sábado, 31 de agosto de 2013

Anselmo Borges: "O que pensa Francisco: 3. sobre as religiões"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje

Qual é o determinante da religião, de tal modo que se pode garantir que ela vai ter sempre futuro? "Quando queremos ser sensatos, sinceros com aquilo que sentimos, manifesta-se uma inquietação profunda face ao Transcendente." Essa inquietação, que é "inerente à natureza humana", "chega mesmo a aparecer em pessoas que não ouviram falar de Deus ou que tiveram nas suas vidas posições antirreligiosas ou imanentistas e que, de repente, se deparam com algo que as transcendeu. Enquanto essa inquietação existir, existirá a religião, haverá formas de religação a Deus". A religião autêntica está em busca permanente. Por isso, uma religião puramente ritualista está destinada a morrer: enche-nos de ritos, mas "deixa-nos um vazio no coração".

A procura religiosa não terminou, continua forte, também em movimentos populares de piedade, "maneiras de viver o religioso de forma popular". O que está é "um pouco desorientada, fora das estruturas institucionais". O desafio maior para os líderes religiosos é o de "uma atracção através do testemunho", excluindo o proselitismo. É preciso procurar a autenticidade, mas, "quando isso significa apenas o prescritivo, cumprir regras, cai-se num purismo que também não é religioso".

Porque há várias religiões? "Deus faz-se sentir no coração de cada pessoa. Também respeita a cultura dos povos. Cada povo vai captando essa visão de Deus, tradu-la de acordo com a cultura que tem e vai elaborando, purificando, vai-lhe dando um sistema."

A relação religiosa autêntica implica um compromisso: "É necessário envolvermo-nos no mundo, mas sempre com base na experiência religiosa", evitando o risco de "agir como uma ONG". Quem acredita em Deus tem, nessa experiência, uma missão de justiça para com os seus irmãos, "uma justiça criativa, porque inventa coisas: educação, promoção social, cuidados, alívio, etc."

A fé tem de dialogar com a cultura. Mais: deve "criar cultura", uma cultura diferente das "culturas idólatras" da nossa sociedade: "o consumismo, o relativismo e o hedonismo são exemplo disso". "Uma fé que não se torna cultura não é uma verdadeira fé." Também dialoga - Bergoglio é químico - com a ciência, que, "dentro da sua autonomia, vai transformando incultura em cultura", devendo estar atenta, pois "a sua própria criação pode escapar-lhe das mãos".

A globalização a defender tem de ser "como a figura de um poliedro, onde todos se integram, mas cada um mantém a sua peculiaridade, que, por sua vez, vai enriquecendo os outros". "A globalização que uniformiza é essencialmente imperialista e instrumentalmente liberal, mas não é humana."

Defende o Estado laico: "A convivência pacífica entre as diferentes religiões vê-se beneficiada pela laicidade do Estado, que, sem assumir como própria nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença do factor religioso na sociedade."

Apontou o ecumenismo como uma das prioridades do seu pontificado: "Desejo assegurar a minha vontade firme de prosseguir com o diálogo ecuménico." Continuará igualmente o diálogo inter-religioso: "A Igreja Católica é consciente da impor-tância que tem a promoção da amizade e do respeito entre homens e mulheres de diferentes tradições religiosas. Quero repetir: promoção da amizade e do respeito entre homens e mulheres de diferentes tradições religiosas." Como sinal disso, enviou uma mensagem pessoal aos muçulmanos, por ocasião do fim do Ramadão, advogando "o respeito mútuo", pondo fim às "críticas e difamações" por parte das duas religiões.

O diálogo é activo e exerce-se de múltiplos modos. A Igreja Católica "também é consciente da responsabilidade de todos pelo nosso mundo, pela criação inteira, que devemos amar e guardar. E podemos fazer muito pelo bem dos mais pobres, dos mais débeis, dos que sofrem, para promover a justiça e a reconciliação, para construir a paz. Mas, acima de tudo, devemos manter viva no mundo a sede de absoluto, não permitindo que prevaleça uma visão da pessoa humana unidimensional, segundo a qual o ser humano se reduz ao que produz e ao que consome: trata-se de uma das ciladas mais perigosas do nosso tempo".

