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terça-feira, 7 de abril de 2015

Laicidade, o que é?, por Claudio Magris


"Laicidade não é um conteúdo filosófico, mas sim um âmbito mental, a capacidade de distinguir o que é demonstrável racionalmente do que, pelo contrário, é objeto de fé - independentemente da adesão ou não a essa fé - e de distinguir as esferas e os âmbitos das diferentes competências, por exemplo, as da Igreja e as do Estado, o que - precisamente conforme o dito evangélico - se deve dar a Deus e o que se deve dar a César."

Claudio Magris, na pág, 24 do admirável "A História não acabou. Ética, Política, Laicidade", Quetzal

sábado, 31 de agosto de 2013

Anselmo Borges: "O que pensa Francisco: 3. sobre as religiões"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje

Qual é o determinante da religião, de tal modo que se pode garantir que ela vai ter sempre futuro? "Quando queremos ser sensatos, sinceros com aquilo que sentimos, manifesta-se uma inquietação profunda face ao Transcendente." Essa inquietação, que é "inerente à natureza humana", "chega mesmo a aparecer em pessoas que não ouviram falar de Deus ou que tiveram nas suas vidas posições antirreligiosas ou imanentistas e que, de repente, se deparam com algo que as transcendeu. Enquanto essa inquietação existir, existirá a religião, haverá formas de religação a Deus". A religião autêntica está em busca permanente. Por isso, uma religião puramente ritualista está destinada a morrer: enche-nos de ritos, mas "deixa-nos um vazio no coração".

A procura religiosa não terminou, continua forte, também em movimentos populares de piedade, "maneiras de viver o religioso de forma popular". O que está é "um pouco desorientada, fora das estruturas institucionais". O desafio maior para os líderes religiosos é o de "uma atracção através do testemunho", excluindo o proselitismo. É preciso procurar a autenticidade, mas, "quando isso significa apenas o prescritivo, cumprir regras, cai-se num purismo que também não é religioso".

Porque há várias religiões? "Deus faz-se sentir no coração de cada pessoa. Também respeita a cultura dos povos. Cada povo vai captando essa visão de Deus, tradu-la de acordo com a cultura que tem e vai elaborando, purificando, vai-lhe dando um sistema."

A relação religiosa autêntica implica um compromisso: "É necessário envolvermo-nos no mundo, mas sempre com base na experiência religiosa", evitando o risco de "agir como uma ONG". Quem acredita em Deus tem, nessa experiência, uma missão de justiça para com os seus irmãos, "uma justiça criativa, porque inventa coisas: educação, promoção social, cuidados, alívio, etc."

A fé tem de dialogar com a cultura. Mais: deve "criar cultura", uma cultura diferente das "culturas idólatras" da nossa sociedade: "o consumismo, o relativismo e o hedonismo são exemplo disso". "Uma fé que não se torna cultura não é uma verdadeira fé." Também dialoga - Bergoglio é químico - com a ciência, que, "dentro da sua autonomia, vai transformando incultura em cultura", devendo estar atenta, pois "a sua própria criação pode escapar-lhe das mãos".

A globalização a defender tem de ser "como a figura de um poliedro, onde todos se integram, mas cada um mantém a sua peculiaridade, que, por sua vez, vai enriquecendo os outros". "A globalização que uniformiza é essencialmente imperialista e instrumentalmente liberal, mas não é humana."

Defende o Estado laico: "A convivência pacífica entre as diferentes religiões vê-se beneficiada pela laicidade do Estado, que, sem assumir como própria nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença do factor religioso na sociedade."

Apontou o ecumenismo como uma das prioridades do seu pontificado: "Desejo assegurar a minha vontade firme de prosseguir com o diálogo ecuménico." Continuará igualmente o diálogo inter-religioso: "A Igreja Católica é consciente da impor-tância que tem a promoção da amizade e do respeito entre homens e mulheres de diferentes tradições religiosas. Quero repetir: promoção da amizade e do respeito entre homens e mulheres de diferentes tradições religiosas." Como sinal disso, enviou uma mensagem pessoal aos muçulmanos, por ocasião do fim do Ramadão, advogando "o respeito mútuo", pondo fim às "críticas e difamações" por parte das duas religiões.

