terça-feira, 31 de agosto de 2010

Autocarro – 2: Ateus que apanharam outro

Na Gráfica de Coimbra 2 saiu há dias o livro “10 ateus que mudaram de autobus”, sim, “autobus”. Não sei se em Portugal mais alguém usa a palavra “autobus” além do tradutor, mas é esse o termo com que verteu a palavra espanhola “autobús”.

Os ateus que mudaram de autocarro são: Francis Collins, Ernesto Sábato, Fiódor Dostoievski, Tatiana Goricheva, C. S. Lewis, André Frossard, Edith Stein, Vitorrio Messori, Narciso Yepes e G. K. Chesterton.

De alguns destes ex-ateus nunca tinha ouvido falar. Uma foi fundadora do movimento feminista russo (Goricheva); outro foi músico (Yepes).

De meia dúzia de parágrafos lidos a saltar pareceu-me que o livro é mais convincente do que a tradução do título.

Autocarro - 1: Pope Benedict - Ordain Woman Now!

Depois do autocarro dos ateus, o autocarro dos que pedem a ordenação das mulheres na Igreja católica. Não acontecerá, estou convencido, no tempo de Bento XVI. Mas há-de acontecer. Enquanto isso não acontece, quem perde não são as mulheres, é a Igreja. No DN de hoje (31 de Agosto de 2010).

Como identificar os ímpios

O “ímpio”, na Bíblia, não é aquele que não crê em Deus, mas alguém que não crê no homem, Como se Deus me dissesse: “Eu, eu posso muito bem desenrascar-me sozinho. Mas o teu semelhante, o teu amigo, o teu vizinho, o teu irmão precisa que tu penses nele”.

Élie Wiesel (1928 – )

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Eu não protesto, dou forças para protestarem

Já tinha ouvido várias vezes a história. Deve ter-se repetido em todos os continentes, em todos os países onde esteve Madre Teresa de Calcutá. Esta passou-se em Setúbal, no Auditório da Anunciada, no início da década de 1980. Contou-a D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, nas páginas da “Família Cristã”.

Pergunta jornalista:

- Então, irmã, não acha que era mais humano e mais evangélico convencer os pobres a protestarem contra quem os explora, em vez de os manter assim alienados?

A religiosa responde sem demora:

- Vocês têm razão, mas para protestarem, precisam de força e eu forneço-lhes comida para conseguirem as forças necessárias para protestarem.

Livra-nos do medo

Santificado seja o teu nome,
não o meu.
Venha o teu reino,
não o meu.
Seja feita a tua vontade,
não a minha.

Dá-nos paz contigo,
paz com os homens,
paz connosco,
e livra-nos do medo.

Dag Hammarskjöld (1905-1961)

Segundo Secretário-geral da ONU. Morreu em 1961, num acidente de aviação na Zâmbia, quando tentava apaziguar as partes em conflito no Congo.

30 de Agosto de 529. Morre o rei Teodorico, que gostava de filósofos, embora também os matasse

Mausoléu de Teodorico, em Ravena (Itália)

Teodorico, o Grande, rei dos ostrogodos (desde 474), rei de Itália (desde 493), regente dos visigodos (desde 511), morreu no dia 30 de Agosto de 526. Está sepultado em Ravena.

Tinha origens na Panónia (Hungria), mas era admirador da cultura romana, pelo que escolheu um filósofo para magister officiorum, uma espécie de chefe de governo e dos serviços da corte: Boécio.

Mais tarde, Boécio perde a confiança do rei e é substituído por Cassiodoro, que constituiu uma das maiores bibliotecas do início da Idade Média (ou seja, com umas centenas de volumes) e deixou regras que viriam a ser seguidas pelos beneditinos, nomeadamente no que diz respeito à criação de um scriptorium como espaço constitutivo de cada abadia e mosteiro. Pode muito bem ter sido uma das decisões culturais mais importantes da história.

