A edição dos jogos olímpicos de 1908
esteve para ser em Roma, mas a “cidade eterna” renunciou à organização por
causa de uma grave crise económica.
Londres acabou por acolher a 4.ª Olimpíada
da era moderna. Entretanto, o inventor dos jogos, o francês Pierre de Coubertin
(1863-1937), pediu ajuda à Santa Sé para a promoção do evento e foi o próprio
Papa Pio X que se empenhou no processo.
Consciente da dificuldade de incentivar a
atividade desportiva nessa época, geralmente ligada aos militares ou à classe
nobre, Pio X disse a um dos seus cardeais: “Muito bem. Se não percebem que é
algo que se pode fazer, vou pôr-me a fazer ginástica diante de todos, verão
assim que se o Papa a faz, toda a gente a pode fazer”.
A palavra é um soberano poderoso porque com um sopro pequeníssimo e completamente invisível realiza obras profundamente divinas, de facto, ela tem a capacidade de apagar o medo de difundir a alegria de intensificar a compaixão.
Notícia do "Público" de ontem sobre o arquiteto Nuno Teotónio Pereira, a quem a Igreja Católica atribuiu o prémio de Árvore daVida / P.e Manuel Antunes.
Quanto mais aprendemos, mais assombrados ficamos ou devíamos ficar... A nossa a obrigação é aprender cada vez mais e assim separar a nossa mera ignorância do verdadeiro mistério.
Tchekov disse: "Se tens medo da solidão, não te cases". Eu diria: se tens medo da solidão, não viajes. A literatura de viagem mostra os efeitos da solidão, umas vezes desolada, mais frequentemente enriquecedora, de vez em quando inesperadamente espiritual".
Paul Theroux, "A Arte da Viagem" (Quetzal), pág. 8.
Bento Domingues no "Público" de hoje. "A
consciência ética começa quando chegamos à conclusão de que o mundo como está é
uma vergonha, mas não é uma fatalidade. Jesus Cristo não deixou nenhuma receita
automática para vencer este escândalo". O dominicano regressa em setembro.
O grande enigma da vida humana não é o sofrimento, é a infelicidade. (...) A infelicidade torna Deus ausente durante algum tempo, mais ausente do que um morto, mais ausente do que a luz num cárcere totalmente mergulhado no breu.
A necessidade de nos alimentarmos é, antes de mais nada, sinal da nossa indigência radical. Obscuramente, vamos percebendo que não nos bastamos a nós mesmos. Na realidade vivemos recebendo, alimentando-nos duma vida que, através da terra, se nos oferece em cada dia a cada um. Por isso,é um gesto profundamente humano recolher-se antes de comer para agradecer a Deus esses alimentos, partilhando a sua mesma com familiares e amigos. Comer juntos é confraternizar, dialogar, crescer em amizade, partilhar a dádiva da vida: por isso é tão difícil dar graças a Deus quando uma pessoa tem mais alimento do que o necessário, enquanto outros sofrem miséria e fome.
Nasceu em Barcelona em 1966. É doutorada em Medicina e em Teologia. Muito conhecida pelas suas posições feministas e pelas críticas às multinacionais farmacêuticas, Teresa Forcades é uma monja beneditina do Mosteiro de Sant Benet de Monserrat.
Conheci-a em Julho de 2011, em Santander, num Congresso de Teologia e Ética, e a impressão que me ficou foi a de uma mulher séria e agradável, descontraidamente inteligente e interventiva.
Foi recentemente convidada para a conferência inaugural de um encontro de empresários, talvez o mais importante da Catalunha, com a presença de umas seiscentas pessoas.
Ela é absolutamente favorável ao empreendedorismo. Quereria que isso fosse uma possibilidade para todos, pois isso significa realizar possibilidades e ter iniciativas próprias. Mas põe em causa o empresariado baseado numa relação contratual num quadro capitalista sem ética. Por três motivos.
É uma mentira o mercado que se diz livre. De facto, ao longo da história, o mercado nunca foi livre. "Foi sempre regulado a favor de certos interesses: da realeza, interesses proteccionistas, da classe dominante, do parente dos governantes de turno." Mercado livre é "uma hipocrisia, uma falácia".
Depois, a lógica do capitalismo, no quadro do mercado global, quer "o máximo lucro". Ora, é aberrante, do ponto de vista antropológico e humano, pensar que a melhor maneira de incentivar as pessoas, a sua criatividade, a actividade económica e, em última análise, o crescimento, seja o lucro máximo. Satisfeitas as necessidades básicas, "o que me estimula não é o dinheiro", mas a curiosidade intelectual, o desafio de descobrir potencialidades e encontrar quem ajude a realizá-las, o apreço dos colegas, a valorização do trabalho que faço, ver que o trabalho das pessoas transforma de modo positivo as suas vidas. Porque não criar uma sociedade fundada no que verdadeiramente nos dá gosto e nos realiza? E o direito à alimentação, à educação, à saúde, à reforma tem de estar acima do mercado e do lucro.
Portanto, o capitalismo não lhe parece ético. E assume a crítica marxista da mais-valia, dando um exemplo: no mosteiro, temos uma pequena empresa de cerâmica e há uma pessoa de fora que lá trabalha; se lhe pagarmos um euro e ganharmos mil, o capitalismo dirá: que bem! "Mas isto é indigno, pois vai contra a dignidade do trabalho." Há diferenças aberrantes: num contrato, "talvez esteja bem que eu ganhe um e tu ganhes quatro ou até dez, mas mil não pode ser de modo nenhum".
É, pois, claríssimo que temos de pensar e organizar uma alternativa. "Quem nos ensinou a não confiar que não nos podemos organizar melhor, ao constatarmos, como constatamos, que o modo actual é tão claramente contrário aos interesses da maioria?" O bloqueio da imaginação é um sinal de alarme. É como se se tornasse não possível para mim, que sou monja e prefiro esta vida, imaginar para mim própria uma vida fora do mosteiro. "Se já nem sequer posso imaginar uma alternativa, creio que isso é um sinal de alienação mental."
O que é e aonde leva a especulação? Eu compro todo o trigo e guardo-o. As pessoas vão morrendo, mas, quando os preços subirem, vendo pelo dobro. "Isto aconteceu, e estes senhores do Goldman Sachs sentam-se nas primeiras filas dos convénios e recebem prémios, mas deviam estar na cadeia." São responsáveis por mortes. Jean Ziegler, das Nações Unidas, diz que isto é assassínio organizado. Presentemente, produzem-se alimentos para 12 mil milhões de pessoas, mas há mil milhões com fome. Cada dia morrem 26 mil crianças de fome.