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Jesuíta por jesuíta

Completa-se amanhã um ano que morreu o jesuíta Martini, que muitos dizem ter podido ser papa. Quem há um ano diria que hoje teríamos um papa jesuíta?

Papa nomeia jovem de 27 anos. 27 anos?


Gosto muito de ver o Papa na "Lux" (é o caso) e nas "Caras", n'"A Bola" e no "Record" no "Inimigo Público" e na "Imprensa falsa". No caso desta notícia da "Lux", que nem li, porque como se sabe estas revistas são feitas para folhear, só li as mais gordas, a polémica da notícia é capaz de estar nos 27 anos. 27 anos não é número bíblico é uma idade perigosíssima. Ian Curtis, Jim Morrison, Kurt Cobain, Amy Winhouse, entre outras estrelas, não passaram dos 27. Deve ser isso.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Papa Francisco fala ao telefone com os católicos mas não liga, dá toques


«Aquele número não parava de me dar toques, às tantas liguei de volta para desancar», relata Simplícia, uma católica que não queria acreditar quando percebeu que era o Papa. «Por Deus, Papa Francisco, se eu soubesse que era o senhor até ligava para um 707», afirmou Simplícia.

Recorde-se que o Papa Francisco tem falado ao telefone com alguns fiéis, mas nunca liga. Dá sempre toques. Segundo o Imprensa Falsa conseguiu apurar, o Santo Padre carregou o telefone com €7,50 quando foi para o conclave e ainda tem €7,20. Os 30 cêntimos terão sido gastos com um católico que estava a mexer no telefone e atendeu o Papa sem querer.

Lido aqui.

Mensagens infelizes - 1

Algures nos EUA.

O Papa não gosta lá muito de escrever

No "i" de hoje.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Luther King tem um sonho há 50 anos

"Cristo amava os ignorantes" - Quem disse isto?

Quem escreveu isto?

Como todas as naturezas poéticas, Cristo amava os ignorantes. Sabia que a alma de quem ignora dispõe de sítio para uma grande ideia.

a) Antero de Quental 
b) Oscar Wilde
c) Miguel Esteves Cardoso
d) Dalai Lama

Resposta (selecione): b) Oscar Wilde, que acrescentava, no entanto, que Cristo não suportava os imbecis.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Primeira encíclica de Francisco a 24 de novembro

"Felizes os pobres", "Beati pauperes", será a primeira encíclica do Papa Francisco. Mesmo assim, parece que conta com a colaboração de Bento XVI. Dizem que será apresentada no encerramento do Ano da Fé, a 24 de novembro.

domingo, 25 de agosto de 2013

António Borges: A Doutrina Social da Igreja é "muito inspiradora"

António Borges (1949-2013)

Excerto de uma notícia da Agência Ecclesia, em 25 de fevereiro de 2013 (daqui):
O economista António Borges considera que a Doutrina Social da Igreja é “muito inspiradora” para o momento de crise que se vive em Portugal. 
Após a conferência que fez, este sábado, em Castelo Branco, sobre o tema ‘Gestor e Católico, um duplo desafio de responsabilidade social’, o economista e professor da Universidade Católica Portuguesa disse à Agência Ecclesia que existe “uma consciência cada vez maior” que os temas de responsabilidade social e justiça social são “centrais à política económica”.
O antigo diretor do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional defende que ser gestor e católico em simultâneo “é possível e dá outra qualidade à gestão”.

Morreu o economista António Borges. Católico


Morreu o economista António Borges. Tinha 63 anos. Cancro no pâncreas. Por ser da direita liberal, era demonizado em muitos setores (ver aqui comentários na notícia da sua morte), inclusive por católicos. Mas ele era católico. E ao que sei (por um amigo padre, próximo da família), de convicção.

Porque me revejo numa visão mais liberal da economia (o que não quer dizer "sem ética"; sei que alguns dos que leem este blogue estão em quadrantes contrários) e porque na Igreja católica há lugar para muitas sensibilidades, da liberalizante à socializante, com diversas matizes, confesso a minha tristeza com a morte de António Borges.

Check-in

Quando nos aeroportos faço o check-in, perguntam-se habitualmente se Londres é o meu "destino final". Nem sempre resisto à tentação de dizer: "Não, espero que seja o Céu".

