Para o Fernando e a Carla, que também esperam
(Texto retirado do sítio da Pastoral Nacional da Cultura, via Pela Positiva)
Advento
Chegou sem ser esperado, veio sem ter sido concebido. Só a mãe sabia que era filho de um anúncio do sémen que existe na voz de um anjo. Tinha acontecido a outras mulheres hebreias, a Sara por exemplo.
Só as mulheres, as mães, sabem o que é o verbo esperar. O género masculino não tem constância nem corpo para hospedar esperas. Sinto de novo a agravante de ignorar fisicamente a voz do verbo esperar. Não por impaciência, mas por falta de capacidade: nem mesmo durante as febres de malária me acontecia recorrer ao repertório das fantasias de me curar, de estar à espera de.
Nos despertares matutinos ao folhear Isaías leio: «Felizes aqueles que o esperam» (Is 30,18). Não conheci esta sábia e física alegria. Mas mais forte do que esta notícia, no mesmo versículo está escrito «Por isso esperará Iod/Deus para vos fazer misericórdia». Existe uma primeira espera, que espera por Deus e tem o mesmo verbo hebraicohacchè. Na sua redução à forma da espécie humana, o Seu tempo infinito contrai-se no finito de uma espera. Deus espera: «para vos fazer misericórdia».
O tempo de Advento vive desta imitação, defronte à eternidade de um Deus que aceita fazer-se tempo, irrompendo no mundo em meses estabelecidos com nascimento, morte e ressurreição.
Quem tem no seu corpo os recursos para conceber esperas, conhece do versículo de Isaías a imensidade da correspondente espera de Deus.
Erri de Luca
(mais Erri de Luca aqui)
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