domingo, 30 de junho de 2013

Bento Domingues: "Pobreza escandalosa e pobreza virtuosa"

Início do texto de Bento Domingues no "Público" de hoje:

O Papa Francisco não tem precisado das habituais campanhas de marketing destinadas à construção de uma vedeta, para consumo dos meios de comunicação social. Os gestos simples, calorosos e alegres de proximidade surgem como o seu modo de ser. O que lhe importa é deslocar os olhos das pessoas para o mundo dos pobres, excluídos e marginalizados, denunciando as opções económicas e financeiras que aprofundam o abismo entre os muito pobres e a dominação de interesses incontrolados, a nível local e global.

sábado, 29 de junho de 2013

Anselmo Borges: "O sétimo mandamento e a parábola de Francisco"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

A quem rouba pouco chamam-lhe gatuno e metem-no na cadeia; pelo contrário, a quem o faz em grande escala chamam-lhe grande financeiro e recebe todo o tipo de elogios e felicitações pelo seu espírito empresarial." Quem isto escreve é um filósofo espanhol que, embora ateu e anticlerical, muito estimo: Fernando Savater, que acaba de publicar um pequeno livro de reflexão sobre - é este o título - "Os Dez Mandamentos no Século XXI".

Não roubar referia-se, antes de mais, ao sequestro de pessoas, ao roubo de outros seres humanos, frequente para arranjar escravos. Esse rapto continua hoje, sobretudo para conseguir órgãos. Mas também continuam os raptos dos opositores políticos e de bebés, como aconteceu na ditadura argentina, tanto mais horrorosos quanto foram praticados também por pessoas ligadas à religião, até de missa diária. Ora, "o corpo é a propriedade elementar que cada um de nós tem e ninguém quer ser utilizado, raptado ou manipulado por outros".

Há múltiplas formas de roubo: o roubo da dignidade, do tempo, de ideias. É impressionante o que se passa em situações de catástrofe, como terramotos e inundações: no meio do caos e da desordem, o saque em massa. É como se populações desfavorecidas pudessem, finalmente, participar no festim do capitalismo e do consumo.

Na realidade, quando falamos em roubo, referimo-nos, em princípio, a tirar às pessoas injustamente os bens que possuem e a que têm direito. Mas, em caso de necessidade, ainda se pode falar de roubo? Quem condenaria alguém por roubo, concretamente se se rouba a uma pessoa rica ou uma instituição endinheirada, para, numa situação de desespero, comprar um remédio ou pão para um filho esfomeado? "Há matizes morais e jurídicos que diferenciam quem rouba um pedaço de pão e quem tira a uma viúva o sustento com que alimenta os filhos." Lá está o carácter insaciável de algumas pessoas com quantidades de dinheiro suficientes para mais de dez vidas e que continuam a roubar. No entanto, só podemos comer três vezes ao dia e dormir numa cama de cada vez. "No fundo, há um limiar a partir do qual o dinheiro se transforma numa doença e não numa ajuda." Aí estão os especuladores gananciosos, que enriquecem utilizando mecanismos e sistemas que, embora não constituam delito no sentido estrito do termo, equivalem a roubar do ponto de vista moral: legalidade e moralidade não coincidem, "sobretudo em situações de penúria e escassez". Ora, no dia em que escrevo, leio, num documento divulgado pela organização não governamental Oxfam, que os paraísos fiscais ocultam 14 biliões (14 seguido de 12 zeros) de euros, que, se fossem taxados, poriam duas vezes fim à pobreza extrema no mundo.

E os impostos? Lá está o dito célebre: duas certezas na vida: morrer e ter de pagar impostos. A justificação destes só pode ser o bem comum e o bem-estar, como bens colectivos, segurança social, protecção no desemprego e na doença, garantidos pelo Estado. Se o Estado não cumpre os seus deveres, nomeadamente na sua função redistributiva, pode chegar-se a "uma forma legal de roubo".