A conversão fundamental é, na nossa visão do mundo, a da passagem da relação sujeito-objecto para uma relação sujeito-sujeito, substituindo assim uma relação de dominação por uma relação de jogo de subjectividades, no qual entram dignidades.
Se continuarmos nesta "alienação mental", neste bloqueio da renovação social, porque os políticos só pensam nas próximas eleições, sem capacidade para criar uma alternativa, a nossa situação pode piorar e podemos assistir a um fascismo social e político e até a uma guerra.
Texto de P.e Manuel Morujão, s.j., no "Correio da Manhã" de hoje. Refere o jesuíta que o inventor do lema olímpico foi o padre Henri Martin. Julgo que o nome está errado, tratando-se antes do dominicano francês Henri (Louis Rémy) Didon, que já por cá passou.
João Paulo II com o seu teólogo preferido, dizem, em 1984
Hans Urs von Balthasar (1905-1988), suíço, foi ordenado padre no dia 26 de julho de 1936. Era jesuíta e assim continuou a ser até 1950, altura em que, devido à amizade Adrienne von Speyr (1902-1967), uma viúva médica e mística, convertida ao catolicismo, deixou a Companhia de Jesus.
Diz a Wikipedia que este teólogo, um dos grandes ausentes do II Concílio do Vaticano, defendia uma "teologia ajoelhada", em contraposição à "mera análise sistemática", ou mesmo à especulação.
Deste teólogo disse Bento XVI, nos 100 anos do nascimento do suíço, que "a sua vida foi uma genuína busca da Vida verdadeira" (mensagem ao congresso internacional aqui), entendida como "busca da verdadeira vida". Com Ratzinger e de Lubac, Balthasar fundou no final dos anos 60 a revista "Communio". Morreu no dia 28 de junho de 1988, dois dias antes de receber o título, apenas honorífico, de cardeal.
Balthasar recebeu em 1984 o Prémio Paulo VI das mãos de João Paulo II. Na altura, afirmou ao "L'Osservatore Romano":
Acontecimentos como o de Denver, em que um homem disparou
contra a assistência de um filme do Batman matando 12 pessoas e ferindo mais de
50, fazem pensar no mal e mesmo no diabólico. Uma breve pesquisa no Google
mostra que há imensas associações entre este crime e o diabo/diabólico. O meu
receio é que, quando se pensa do diabólico, a responsabilidade humana fique
diluída numa pretensa força ou influência ou o que quer que seja de
sobrenatural.
Para as leis civis, felizmente, falar do diabo será mais um motivo para atestar a insanidade mental do presumível criminoso do que para
atenuar a sua responsabilidade.
Mas pode ser que falar de diabólico não nos distraia do que
está em causa. Se se falar do diabo e do diabólico como símbolo de um mal quase
inimaginável, mas sempre humano, se se falar do diabo e do diabólico como símbolos para nos
alertar para a necessidade de estar sempre atento ao mal, que, por si, pode ser
atrativo, até se compreende o uso desta linguagem. É nesta linha que interpreto
as recentes palavras de Bento XVI, proferidas depois de ter falado do massacre
de Denver:
“O maligno procura sempre arruinar a obra de Deus, semeando
divisão no coração humano, entre corpo e alma, entre o homem e Deus, nas
relações interpessoais, sociais, internacionais, e também entre o homem e a
criação” (li aqui).
O Bispo de Denver, por seu turno, em entrevista à agência
Zenit, falou de uma “batalha espiritual e moral entre o bem e o mal”:
“O tiroteio que aconteceu na sexta-feira foi um ato maléfico
- um ato de verdadeira violência. Nossa comunidade está chocada e triste pelo
acontecido. Como comunidade, levanta questões sobre o bem e o mal, e a batalha
espiritual e moral entre o bem e o mal. Mesmo em meio ao caos e ao mal daquela
manhã, existem histórias de heróis que no meio do tiroteio tentaram proteger os
amigos e entes queridos jogando-se em cima deles. Pela graça de Deus, o povo de
Aurora e do Colorado tem respondido com grande amor, com caridade e
misericórdia para com os feridos e as famílias que perderam seus entes
queridos. Existe um sentido de unidade em nosso estado, e isso é realmente uma
graça” (li aqui).
Estas duas visões do crime adiantam algo para a sua
explicação e, ainda que a questão não esteja subjacente às afirmações, para a
prevenção quanto a ações similares no futuro?
Na minha ótica, muito pouco. A moralidade das ações
individuais tem sempre um último reduto que é a consciência de cada um. Mas as
respostas do diabo e do diabólico, do maligno e da luta entre bem e mal, geralmente iludem a sociedade em que vivemos.
É por isso que, mesmo supondo que não concordo totalmente com a ideologia do
seguinte autor, considero que, de um ponto de vista cristão, as suas palavras
são mais úteis para perceber o que se passou em Denver e ter um princípio de
mudança.
Não digo que a explicação espiritual seja contraditória com a explicação sociológica. Digo que prefiro pensar a partir do concreto e que a explicação espiritual pode constituir uma ilusão que não deixa ver o que está em causa, se formos ingénuos.
O texto é de Atilio Boron e saiu no jornal Página/12, no dia
24 de julho. Li aqui.
O massacre que aconteceu num teatro de um subúrbio de Denver
desencadeou, como tantas vezes após a ocorrência de atrocidades semelhantes, o
previsível coro de lamentos que por sua vez se perguntava por que aparecem
regularmente nos Estados Unidos monstros capazes de cometer crimes como os do
tétrico êmulo do Joker. De fato, uma análise que ponha de lado a habitual
complacência com as coisas do império não poderia deixar de notar uma causa de
fundo: como expressão última da sociedade burguesa, os EUA são também o lugar
onde a alienação dos indivíduos atinge níveis sem paralelo em escala universal.
Não deveria surpreender ninguém que comportamentos como o do jovem James E.
Holmes - quantos assassinatos indiscriminados ocorreram nos últimos anos? -
aflorem periodicamente para espalhar a dor na população norte-americana.
Uma sociedade alienada e alienante, que gera milhões de
toxicodependentes (sem que exista qualquer programa do governo federal para
prevenir e lutar contra o vício), milhões de "vigilantes" dispostos a
impor a lei e a ordem por conta própria perseguindo pessoas pela cor da sua
pele ou traços faciais; e outros milhões que, assim como Holmes, podem comprar
em qualquer loja de armas uma espingarda de assalto, pistolas, revólveres,
granadas, bombas de fumo e todos os apetrechos da parafernália militarista e,
além disso, obter licenças para usar legalmente todo esse mortífero arsenal.