Espero voltar a este assunto, não a Teodorico, que mandou matar o provavelmente inocente Boécio, mas a Cassiodoro, um apaixonado por livros.

Cavaleiro da Ordem Piana

Algumas condecoração do Vaticano são meras formalidades, dizem. Por isso mesmo, são pretexto para as mais diversas interpretações e relações, como neste texto do "Diário Económico" hoje.
O Presidente da República foi nomeado Cavaleiro da Ordem Piana, que dizem ser a segunda mais importante distinção do Vaticano. Em Portugal só tinha sido entregue a Ramalho Eanes, em 1982.
José Sócrates, Jaime Gama, Luís Amado e Maria Cavaco Silva receberam as insígnias da Ordem de São Gregório, a terceira mais relevante.

Ideia que honra o ser humano


O que é espantoso não é que Deus exista na realidade mas que esta ideia da necessidade de Deus tenha vindo ao espírito de um animal feroz e mau como o homem (...), de tal forma ela honra o homem.

Fiodor Dostoiévski (1821-1881)

domingo, 29 de agosto de 2010

Não a meta, mas o caminho

Velas na Igreja de Lutero, Wittenberg, aqui

A vida cristã não consiste em sermos piedosos,
mas em nos tornarmos piedosos.
Não em sermos saudáveis,
mas em sermos curados.

Não importa o ser,
mas o tornar-se.
A vida cristã não é descanso,
mas é um constante exercitar-se.

Ainda não somos o que devemos ser,
mas em tal seremos transformados.
Nem tudo já aconteceu e nem tudo já foi feito,
mas tudo está em andamento.

A vida cristã não é a meta, mas o caminho.
Ainda nem tudo é luz ou brilha,
mas tudo está a melhorar.

Martinho Lutero (1483-1546)

29 de Agosto de 1632. Nasce John Locke


John Locke, inglês, filósofo do liberalismo, da tolerância e da liberdade de religião, nasceu no dia 29 de Agosto de 1632. E morreu no dia 28 de Outubro de 1704.

Raimon Panikkar: O diálogo inter-religioso é imparável


António Marujo, do "Público", entrevistou Raimon Panikkar em 2004, no Parlamento das Religiões do Mundo que decorreu em Barcelona, e publicou excertos dessa entrevista no Religionline. Reproduzo-os aqui.

O diálogo inter-religioso é imparável


O diálogo inter-religioso tem altos e baixos, mas já ninguém o pode parar. Essa é a convicção do co-presidente do Parlamento das Religiões do Mundo, que hoje termina em Barcelona. Raimon Panikkar é, ele mesmo, um símbolo vivo desse processo, pois é filho de um hindu e de uma catalã.
Veste-se à maneira indiana e calça sandálias. Padre católico, Raimon Panikkar vive, sem televisão, numa aldeia da Catalunha, com 60 habitantes, onde recebe, uma vez por semana, quem com ele quer falar. Publicou dezenas de livros (alguns traduzidos em português, pela Editorial Notícias, como “A Trindade”), é reconhecido e apreciado por muita gente da rua. Voz e rosto sereno, olhos tranquilos, é um dos principais teólogos e filófosos europeus contemporâneos.

P. — Um dos argumentos mais ouvidos é que as religiões têm um papel social e político a desempenhar. Isso significa que a dimensão religiosa está esgotada?
R. — Não, significa que as religiões descobrem que devem incarnar-se neste mundo e não devem preocupar-se exclusivamente com o céu e o outro mundo — sobretudo no caso do cristianismo, que é inclusivo. Não podemos passar por cima das injustiças institucionais e de tantos problemas concretos, mesmo se as religiões não são para solucionar todas as coisas. As religiões criam opinião, promovem consciência e abrem caminhos mais pacíficos.