O diálogo é activo e exerce-se de múltiplos modos. A Igreja Católica "também é consciente da responsabilidade de todos pelo nosso mundo, pela criação inteira, que devemos amar e guardar. E podemos fazer muito pelo bem dos mais pobres, dos mais débeis, dos que sofrem, para promover a justiça e a reconciliação, para construir a paz. Mas, acima de tudo, devemos manter viva no mundo a sede de absoluto, não permitindo que prevaleça uma visão da pessoa humana unidimensional, segundo a qual o ser humano se reduz ao que produz e ao que consome: trata-se de uma das ciladas mais perigosas do nosso tempo".

domingo, 21 de abril de 2013

A cultura dos protestantes é a que mais respeita a doutrina social da Igreja?


Vítor Bento

Reportando-se ao livro de Vítor Bento, “Euro Forte, Euro Fraco, Duas Culturas, Uma Moeda: Um Convívio (Im)possível?”, Vasco Pulido Valente diz, para a seguir discordar, que
as duas culturas de que fala o título são, como era fatal, a cultura dos países do Norte (a Alemanha, a Áustria, a Holanda, a Bélgica) e a cultura dos países do Sul (a Irlanda, a Itália, a Espanha, Portugal e a Grécia). As duas culturas têm uma "moral social" diferente e, como é lógico, diferentes "preferências sociais". A cultura do Norte tende a valorizar a lei, sobretudo a lei fiscal, promove a confiança colectiva e a confiança de cada cidadão no Estado. A cultura do Sul favorece a infracção, sobretudo a infracção fiscal, enfraquece a confiança colectiva e genericamente não permite uma sólida confiança no Estado.
O cronista defende que a visão de Vítor Bento não é realista nem bem fundamentada, até porque  “não nasceu por enquanto o economista capaz de se entender com o mundo como ele é”. Mas fiquei a pensar que os países do Norte, muito pouco católicos (talvez exceptuando a Bélgica e a Áustria – e não estão lá os escandinavos), são, afinal, os que mais seguem a doutrina social da Igreja católica.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Bento Domingues: Idosos, ética e reforma


Texto de Bento Domingues no "Público" de ontem. "Quando uma sociedade deixa de ser sujeito do seu destino e passa a ser objecto de contabilidade, não se vê possibilidades de acerto. As pessoas queixam-se de serem exploradas pelo Estado e o Estado diz que elas estão a ficar muito caras. Sentem-se todos prejudicados".

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Vasco Graça Moura: A questão dos feriados

Vasco Graça Moura escreve no DN sobre os feriados religiosos e civis.
Os feriados religiosos, ligados a evocações e cerimoniais do calendário litúrgico, têm na sua origem a destinação de certos dias para celebrações religiosas de sinal específico e para a interiorização das orações correspondentes, no caminho da salvação da alma. O feriado teria sido inicialmente destinado a permitir a participação numa determinada festa da Igreja e a concentrar mais intensamente a devoção do cristão num dia em que ele não teria mais nada que fazer a não ser isso. Não seria propriamente um dia de descanso, mas de devoção, que era vista como obrigação, sendo proporcionado assim um tempo interior para a vida religiosa.
Ler mais aqui.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Vai-se o 1 de novembro, fica o 15 de agosto?

Afinal, parece que o Vaticano não quer que se acabe com o feriado de 15 de agosto (Assunção de Nossa Senhora). Prefere pôr fim ao 1 de novembro (Todos os Santos), diz a notícia de hoje no "Público" e na Ecclesia.


Há tempos exprimi aqui uma opinião coincidente com o Vaticano, ainda que por motivos diferentes. 15 de agosto, sim. 1 de novembro, não. Mas desde que não suprimam o domingo...


domingo, 16 de outubro de 2011

Memórias combustivas

Meditação de domingo:
Não há ordem jurídica nem forma de governo que não procure fundar a sua legitimidade na religião. Foi o cristianismo que se secularizou, não a sociedade que se cristianizou.  A saída da religião diz muito cruamente que as religiões deixaram de ser memórias activas, combustivas. A sacralização da ordem política tem uma matriz ocidental. A cura do corpo está hoje a cargo do Estado, que se tornou o grande terapeuta. Até os bombeiros se propõem a salvação pública.
José Augusto Mourão na página 69 de "Quem vigia o vento não semeia" (ed. Pedra Angular)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Igreja tem necessidade de um Estado?