A recorrência deste tipo de massacres evoca um problema
estrutural, o que é cuidadosamente evitado nas explicações convencionais que,
invariavelmente, falam de um ser perdido, de um louco, mas nunca questionam as
causas estruturais que nessa sociedade produzem loucos em série. Uma sociedade
que se apresenta com características paradisíacas, como a terra prometida, como
o país onde qualquer pessoa pode ter sucesso e ganhar dinheiro em abundância,
poder e prestígio, com tudo o que esses atributos trazem como benefícios
colaterais e que, na verdade, são metas apenas acessíveis, na melhor das
hipóteses, a 5% da população. Os restantes, submetidos a um bombardeio de
publicidade incessante e constante, mastiga a sua impotência e frustração.
Ocasionalmente, alguns pensam que a solução é sair e matar pessoas a sangue
frio e de forma indiscriminada; outros, mais inofensivos, decidem matar-se
lentamente com drogas.
Mas, se a alienação generalizada da sociedade americana é a
causa de fundo, outros fatores contribuem para produzir comportamentos
aberrantes como o de Holmes. Primeiro, o grande negócio da venda de armas,
protegido sob o pretexto de ser um direito garantido pela Constituição, e que
na verdade é o complemento necessário para legitimar, em termos de sociedade
civil, o "complexo industrial militar" que domina a vida econômica e
política dos Estados Unidos, desde há pouco mais de meio século. Aqueles que
fabricam armas devem vendê-las, seja ao governo dos EUA (e, portanto, devem
fabricar guerra por todo o mundo, ou montar cenários tendentes a elas), quer
para os indivíduos ameaçados pelo espectro da insegurança omnipresente. Vários
analistas dizem que apenas nas regiões fronteiriças entre o México e os Estados
Unidos existem 17.000 lojas de armas onde se pode comprar uma espingarda de
assalto AK47 com a mesma facilidade com que se compra um hambúrguer, o que,
além de ser uma grotesca aberração, traduz a coerência da política de governo
que cobre tal absurdo. Em segundo lugar, a indústria do entretenimento (Hollywood)
permanentemente excita a imaginação de dezenas de milhões de americanos com um
fluxo incessante de séries, vídeos e filmes onde a violência mais cruel, atroz
e horrenda é exposta com rigor perverso. Antes também havia algo disto, mas
agora sua proporção tem crescido exponencialmente e, em determinados dias e
horas é quase impossível de se ver na televisão outra coisa que não seja a
glorificação subliminar do sadismo em todos as formas que só uma imaginação
muito doentia pode conceber.
A censura que existe - ora sutilmente, ora de forma
completamente descarada - para dificultar ou impedir que se conheça o trabalho
de cineastas ou documentaristas críticos do sistema ou que falem bem de países
como Cuba, Venezuela - Michael Moore ou Oliver Stone, por exemplo - não existe
na hora de preservar a saúde mental da população exposta ao vômito de
atrocidades e crueldades produzidas por Hollywood. Por algo será. E esse
"algo" é que tanto a venda descontrolada de armas de todos os tipos
como a violência induzida de Hollywood são totalmente funcionais para o projeto
de dominação da burguesia norte-americana. Noam Chomsky tem mostrado ao longo de décadas como esta tem
aperfeiçoado os mecanismos que lhe permitem dominar com terror, sabendo que do
medo – o sentimento mais incontrolável dos homens – brota a submissão aos
poderosos. Uma burguesia que incute o medo entre a população, fazendo com que
todos saibam que ninguém está a salvo e que para proteger as suas vidas pobres
e indefesas deve renunciar a mais e mais direitos, dando ao governo a
capacidade de vigiar todas as áreas públicas, monitorizar os seus movimentos,
interferir nas suas chamadas telefônicas, interceptar e-mails, controlar as
suas finanças, saber o que compram, em que gastam o seu dinheiro, o que leem,
com quem se reúnem e de falam quando o fazem. Um inimigo externo - agora o
"terrorismo internacional", antes o "comunismo" -
apresentado como onipotente e de uma crueldade sem limites é complementado
internamente com a ameaça encarnada nos milhares de assassinos que se misturam
com o resto da população, como Holmes, para cuja neutralização é necessário dar
à polícia, ao FBI, à CIA e ao Departamento de Segurança Interna todos os
poderes necessários. O que Thomas Hobbes colocava em 1651 no seu Leviatã como uma
metáfora heurística, impossível de encontrar na realidade, pelo seu extremismo:
a transferência para os indivíduos faziam de quase todos os seus direitos para
o soberano em troca de preservar a vida, acabou por se converter numa trágica
realidade nos Estados Unidos de hoje.
Conhecedor de certos ambientes vaticanos, em muitos dos seus aspetos, incluindo o das carteiras, Daniel Comboni (1831-1881), que também é santo, escreveu: "Todos os santos fizeram milagres espetaculares, mas nenhum fez, todavia, o milagre de ser canonizado ou deixar-se canonizar sem cobres".
Notícia do JN de hoje. A jornalista tentou falar com o Ministério da Educação, mas faltou falar com alguém da Igreja (e também há professores de outras religiões).
Da crónica de Fernando Madrinha no "Expresso" de sábado passado. Maçonaria e a confirmação da angeologia clássica (incluindo a doutrina tradicional do diabo e dos demónios) pelo bispo das Forças Armadas.
Quem anda perdido, quem não tem um objetivo, facilmente perde a esperança. Pelo contrário, aquele que avança para a própria meta, está cheio de esperança.
Francisco van Thuan, "O Caminho da Esperança" (Paulinas), pág. 143.
É preciso recuperar o vocabulário, a espontaneidade, a confiança, o desejo de comunicar o melhor que nos foi dado na vida, a responsabilidade de devolver à comunidade cristã de hoje o que sempre foi a sua força e o seu valor. Os primeiros cristãos tornaram-se Igreja com o grito "Vimos o Senhor!", e o mesmo grito, recuperado, apreciado, sentido e vivido, é o que há de voltar a dar à Igreja a presença, a influência e a vitalidade de que o mundo de hoje precisa.