Timothy Radcliffe, "Imersos na vida de Deus" (Paulinas), p. 247

sábado, 24 de agosto de 2013

Anselmo Borges: "O que pensa Francisco: 2. sobre a Igreja"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:

Para o Papa Francisco, a Igreja não é uma empresa, uma multinacional ou uma ONG. Ela é "a família de Deus", do Deus que é amor, misericórdia e que perdoa sempre, se houver arrependimento. Deus está a caminho, "quando o procuramos e deixamos que ele nos procure. A experiência religiosa primordial é a do caminho. A vida cristã é uma espécie de atletismo, de conflito, de corrida, em que temos de nos desfazer das coisas que nos afastam de Deus".

No caminho, há perigos e tentações. Francisco acredita na existência do Diabo (como símbolo do mal ou uma entidade pessoal?): "O Demónio é, teologicamente, um ser que optou por não aceitar o plano de Deus. A obra-prima do Senhor é o homem; alguns anjos não o aceitaram e rebelaram-se. O Demónio é um deles. No Livro de Job é o tentador, que nos leva à suficiência, à soberba. Jesus define-o como o pai da mentira. Os seus frutos são sempre a destruição, a divisão, o ódio, a calúnia. E, na minha experiência pessoal, sinto-o de cada vez que sou tentado a fazer algo que não é aquilo que Deus me pede. Acredito que o Demónio existe. Talvez o seu maior sucesso nestes tempos tenha sido fazer-nos acreditar que não existe." De qualquer modo, "uma coisa é o Demónio e outra é demonizar as coisas ou as pessoas. O homem é tentado, mas não é por esse motivo que deveremos demonizá-lo". Mas o ser humano é um ser caído, o que "se explica a partir da queda da natureza depois do pecado original". Portanto, "as pessoas podem fazer algo de mau devido à sua própria natureza, ao seu "instinto", que se potencia devido a uma tentação exógena."

O fundamentalismo não é o que Deus quer, e ele não consiste apenas em matar em nome de Deus, o que é "uma blasfémia". "Por exemplo, quando eu era pequeno, na minha família havia uma certa tradição puritana; não éramos fundamentalistas, mas estávamos nessa linha. Se alguém do nosso círculo próximo se divorciava ou se separava, não entrávamos na sua casa; e também acreditávamos que os protestantes iam todos para o inferno, mas lembro-me de uma vez em que estava com a minha avó, uma grande mulher, e passaram precisamente duas mulheres do Exército de Salvação. Eu, que tinha uns cinco ou seis anos, perguntei-lhe se eram monjas. Ela respondeu-me: "Não, são protestantes, mas são boas." Esta foi a sabedoria da verdadeira religião."

Não se admite um clero de burocratas e carreiristas. Por exemplo, é "uma hipocrisia" negar o baptismo a crianças de pais não casados. E há o ecumenismo e o diálogo inter-religioso práticos: o das pessoas "que não partilham a minha fé, mas que partilham o amor pelo irmão". A verdadeira liderança religiosa é conferida pelo serviço. "Para mim, esta ideia é válida para a pessoa religiosa de qualquer confissão. Assim que deixa de servir, o religioso transforma-se num mero gestor, no agente de uma ONG. O líder religioso partilha, sofre, serve os seus irmãos." Foi esta dinâmica que o levou, já Papa, num gesto surpreendente, a Lampedusa, com esta mensagem: "A globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar. Peçamos ao Senhor a graça de chorar sobre a nossa indiferença, sobre a crueldade que há no mundo, em nós, também naqueles que no anonimato tomam decisões socioeconómicas que abrem o caminho a dramas como este."

Para a pedofilia, tolerância zero. "O problema não está associado ao celibato. Se um padre for pedófilo, é-o antes de ser padre. Ora, quando isso acontece, nunca se poderá tolerar. Não se pode assumir uma posição de poder e destruir a vida de outra pessoa. Na diocese, nunca me aconteceu, mas, uma vez, um bispo telefonou-me para me perguntar o que se deveria fazer numa situação semelhante, e eu disse-lhe que lhe retirasse a autorização, que não lhe permitisse exercer mais o sacerdócio e que desse início a um julgamento canónico no tribunal."