P. — O diálogo inter-religioso começou há três décadas e hoje atingiu já uma dimensão fundamental para o mundo. Como analisa esta evolução?
R. — Contesto a sua pergunta. o diálogo inter-religioso começou no século I, do ponto de vista do cristianismo, quando os primeiros cristãos, que eram judeo-cristãos, falaram com os gregos e helenizaram o cristianismo. Depois, este cristianismo helenizado dialogou com o mundo germânico. Mais tarde, fossilizou-se um pouco com o colonialismo, onde se pensava que não se devia entrar em diálogo com o outro.

P. — Mas esta forma de diálogo actual é diferente. Acha que vai no bom caminho?

R. — O processo é imparável, não há quem o páre, e vai na direcção certa. [No caso do catolicismo] o Concílio Vaticano II [1962-65] abriu as portas [da Igreja Católica] e tirou a muitos católicos os problemas de consciência que sobre eles pesava acerca do exclusivismo da salvação. Agora, por razões políticas, às vezes trava-se. vai-se com prudência, fecham-se janelas. Falar para mil milhões de pessoas tem que ser com modos diferentes, por isso por vezes parece que se vai mais lentamente. Há grupos que querem mais abertura, outros têm medo de perder identidade e preferem defender-se.

P. — Afirmou neste parlamento que as religiões servem de desculpa para guerras políticas e económicas. Como se combate essa violência de marca religiosa?
R. — Em primeiro lugar, não combatendo, porque o combate seria já violento. Em segundo, tirando o medo, porque muitos fecham-se no seu grupo por terem medo de perder a identidade. Perdemos a dimensão mística das religiões e identificam-se religião com crença: se eu digo uma coisa e o outro diz diferente, eu tentarei eliminar quem diz diferente.

P. — O senhor é um símbolo vivo do diálogo inter-religioso. É possível fazer uma síntese entre credos diferentes?
R. — Não se trata de uma síntese, mas de fecundação mútua. Nem é tão pouco um ecletismo, mas um enriquecimento, que será consequência de um maior conhecimento, do amor e do encontro com a diferença. Dou-lhe um exemplo: os católicos têm necessidade do budismo para recordar a dimensão da contemplação e do silêncio. O encontro serve para enriquecer e contactar com o que cada um esqueceu da sua tradição.

P. — O que têm os católicos a aprender do hinduísmo?
R. — Deixe-me criticar a pergunta: o que necessitamos é, mutuamente, uns dos outros. Não posso só enriquecer-me com os outros, mas partilhar também o que sou. Pode aprender-se a contemplação, a paciência. Mas posso dizer-lhe que, do hinduísmo, os cristãos podem aprender a tolerância, a superar a razão, a não reduzir as coisas apenas a uma dimensão.

Mais sobre este teólogo aqui e aqui.

Está para vir


Deus não está por detrás de nós. Ele está para vir. Não é ao princípio, é ao fim da evolução dos seres que é preciso procurá-lo.

André Gide (1869-1951)

sábado, 28 de agosto de 2010

Tarde Te amei

Santo Agostinho", retrato de Philippe de Champaigne (séc. XVII)

Um texto clássico de Agostinho de Hipona, para terminar este sábado.

Tarde Te amei,
Ó beleza tão antiga e tão nova!
Tarde Te amei!
Tu estavas dentro de mim
E eu estava fora;
E aí Te procurava,
Lançando-me com brutalidade,
Sobre as coisas belas feitas por Ti.
Tu chamaste-me, gritaste,
Venceste a minha surdez.
Tu, brilhante, refulgiste,
Dissipaste a minha cegueira.
Espalhaste o teu perfume,
Eu resfriei-o e agora anseio por Ti.
Provei-te e agora sinto fome e sede.
Tocaste-me e ardo de desejo
Pela Tua paz....

Agostinho de Hipona
(Tagaste, 13 de Novembro de 354 — Hipona, 28 de Agosto de 430)

Dois livros de Raimon Panikkar

De Raimon Panikkar, tenho um livrinho e um livrão. O livrinho é “La experiencia de Diós”, 96 páginas na editorial PPC. O livrão é “El silencio del Buddha. Una introducción al ateísmo religioso”, 424 páginas nas Ediciones Siruela.