Resposta a João Silveira, que na questão de Jesus, os
demónios e os exorcismos, aqui, sem rebater os argumentos, que era o que se
esperava, colocou mais alguns dilemas (no fundo é este: ou aceitamos o que a
moderna investigação diz ou deitamos fora tudo da DTDD - doutrina tradicional
dos diabo e dos demónios). Respondo aqui, em vez de responder nos comentários,
para, no futuro, se necessário, fazer remissões para este texto (e não estar
sempre a ler que não respondo às questões; às vezes não respondo; outras
respondo, mas se o interlocutor é novo, e como não posso fazer links para os
comentários, pode parecer que não).
Para alguns, este assunto já deu o que tinha a dar. Se é o
seu caso, não perca tempo com isto, p.f.
Numa coisa concordamos, João. O texto, aqui, é uma manta de
retalhos. Já o tinha dito logo no início. Mas não é uma manta de retalhos
qualquer. É feita com citações de obras de referência, entre as muitas
possíveis e apenas de algumas que tenho à mão (ou melhor atrás das costas, que
é onde está a estante dos livros de teologia). Na realidade, o difícil foi
escolher entre tantas possibilidades. E como a releitura (porque as leituras já
vêm de longe), selecção e escrita foram feitas em duas ou três horas, eu
próprio admito que tem limitações. É só um início. De qualquer forma, será
curioso encontrar teses de doutoramento ou dicionários bíblicos de referência
sobre o tema Jesus, os demónios e os exorcismos que fundamentem a DTDD e se
oponham ao que deixei escrito. Se o João ou Bernardo quiserem fazer-me esse
favor…
Poderá argumentar, contudo, que a dogmática católica não se
faz somente com os dados bíblicos. Com certeza. Mas não contra os dados
bíblicos.
Diz o João: Se… então temos que…
…deitar
fora o que a doutrina da Igreja diz sobre a existência do diabo e dos demónios; Eu diria antes, e é o que tenho vindo a defender: Ponderar o que diz a
doutrina da Igreja sobre o assunto; considerar o que é importante e relativo,
Revelação, Tradição e circunstâncias históricas, sabendo que por vezes anda
tudo misturado; reinterpretar o que realmente diz a doutrina da Igreja sobre o
assunto; considerar os vários âmbitos de pronunciamento do Magistério, considerar
a “hierarquia de verdades” e o desenvolvimento do dogma; ajudar a esclarecer; e
não temer ter dúvidas.
…desprezar
tudo o que os Papa disseram sobre a existência do diabo e dos demónios;
Há muito a desprezar (eu não usaria este termo, mas antes reconsiderar,
reavaliar, interrogar), sim, se pensarmos, por exemplo, na cobertura legal à
queima das bruxas (umas, sim, pensavam que tinham relacionamentos com o diabo;
outras mulheres, sem nunca terem sido bruxas, por vezes por apenas terem um
sinal corporal, foram vítimas da paranóia colectiva, católica e protestante,
com certeza). E muito mais a reinterpretar. E ainda mais a ouvir quando se
trata de estar atento ao mal e seus simbolismos.
Quanto aos Papas, na realidade, nos
últimos anos, há mais silêncio do que pronunciamentos, muito raros, simbólicos
ou não, sobre o diabo, e nenhum, que eu conheça, sobre possessões, por exemplo.
…desprezar tudo o que os santos disseram sobre
a existência do diabo e dos demónios;
Com certeza que sim, neste e noutros capítulos, mas não "tudo". Eu diria
relativizar em vez de desprezar. Gosto muito de São Bernardo (e, para questões
teológicas, já agora, mais do seu arqui-inimigo Abelardo), mas quer que
acredite que eram demónios as moscas que exorcizava? (É a terceira vez que
refiro este exemplo; mas ainda não disse que Belzebu, Baal Zebu, quer dizer
“Senhor das moscas”). Leio Lactâncio (não é santo, mas é um autor importante do
cristianismo primitivo), mas quer que acredite que Deus e Satanás eram ambos
vassalos de um Grande Deus? Admiro muitíssimo Orígenes (um monstro da teologia
antiga, só superado por Agostinho), mas, por isso, aceite-se, até segundo a
DTDD, que no final o diabo será salvo? Ou que Deus, por ardil, sacrificou Jesus
ao diabo, como diz S. Gregório de Nissa? A ideia foi muito seguida pelos
santíssimos padres da Igreja. Não há ironia em santíssimos.
…considerar
que santos como o Padre Pio, a beata Alexandrina, St. Teresa de Ávila ou S. João
Maria Vianney eram malucos, porque testemunham contactos com o dito cujo.
Não diria malucos, mas antes que se exprimiam com os
conceitos e comparações que tinham as suas convicções e que não são válidos nem
credíveis hoje. E para pegar num exemplo de tempos relativamente recentes, do
P.e Pio (os do Cura d’Ars/Vianney são idênticos), não estou a ver hoje alguém
ouvir um barulho de noite, ver um cão a bufar e dizer: “É o demónio”.
Este exemplo, do princípio do séc. XX (não muito depois do
Papa Leão XIII, grande homem, ter caído na patranha maçónico-demoníaca de Leo
Taxil) foi-me fornecido pelo Alma Peregrina numa discussão anterior:
One night,
Padre had returned to the convent of Saint Elia of Pianisi. He couldn't fall asleep that night because of
the enormous summer heat. He heard the footsteps of someone coming from a
nearby room. Padre Pio thought, "Apparently, Friar Anastasio couldn’t
sleep either." He wanted to call
out to him so that they could visit and speak for awhile. He went to the window
and tried calling to his companion, but he was unable to speak. On the ledge of
a nearby window, he saw a monstrous dog. Padre Pio, with terror in his voice,
said, “I saw the big dog enter through the window and there was smoke coming
from his mouth. I fell on the bed and I
heard a voice from the dog that said, "him it is, it is him". While I
was still on the bed, the animal jumped to the ledge of the window, then to the
roof and disappeared."
Os relatos dos santos sobre contactos com
o diabo podem ser edificativos para nos alertar para as insídias do mal (nem
sequer é o caso do texto acima), mas não lhes peçamos mais do que o que podem
dar. Para terem validade factual e para uma interpretação literal, deveríamos
contar com testemunhas, por exemplo, ou, em tempos mais recentes, com gravações
(existem, por exemplo, para os estigmas do P.e Pio), o que não acontece em
relação a casos demoníacos. É sempre o santo, na sua privacidade que relata a
sua experiência. Visões? Estados mentais? Imaginação? Com certeza que sim,
embora eu não saiba o que é ter visões. Ou simples imagens literárias? E que
validade têm as visões particulares para afirmar a realidade de algo? Dir-me-á
que nunca se poderá filmar o demónio, pela sua própria natureza – ou antes,
pela sua própria supernatureza -, mas então entramos no campo do
indemonstrável. Por outro lado, defendem, contudo, as possessões. Mas estas são
filmáveis… tal como outras manifestações do demónio defendidas pela DTDD (levitações, xenoglossia e coisas do género). Há alguma credível?
