontente com o resultado, disse ao frade franciscano: “Tanta benzedura, não sei para quê…” Ao que o padre Vítor Melícias respondeu: “Eu benzi a carroça, não os burros”.

22 de Novembro de 498. Eleição do Papa Símaco

O Papa Símaco foi eleito no dia 22 de Novembro de 498 e pontificou até ao dia 19 de Julho de 514. Fez duas coisas com consequências na actualidade: começou a construir os palácios do Vaticano (embora todos os edifícios actuais sejam de épocas posteriores) e, facto mais relevante, mandou que nas missas se rezasse o "Glória" ("Glória a Deus nas alturas e paz na terra..."), coisa que ainda hoje se faz aos domingos, excepto no Advento e na Quaresma.

Bento Domingues e a Carta da Compaixão

“(…) A compaixão não é apenas a recusa da indiferença. Impele a trabalhar, sem descanso, para aliviar o sofrimento do próximo, a destronar o nosso eu do centro do mundo, para aí colocar os outros. Ensina-nos a reconhecer o carácter sagrado de cada ser humano e a tratar cada pessoa, sem excepção, com respeito, equidade e absoluta justiça”, escreve Bento Domingues, no Público deste domingo.

O texto chama-se “A Carta da Compaixão” e narra a história da “Charter for Compassion”, uma ideia de Karen Armstrong que no domingo passado juntou na mesquita de Lisboa “representantes de muitas religiões, ateus e agnósticos”. Diz o dominicano: “Não me recordo de participar, em Lisboa, numa assembleia tão diversificada” (clicar na imagem para ampliar e ler).

sábado, 21 de novembro de 2009

Uma das melhores frases da história da Teologia

Non in dialectica complacuit Deo salvum facere populum suum.

(Não aprouve a Deus salvar o seu povo com a dialéctica [isto é, filosofia].)

Ambrósio de Milão

Anselmo Borges e Kolakowski

Leszek Kolakowski (1927-2009)

Partindo do pensamento de Kolakowski, que morreu no dia 17 de Julho de 2009, Anselmo Borges escreve no DN de hoje (aqui):


A mais perigosa ilusão da nossa civilização consiste em o Homem pretender libertar-se totalmente da tradição e de todo o sentido preexistente, para abrir a perspectiva de uma autocriação divina. Esta "confiança utópica" e esta "quimera moderna" de inventar-se a si mesmo numa perfeição ilimitada "poderiam ser o mais impressionante instrumento do suicídio criado pela cultura humana". É que, "quando a cultura perde o sentido do sagrado, perde todo o sentido".


A religião não deve entrar no lugar que pertence à ciência e à técnica. Ela surge de outra dimensão, que "nos capacita para conviver com o fracasso, o sofrimento e a morte". Ela é o caminho que nos leva a "aceitar a derrota inexorável". Para a Humanidade, não há a última vitória, já que, "no fim, morremos".

21 de Novembro de 1694. Nasce Voltaire

François-Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudónimo Voltaire, nasceu no dia 21 de Novembro de 1694 (e morreu no dia 30 de Maio de 1778).

Educado por jesuítas – “rapaz de talento mas patife notável”, disse de Voltaire um dos padres –, tornar-se-ia mais tarde inimigo da Igreja, que via como opositora à liberdade e às luzes. Usava frequentemente a expressão “écrasez l’infâme” (“esmaguem a infâmia”), principalmente nas cartas, referindo-se à Igreja e ao clero e, por vezes, ao poder político.

Há quem diga que se converteu ao catolicismo nos últimos dias de vida. Após uns vómitos de sangue terá chamado um padre para o acompanhar nos derradeiros momentos.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O melhor Kennedy?

Robert Francis Kennedy poderia ter sido o melhor dos Kennedy. E há quem diga que foi, mesmo morrendo cedo.

Foi dos primeiros a combater a Máfia, acompanhou JFK na crise dos mísseis de Cuba, incentivou o movimento pelos direitos civis dos afro-americanos, não concordou com o crescente envolvimento americano na guerra do Vietname…

Católico, pais de 10 filhos, surge no livro “O Evangelho dos Audazes.[10] Políticos católicos”, da Gráfica de Coimbra 2, embora na capa, por erro, apareça uma fotografia do irmão que foi presidente dos EUA.

Este texto vem nas páginas 119-120.

“Creio que, na medida em que tende a ser absoluto, o poder é o mal.

Creio que, desde que os instrumentos da paz sejam válidos, a guerra é loucura. O governo deve ser forte onde a loucura ameaçar a paz.

Creio que, embora a maior parte dos homens sejam honestos, a corrupção é duplamente perniciosa. Fere os homens e lesa os seus direitos fundamentais. Devemos ser duplamente vigilantes, com vigilância pública e privada.

Creio que, embora seja pretensão de um único homem, qualquer entrave injustificado ao seu esforço é um entrave à humanidade. Um governo que for capaz de destruir um desses entraves sem que, nesse processo, suscite outros novos, é uma boa força. Um governo demasiado débil para o fazer, não só é um desperdício, mas um pal, pois alimenta falsas esperanças”.

Este excerto apareceu originalmente no livro “The pursuit of justice”.

Reconciliação, de Else Lasker‑Schüler

Um dos três poemas enxertados no auto "Breve Sumário da História de Deus". Os outros dois são o de Ruy Belo, já para este blogue transcrito, e o "Salmo 139 mudado por Herberto Helder".


Reconciliação


de uma grande estrela cair no meu colo…
A noite será de vigília,

E rezaremos em línguas
Entalhadas como harpas.

Será noite de reconciliação –
Há tanto Deus a derramarse em nós.

Crianças são os nossos corações,
Anseiam pela paz, doces-cansados.

E nossos lábios desejam beijarse –
Porque hesitas?

Não faz meu coração fronteira com o teu?
O teu sangue não pára de dar cor às minhas faces.

Será noite de reconciliação,
Se nos dermos, a morte não virá.

de uma grande estrela cair no meu colo.

Else LaskerSchüler
In Baladas Hebraicas. Trad. João Barrento.
Lisboa: Assírio & Alvim, 2002. p. 45.

20 de Novembro de 1925. Nasce Bob Kennedy

Robert Francis Kennedy ( Bob, Bobby ou RFK) nasceu no dia 20 de Novembro de 1925. E morreu, assassinado, no dia 6 de Junho de 1968. Era candidato à presidência dos EUA. Há um filme sobre a vida dele, "Bobby", de 2006.

Foi Bobby que anunciou a uma multidão de negros em Indianapolis a morte de Martin Luther King:

"Tenho uma péssima notícia para dar-lhes, Martin Luther King foi assassinado assim como meu irmão. E, cabe a nós que ficamos lutar pela causa que eles sacrificaram as vidas: A justiça e a igualdade entre os homens".

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Manual de leitura de "Breve Sumário da História de Deus"

Quem está longe do Porto,
quem está no Porto mas não pode ir ao TNSJ,
quem se interessa pela questão*, mas não aprecia teatro
quem não se interessa pela questão*, mas gosta de teatro...
não deixe de fazer o download do Manual de Leitura de
"Breve Sumário da História de Deus" (aqui).

Desculpem o entusiasmo. Verão que vale a pena:
texto de D. Manuel Clemente,
entrevista a Nuno Carinhas,
textos de Artur Mourão, João Veloso e outros,
poemas e imagens,
explicação das personagens,
apresentação dos actores.

*A questão é, obviamente, Deus, ainda que mediada pela arte teatral.

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...