quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Autor e Deus

Um autor no seu trabalho deve ser como Deus no Universo, presente em toda a parte, visível em parte alguma.

Flaubert

domingo, 28 de dezembro de 2014

Bento Domingues: "Um milénio entre a excomunhão e a bênção"

Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje:

1. Segundo a cronologia, devia ter deixado para hoje o que escrevi no Domingo passado. Mas assim é melhor. Vamos, então, à fonte donde nasceram as questões que os jornalistas levantaram ao Papa, no voo de regresso da Turquia.

Foi uma peregrinação que durou três dias cheios de acontecimentos, cuja significação profunda e decisiva para o futuro passou quase despercebida. Começo pelo contraste complementar entre as declarações fervorosas sobre o Islão – a não confundir com as organizações que o invocam para matar em nome de Deus - e o apelo veemente aos dirigentes religiosos e políticos muçulmanos para que se unam na denúncia clara e pública desses crimes e ameaças.

 A Turquia é a fronteira de muitas fronteiras políticas, religiosas e cristãs. Bergoglio não foi lá dar lições a ninguém. Foi encorajar os que procuram caminhos de paz no Medio Oriente, intensificar o diálogo inter-religioso e revigorar a proximidade católica com o mundo cristão da Ortodoxia.

Era conduzido pelo desejo de congregar as energias de todas as pessoas de boa vontade, daquelas que vêem o mundo a partir do rosto das vítimas da violência, dos pobres e dos excluídos e que não aceitam esta vergonha como uma fatalidade.

2. Depois de se referir ao horror da islamofobia, da cristianofobia e de realçar a importância do diálogo inter-religioso, ele próprio explicou a alma da sua viagem: Eu fui à Turquia e fui como peregrino, não como turista. De facto, o que me levou, o motivo principal, foi a festa de hoje: fui precisamente para a partilhar com o Patriarca Bartolomeu; foi um motivo religioso. Depois, quando fui à Mesquita, não podia dizer: "Não! Agora sou turista!" Isto não; era tudo religioso. E vi aquela maravilha! O mufti explicava-me bem as coisas, com tanta serenidade e mesmo com o Alcorão, onde se falava de Maria e de João Baptista, explicava-me tudo... Naquele momento, senti necessidade de rezar. E disse: "Rezamos um bocado?" "Sim, sim!" – disse ele. E rezei… pela Turquia, pela paz, pelo mufti... por todos... por mim, que bem preciso... Rezei verdadeiramente. E, sobretudo, rezei pela paz. Disse: "Senhor, acabemos com a guerra!" Assim mesmo. Foi um momento de oração sincera.

3. Ao participar na Oração Ecuménica, na Sede do Patriarcado Ortodoxo, no dia da festa de Santo André, fez e disse algo, que irritou os fanáticos da superioridade católica e à qual as outras igrejas se deveriam render: “(...) André e Pedro eram irmãos de sangue, mas o encontro com Cristo transformou-os em irmãos na fé e na caridade. E nesta noite jubilosa, nesta oração de vigília, quero, sobretudo, dizer: irmãos na esperança.

Que grande graça, diz Francisco a Bartolomeu, poder ser irmãos na esperança do Senhor Ressuscitado! Que grande graça – e que grande responsabilidade – poder caminhar juntos nesta esperança, sustentados pela intercessão dos Santos irmãos Apóstolos, André e Pedro! Saber que esta esperança comum não desilude: está fundada - não sobre nós e as nossas pobres forças – mas sobre a fidelidade de Deus.

Com esta jubilosa esperança, transbordante de gratidão e trepidante expectativa, formulo a Vossa Santidade, a todos os presentes e à Igreja de Constantinopla os meus votos cordiais e fraternos pela festa do Santo Patrono. E peço um favor: de nos abençoar, a mim e à Igreja de Roma.

Um milénio entre este pedido de bênção e o envio de uma excomunhão papal!

Com este espírito, não era difícil que, no final da Divina Liturgia, de Domingo, o Patriarca Bartolomeu e o Papa assinassem uma Declaração Comum de empenhamento em superar os obstáculos que dividem estas Igrejas.