Ainda sobre os relatos dos santos, há
um caso exemplificativo, interessante, contado, imagine, pelo P.e Armoth (nem
tudo é mau no livro recente “Mais fortes que o mal”). Ele conta-o, diz, porque “por
vezes trata-se simplesmente de equívocos”. Ele conta um equívoco para contrastar
com os outros casos, para que passem por verdadeiros, como se o reconhecimento
de um equívoco evitasse o rótulo da ingenuidade e valorizasse os restantes
casos. (Ressalvo que não é da seriedade e das boas intenções do P.e Amorth que
duvido).
Transcrevo:
“É simpático o caso que aconteceu a D.
Bosco [outro que admiro]. Uma vez, tinha ido a uma casa de campo para passar ali
alguns dias de repouso. Estava junto com outras pessoas. Durante a noite,
começaram a ouvir alguns rumores. Vinham do teto e pareciam inexplicáveis. Ele
pensou na presenta do demónio, pois acontecia-lhe ser perturbado várias vezes.
Pôs-se a rezar. Depois, constatando que os rumores não terminavam, decidiu com
os seus amigos fazer uma revista ao local, encontrando uma galinha que ficara
presa no sótão e aterrorizada batia as asas por todo o lado. Para festejar a
conclusão burlesca e positiva daquela noite de sono perdida, mataram a galinha,
depenaram-na e comeram-na enquanto o diabo esfrega um olho” (pág. 60).
O que tiro deste relato em comparação
com outros é que, havendo várias testemunhas, o diabo não aparece. Se D. Bosco
estivesse sozinho, não sei se não seria mais um caso demoníaco (em
contrapartida, tinha-se salvado a galinha). Ou por outras palavras, o diabo só
aparece, mesmo em forma de animais, e fala, como no caso do P.e Pio, quando só
há uma pessoa a ver e ouvir – a que diz que é o demónio.
…considerar que todos os padres exorcistas do
mundo são malucos ou burlões;
Nunca pensei isso dos padres exorcistas. Em França, como já
disse noutro ponto, a grande maioria dos exorcistas diz-se “psicologizante” (como
Charles Chossonnerie, da diocese de Lião) porque acredita que as possessões,
sendo fenómenos psicológicos, não são possessões reais de demónios.
Não fui eu que escrevi o artigo, embora já tenha
usado expressões similares (como a do “efeito placebo”) antes de o ler. Sugiro
que, se está em desacordo, o emende.
Há alguns exorcistas que não são lá muito
equilibrados, isso há. Há muitos burlões quando se trata de lidar com os
demónios, principalmente fora dos exorcistas. E há muitos que estão enganados
mas não são burlões. Não conheço nenhum exorcista católico burlão. Quanto a
malucos, já não posso assegurar (depende do que entende por maluco e estou a
pensar num caso concreto – não é português, adianto). E muitos fazem o bem
ajudando pessoas que pensam que estão possessas, sem minimamente acreditarem no
diabo/demónio. Alguns, antes de fazerem o bem, fazem o mal, convencendo-as de
que estão possessas.
E há exorcistas evangélicos que deixam filmar os
exorcismos – estão na Internet – que com certeza são falsos para os exorcistas
católicos, os quais não permitem filmar os exorcismos (ou antes, os
preliminares do ritual é que vedam os exorcismos à comunicação social). Ou será
que católicos e evangélicos, tão distantes em tantas matérias (Papa, Maria,
Sacramentos), estão de acordo nas possessões? Temos então que o diabo será um
ponto de união para um diálogo ecuménico com os evangélicos? O diabo a fazer o
bem? [Aqui imagino qual será a resposta do João: Como só a Igreja Católica
Apostólica Romana tem a razão toda e a fé verdadeira, o diálogo ecuménico só
pode ser fruto do diabo].
Questão parecida com a da existência dos exorcistas
é: porque é que a Igreja tem o rito dos exorcismos? Já esbocei uma resposta
aqui, mas acrescento que, tanto quanto sei, lendo os preliminares e o ritual em
si, a linguagem é muito simbólica (“repeli a força do diabo”), fala
principalmente em “atormentados” pelo diabo e não “possuídos” ou "possessos", o que é
totalmente diferente, e apenas uma vez tem um termo relativo a possessão. Diz
assim: “Escutai, Pai Santo, o gemido da Igreja suplicante; não deixeis que o vosso
filho (a vossa filha) sofra a possessão do pai da mentira”. Diria que a
linguagem é escorregadia, pois não diz que está possuído/possesso. Pede, aliás, que não
sofra a possessão. Parece que está para acontecer. Na chamada fórmula imperativa, diz-se: “Eu te esconjuro,
Satanás (…), sai desta criatura de Deus”. Pergunto-me se a Igreja acredita
realmente que com isto se expulsa uma criatura sobrenatural de um ser humano,
ou se não estamos diante da linguagem litúrgica (ou quase litúrgica, neste
caso, pois o ritual nem sequer é uma verdadeira ação litúrgica, como os sacramentos),
simbólica, herdada de outros tempos, e, no meu ponto de vista, muito
questionável para os tempos de hoje. Que os exorcismos deixem as pessoas que
pensam que estão possuídas em paz, imagino que sim. Que a linguagem poderia
ser outra? Provavelmente haverá vantagens nesta.
…achar
que Jesus também era supersticioso e ignorante em relação à existência de
demónios. Que sabia a vida da samaritana, que sabia o que Natanael tinha andado
a fazer, que sabia que ia morrer e ressuscitar ao terceiro dia, mas andava enganado
em relação aos demónios;
Bom, nunca se disse que Jesus é supersticioso – evito pensar em qualificar
este tipo de afirmação do João. Porém, no que afirma, não percebe, primeiro, as
diferenças entre os evangelhos sinópticos e o de João Evangelista, já que os
exorcismos só acontecem nos sinópticos (e nunca em João – porquê?) e fala-me de
exemplos do evangelho de João, como o episódio da Samaritana e o de Natanael.
