quinta-feira, 24 de março de 2011

Começa hoje o Pártio dos Gentios. A Igreja só dialoga com ateus que são "patos mancos"?

Começa hoje, em Paris, a primeira edição do Pátio dos Gentios, “dois dias de trocas e diálogos entre crentes e não crentes”.

O cardeal Gianfranco Ravasijustificou em entrevista ao jornal italiano “Il Fatto Quotidiano” a escolha da cidade de Paris por ser um “estandarte de laicidade”, uma cidade onde encontrou “um mundo laico interessado num confronto verdadeiro sobre grandes temas”.

O diálogo é necessário porque, afirma o cardeal que coordena a iniciativa, “o crente e o ateu são, cada um, portadores de uma mensagem, que é «performativa», já que envolve a existência”. E acrescenta: “Estou contente por ter como interlocutores em Paris personalidades como Julia Kristeva, semióloga e psicanalista agnóstica, ou o geneticista Axel Kahn”.

Os assuntos a discutir hoje e amanhã são, segundo o cardeal, na Unesco, “o papel da cultura”, mas também “as mulheres na sociedade moderna”, o “empenho pela paz e a busca de sentido num mundo que é ao mesmo tempo secularizado e religioso”, na Sorbonne, “Iluminismo, religiões, razão comum”, no Institut de France, “economia, direito, arte”.

Esta vontade de diálogo a partir da Igreja obteve um curioso contraponto crítico num artigo de Paolo Flores d’Arcais (que em português, em co-autoria com Joseph Ratzinger, tem publicado “Existe Deus? Um confronto sobre verdade, fé e ateísmo”, ed. Pedra Angular).

O filósofo ateu realça que por vezes a Igreja escolhe interlocutores que são “patos mancos”, segundo expressão do entrevistador de Ravasi, isto é, aqueles ateus que parecem sofrer a condição da falta de fé como uma amputação ontológica. (A observação é perfeitamente aplicável à Igreja portuguesa, que também tem os seus "patos mancos".) E provoca o cardeal:
Espero, por isso, sinceramente, que às suas palavras sigam-se os fatos. Não só em Paris, também na Itália. Nos últimos anos, a atitude foi, porém, de sinal oposto. O diálogo com o ateísmo foi sistematicamente rejeitado pela Igreja hierárquica e até pelo senhor, pessoalmente. Trata-se de uma verdade indiscutível, da qual, infelizmente, eu posso dar testemunho direto. (…) 
Convido-lhe, portanto, às"Jornadas da Laicidade", que ocorrerão em Reggio Emilia entre os dias 15 e 17 de abril, às quais se recusaram a participar os 15 cardeais que convidamos e nas quais o senhor poderá discutir com ateus não "patos mancos" como come  Savater,  Hack, Odifreddi, Giorello, Pievani, Luzzatto e, bom último, o subscrito. 
Se, depois, a sua agenda não lhe permitir acolher este convite, proponho-lhe organizar juntos, o senhor e eu, uma série de confrontos nos tempos e lugares que o senhor julgar oportunos. Devo, porém, dizer-lhe, com toda a franqueza, que não consigo libertar-me da sensação – nos últimos anos empiricamente consolidada – de que o "diálogo" que o senhor teoriza quer, ao contrário, evitar o próprio confronto com o ateísmo italiano mais consequente.

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