António Marujo, do "Público", entrevistou Raimon Panikkar em 2004, no Parlamento das Religiões do Mundo que decorreu em Barcelona, e publicou excertos dessa entrevista no Religionline. Reproduzo-os aqui.
O diálogo inter-religioso tem altos e baixos, mas já ninguém o pode parar. Essa é a convicção do co-presidente do Parlamento das Religiões do Mundo, que hoje termina em Barcelona. Raimon Panikkar é, ele mesmo, um símbolo vivo desse processo, pois é filho de um hindu e de uma catalã.
Veste-se à maneira indiana e calça sandálias. Padre católico, Raimon Panikkar vive, sem televisão, numa aldeia da Catalunha, com 60 habitantes, onde recebe, uma vez por semana, quem com ele quer falar. Publicou dezenas de livros (alguns traduzidos em português, pela Editorial Notícias, como “A Trindade”), é reconhecido e apreciado por muita gente da rua. Voz e rosto sereno, olhos tranquilos, é um dos principais teólogos e filófosos europeus contemporâneos.
P. — Um dos argumentos mais ouvidos é que as religiões têm um papel social e político a desempenhar. Isso significa que a dimensão religiosa está esgotada?
R. — Não, significa que as religiões descobrem que devem incarnar-se neste mundo e não devem preocupar-se exclusivamente com o céu e o outro mundo — sobretudo no caso do cristianismo, que é inclusivo. Não podemos passar por cima das injustiças institucionais e de tantos problemas concretos, mesmo se as religiões não são para solucionar todas as coisas. As religiões criam opinião, promovem consciência e abrem caminhos mais pacíficos.
P. — O diálogo inter-religioso começou há três décadas e hoje atingiu já uma dimensão fundamental para o mundo. Como analisa esta evolução?
R. — Contesto a sua pergunta. o diálogo inter-religioso começou no século I, do ponto de vista do cristianismo, quando os primeiros cristãos, que eram judeo-cristãos, falaram com os gregos e helenizaram o cristianismo. Depois, este cristianismo helenizado dialogou com o mundo germânico. Mais tarde, fossilizou-se um pouco com o colonialismo, onde se pensava que não se devia entrar em diálogo com o outro.
P. — Mas esta forma de diálogo actual é diferente. Acha que vai no bom caminho?
R. — O processo é imparável, não há quem o páre, e vai na direcção certa. [No caso do catolicismo] o Concílio Vaticano II [1962-65] abriu as portas [da Igreja Católica] e tirou a muitos católicos os problemas de consciência que sobre eles pesava acerca do exclusivismo da salvação. Agora, por razões políticas, às vezes trava-se. vai-se com prudência, fecham-se janelas. Falar para mil milhões de pessoas tem que ser com modos diferentes, por isso por vezes parece que se vai mais lentamente. Há grupos que querem mais abertura, outros têm medo de perder identidade e preferem defender-se.
P. — Afirmou neste parlamento que as religiões servem de desculpa para guerras políticas e económicas. Como se combate essa violência de marca religiosa?
R. — Em primeiro lugar, não combatendo, porque o combate seria já violento. Em segundo, tirando o medo, porque muitos fecham-se no seu grupo por terem medo de perder a identidade. Perdemos a dimensão mística das religiões e identificam-se religião com crença: se eu digo uma coisa e o outro diz diferente, eu tentarei eliminar quem diz diferente.
P. — O senhor é um símbolo vivo do diálogo inter-religioso. É possível fazer uma síntese entre credos diferentes?
R. — Não se trata de uma síntese, mas de fecundação mútua. Nem é tão pouco um ecletismo, mas um enriquecimento, que será consequência de um maior conhecimento, do amor e do encontro com a diferença. Dou-lhe um exemplo: os católicos têm necessidade do budismo para recordar a dimensão da contemplação e do silêncio. O encontro serve para enriquecer e contactar com o que cada um esqueceu da sua tradição.
P. — O que têm os católicos a aprender do hinduísmo?
R. — Deixe-me criticar a pergunta: o que necessitamos é, mutuamente, uns dos outros. Não posso só enriquecer-me com os outros, mas partilhar também o que sou. Pode aprender-se a contemplação, a paciência. Mas posso dizer-lhe que, do hinduísmo, os cristãos podem aprender a tolerância, a superar a razão, a não reduzir as coisas apenas a uma dimensão.
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