Não duvido dos seus parcos conhecimentos escriturísticos (porque ainda não
reconheceu que o apóstolo João não é o discípulo amado – estou a ser mauzinho
com esta), ainda que também não me possa orgulhar dos meus, porque estou sempre
a aprender. Mas ignora que cada evangelho tem uma lógica interna, que, de
facto, episódios isolados podem ser contraditórios. Além de que nenhuma
cristologia séria, hoje, defende uma omnisciência de Jesus como a que a sua
breve afirmação deixa patente. Ou pelo menos não entende a omnisciência de uma
forma mágica. Também é isso que Jesus recusa nas tentações… do diabo.
…trocar a
credibilidade desta gente toda para ficar com teólogos dissidentes;
Falso dilema, porque não se trata de "trocar", nem de "credibilidade", nem de "desta gente toda". “Teólogos dissidentes?” Isto é difícil de contrariar quanto aos autores dos
artigos dos dicionários, por exemplo, porque não os conheço (aliás, nem fui ver
quem são). Mas eles falam de coisas consagradas no saber teológico. E escrevem em
obras de referência. Por outro lado, noto que as obras estão publicadas em
editoras católicas como a Sal Terrae, Sigueme, Gráfica de Coimbra (que é da
diocese de Coimbra), Paulus (que tanto editou os livros de Ariel como os de
Amorth). Quanto à Herder, embora seja das mais importantes editoras de
teologia, julgo que não tem o estatuto de católica, que aqui invoco, não porque
para mim seja relevante, mas porque julgo que será para o João, ou pelo menos
responde à dissidência.
Desculpe-me se a resposta foi bastante
maior do que as provocações. Ou se me provocou por provocar e eu o levei a sério.
Para rir um pouco veja este vídeo sobre a levitação. É a terceira parte de cinco. Sugiro que veja(m) as outras, até porque a levitação, pelo menos no cinema, é um fenómeno associado às possessões. E ficamos a conhecer o patrono dos astronautas.
Texto de Anselmo Borges no DN de hoje. Tirei-o daqui.
Sobre o poder encantatório da música disse Homero na Odisseia. Era tanta a beleza, a doçura, o fascínio e o feitiço do canto das sereias que, para não correrem o perigo da atracção e da morte, Ulisses ordenou que tapassem com cera os ouvidos dos marinheiros e a ele o amarrassem sem possibilidade de fuga ao mastro do navio.
Não há nenhum povo sem música. Nada de tão material como a música: a voz, instrumentos de sopro, de percussão e de cordas e disso tudo resulta o que nos enleva, nos transporta para a transcendência, nos coloca lá no donde viemos e lá para onde verdadeiramente queremos ir e habitar. Feita de tempo, a música pára o tempo, transcende o tempo e tange o eterno. Ali, onde quereríamos estar sempre, e já não há morte.
Por isso, Ernst Bloch disse que a música é "a mais utópica das artes". Ela é o divino no mundo ou, pelo menos, o que nos abre à experiência do divino. Aí está a beleza, que, no dizer de Dostoiévski, "salvará o mundo". O belo abre a porta do que normalmente, no meio da banalidade rasante, se não vê nem ouve. Mas, quando se viu o invisível e se ouviu o inaudível e a sua beleza, tudo se transfigura e reconcilia. Este mundo torna-se outro, sem deixar de ser este. Daí, a exclamação de felicidade, que também os discípulos experimentaram, aquando da transfiguração de Jesus: "Como é bom estar aqui!"
No belo, tornamo-nos vizinhos imediatos do próprio transcendente. Como escreveu George Steiner, "a poesia, a arte, a música são os meios portadores desta vizinhança". A música, nomeadamente, é inseparável do sentimento religioso: "Ela foi durante muito tempo, continua a ser hoje, a teologia não escrita dos que não têm ou recusam qualquer crença formal."
Até pela negativa, através do dilacerante, o que ela procura é a harmonia. Como escreveu Fernando Savater, "na denúncia que falta vê-se contra a luz a possibilidade futura daquilo que poderia ser a plenitude".
Neste vislumbre e porque é um melómano, entusiasta da grande música, Miguel Oliveira da Silva, num debate sobre o diálogo inter-religioso, sugeriu que o modo de entendimento do Papa e de um chefe religioso muçulmano, por exemplo, seria a música. Como se sabe, Bento XVI é um pianista; se esse chefe muçulmano fosse um violinista, os dois, que talvez não se entendam na doutrina, entender-se- -iam num concerto para piano e violino.
A sugestão é realidade. Daniel Barenboim nasceu em 1942, em Buenos Aires, e tem tríplice nacionalidade: argentina, israelita e espanhola. Ele e o falecido Edward Saïd fundaram, em 1999, a célebre West--Eastern Divan Orchestra, com sede em Sevilha e formada por músicos espanhóis, israelitas, palestinianos, sírios, jordanos, egípcios, libaneses, iranianos e turcos.
No passado dia 11, a orquestra ofereceu um concerto ao Papa Bento XVI, grande amante da música clássica, tocando a Sexta Sinfonia (Pastoral) e a Quinta em dó menor, de Ludwig van Beethoven.
E o Papa agradeceu: "Podem imaginar quanto estou feliz por acolher uma orquestra como esta, que nasceu da convicção e sobretudo da experiência de que a música une as pessoas, para lá de todas as divisões; porque a música é harmonia das diferenças, como acontece cada vez que se inicia um concerto, com o 'rito' da afinação. Da multiplicidade dos timbres dos diversos instrumentos, pode surgir uma sinfonia. Mas isto não acontece de modo mágico nem automaticamente. Só se realiza graças ao empenho do maestro e de cada músico individualmente. Um empenho paciente, trabalhoso, que requer tempo e sacrifícios, no esforço da escuta recíproca, evitando protagonismos excessivos e privilegiando o melhor resultado do conjunto."
A mensagem a tirar da orquestra e do concerto é que, "para conseguir a paz, é necessário comprometer-se, pondo de lado a violência e as armas, e comprometer-se com a conversão pessoal e comunitária, com o diálogo e a busca paciente de acordos possíveis". Afinal, "a harmonia da música ensina-nos a paz". Por isso, pediu: "Continuem a semear pelo mundo a esperança da paz através da linguagem universal da música."
O que aqui vou deixar não é um tratado nem sequer um
artigo académico sobre a questão. Trata-se simplesmente de dicas recolhidas de
outros que pensaram a questão com mais profundidade do que eu. É mais um esboço
com alguns elementos mal ligados do que uma exposição sistemática.