Não é uma Declaração para servir as respectivas “sacristias”, mas para colocar as duas Igrejas no horizonte das suas responsabilidades no mundo, escutando as suas vozes: a voz dos pobres, que pedem uma ajuda material necessária em muitas circunstâncias, mas sobretudo que os ajudemos a defender a sua dignidade de pessoas humanas e a lutar contra as causas estruturais da pobreza; a voz das vítimas dos conflitos, em diversas partes do mundo - conflitos, muitas vezes entre grupos religiosos; a voz dos jovens, que vivem sem esperança, dominados pelo desânimo e resignação e que vão buscar a alegria apenas à posse de bens materiais e na satisfação das emoções do momento. Devemos encorajar as multidões de jovens, ortodoxos, católicos e protestantes, que se reúnem em Taizé, apressando o momento da unidade de todos.

Na Catedral Católica, o Papa sublinhou a nossa permanente tentação de resistir ao Espírito Santo, porque ele perturba, revolve, faz caminhar e incita a Igreja a avançar. É sempre mais fácil e confortável acomodarmo-nos nas posições estáticas e inalteradas. Na realidade, a Igreja mostra-se fiel ao Espírito Santo, quando desiste de o regular e domesticar e afasta a tentação de só olhar para si própria. Nós, cristãos, tornamo-nos autênticos discípulos missionários, capazes de interpelar as consciências, se abandonarmos um estilo defensivo para nos deixamos conduzir pelo Espírito. Ele é frescura, criatividade, novidade.

O diagnóstico das 15 doenças do Vaticano só pode vir de quem se incomoda e não se acomoda. Bom Ano!

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Take Me To Church. Já há algum tempo que não ouvia uma canção tão poderosa



"Take Me To Church"

My lover's got humour
She's the giggle at a funeral
Knows everybody's disapproval
I should've worshipped her sooner

If the heavens ever did speak
She's the last true mouthpiece
Every Sunday's getting more bleak
A fresh poison each week

'We were born sick, ' you heard them say it

My Church offers no absolutes
She tells me, 'Worship in the bedroom.'
The only heaven I'll be sent to
Is when I'm alone with you—

I was born sick,
But I love it
Command me to be well
Amen. Amen. Amen. Amen.

[Chorus 2x:]
Take me to church
I'll worship like a dog at the shrine of your lies
I'll tell you my sins and you can sharpen your knife
Offer me that deathless death
Good God, let me give you my life

If I'm a pagan of the good times
My lover's the sunlight
To keep the Goddess on my side
She demands a sacrifice

Drain the whole sea
Get something shiny
Something meaty for the main course
That's a fine looking high horse
What you got in the stable?
We've a lot of starving faithful

That looks tasty
That looks plenty
This is hungry work

[Chorus 2x:]
Take me to church
I'll worship like a dog at the shrine of your lies
I'll tell you my sins so you can sharpen your knife
Offer me my deathless death
Good God, let me give you my life

No Masters or Kings
When the Ritual begins
There is no sweeter innocence than our gentle sin

In the madness and soil of that sad earthly scene
Only then I am Human
Only then I am Clean
Amen. Amen. Amen. Amen.

[Chorus 2x:]
Take me to church
I'll worship like a dog at the shrine of your lies
I'll tell you my sins and you can sharpen your knife
Offer me that deathless death
Good God, let me give you my life

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Respiremos neste Natal

O melhor livro de Advento-Natal. Já tem uns aninhos. Original litaliano de 1995, edição portuguesa de 1996. Bem antes de Bento XVI, César das Neves e outros, afirmou o lugar do burro e o boi no presépio.

"O burro e o boi já fazem parte integrante do quadro em que Deus opera a nossa salvação. São o sinal de que o dia-a-dia em todas as suas versões não é um segmento de vida pobre ou sem sentido, mas o caminho pouco vistoso, por vezes até um pouco aborrecido, ao longo do qual Deus nos conduz gradualmente até ao cume da montanha. É fundamental que saibamos acolher o burro e o boi na nossa vida. Porque, apesar de nalguns dias não conseguirmos cantar nem falar, será importante que, pelo menos, possamos respirar" (pág. 98).

Bom Natal. A todos.

Luís Osório: "Jesus vive no Papa Francisco?"