Não conheço muito do autor, mas é admirável a síntese intercultural e religiosa que fez na sua própria vida: filho de um industrial indiano e hindu e de uma catalã católica, estudou nos jesuítas e, ordenado padre em 1946, integrou e depois saiu do Opus Dei. Formou-se em Química, Teologia e Filosofia, andou por Roma, viveu e ensinou na Índia e nos EUA. Viveu os últimos anos na Catalunha natal.

Em “La experiencia de Diós”, Panikkar afirma que os lugares privilegiados para a experiência de Deus são o mal, o silêncio e o tu. Como deixa bem explícito que “a experiência de Deus não pode ser monopolizada por nenhuma religião, por nenhuma cultura, por nenhum sistema de pensamento”, alguns poderão não gostar da sua teologia e filosofia (um leitor deste blogue escreveu, comentando a entrada anterior: “Um verdadeiro campeão da heresia. Que Deus tenha piedade dele”). Perto do fim da vida, continuava a “dizer missa”, porque nunca deixou de ser cristão. Afirmava: “Saí cristão, descobri-me hindu e regresso budista sem deixar por isso de ser o que era no início” (“Salí cristiano, me he descubierto hindú y regreso buddhista, sin dejar por ello de ser lo primero”). Esta afirmação faz lembrar a resposta de Jean Guitton a uma pergunta de “O Independente” sobre o futuro do catolicismo. Dizia o francês que era a religião mais bem colocada para acolher todas as tendências, correntes e religiões, porque é, desde o início, católica, isto é, universal.

Em “El silencio del Buddha”, Panikkar relaciona a teologia apofática (ou negativa) do cristianismo com a “religiosidade” budista. Parece estimulante (só li o índice e parágrafos soltos), quando as religiões orientais continuam a exercer fascínio sobre o Ocidente (notícia destes dias: Julia Roberts, anteriormente católica, parece que se converteu ao hinduísmo) e, com frequência, se esquecem as tradições apofáticas, silenciosas, místicas, do interior do próprio cristianismo. Que Panikkar conhece.

Morreu o teólogo Raimon Panikkar


Raimon Panikkar, filósofo e teólogo, nascido em Barcelona, no 3 de Novembro de 1918, morreu na passada quinta-feira, 26 de Agosto, em Tavertet, perto de Barcelona.

Viveu na Índia e nos EUA (foi professor em Harvard e na Universidade da Califórnia). Era especialista em religiões comparadas e aprofundou em diversos livros a face oriental do cristianismo.

Escreveu um dia que começou como cristão, descobriu que era hindu e tornou-se budista sem deixar de ser cristão.

Tem sítio oficial aqui.

De te procurar nunca me canse

Em dia de Santo Agostinho, um texto do génio africano

Tanto quanto pude,
Tanto quanto as forças que me deste,
Eu te procurei,
Eu desejei as coisas em que acreditei.
Muito combati, muito lutei.
Senhor meu Deus, esperança minha única,
Faz com que de te procurar nunca me canse,
Faz com que ardentemente, sempre, procure a Tua Face.
Dá-me força para te procurar,
Porque ma deste para te encontrar,
Porque me deste de mais em mais a esperança de te encontrar.
Eis diante de ti minha firmeza e minha enfermidade:
Desta liberta-me, naquela conserva-me;
Eis diante de ti minha força e minha ignorância.
E, onde tu me abriste, meus passos acolhe,
E, onde tu me fechaste, ao meu apelo abre;
Faz que de ti me lembre,
Te compreenda,
Te ame.

Agostinho de Hipona, adaptado de "De Trinitate"

Anselmo Borges: Há receitas para a felicidade?

