Para falar sobre o perigo de perder a privacidade, Rui Tavares olha primeiro para o passado. E é principalmente isso que me interessa na sua crónica de ontem no “Público”. A história.
De resto, ninguém era preso por varrer a casa ao contrário, mas sim pelo que isso significava. Os exemplos são sempre muletas. E o cronista é mestre na sua manipulação, faltando ao rigor histórico, como foi o caso de dizer que a arte gótica inspirou-se na arte islâmica (ver aqui).
O texto de Rui Tavares:
Em Portugal já foi possível ser preso por varrer a casa ao contrário. Não acredita? Então vou contar-lhe uma história.
É comum, nas casas judaicas, afixar um rolo de pergaminho na ombreira da porta da entrada. A este rolo, que contém dois versículos da Bíblia e que às vezes está guardado dentro de uma caixa, chama-se mezuzá — o que significa precisamente “umbral” em hebraico. Para os judeus observantes esta é uma obrigação prescrita pela escritura sagrada, e todo o máximo respeito é devido à mezuzá.
Agora imagine que vivia no Portugal do século XVII, por exemplo em Castelo de Vide, vila de casas térreas, muitas vezes de porta aberta para a rua. Se a sua família fosse cristã, o mais natural seria que varressem o lixo para a porta da rua. Mas se por convicção, ritual ou hábito quisessem respeitar os preceitos judaicos ninguém varreria o pó para a rua, para não mostrar desrespeito pela mezuzá. A maneira correta de varrer a casa seria recolher o lixo para o centro, para só depois o recolher e despejar.
Quem quiser folhear os processos da Inquisição portuguesa verá que muitas mulheres portuguesas, judias ou “cristãs-novas”, foram denunciadas e presas por “varrer a casa ao contrário”.
Aquela era uma época de pouca ou nenhuma privacidade. Os vizinhos, incluindo a vasta rede de “familiares da inquisição” poderiam controlar a sua vida facilmente: saber em que direção varria, se punha camisa lavada e descansava à sexta-feira, se vestia linho no “Dia Grande” do Yom Kippur, se evitava comer carne de porco, etc. Quantos milhares foram presos, torturados e condenados por estas pequenas coisas? Sem privacidade, as suas convicções, a sua liberdade e até a sua vida estavam em risco.
O resto pode ser lido aqui.
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