A humildade é garantia de que o Senhor está presente. "Quando alguém tem todas as respostas para todas as perguntas, é uma prova de que Deus não está com ele." A Igreja tem uma herança a preservar e que não pode negociar, mas é preciso, com tempo, "dar respostas com a herança recebida às novas questões de hoje."

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O padre-anjo não tem asas

Falou-se em “padre-anjo” e em “sinal do céu”, “mistério da auto-estrada” e “milagre”. Em breves palavras: auto-estrada nos EUA, um embate entre automóveis e uma jovem que é assistida por um padre.

A notícia da Rádio Renascença titulou: “Padre aparece do nada para rezar com vítima de acidente e depois desaparece”. Copio dois parágrafos (daqui):
O sacerdote rezou com Katie e abençoou-a com os santos óleos que tinha consigo. Depois retirou-se de cena e deixou os trabalhadores voltar à acção. O carro foi virado e Katie evacuada por helicóptero para um hospital, onde está a recuperar bem. 
 Alguns dos socorristas já tinham estranhado a presença do sacerdote no local, tendo em conta que a estrada estava cortada em mais de um quilómetro em ambas as direcções, mas o mistério adensou-se quando no final das operações começaram a procurar o padre para agradecer a sua intervenção, mas não estava em lado nenhum.
Inicialmente pensou-se que teria partido para ir celebrar na única Igreja católica nas redondezas, mas então perceberam que não se tratava do pároco local e a comunidade católica não sabia de nada. Então, procuraram nas cerca de 70 fotografias que tinham sido tiradas ao longo da operação de socorro, mas o padre não aparece numa única imagem.
O assunto, depois do burburinho durante dias, naturalmente saiu da cena mediática. Mas não sem antes terem feito um retrato-robô do misterioso padre, que tantos comentários gerou na apologética angélico-sacerdotal.

Retrato-robô do padre-anjo (tirei daqui)

Hoje, ao receber um mail com a notícia do mistério do "padre-anjo", resolvi procurar se o enigma continuava. E não continua.

Padre Patrick Dowling

Não sei se a Renascença deu notícia de terem encontrado o padre misterioso, mas cá vai: Padre Patrick Dowling, da Diocese de Jefferson City, no Missouri. Li no Huffington Post (aqui). Espero não ter estragado nenhuma homilia.




O que diz o Sr. Teatro do Papa Francisco e do Vaticano


Ruy de Carvalho na revista do "Correio da Manhã" de sexta-feira (16 de agosto - circundei a amarelo a parte que interessa).

sábado, 17 de agosto de 2013

Anselmo Borges: "O que pensa Francisco: 1. sobre Deus"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:

Depois de gravíssimos e sucessivos escândalos, quando a Igreja ia perdendo a credibilidade, chegou o Papa Francisco e os seus gestos e palavras anunciam um pontificado de mudança, que move consciências e desperta horizontes novos de esperança, de e para a humanidade.

Líder planetário, de influência global, importa conhecer o seu pensamento. O que pensa realmente Francisco, em temas fundamentais? Tentarei, ao longo dos próximos sábados, apoiando-me sobretudo na obra "Sobre o Céu e a Terra", na qual dialoga com o rabino A. Skorka, publicada pela Clube do Autor, responder a esta pergunta essencial.

O cardeal Bergoglio, actual Papa Francisco, segue mais uma teologia narrativa do que uma teologia dogmática. Esta situa-se numa linha mais grega e responde com dogmas enquanto aquela se situa num horizonte mais vivencial e responde sobretudo com categorias históricas: o que é que acontece, quando Deus está presente? Lembre-se o passo do Evangelho, quando os discípulos de João Baptista vão perguntar a Jesus se ele é o Messias e Jesus responde: "Ide dizer a João o que ouvis e vedes: os coxos andam, os cegos vêem, o Reino de Deus está a concretizar-se".

Assim, Deus encontra-se numa experiência de caminho: "Na experiência pessoal de Deus, não posso prescindir do caminho." Trata-se de uma experiência dinâmica, de procura por diversos caminhos: "o da dor, o da alegria, o da luz, o da escuridão." O homem actual tem dificuldade em encontrá-lO, porque anda disperso. Diria, portanto, ao homem de hoje que "faça a experiência de entrar na sua intimidade para conhecer o rosto de Deus. O Deus vivo é o que ele vai ver com os seus olhos, dentro do seu coração".