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje. Note-se que termina referindo-se a Santo Agostinho. Hoje é dia dele.


O que queremos verdadeiramente é, sem sombra de dúvida, ser felizes. Mas como se chega à felicidade? É que, para se ser feliz, é necessária uma multidão de coisas e de condições: algum prazer, saúde, uma vida familiar agradável, realização profissional mínima, reconhecimento social, algum dinheiro, amigos - "sem amigos, ninguém escolheria viver", disse Aristóteles. Depois, também é preciso ter sorte, como diz a própria palavra no seu étimo ("felix"), e isso não acontece apenas com felicidade ("felicidad", em espanhol, e "felicità", em italiano): o "Glück" alemão significa felicidade e sorte, a raiz de "happiness" é "happ", com o significado de acaso, fortuna ("perhaps" significa talvez), o mesmo acontecendo nas palavras grega e francesa, respectivamente: "eudaimonia" e "bonheur".


E há choques, oposições, contradições. O Prémio Nobel da Literatura Heinrich Böll escreveu uma estória cheia de humor e sentido - eu ouvi-a ao Padre Tony de Mello. Chega um turista e dialoga com um pescador pobre, a apanhar sol na praia, com o resultado da sua pescaria: dois peixes. - Porque não pescas mais? - Para quê? - Para teres dinheiro, criavas uma empresa, tinhas muitos empregados, eras cada vez mais rico, exportavas, montavas mais empresas... - E depois?, pergunta o pescador. - Serias tão rico que já nem precisavas de trabalhar e passarias os dias na praia a apanhar sol... - Mas é precisamente o que estou a fazer, sem ter de passar por toda essa trapalhada, atirou-lhe o pescador.


Sob certo aspecto, é o pescador que tem razão. Será que precisamos de tanta quinquilharia, da qual já não conseguimos prescindir e pela qual nos desgraçamos a trabalhar? Por outro lado, o que seria a vida sem iniciativa e realizações? Hegel foi avisando que as páginas da história sem sofrimento são páginas em branco.


Há filósofos que colocaram a raiz da felicidade no prazer. Mas eles próprios foram prevenindo que há prazeres e prazeres e que os prazeres não podem ser desregrados. Outros apelaram para a virtude: o sábio é livre, porque consente no que não depende dele. Residirá a fonte da felicidade no poder? Seja como for, a omnipotência é uma ilusão. Não há felicidade perfeita neste mundo, só "ilhas de felicidade". No fim, é a morte que nos espera.


Mas há algumas regras práticas, a partir também de conhecimen-tos da neurofisiologia, para uma vida minimamente feliz. Enumero algumas, segundo o filósofo Richard D. Precht, numa estimulante viagem filosófica: "Wer bin ich und wenn ja, wie viele?" (Quem sou eu, e, se sou, quantos?).


Primeira regra: actividade. "Os nossos cérebros estão ávidos de ocupação". Para lá do ter e do ser, é preciso agir, sem agitação.


Segunda regra: vida social. A amizade, o casamento, a família, provocam o sentimento de protecção. Quem tem uma rede densa de relações não enfrenta sozinho preocupações e angústias.


Terceira regra: concentração. É preciso aprender a fruir o aqui e agora nos prazeres simples: o perfume de uma rosa, a sua beleza, o sabor de um vinho excelente. Não se pode viver obcecado com o futuro. Quem só espera vir a ser feliz nunca é feliz.


Quarta regra: expectativas realistas. "Comete-se muitas vezes o erro de exigir demais de si, mas também o de não exigir suficientemente. As duas atitudes geram insatisfação".


Quinta regra: pensamentos positivos. Embora seja mais fácil de dizer do que de conseguir, é preciso ter em atenção a astúcia dos psicólogos: "procede como se fosses feliz, e sê-lo-ás".


A sexta regra refere-se à capacidade de aprender a arte de lidar com as dificuldades e o sofrimento. Há crises salutares na vida.