Ricardo Alves, no "i" de hoje, coloca questões sérias e pertinentes. Resumem-se nesta: A Igreja tem necessidade de um Estado? A minha opinião: Do ponto de vista de fé e dos evangelhos, não. Do ponto de vista da história, do poder e da política, sim. Mas eu preferiria que não.


sábado, 23 de julho de 2011

Anselmo Borges: Religião na responsabilidade

Helmut Schmidt

Texto do professor e padre Anselmo Borges, que, sabendo alemão, ao contrário da generalidade dos intelectuais portugueses, que já nem francês sabem, abre-nos as portas para outras ideias. No DN deste sábado (aqui). 

A caminho dos 93 anos, é um dos últimos sobreviventes daquela plêiade de gigantes políticos europeus que reconstruíram a Europa, souberam lidar com a Guerra Fria, contribuíram, sem tibieza, para o desanuviamento mundial, estabeleceram as bases da União Europeia. Quando a política não era mera Realpolitik, pois ainda se apoiava em saber e se movia por ideais. Foi ministro da Defesa, da Economia e das Finanças, chanceler federal. A sua influência continua hoje forte através do seu semanário DIE ZEIT. Falo de Helmut Schmidt.
Acaba de publicar Religion in der Verantwortung. Gefährdungen des Friedens im Zeitalter der Globalisierung (Religião na responsabilidade. Perigos da paz no tempo da globalização), reunião de textos de conferências em várias partes do mundo. Ficam aí algumas ideias marcantes.
1. Várias vezes se confessa cristão, embora cristão "distanciado". Apesar das dificuldades doutrinais e das desilusões, permanece na Igreja, porque ela "põe contrapesos à decadência moral na nossa sociedade e oferece apoio moral, que de outro modo se não tem".
2. A colega Marion Gräfin Dönhoff tinha razão: "Uma sociedade sem normas morais desfaz-se; uma liberdade desenfreada leva à brutalidade e à criminalidade. Todas as sociedades precisam de laços. Sem regras, sem tradição, sem consenso quanto a normas de comportamento, nenhuma comunidade subsiste." E acrescenta ele: "Não podemos viver em paz, sem os deveres e as virtudes desenvolvidos no cristianismo."
3. A existência humana não se deixa reduzir à satisfação das necessidades materiais. O ser humano precisa sobretudo de orientação para o sentido da sua vida, capaz de responder às "perguntas últimas". "Apesar do Iluminismo crescente desde há quatro séculos - e apesar do ateísmo comunista -, a necessidade metafísica de orientação por parte do Homem manteve-se viva." As religiões surgem precisamente desta exigência de orientação por uma verdade mais elevada.
4. O Estado deve ser religiosa e cosmovisionalmente neutro. Portanto, tem de salvaguardar e garantir os direitos fundamentais; quanto à salvaguarda e garantia dos valores fundamentais, aí aplica-se o princípio: tua res agitur, isso é assunto teu, "de cada um, de cada comunidade, da Igreja". As Igrejas com os seus valores participam no processo de formação da vontade política, mas "o Estado não pode garantir juridicamente convicções que as Igrejas não conseguem transmitir aos seus fiéis".
5. Tem muitas dúvidas quanto a uma política cristã. Mas procurou ser um político cristão, isto é, tentou, nas grandes tomadas de decisão, não esquecer a inspiração cristã. "Uma política sem consciência tende para o crime." Uma política não orientada pela razão, que não mede as consequências, os riscos e as chances, irresponsável perante a consciência e a História, é certamente "não cristã". Não deixou de rezar, concretamente o Pai-Nosso. Lembrou os dez mandamentos. Precisou da música coral da igreja, de um bom pastor (é luterano) ou bispo e do seu apoio pastoral. Aliás, o que hoje esperamos da Igreja é "cuidado e consolação, compaixão com os fracos e pobres, solidariedade com o nosso vizinho doente".
6. No tempo da globalização, é essencial a tolerância entre as Igrejas e entre as religiões - a tolerância positiva: respeito, conhecimento mútuo. Por isso, manifesta-se contrário às missões: converter outros, como se só a nossa religião fosse fonte de verdade e salvação.
Sabe por experiência própria, pois reúne responsáveis das diferentes religiões, que não estarão de acordo nas doutrinas, mas encontram consenso mínimo nas questões dos grandes interesses da Humanidade.
7. Princípio nuclear: o respeito pela dignidade inviolável de cada ser humano. O esquecimento de que o Homem não é para a economia, mas a economia para o Homem fez com que a especulação financeira desembocasse no "capitalismo de rapina". A par da Declaração Universal dos Direitos Humanos é preciso ensinar a Declaração Universal dos Deveres Humanos.