Na questão dos demónios nos evangelhos e em qualquer outra bíblica, não devemos
olhar para os textos com as nossas ideias dogmáticas, mas analisá-los e
procurar entender o que querem dizer. Num segundo momento, poderemos tirar
conclusões para a dogmática e para a nossa ação e a da Igreja, a pastoral. Fico-me
só pelo primeiro aspeto: procurar perceber o que significaram os exorcismos de
Jesus.
Para isso, em primeiro lugar, temos de apontar o que
hoje sabemos sobre as mentalidades da época de Jesus, a partir de obras de referência.
Nos últimos séculos a. C., a chamada época
intertestamentária, “sob influência do dualismo persa, produziu-se uma evolução
nas conceções de determinados meios judaicos. Apareceram então «espíritos do
mal», opostos a Deus” (Diccionario Enciclopédico de la Bíblia, Herder, 1987,
414).
Notemos, também, que os evangelhos foram escritos em
grego e no meio da mentalidade greco-romana (certamente em comunidades judaicas
no seio da cultura helenística).
“Segundo a crença popular grega, o mundo está cheio
de demónios, de seres que ocupam um lugar intermédio entre os deuses e os
homens e sobre o quais influenciam e aos quaise se aplaca mediante a magia, a
bruxaria e o conjuro ” (Diccionario Teologico del Nuevo Testamento, II,
Sigueme, 14).
“Segundo a história das religiões, o que se diz
entre os cristãos do demónio está sujeito a influxos extrabíblicos, pagãos e
pré-cristãos: já séculos antes de Cristo existia o dualismo persa dos princípios
do mundo, com o deus mau das travas, Angra Manyu, que influenciou certos
círculos do judaísmo. E certamente na formação da doutrina eclesiástica sobre o
demónio influenciaram eficazmente tais correntes extracristãs; influenciaram as
doutrinas gnósticas (…) Não se funda na Bíblia o mito de Lucifer: Satanás
originariamente seria um anjo de luz que se teria levantado contra Deus e teria
sido derrubado para ser submetido a um castigo (Diccionario Teologico del Nuevo
Testamento, IV, Sigueme, 165-6).
Prossigamos para Jesus e o seu ambiente cultural.
“No judaísmo, abandona-se a grande moderação que a
religiosidade veterotestamentária
mantinha sobre este ponto [o demónio] e propaga-se a crença nos
demónios, se bem que o judeu nunca se tenha sentido ameaçado pelos demónios
como os adeptos das religiões à sua
volta. Os doutores da lei também admitiram a crença nos demónios. As figuras
demoníacas são numerosas - sedim, poderosos; mazzidin, maléficos; mehabilim,
corruptores; pegaim, tentadores; sirim, demónios com figura de bode; ruah raah,
espírito mau. Numa época mais antiga acreditava-se que os demónios tinham
nascido da união dos anjos caídos com mulheres (Gn 6,1). Outros pensavam que
uma parte da geração dos homens que construíram a Torre de Babel foram
transformados em demónios; ou que os demónios surgiram do comércio entre Adão e
Eva com espíritos femininos e masculinos, respetivamente; ou que os demónios
são uma criação singular de Deus” (Diccionario Teologico del Nuevo Testamento,
II, Sigueme, 15).
É neste contexto que vive, pensa, anuncia, come, bebe, fala, cura Jesus.
“Sem dúvida que Jesus e o cristianismo primitivo têm
a mesma ideia do demónio que os seus contemporâneos. Mas enquanto o ambiente
judaico e pagão tentava desterrar e exorcizar os demónios recorrendo a
sortilégios, conjuros e outras práticas mágicas, Jesus expulsa-os com a sua
palavra (Mt 8,16), de tal forma que as expulsões de demónios são fenómenos que
acompanham a sua pregação, a par com as curas (Mc 1,39). Dado que Jesus tem
plenos poderes de Deus e se mostra como o mais forte (Mc 1,14), os demónios
temem-no e inclinam-se diante dele. Graças a esta soberania que ele possui,
pode outorgar aos seus discípulos o poder de expulsar os demónios (Mt 10,1.8) e
esta autoridade sobre as potências demoníacas é o sinal de que em Jesus
aconteceu a irrupção do reino de Deus (Mt 12,22)” (acrescentarei mais tarde a fonte
deste trecho).
Temos ainda que notar que os conceitos de verdade e
de história desta época não são os nossos. Uma lenda herdada da noite dos
tempos é apropriada como verdade. E não podemos esquecer que a linguagem
bíblica, oriental, é fantasiosa e imaginativa.
Por outro lado, nos evangelhos diz-se que se dão
possessões demoníacas, mas nunca possessões diabólicas. Essa distinção é
significativa e é feita por muitos autores, entre os quais o que aqui se cita.
Este ponto da doutrina deste autor não foi posto em causa pela autoridade
eclesiástica, ao contrário de outros, num processo pouco claro e já apontado
por alguns neste blogue para desconsiderar o pensamento do autor. Insisto que o
texto é uma exposição acessível para compreender a questão.
Jesus expulsa demónios. Jesus não expulsa o diabo
porque não há possessões diabólicas na Bíblia. Jesus acalma a tempestade da
mesma forma que expulsa um demónio. O demónio sai e a pessoa fica calma,
curada. O demónio sai da tempestade e o mar fica calmo, curado. Outros
expulsavam demónios, mas nenhum curava a natureza. Só Jesus.
Nenhum dos possessos curados por Jesus mostra os
sinais que “podem indiciar a presença de distúrbios de origem diabólica”
referidos pelos exorcistas atuais. Cito os tais sinais (aqui, ponto 13):
“Conhecer línguas desconhecidas à pessoa, bem como
factos ocultos, manifestar uma força acima do normal e ter aversão às coisas
sagradas; ver, ouvir, sentir, cheirar e imaginar coisas inexplicáveis à luz das
ciências psicológicas; ter doenças ou distúrbios somáticos inexplicáveis à luz
das ciências médicas; acontecimentos estranhos com objetos e animais
inexplicáveis à luz da ciência, como por exemplo, coisas que se movem do lugar
sozinhas, eletrodomésticos que se acendem e desligam sozinhos, etc.”.
[Temos de concluir por aqui, em alternativa, que a)
as possessões no tempo de Jesus não eram verdadeiras possessões; ou b) as
possessões de agora não são verdadeiras possessões como no tempo de Jesus; ou c)
umas e outras são outras coisas que verdadeiras possessões; também podemos ser pela d) os sinais das chamadas possessões mudam de época para época; eu sou pela d) porque c)].
