"Por favor, por amor de Deus, não me venham justificar a impossibilidade de erradicação da pobreza com a frase de Jesus". D. Carlos Azevedo no Correio da Manhã de hoje (aqui):
Pobreza zero
Ir às raízes das injustiças e destruir-lhes a fatalidade é trabalho de caridade e dever de cada ser humano.
Por favor, por amor de Deus, não me venham justificar a impossibilidade de erradicação da pobreza com a frase de Jesus, no momento da unção em Betânia, na casa de Simão, quando a mulher perdoada lhe derramava caro perfume nos pés: "Sempre tereis os pobres convosco, e quando quiserdes, podeis fazer-lhes o bem, mas a mim nem sempre tereis" (Mc 14, 7; Mt 26,11). Esta afirmação tem sido citada como justificação para manter o estado da pobreza, como autorização de Jesus Cristo a resignar-se perante os pobres. Ora esta citação não manifesta nenhuma declaração de Jesus sobre a pobreza como um factor social permanente. Jesus não justifica a miséria. O que se sublinha é o carácter efémero da permanência de Jesus entre eles. Passados uns dias já não podiam fazer-Lhe bem, mas tinham muita oportunidade para tratar dos pobres. A união íntima entre o serviço a Cristo e o serviço aos pobres está presente no Evangelho.
O lema do ano Europeu, infelizmente, tem actualidade acutilante no drama permanente e nas tragédias que se abatem sobre a humanidade, como agora sobre a Madeira. Neste caso, como em ocasiões similares, logo a Cáritas se mobilizou como expressão viva da solidariedade dos portugueses. A partilha não é posta de lado, mesmo em horas mais apertadas, como a que vivemos. Portugal sente é falta de quem tenha autoridade moral para o mobilizar para o bem comum. Sem este crédito, abre falência.
A Cáritas europeia adoptou o lema ‘pobreza zero’. Realmente, ir às raízes das injustiças e destruir-lhes a fatalidade é trabalho de caridade e dever de cada ser humano diante de si próprio. Há soluções para a pecaminosidade que a situação evidencia. Os pobres e excluídos não são realidade homogénea e a nossa visão é situada e variada, a partir do ponto social em que a olhamos e consideramos. A conversão do nosso olhar adquire objectividade para reconhecer que é o modelo de desenvolvimento que seguimos a abrir ou não a nossa mente e coração aos que perdem os mais essenciais laços de pertença social e de cidadania consciente, propendem para a marginalidade, afastados das oportunidades de integração.
A consciência que os pobres e excluídos têm de si mesmos e a assunção do seu caminho libertador é paciente serviço ao futuro. Importa passar ao seu terreno fazendo nosso o seu projecto – não dirigindo-o, mas apoiando-o, estando ao serviço. Ser companheiro das suas lutas e defensor dos seus interesses, ajudá-los a ter peso na sociedade, implica em nós um êxodo mental e cultural, político e afectivo.
D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa
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