Finalmente, a alegria pelo trabalho. "O trabalho é a melhor das psicoterapias." É sabido que para Freud a felicidade consistia em "poder amar e trabalhar".


Mas o ser humano vive numa tensão permanente: é um ser de desejo insaciável, de tal modo que o que alcança nunca o satisfaz plenamente. Por isso, Paul Ricoeur falava da "tristeza da finitude" e Santo Agostinho escreveu: "O nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti, ó Deus".

Descarregando


A estrada para Deus é fácil porque nela avança-se descarregando.

Étienne Gilson (1884-1978)

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

27 de Agosto de 1577. Morre o pintor Ticiano

Ticiano, grande mestre do Renascimento, morreu em Veneza, no dia 27 de Agosto de 1577, com perto de 100 anos (o ano do seu nascimento, incerto, é colocado entre 1473-1490). Como viveu relativamente muito tempo, chegou-se a pensar que as suas pinturas, em estilos diferentes, eram de vários autores. Imagem: Detalhe da “Anunciação” que está em Bréscia.

A parte do diabo que nos calhou

"Dizem que quando o diabo caiu do céu, que no ar se fez em pedaços, e que estes pedaços se espalharam em diversas províncias da Europa, onde ficaram os vícios que nelas reinam. Dizem que a cabeça do diabo caiu em Espanha, e que por isso somos fumosos, altivos, e com arrogância graves. Dizem que o peito caiu em Itália, e que daqui lhes veio serem fabricadores de máquinas, não se darem a entender, e trazerem o coração sempre coberto. Dizem que o ventre caiu em Alemanha, e que esta é a causa de serem inclinados à gula, e gastarem mais que os outros com a mesa e com a taça. Dizem que os pés caíram em França, e que daqui nasce serem pouco sossegados, apressados no andar, e amigos de bailes. Dizem que os braços com as mãos e unhas crescidas, um caiu em Holanda, outro em Argel, que daí lhes veio (ou nos veio) o serem corsários. Esta é a substância do apólogo, nem mal formado, nem mal repartido; porque ainda que a aplicação dos vícios totalmente não seja verdadeira, tem contudo a semelhança de verdade, que basta para dar sal à sátira. E suposto que à Espanha lhe coube a cabeça, cuido eu que a parte dela que nos toca ao nosso Portugal, é a língua; ao menos assim o entendem as nações estrangeiras, que de mais perto nos tratam".

Padre António Vieira (1608-1697)

Padre António Vieira

Como a aproximação poética torna o catolicismo atractivo

Pedro Mexia escreve no “Ípsilon” (“Público”) de hoje uma crítica ao livro “O Hipopótamo de Deus” (ed. Assírio &Alvim), do padre e poeta Tolentino Mendonça. Dá-lhe apenas três de cinco estrelas. Mas só diz bem. Sintetiza bem o livro (a maior parte dos textos que o compõem foram saindo na imprensa católica - li-os e citei alguns neste blogue) e o momento católico que se vive. Transcrevo os parágrafos do meio do texto de Pedro Mexia. Talvez apareça on-line um dia destes.

“Aquilo que tem afastado as pessoas de «tenda» católica é, digamos, a atitude da trupe. É essa atitude que se discute em «O Hipopótamos de Deus e Outros Textos».

José Tolentino Mendonça defende que as três tarefas decisivas para um padre, hoje, são a transmissão do Evangelho, o acolhimento pastoral e o diálogo com o mundo. Os padres católicos nunca abandonaram por completo as duas primeiras funções, mesmo quando as cumprem com algum desleixo; em contrapartida, a abertura ao mundo, mau grado o já longínquo Vaticano II, nunca foi uma prioridade. O «mundo» era, antigamente, um dos inimigos da fé, junto com o «demónio» e a «carne», e a Igreja ainda não abandonou completamente essa ideia. O «Hipopótamo de Deus» propõe uma renovada atenção ao que se passa aqui e agora, à nossa volta, à nossa porta, ao mesmo tempo que desmistifica algumas ideias caricaturais acerca do catolicismo.