Claro que no tempo de Jesus não havia
eletrodomésticos. E há um caso de alguém com uma força acima do normal, o
possesso de Gerasa (Mc 5,1-14, episódio tão querido de Saramago por causa do
desperdício de carne de porco com tanta gente a passar fome, dizia ele, numa interpretação literalista, aliás muito próxima, nos seus métodos, da dos defensores da doutrina tradicional do diabo e do demónio).
Vejamos o que diz
um investigador atual sobre esta “possessão”, que geralmente é apontada pelos exorcistas como a mais importante, e o que significa a ação de Jesus
de exorcizar. Considero que, entendido assim, as ações de Jesus são muito mais
iluminadoras para o homem contemporâneo.
Os texto acima é retirado de "Jesus, uma abordagem histórica", de José Antonio Pagola (Gráfica de Coimbra 2, 2008).
Manuel Fraijó, em “Satán en horas bajas”, Sal
Terrae, 1993, afirma, em resumo (reconheço que alguns, invocando determinadas cristologias,
repudiam à partida o que se segue):
"É provável, ainda que não seguro, que Jesus
participasse da mentalidade do seu tempo e acreditasse nos demónios. Não seria
o único erro que há que lhe imputar. Também parece que contou com o fim
iminente do mundo. Os escritos bíblicos afirmam que Jesus foi igual em tudo a
nós, menos no pecado. Não esteve, pois, isento de erros. Nem tal significa que
os cristãos estão obrigados a partilhar estes erros".
“A maioria das passagens em que os evangelhos falam
de Satã e seus sequazes são criação da comunidade posterior. Não são, pois,
expressão das ideias pessoais de Jesus sobre Satã. (…) Do conjunto da mensagem
de Jesus deduz-se que o autêntico perigo para o ser humano não procede de Satã,
mas do coração humano. O que mancha o homem, diz Jesus, nunca é o que vem de
fora, mas o que procede de dentro".
"A figura de Satã não faz parte da autocompreensão
essencial de Jesus nem é necessária para que os cristãos acedam a Ele. Jesus
anunciou a Deus, não a Satã. Se alguma vez recorreu a Satã, foi para
exemplificar melhor a sua mensagem. Mas não especulou sobre ele nem desenvolveu
uma teoria demonológica. Toda a sua vida, morte e ressurreição se orientou em
prol do positivo, da boa nova. O verdadeiramente importante para os cristãos
não é Satã nem os milagres de Jesus, mas o «milagre Jesus»".
Citando Vasco Pinto de Magalhães, que se reporta a
Walter Kasper, temos de afirmar que “interpretando os textos bíblicos com a
exegese atual [que não é feita aqui; apenas se dão pistas] não é possível
manter a doutrina tradicional” do diabo e do demónio.
Quero ainda mostrar como um autor atual e insuspeito
entende hoje a missão de Jesus dada aos discípulos de “exorcizar e curar”. A
seguir, mas não sei ao certo quando.
Futebol lefebvriano, como antes do Vaticano II, exceto a bola e as chuteiras. Será que os lefebrivanos seguem as alterações recentemente aprovadas pela FIFA?
No sábado passado, lefebvrianos emitiram um comunicado que
diz a certa altura:
Sobre todas las innovaciones del Concilio Vaticano II que
permanecen manchadas de errores y sobre las reformas que de él han salido, la
Fraternidad sólo puede continuar adhiriendo a las afirmaciones y enseñanzas del
Magisterio constante de la Iglesia; ella encuentra su guía en este Magisterio
ininterrumpido que, por su acto de enseñanza, transmite el depósito revelado en
perfecta armonía con todo lo que la Iglesia toda ha creído siempre y en todo
lugar.
Isto foi no sábado. No domingo, o Papa foi a Frascati, a
diocese que mais Papas deu depois de Roma, reafirmar o Vaticano II.
Notícia da Ecclesia:
Bento XVI defendeu hoje a necessidade de as comunidades
católicas voltarem a ler, aprofundar e “colocar em prática” os ensinamentos
saídos do Concílio Vaticano II (1962-1965). “Os documentos do concílio contêm uma riqueza enorme para a
formação das novas gerações cristãs. Releiam-nos, com a ajuda de sacerdotes e
catequistas”, pediu, na homilia da missa a que presidiu (…).
Sobre esta visita, Giacomo Galeazzi escreveu no “La Stampa”
de 16 de julho:
Nem corvos nem cismáticos irredutíveis perturbam o verão
"conciliar" de Joseph Ratzinger. Do quartel general suíço dos
lefebvrianos, chegam nuvens escuras, mas em Frascati, na Itália, o sol
resplandece. Bento XVI antecipa o provável "não" da Fraternidade São
Pio X ao retorno à Igreja Católica com uma orgulhosa defesa apaixonada daquele
Concílio Vaticano II que, há meio século, o viu empenhado como jovem teólogo,
mas que continua sendo obstinadamente rejeitado pelos seguidores do arcebispo
tradicionalista Marcel Lefebvre.
(…) Nada parece mais distante dos sofismas dos lefebvrianos
e dos venenos do Vatileaks do que o afeto espontâneo das pessoas pelo seu papa.
"Estamos contigo", repetem as faixas em todos os cantos.
Neste último excerto gostei especialmente da expressão
“sofismas dos lefebvrianos”. Sim, eles são muito lógicos (reparem como há
frases tão repetidas nos comentários deste bloque em relação a certos assuntos:
A Fraternidade São Pio X "sólo puede continuar adhiriendo a las
afirmaciones y enseñanzas del Magisterio constante de la Iglesia; ella
encuentra su guía en este Magisterio ininterrumpido que, por su acto de
enseñanza, transmite el depósito revelado en perfecta armonía con todo lo que
la Iglesia toda ha creído siempre y en todo lugar) mas têm uma grande falta de
imaginação. Lógica sem imaginação e intenção de procurar a verdade sempre
incompleta dá sofismo e, se quiserem, fundamentalismo. Lembro-me se alguns
raciocínios que já vinham do próprio Lefebvre: Se Cristo é a verdade, todas as
demais religiões são erro. Se durante tanto tempo foi assim (latim, batinas,
rendas, poderes, ritos…), porque temos de mudar de um dia para o outro? Se
sabemos onde está a verdade, porque havemos de querer liberdade para errar? Se
sempre jogamos à bola de batina, porque havemos de jogar de calções, essa
inovação do Vaticano II (este último raciocínio só se encontra nos apócrifos de
Lefebvre).
Cardeal Castrillón Hoyos, que tem sido figura importante no diálogo com os lefebvrianos (foto acrescentada no dia 24 de julho)