terça-feira, 28 de junho de 2011

O sentido das nossas vidas pertence às...

Não é nem no individual nem o Estado que descobrimos quem somos e porquê. O sentido das nossas vidas pertence às comunidades e às tradições que as moldaram.


Jonathan Henry Sacks (Londres, 8 de Março de 1948), rabi-chefe das Congregações Hebraicas Unidas da Commonwealth

domingo, 23 de janeiro de 2011

Cristãos num estado felizmente laico

Os cristãos num estado laico

Luis González-Carvajal Santabárbara

Gráfica de Coimbra 2

178 páginas


Dificilmente um livro escrito a partir da realidade de outro país poderia dizer tanto a Portugal como este. “Os cristãos num estado laico”, de Luis González-Carvajal Santabárbara, logo na primeira linha mostra que fala de Espanha – “Franco morreu no dia 20 de Novembro de 1975” –, mas o tema e o seu desenvolvimento são perfeitamente aplicáveis ao caso português.

Espanha e Portugal passaram por ditaduras e alcançaram a democracia praticamente ao mesmo tempo. Foram e são tanto clericalistas como anticlericalistas. E hoje assistem a correntes laicistas mais ou menos conscientes em sectores sensíveis como a educação, a saúde ou cultura. Tem sido observado que em Espanha o extremismo é sempre maior. Não só há mais anticlericalismo como a Igreja, principalmente o episcopado, é mais aguerrida. Em Portugal os costumes são mais brandos e os confrontos nunca são assumidos abertamente.

Este livro dá umas breves notas históricas e define conceitos como clericalismo, laicismo, laicidade, destacando a doutrina conciliar; fala das soluções legislativas, que têm sido sempre imperfeitas; aponta valores e lugares para presença pública dos cristãos; sugere uma útil mudança de sensibilidade aos cristãos; aborda por fim a questão do financiamento (de parte das actividades) da Igreja pelo Estado.

González-Carvajal aponta critérios e orientações, muitas vezes iluminados por uma situação histórica, para que os cristãos de hoje possam ter comportamentos públicos coerentes com a sua identidade num Estado que é e será, como diz, irremediável mas felizmente laico.

domingo, 12 de dezembro de 2010

É fazer as contas

"O Estado português gasta em média cinco mil euros por ano com cada aluno do ensino público. Significativamente mais do que aquilo que paga por cada aluno nas escolas com contrato de associação. Porquê então acabar com estes contratos? Por razões ideológicas. Aliás, em matéria de ensino, os governos portugueses optam quase invariavelmente pela ideologia em detrimento da qualidade e da liberdade: para combater a Igreja Católica, a I República encerrou as melhores escolas de Portugal e prendeu e exilou os mais reputados professores da época, os jesuítas. O Estado Novo desconfiava politicamente das escolas privadas e não apenas das estrangeiras, como o Liceu Francês – basta pensar que só no fim dos anos 60 foi autorizada a criação da Universidade Católica em Portugal –, e menos ainda acreditava na qualidade do seu trabalho. De 1974 até agora o investimento no ensino tem sido sinónimo de investimento na rede pública. Não porque esta apresente melhores resultados ou seja mais barata, mas simplesmente porque os governos não abdicam das vantagens políticas do controlo sobre a imensa máquina que se estende a partir da 5 de Outubro".