Tolentino é poeta, e é a aproximação poética, e não apenas argumentativa, que faz com que tudo no catolicismo pareça aceitável e até atraente. Basta por exemplo elogiar o espírito «nómada» dos peregrinos, e uma actividade que nos parece própria de uma religiosidade acrítica ganha contornos aventurosos, dignos de um Chatwin. Uma prática tida como arcaica, como é o jejum, é apresentada como uma vantajosa purificação. O ancestral conflito com a ciência é atenuado com uma frase bem formulada sobre o céu. Em resposta a Saramago, diz-se que a história de Abel e Caim mostra que a fraternidade não é uma condição mas uma escolha. E assim por diante”.

Fundador dos Legionários: vida carente de escrúpulos

Marcial Maciel (em baixo, sob disfarce)

“Eram os eleitos. Iam salvar a Igreja. Foram o eficaz martelo da Santa Sé contra a Teologia da Libertação; activistas incansáveis contra a camisinha, o aborto, a eutanásia e a reprodução assistida, inimigos do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Generosa fonte de financiamento para o Vaticano e, sobretudo, a fiel cavalaria leve de João Paulo II para implantar seu modelo de catolicismo: resistência, reconquista e restauração. A Igreja como poder político”.

É sobre os Legionários de Cristo que se escreve numa reportagem do jornal mexicano “La Vanguardia”.

Como é sabido, os Legionários de Cristo foram fundados em 1941 por Marcial Maciel, que morreu em 2008. O fundador era um fingidor. “Pedófilo, ladrão, drogado”. “Marcial Maciel, definitivamente a antítese de um santo”.

A Santa Sé acabou por reconhecer: “Os seus comportamentos gravíssimos e objectivamente imorais configuram, por vezes, autênticos delitos e manifestam uma vida carente de escrúpulos e de verdadeiro sentimento religioso”.

Reportagem em português no sítio da Unisinos, aqui, que faz pensar no que pode estar por detrás do integrismo ou mesmo fundamentalismo católico.

Quem ouve quem?

Nós cremos muitas vezes que Deus não ouve as nossas perguntas, mas somos nós que não ouvimos as suas respostas.

François Mauriac (1885-1970)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Inês Pedrosa sobre Madre Teresa de Calcutá

Ainda no dia dos cem anos de Madre Teresa de Calcutá, reli o que Inês Pedrosa escreveu sobre ela em “20 mulheres para o séc. XX” (D. Quixote). “Vedeta do sacrifício”, diz a escritora. Talvez, mas não porque ela pretendesse. Mulher com “estatuto inédito de santa viva”. E fico a saber que há um “nunbun” (“bolo de freira”; abundam imagens na Internet). A forma como acaba é muito sugestiva e revela também o humor da Madre:

“Aos 87 anos, muito próxima da morte, Teresa de Calcutá ria-se das repetidas falhas do seu coração. Não tinha medo da morte, que acabaria por a levar a 5 de Setembro de 1997, porque tinha a certeza de que «morrer é voltar para casa». E, nas sucessivas saídas do hospital, contava esta anedota sobre si própria: «S. Pedro deve ter dito: Deixem-na estar aí. Não há bairros de lata no Céu»”.

Função da religião, razão e sociedade

Habermas e Ratzinger

"A função da religião na sociedade é pois não a busca da fé mas a religação de cada um de nós à importância do transcendente na nossa vida, e mesmo depois. Consiste em religarmo-nos, que assim aparece como a fonte da possibilidade de um equilíbrio entre a razão e o amor que é o transcendente. Para que tal aconteça, torna-se necessário um enorme esforço para que nos tornemos indiferentes às causas da razão e aos objectivos do amor. Esta busca da indiferença é, apesar das diferenças entre elas, comum a todas as grandes religiões da Terra (e.g. cristianismo, islão, hinduísmo e budismo). É este religar, segundo Habermas, que a razão secular não consegue realizar, porque essa razão é cega à sua própria necessidade de ter razões que não podem ser alcançadas por observações do passado. Esta foi a cegueira vista por Saramago, mas o que Habermas afirma é que a cegueira não é causada pela religião mas pela sua ausência".