Editorial de Luís Osório no "i" de hoje, Sobre Francisco, que chega aonde mais nenhum Papa chegou, pelo menos assim de repente.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 7


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 6


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 5



Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 4


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 3


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 2


Bento Domingues: "Creio que a linguagem religiosa só pode viver no símbolo e na metáfora" - 1

Frei Bento Domingues deu uma entrevista ao "Expresso" de sábado passado. Vale a pena ler. Acho. Porque ainda não li. Mas vou ler. E colocá-la toda aqui. Aos bocadinhos. De meia em meia hora.

domingo, 21 de dezembro de 2014

O verdadeiro líder

"Todo o líder deve servir os seus liderados", disse Abraham Skorka na entrevista que deu ao DN. Se todos os líderes eclesiais assim pensassem e agissem, mais os líderes políticos e os gestores, o mundo seria uma maravilha. Ainda mais do que é.

Bento Domingues: Quantos Cristos ressuscitaram? (1)


1. Nas crónicas de Natal, durante vários anos, preocupei-me, com questões de ordem histórica e teológica, levantadas pelo género literário dos chamados “Evangelhos da Infância”. Esses belos tecidos simbólicos, anunciando o reinado do Espirito de Cristo – recusa do mundo de senhores e escravos – são mal servidos por uma leitura estéril de biologia milagrosa.

Este ano, opto pela peregrinação ecuménica do Papa Francisco à Turquia, fundamental para o renascimento das Igrejas. Selecciono, apenas, duas respostas descontraídas a perguntas dos jornalistas, no voo de regresso [1]. Voltarei, em breve, a outros aspectos.

O Papa Bergoglio tinha afirmado que, para chegar à suspirada plenitude da unidade, “a Igreja católica não tem intenção de impor qualquer exigência”. Daí a questão: “estaria a referir-se ao Primado (do Bispo de Roma)?

Resposta: A questão do Primado não é uma exigência; é um acordo porque também os ortodoxos o desejam. É um acordo para encontrar uma modalidade que seja mais conforme com a dos primeiros séculos. Li, uma vez, algo que me fez pensar – um parêntesis – aquilo que sinto de mais profundo acerca deste caminho da unidade está na homilia que fiz, ontem, sobre o Espírito Santo. Li, com efeito, que só o caminho do Espírito Santo é caminho certo, porque Ele é surpresa. Ele mostrar-nos-á onde está o ponto decisivo. Ele é criativo…

Talvez isto seja uma autocrítica, mas corresponde, mais ou menos, ao que eu disse nas congregações gerais, antes do Conclave, o problema está no seguinte: a Igreja tem o defeito, o hábito pecador, de olhar demasiado para si mesma, como se imaginasse que possui luz própria. Mas, como sabem, a Igreja não tem luz própria. Deve voltar-se para Jesus Cristo!

À Igreja, os primeiros Padres chamavam-lhe mysterium lunae, o mistério da lua, porquê? Porque dá luz, mas não tem luz própria; é a que lhe vem do sol. E, quando a Igreja olha demasiado para si mesma, aparecem as divisões. Foi o que sucedeu depois do primeiro milénio. Hoje, à mesa, falávamos do momento, de uma terra – não me lembro qual – em que um cardeal foi comunicar a excomunhão do Papa ao Patriarca (ortodoxo). Naquele momento, a Igreja olhou para si mesma; não estava voltada para Cristo. Creio que todos estes problemas que surgem entre nós, entre os cristãos – falo pelo menos da nossa Igreja católica – surgem quando ela olha para si mesma: torna-se auto-referencial.

Hoje, Bartolomeu usou uma palavra, não foi "auto-referencial", mas era muito semelhante, uma palavra muito bela… Agora não me recordo, mas era muito bela, muito bela [o termo na versão italiana é introversão].

Eles aceitam o Primado [do Bispo de Roma]. Hoje, na Ladainha, rezaram pelo "Pastor e Primaz". Como diziam? "Aquele que preside…". Reconhecem-no; disseram-no, hoje, na minha frente. Mas, quanto à forma do Primado temos de ir um pouco ao primeiro milénio para nos inspirarmos. Eu não digo que a Igreja errou, não. Percorreu a sua estrada histórica. Mas, agora, a estrada histórica da Igreja é aquela que pediu João Paulo II: "Ajudai-me a encontrar um ponto de acordo à luz do primeiro milénio".

Este é o ponto-chave. Quando se fixa em si mesma, a Igreja renuncia a ser Igreja para ser uma ONG teológica.

2. Uma jornalista interpelou-o “acerca da histórica inclinação” que ontem o Papa Francisco tinha feito diante do Patriarca de Constantinopla: como pensa agora enfrentar a crítica de quem talvez não entenda estes gestos de abertura?