Helena Matos, no "Público" de 09-12-2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Publicação sobre Igreja e República

A Agência Ecclesia lançou há dias um número especial sobre a Igreja e a Primeira República. A publicação conta com a colaboração científica do Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa e procura abordar “questões do âmbito da religião na sociedade portuguesa no período da Primeira República”. “A reflexão que se apresenta, acompanhada pela publicação de documentos da época e do levantamento iconográfico e biográfico referentes a acontecimentos e personalidades anteriores e posteriores à República de 1910, pretende contribuir para a memória crítica dos cidadãos portugueses”, escreve António Matos Ferreira, um dos coordenadores da edição. Mais informações e pedidos aqui.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um texto inteligente para compreender o momento da Igreja católica

As relações Igreja /Estado mudaram, mesmo nos países de grande influência católica. Foram-se os tratamentos especiais. “Os dias em que as autoridades civis trataram a Igreja com luvas de pelica basicamente acabaram”, escreve John L Allen Jr. no “National Catholic Reporter”, num texto inteligente para compreender o ambiente católico na actualidade.

“Cada vez mais, procuradores, polícia e activistas da sociedade civil olham para a Igreja católica aproximadamente da mesma forma com que olham para o grande negócio, para o lobby e a política, até mesmo para o desporto profissional – como zonas potenciais de corrupção que precisam ser responsabilizadas e que de forma alguma devem estar «acima da lei»".

Isso pode fazer muito bem à Igreja, tornando-a uma "casa de vidro", em que “todos do lado de fora podem olhar e ver o que está a acontecer”. No entanto, a curto prazo, “é provável que isso signifique que os pontos de ebulição entre Igreja e Estado vão crescer tanto em frequência quanto em intensidade”.

Por outro lado, daqui em diante, pode acontecer, e já acontece: Primeiro dispara-se e só depois se pergunta.

Outra questão não menos importante – aliás, mexe com a maioria dos fiéis católicos, pelo menos no Ocidente europeu –, prende-se com a diferença entre o que a Igreja ensina e o que os fiéis praticam. Pensemos principalmente na moral sexual embora aconteça igualmente nas questões sociais. “Diante dessas divisões, um grupo poderia defender uma revisão global do ensino da Igreja para o acomodar às sensibilidades pós-modernas; outro grupo poderia defender a expulsão de qualquer pessoa que não esteja preparada para assinar por baixo; e outro grupo poderia ainda defender que se ignore o problema completamente”, diz o jornalista do “National Catholic Reporter”. E acrescenta que se trata, respectivamente, de grupos liberais, conservadores e alguns bispos.

O caminho de saída preconizado por Allen é muito interessante: “Sinceramente, nenhuma das opções acima parece ser uma solução especialmente satisfatória. O que é necessário é a reconstrução de um «commons católico», um espaço em que os membros das várias tribos que pontilham a paisagem eclesiástica se possam reunir e construir amizades, de modo que uma profunda «espiritualidade de comunhão» possa ocorrer. Do outro lado desse esforço, as novas formas de expressar as verdades eternas podem surgir, o que pode atenuar, embora talvez nunca eliminar completamente, as linhas de fractura na Igreja”.

O texto original pode ser lido aqui. Versão (parcial) em português aqui.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pago por ter nascido "indevidamente"

Vem no “Público” de hoje e conta-se em dois parágrafos a história relatada por Ana Gerschenfeld. Os dilemas jurídicos e morais que acarreta exigem mais algumas linhas, mas não os trago para aqui, embora, quanto a mim, sejam falsos problemas, se a vida, tanto intra como extra-uterina, for tida como um valor absoluto que só se secundariza em confronto com outro valor absoluto.

A história em resumo

O Supremo Tribunal de Espanha condenou há umas semanas uma administração regional de saúde e uma universidade a pagarem 1500 euros por mês a uma criança que, na sequência de um erro de diagnóstico pré-natal, nasceu com síndrome de Down. A questão é que a criança poderia não ter nascido se os pais tivessem sido devidamente informados e tivessem optado por interromper a gravidez. As instituições terão ainda de pagar 75 mil euros a cada um dos pais da criança.