Há uma experiência originária: a da dádiva. A criação é-nos dada e nós somos dados a nós mesmos. Temos uma tarefa: dominar a Terra. "Mas há um momento em que o homem se excede nessa tarefa, entusiasma-se em excesso e perde o respeito pela natureza", surgindo então os problemas ecológicos, que "são as novas formas de incultura". É preciso superar o síndroma de Babel, quando se verifica o exagero da tarefa, ignorando a dádiva. O construtivismo puro anda unido à confusão das línguas, isto é, à falta de diálogo, ao esquecimento do outro, à crispação, à desinformação, à agressão.

Percebe-se então que a oração não é a tentativa de "controlar Deus": "tratar-se-ia de um desvio, de um ritualismo excessivo ou de muitas atitudes de controlo." "Quando os actos litúrgicos se transformam em eventos sociais, perdem força": pense-se em certos casamentos e "no vestido - ou no despido". São pessoas que "não praticam qualquer acto religioso; vão apenas exibir-se". "Eu acredito que o mundano é narcisista, é consumista, é hedonista. O espírito da celebração litúrgica tem de assumir outro tom, ligado ao encontro com Deus". Na oração autêntica, há momentos de profundo silêncio reverente, a par do falar e do ouvir humilde.

A oração está unida à prática da justiça: "o acto que se concretiza com a ajuda ao próximo é oração. Caso contrário, cai no pecado da hipocrisia, que é como uma esquizofrenia da alma. Pode-se sofrer destes traços disfuncionais, se não tiver em conta que o Senhor existe no meu irmão, e que o meu irmão está a passar fome. Se uma pessoa não cuidar do seu irmão, não pode falar com o Pai do seu irmão, com Deus."

Não podemos definir Deus: podemos dizer o que Deus não é, podemos falar dos seus atributos, mas "não podemos dizer o que é". Sentimos que está presente, mas "não conseguimos controlá-lo". A fé não desfaz todas as trevas e dúvidas.

Com pessoas ateias, "partilho as questões humanas, mas não lhes apresento imediatamente o problema de Deus, excepto no caso de mo colocarem". "Não olho a relação com o ateu para fazer proselitismo, respeito-o e mostro-me como sou. Desde que haja conhecimento, surgem o apreço, o afecto e amizade. Não tenho qualquer tipo de reticências, não lhe digo que a sua vida está condenada, porque estou convencido de que não tenho o direito de fazer um juízo de valor sobre a honestidade dessa pessoa."

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Quem pode responder?

Olhando retrospectivamente, podemos dizer que a forma que transformou o cristianismo numa religião mundial consistiu na sua síntese entre razão, fé e vida; esta síntese condensou-se precisamente na expressão religio vera. Impõe-se, por isso, cada vez mais a questão: porque é que, hoje, esta síntese já não convence? Porque é que, hoje, ao invés, surgem contraditórios e até reciprocamente exclusivos a racionalidade e o cristianismo? Que é que mudou na racionalidade? Que é que mudou no cristianismo?


Joseph Ratzinger na pág. 84 do livro "Existe Deus? Um confronto sobre verdade, fé e ateísmo", de Joseph Ratzinger e Paolo Flores d'Arcais, ed. Pedra Angular.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

João Cesar das Neves: "Pedra de tropeço"

Quando a Igreja disser o mesmo que a multidão, opinião pública ou élite pensante, torna-se desnecessária. Para que serve uma doutrina que pactue ou tolere injustiças, abortos, interesses, adultérios, ficções, libertinagem, abusos? Por que razão quereríamos uma Igreja igual à RTP, PSD, UGT ou ONU? Os crentes querem ser, não populares, mas fiéis.

Texto de João César das Neves no DN de hoje:

Há cinco meses o mundo não sabia quem era Jorge Mario Bergoglio SJ; desde 13 de Março corre literalmente atrás do Papa Francisco. Há quase um concurso global para encontrar gestos inesperados e atitudes inovadoras do recém Sumo Pontífice.