Resposta: Atrevo-me a dizer que não se trata de um problema só nosso; é também um problema dos ortodoxos. Eles têm o problema de alguns monges, de alguns mosteiros que estão nessa estrada. Por exemplo, há um problema que se discute desde os tempos de Paulo VI: é a data da Páscoa. E não nos pomos de acordo! Mas porquê? Porque, se a fizéssemos na data da primeira lua depois do 14 de Nisan, com o avanço dos anos, correríamos o risco – os nossos bisnetos – de ter de a celebrar em Agosto. E devemos procurar… Paulo VI propôs uma data fixa concordada, um domingo de Abril.

3. Bartolomeu foi corajoso, sublinhou o Papa. Por exemplo, em dois casos, recordo um, mas há outro. Na Finlândia, ele disse à pequena comunidade ortodoxa: festejai a Páscoa com os luteranos, na data dos luteranos, para que num país de minoria cristã não haja duas Páscoas. E o mesmo problema vivem os orientais católicos. Ouvi esta, uma vez, à mesa, na Via della Scrofa: preparava-se a Páscoa na Igreja católica e estava presente um oriental católico que dizia: "Ah, não! O nosso Cristo ressuscita um mês mais tarde! O teu Cristo ressuscita hoje?" O outro observou: O teu Cristo é o meu Cristo.

A data da Páscoa é importante. Há resistência a isto por parte deles e nossa. Quanto a estes grupos conservadores, devemos ser respeitosos, sem nos cansarmos de explicar, catequizar, dialogar, sem insultar, sem os denegrir nem criticar porque tu não podes arrumar uma pessoa dizendo: "este é um conservador". Não. Este é tão filho de Deus como eu. Mas convidemo-lo: vem cá, falemos! Se não quer falar é um problema dele, mas eu respeito-o. Paciência, mansidão e diálogo.

Boas festas.

[1] Cf. Seguirei, de perto, a narrativa do L’Osservatore Romano, 04.12.2014

sábado, 20 de dezembro de 2014

Anselmo Borges: Herança cristã da Europa

Até grandes pensadores agnósticos e ateus concordam que muito do bom da Europa é herança cristã. Anselmo Borges no DN de hoje.

Salvador


O período litúrgico do Advento e do Natal fala ao desejo de quem espera, e oferece um salvador a quem se sente perdido. O medo de perder coisas e pessoas e de perder-se com elas é uma das nossas preocupações mais profundas. O mistério da maldade que há em nós acrescenta mais alguma coisa do desejo e ao medo, criando mal-estar e desconfiança. Pode-se fingir que se ignora tudo isto, mas é como entrar num beco sem saída.

Domenico Pezzini, "O Tesouro e o Barro", pág. 7

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O amigo Abraão do Papa

Entrevista dada pelo amigo do Papa ao DN. Edição de 17 de dezembro de 2014.

Perdão e integridade


Houve altura em que cada um de nós sentiu necessidade de perdoar. Também houve momentos em que todos precisámos de ser perdoados. E todos esses momentos voltarão a repetir-se. De uma maneira muito particular, todos nos destroçamos e todos nós magoamos outras pessoas. O perdão é a viagem que empreendemos para sarar as partes destroçadas. É assim que reconquistamos a nossa integridade.

In "Livro do Perdão", de Desmond Tutu e Mpho Tutu (Editorial Presença), pág. 13

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Meditações de Santo Agostinho

Carlos Abreu Amorim, que tentou demonstrar que era esta a narrativa de Salgado, recomendou-lhe que lesse as "Confissões" de Santo Agostinho. O banqueiro, assumindo-se como "católico praticante", com "o maior respeito" pelo grande Doutor da Igreja, garantiu que "sempre que posso leio as Meditações de Santo Agostinho". Não sendo "Meditações" nenhum título canónico da obra do santo de Hipona, a referência de Salgado não deixa de ser adequada. É que, Salgado, meditar, até pode ter meditado. Confessar, não confessou.

Ler mais aqui.


(nota do blogue: Carlos Abreu Amorim é, segundo o conhecimento geral, ateu. Ou pelo menos agnóstico.)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Natal Comercial

Tem piada. E está lá a história do Natal (ainda que a anunciação do anjo não tenha sido em Belém). E não fala do Pai Natal.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

José Diogo Quintela: Sócrates e Jesus


Conclusão da crónica de José Diogo Quintela na 2 (Público) de domingo passado. Leia tudo aqui (só me interessa a aproximação a Jesus).

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...