O que os pais dizem

Pode-se perguntar como é que os pais do menino conseguem conciliar o seu amor pelo seu filho - entrevistados esta semana pelo diário espanhol El País (que qualificou a sentença do Supremo como "pioneira em Espanha"), declararam que gostam dele "do fundo da alma" e que ele é "o que há de mais importante" nas suas vidas - com o facto de invocarem perante um tribunal a violação do direito da mãe a impedir que ele nascesse, mas esses são os factos, por contraditórios que possam parecer.

Impossível ficar indiferente

Gerschenfeld aponta o pragmatismo dos pais. O filho vai ter uma pensão que o ajudará a viver. E logo aqui há algo de muito estranho: quem poderia matar o filho mas não o mata devido a um erro clínico, tem direito a uma pensão (de quem se enganou nos testes). Quem assume um filho síndrome de Down não devia ter a igual pensão (do tal Estado que supostamente deve proteger a vida)?

Mas o pragmatismo não desfaz o dilema da situação: pais que dizem que amam o filho, mas que preferiam que ele tivesse morrido. Leis e tribunais que reconhecem o direito a não nascer, que dizem que se a lei tivesse sido cumprida a pessoa que está vida devia estar morta. Se isto são leis humanistas… Um jurista português explica que não há paradoxo nenhum. Pois não. Há é um enorme absurdo.

A história pode ser lida aqui. Se deixar de estar on-line, posso enviá-la por e-mail.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

2 de Agosto de 1977. Morre o Cardeal Cerejeira

Ontem referi aqui um facto da história que dizia respeito ao dia de hoje. Por isso, hoje (3 de Agosto) refiro um que diz respeito a 2 de Agosto.

Manuel Gonçalves Cerejeira (Vila Nova de Famalicão, 29 de Novembro de 1888 - Lisboa, 2 de Agosto de 1977) foi o décimo patriarca de Lisboa, de 18 de Novembro de 1929 a 10 de Maio de 1971. Participou no II Concílio do Vaticano, construiu o Seminário dos Olivais e criou a Universidade Católica.

Por vezes, pensou-se que Cerejeira e Oliveira Salazar (conheceram-se em Coimbra, no Centro Académico de Democracia Cristã) foram como com unha e carne. Até havia anedotas sobre isso. “Cerejeira mais Oliveira igual a Limoeiro”.

Na realidade, houve muitas tensões, pelas convicções de um na defesa da Igreja e do outro na do Estado. Livros recentes desmontam essa conivência pacífica. Um aqui referido, de Irene Pimentel.

sábado, 29 de maio de 2010

Anselmo Borges: Bento XVI em Portugal - 2

É possível fazer um balanço da viagem do Papa? O que aí fica não passa de breve tentativa.


1. Quem é que nos visitou? Um Papa que é um intelectual afamado, reconhecido por crentes e não crentes. Foi um dos peritos do Concílio Vaticano II.

Amigo do colega teólogo Hans Küng, seguiram caminhos diferentes a partir de 1968. Quando viu a ameaça do radicalismo ateu dos estudantes de Teologia, que consideravam a cruz uma "expressão da adoração sadomasoquista da dor" e o Novo Testamento um "meio de enganar as massas", deixou a Universidade de Tubinga e foi para Ratisbona. Hans Küng escreveu nas suas Memórias: "Ratzinger rejeitou totalmente aquele caos de 1968 e creio que foi esse o ponto decisivo da sua mudança para uma orientação conservadora".


2. A Portugal chegou como conservador. Trazia igualmente a fama de distante. Encontrei-me com ele uma vez em Roma e pareceu-me uma pessoa agradável, embora tímido. Confirmei que assim é: apareceu como um homem afável, um intelectual de grande estatura, mas humano e profundamente crente. Foi essa a imagem que deixou ao povo português. Mas ele também saiu diferente, mais humano - por vezes, emocionou-se. Afinal, a emoção sem razão é cega, mas a razão sem emoção é fria. A razão autenticamente humana é a razão sensível. Uma das palavras mais repetidas por ele foi compaixão. De facto, a razão não confrontada com o sofrimento pode tornar-se monstruosa.