A personalidade cativante de Francisco tem traços únicos, que o mundo e a Igreja ainda não compreenderam totalmente. Mas a unanimidade à volta deste carácter encantador é, pelo menos por enquanto, quase total. Ouvem-se muitos perguntar se ele é mesmo genuíno, ou se se trata de uma pose, pois parece bom demais para acreditar. Tanto os testemunhos dos íntimos como a experiência crescente destes meses indicam claramente que ele é exactamente como se vê: um grande homem de Deus, límpido, sábio, transparente. Isso leva todos os que se cruzam com ele a esperar muito do seu pontificado.

Saber não é ser

É verdade que todos podem conhecer os conteúdos da fé cristã, mas nem por isso são crentes.

Rino Fisichella

sábado, 10 de agosto de 2013

Anselmo Borges: "O partido da cadeira vazia"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:


Todos somos animais políticos e, consequentemente, responsáveis pela condução da pólis. Estou de acordo com o Papa Francisco, com a observação de que, embora ele se refira só aos cristãos, o aviso é para todos: "Envolver-se na política é uma obrigação para o cristão. Enquanto cristãos não podemos lavar as mãos como Pilatos. Temos de nos meter na política, porque a política é uma das formas mais altas da caridade, pois procura o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar na política. A política está muito suja, mas eu pergunto: "Está suja porquê?" Porque os cristãos não se meteram nela com espírito evangélico? É uma pergunta que eu faço. É fácil dizer que a culpa é dos outros... Mas eu o que é que faço? Isto é um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever para um cristão."

Tenho escrito aqui permanentemente que considero a actividade política - também no sentido mais estrito da governação - uma actividade nobre, das mais nobres. Quando isso acontece no quadro do trabalho para o bem comum, antepondo o interesse comum aos interesses próprios e dos partidos.

Mas, quando observo a corrida vertiginosa e tão interessada de tantos a candidatos para cargos políticos em disputa, tenho de confessar, sinceramente, que não acredito que a maior parte o faça generosamente, por amor à causa pública, ao serviço do bem comum. Que interesses, que vantagens, que compadrios, que cumplicidades, que privilégios, que benesses, que vaidades os movem?

O que é facto é que uma enorme maioria dos portugueses está desiludida com os políticos. Presidência da República, Assembleia da República, Governo, Oposição, Partidos, Tribunais encontram a tristeza e a desconfiança dos portugueses. Há a percepção vaga de que Governo e Oposição ocultam sempre qualquer coisa.

Tudo isto vem de muito longe. Desde há muito tempo que o privilégio e a irresponsabilidade se apoderaram do comando. Os mais atentos e reflexivos perguntam a si próprios como se chegou até aqui, à situação de desamparo e de confusão generalizada. É evidente que o País deu um salto positivo imenso - é ignorância ou desonestidade pura querer comparar a situação actual com o tempo de Salazar -, mas a incompetência e a irresponsabilidade de quem tinha mais obrigações na liderança foram-nos pondo no caminho de um futuro dramaticamente imprevisível e sem alternativas.

Sobre responsabilidade, permita-se-me, a título de exemplo, que volte aos considerandos do Tribunal da Relação do Porto sobre o trabalhador alcoolizado. Pode ler-se no acórdão: "Não há nenhuma exigência especial que faça com que o trabalho não possa ser realizado com o trabalhador a pensar no que quiser, com ar mais satisfeito ou carrancudo, mais lúcido ou, pelo contrário, um pouco tonto." E continuam os magistrados: "Note-se que, com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões" (note-se que se tratava de um empregado da recolha do lixo), "e por isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de electrodomésticos". Pense-se: os professores, os médicos, os ministros, os bispos, os juízes... também terão as suas agruras da vida e julgo que, nas instituições em que trabalham, não existirá nenhuma norma a proibir o consumo de álcool; portanto... Os considerandos são de uma insensatez inqualificável.

Reforme-se o Estado e a política, a começar por cima. Corte-se nos privilégios de tantos, incluindo juízes e ex-presidentes da República, reduza-se o excesso de mordomias, fundações, empresas municipais..., siga-se "a navalha de Ockam": "Não multiplicar os entes sem necessidade."