Quem escreve isto é Nicolás Lori, no "Público" de 12 de Maio de 2010, depois de notar a mudança de opinião do filósofo alemão Habermas.

"Nos seus trabalhos iniciais, Habermas deu-nos conta da sua convicção de que o papel estruturante que a religião tinha desempenhado na sociedade seria no futuro feito através de uma ética discursiva, onde a melhor resposta seria obtida através do consenso. Mas para o actual Habermas, o racionalismo falha no sentido em que não tem nenhum mecanismo para tomar consciência dos "interesses" que estão sempre presentes, com as suas implicações, mas que não são reconhecidos. Esta situação causa um problema: os Estados seculares não conseguem que os seus cidadãos se afastem do egocentrismo em direcção a comportamentos mais virtuosos".

O texto vem transcrito no blogue De Rerum Natura (aqui). Noto, contudo, que a publicação original foi no dia 12 de Maio de 2010. Nesse dia, de manhã, Bento XVI encontrou-se com o "mundo português da cultura" no Centro Cultural de Belém.

Sugestão para a abertura do telejornal

Jornalismo de proximidade na revista "Visão". Só isso justifica as duas páginas para os maus humores do pároco de Telhado. Por que não abrir o telejornal com o assunto?


Deus na Casa Branca

A polémica sobre a requalificação de um edifício para mesquita perto do local das torres gémeas de Nova Iorque, com Obama a apoiar a liberdade religiosa, levou muitos norte-americanos a pensarem que o presidente dos EUA é muçulmano. Principalmente se forem republicanos.

As teorias do islamismo de Obama já existem há muito, mas nos últimos dias aumentaram (ver aqui), o que obrigou os assessores virem a público dizer que Obama é cristão e levou o presidente a telefonar mais ou menos em directo ao pastor Joel Hunter no dia em que fazia anos: “Hoje é o dia do meu aniversário, dia 4 de Agosto, e estou aqui sozinho como um cão, um pouco deprimido sem minha mulher que está de férias e minhas filhas que estão no acampamento de férias. Gostaria de rezar pelo meu ano passado, pelos meus erros, por aquilo que me espera nos próximos meses. O senhor se importa?"

Um artigo no “La Repubblica” (versão em português aqui) resume, com humor e ironia q.b., a religiosidade dos últimos presidentes dos EUA, sublinhando a ideia de que no país mais cristão do mundo não se pode ter um líder ateu nem mesmo de outra religião que não a cristã.

Dois parágrafos: “O espertíssimo Reagan, que na pouco virtuosa Hollywood havia aprendido a arte de recitar, fazia um grande e retórico uso de citações bíblicas – como a América, "luminosa cidade sobre a colina", pescada diretamente do discurso de Jesus sobre o "sal e luz" no Evangelho segundo Mateus – e alistava a Deus de bom grado nas orações fúnebres: "Os astronautas do Challenger tocaram hoje o rosto de Deus", morrendo incinerados. Mas apenas na extrema velhice ofuscada pelo Alzheimer, pode-se vê-lo de braços dados com a fiel Nancy nas igrejas de Bel Air, Hollywood.

Seria preciso chegar a Bush, o Jovem, para ouvir um presidente dizer, no discurso mais importante do ano, aquele sobre o estado da União, que ele seguia as disposições de Deus para ir bombardear o Iraque e que Jesus era o "meu filósofo preferido", uma investidura cultural importante, mas provavelmente um pouco redutiva para o Criador do céu e da Terra”.

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...