3. Foi claro na afirmação da laicidade do Estado: saudou a separação da Igreja e do Estado. Para quem pensava que abandonara o Concílio Vaticano II, sublinhou a sua importância para o diálogo entre a Igreja e o mundo. Recebeu representantes de outra religiões. Falando ao mundo da cultura, teve afirmações inesperadas: a Igreja tem a convicção de que Jesus Cristo é a verdade eterna encarnada, mas ela está a aprender a conviver com outras "verdades" e a verdade dos outros. Sim, quer uma Igreja que não renuncie à sua identidade, mas ela está aberta à urgência do diálogo entre as culturas e as religiões. A Igreja não tem a verdade toda e é pelo diálogo que se chega a uma verdade sempre maior e à paz.


4. Empenho essencial é trazer a razão à fé. Não é o cristianismo a religião do Logos (Razão) e do Amor? Em Fátima, mostrou que é preciso recentrar o cristianismo: o centro é Cristo e não Maria. E, como especialista em Santo Agostinho, deixou um texto que abre à possibilidade de uma reinterpretação mística das chamadas "aparições". A revelação não cai do Céu. A mística autêntica não implica fenómenos extraordinários, como levitações, aparições, etc. Do que se trata é de se dar conta, no mais profundo e íntimo da realidade, da presença do Deus vivo, pois, como disse Santo Agostinho, Deus é mais íntimo a mim do que a minha mais íntima intimidade. Deus não vem "de fora". É transcendente, mas na imanência mais radical. Assim, o que se passou em Fátima tem a ver com uma profunda experiência religiosa de crianças, no contexto sociocultural da época.


5. Deixou uma imensa mensagem de esperança, tão urgente neste tempo dramático de crise. E apelou à solidariedade e à justiça, a favor dos mais pobres.

Por isso, aqui, é legítimo perguntar se não se impunha mais simplicidade nesta visita. De facto, é um líder espiritual mundial que é ao mesmo tempo Chefe de Estado. Dizia-me uma vez em Bruxelas um colega da Universidade de Lovaina: como foi possível a Igreja de Cristo ter chegado aqui? É uma herança histórica, difícil de afastar. Mas não se exigirá menos ostentação?


6. As celebrações foram belas. Mas é necessário estar atento para que todos possam ouvir. Sobretudo, há ali uma distância, que, vistas as coisas de fora, faz com que a vivência que pode ficar é a de duas Igrejas: no altar, a Igreja imperial, e cá para baixo o povo, que ouve e obedece. Não se tem a experiência viva de uma Igreja-comunhão e autêntico Povo de Deus.

Por outro lado, lá, no altar, só há homens celibatários. Estou convicto de que, com o tempo, também se há-de lá ver, a concelebrar, padres casados e mulheres ordenadas.


Fonte: DN

quinta-feira, 13 de maio de 2010

De erros condenados a boas práticas assumidas

Outros “erros” condenados por Pio XI no “Syllabus” da “Quanta Cura” , mas que hoje a Igreja católica assume como princípios normais do seu modo de se relacionar com o mundo, principalmente após o que ficou consagrado no II Concílio do Vaticano.

“A Igreja não tem poder de empregar a força nem poder algum temporal, directo ou indirecto” (24.º)

“A imunidade da Igreja e das pessoas eclesiásticas nasce do direito civil” (30.º).

“A completa direcção das escolas públicas, nas quais se educa a mocidade de algum Estado cristão, exceptuando, por alguma razão, os Seminários Episcopais tão somente, pode e deve ser atribuída à autoridade civil, e atribuída de tal modo, que a nenhuma autoridade seja reconhecido o direito de intrometer-se na disciplina das escolas, no regime dos estudos, na escolha e aprovação dos professores” (45.º).

“A Igreja deve estar separada do Estado e o Estado da Igreja” (50.º).

“A ciência das coisas filosóficas e morais e as leis civis podem e devem ser livres da autoridade divina e eclesiástica” (57.º).

“Na nossa época já não é útil que a Religião Católica seja tida como a única Religião do Estado, com exclusão de quaisquer outros cultos” (77.º).

“É falso que a liberdade civil de todos os cultos e o pleno poder concedido a todos de manifestarem clara e publicamente as suas opiniões e pensamentos produza corrupção dos costumes e dos espíritos dos povos, como contribua para a propagação da peste do indiferentismo” (79."º).

Syllabus" todo aqui, num sítio tradicionalista.

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...