E haveria um teste poderoso, que eu sei que é perigoso e não aplicável. Mesmo assim, de vez em quando, surge a tentação. Nas eleições, os votos em branco traduzir-se-iam, segundo a lei da proporção, em cadeiras vazias no Parlamento. Seria o "partido da cadeira vazia". Poupava-se dinheiro e retórica de sofistas, inútil e manhosa.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Anselmo Borges: "Papa Francisco: uma revolução tranquila"

Texto de Anselmo Borges no DN de sábado passado (3 de agosto):



Não me custa admitir que nas Jornadas Mundiais da Juventude possa haver muito de Woodstock católico, mas também é verdade que aqueles três milhões que estiveram presentes no Rio saíram de lá, na sua grande maioria, mais felizes e mais decididos ao combate pela paz, pela justiça e pela fraternidade. Embora a culpa não seja dele, será igualmente necessário estar atento para o perigo real de o encandeamento provocado pela figura de Francisco e até algum populismo e culto da personalidade apagarem a lúcida e necessária capacidade crítica.

De qualquer forma, em quatro meses, Francisco pôs em marcha uma revolução tranquila, mas real, na Igreja, e a sua figura e mensagem estão a abrir espaços de esperança num mundo globalizado, habitado por imensos perigos.

A viagem ao Brasil foi um êxito. A sua mensagem foi, em primeiro lugar, ele próprio, na simplicidade, na bondade, na imensa cordialidade, proximidade e empatia com as pessoas, que quer ver autenticamente felizes. Para isso, foi deixando recados e exigências para todos, à maneira de profeta livre e exigente, em voz encantatória.

O programa para a Igreja toda: "As Bem-aventuranças e o Evangelho de Mateus, no capítulo 25 (parábola dos talentos e o Juízo Final). Não precisam de ler mais nada." "A Igreja tem de reformar-se continuamente; se não, fica para trás. Há coisas que serviam no século passado ou noutras épocas e agora já não servem; então, é necessário reformá-las."

Aos jovens: "Tendes o futuro, sois o futuro, sede protagonistas da mudança." "Ide sem medo para servir", "destruir as barreiras do egoísmo, da intolerância e do ódio e edificar um mundo novo".

Contra a exclusão, proclamou a necessidade da luta pela dignidade de todos, concretamente, para "os dois pólos da vida: os jovens e os anciãos". Nesta civilização, é "tal o culto que se presta ao deus dinheiro que estamos na presença de uma filosofia e de uma praxis de exclusão". "Não se deixem excluir nem excluam."

Nas favelas: "Ninguém pode permanecer indiferente perante as desigualdades." "A medida da grandeza de uma sociedade é determinada pela forma como trata quem está mais necessitado, quem não tem senão a sua pobreza." "Porque somos irmãos, ninguém é descartável."

Aos desesperados da droga: "A lepra dos nossos dias chama-se droga", mas "não estais sós". "Não deixeis que vos roubem a esperança." "Tu és o protagonista da subida, ninguém pode subir por ti." E atacou os "negociantes de morte, que seguem a lógica do dinheiro e do poder a todo o custo".

Aos eclesiásticos: "Fazem falta bispos que amem a pobreza e não tenham psicologia de príncipes." "Devem ser pastores, próximos das pessoas, pais, irmãos, pacientes e misericordiosos." "Reina a cultura da exclusão e do descartável." Que tenham a coragem de ir contra dois dogmas da sociedade atual, "eficiência e pragmatismo", e "sair ao encontro das periferias, que têm sede de Deus e não têm quem lho anuncie". Devem ir à procura dos "afastados, que são os convidados vip".

Aos políticos: condenou a corrupção e pediu-lhes que sejam humanos, que tenham "sentido ético" e pratiquem o "diálogo, diálogo, diálogo". É preciso "reabilitar a política", que deve estar ao serviço do bem comum, que "evite o elitismo e erradique a pobreza".

Porque é que tantos têm abandonado a Igreja, incluindo "aqueles que parece viverem já sem Deus?" A Igreja "mostrou-se demasiado débil, demasiado afastada das necessidades deles, demasiado fria, demasiado auto-referencial, prisioneira da sua própria linguagem rígida". Talvez tenha tido "respostas para a infância do homem, mas não para a sua idade adulta".

"Com a Cruz, Jesus une-se ao silêncio das vítimas da violência, que já não podem gritar; com a Cruz, Jesus une-se a tantos jovens que perderam a confiança nas instituições políticas porque vêem egoísmo e corrupção, ou que perderam a fé na Igreja, e até em Deus, por causa da incoerência dos cristãos e dos ministros do Evangelho."

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...