O Papa Francisco não se tem cansado de insistir na necessidade de trazer a ética para a economia e para a finança. Na sua linguagem simples, evocou recentemente uma parábola para explicar a crise. Como se trata de uma "crise do homem, que destrói o homem, que despoja o homem da ética, tudo é possível, tudo se pode fazer, e vemos como a falta de ética na vida pública faz tanto mal a toda a humanidade". E vem a estória, contada por um rabino do século XII. Aquando da construção da Torre de Babel, era necessário fabricar tijolos do barro, meter-lhe palha, levá-los ao forno e, já cozidos, transportá-los para o alto. Cada tijolo era um tesouro, devido a todo o trabalho para o fabricar. Quando caía um tijolo, era um drama e o operário era castigado. Mas se caísse um operário nada acontecia.

"Isso é o que se passa hoje: se os investimentos nos bancos caem, é uma tragédia, mas se as pessoas morrem de fome, se não têm nada para comer nem têm saúde, não acontece nada. Esta é a crise actual."

sexta-feira, 28 de junho de 2013

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Conspiração judaica no Vaticano. E o Papa na SIC

Henrique Cymerman (que nome tão português e tão judeu; até Bob Dylan tem um, Zimmerman), com a cunha do amigo judeu, chegou ao Papa. Conspiração judaica no Vaticano, portanto. Sorte grande para o jornalista e para a SIC. Vem na "Visão" de hoje. Quero ver logo à noite, embora suspeite que não vá ser possível devido a duas pequenas criaturas, não porque dominem a televisão, mas porque após o jantar é hora de brincar às escondidas, a descarregar o resto das pilhas antes do sono (as minhas acabam sempre primeiro). Mas sim, vou gravar.







Como ficar calado?


Como sou são sei o quê de uma certa intelectualidade das esquerdas, partidário do PCI frente à DC, a todos lhes parece mal que eu tenha dado o meu ponto de vista sobre a figura de Jesus de Nazaré.

Pier Paolo Pasolini

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Marco Politi: "O apartamento vazio do Papa Francisco assusta o Vaticano"

É aqui que o Papa Francisco não mora

Admirável prosa de Marco Politi (que já por aqui andou, por exemplo), no “Il Fatto Quotidiano” de domingo passado, sobre os 100 dias do Papa Francisco. Respigo alguns parágrafos (quase tudo, aliás). Texto todo aqui. Enquanto Igreja também me sinto questionado.

A decisão é tão inédita e chocante que o pântano conservador – aninhado no Vaticano e na Igreja universal, embora provisoriamente silenciado pelo fracasso do pontificado ratzingeriano – tenta rebaixar o gesto como "estilo pessoal", um pequeno tique de originalidade. Mas é como se Obama deixasse a Casa Branca, ou a rainha da Inglaterra desertasse oBuckingham Palace, preferindo um alojamento ao lado da Victoria Station. Bergoglio desvaloriza radicalmente o Palácio, exalta o verdadeiro chefe da Igreja – Cristo – e se coloca abertamente entre os "pecadores" como são os fiéis aos quais ele se dirige. 
Os símbolos contam muito. Especialmente quando são arquivados. Dia após dia, o papa que veio do fim do mundo desmontou a simbologia imperial e quase divina dos pontífices. Ele rejeitou o manto e os sapatos púrpuras dos imperadores romanos, eliminou as mitras triunfalistas, ficou na chuva com os fiéis, explicou que viver isolados como soberano não lhe é possível por "motivos psiquiátricos", como se dissesse que é coisa de anormais se encerrar em uma torre de marfim. 
Ele disse a expressão mais afiada – que muitos no Vaticano e nas esferas cardinalícias tentam esquecer – a uma menina (escolha precisa de se dirigir aos inocentes: Bergoglio, assim como João XXIII, nunca fala por acaso). Quem busca o papado, proferiu, não é uma pessoa equilibrada. "Uma pessoa que quer ser papa não quer bem a si mesma, e Deus não a abençoa". 
O Palácio vazio, redimensionado como sede de trabalho, expressa uma reviravolta epocal. Inquieta dentro e fora da Cúria. Despedaça o ícone ideológico da "sede apostólica" como centro de um poder de cunho divino. Impede que a burocracia vaticana se cubra de pretensões de infalibilidade. Reforça o pedido aos bispos do mundo para que não adoeçam com a "psicologia de príncipes". 
Bento XVI, abdicando, humanizou o papel papal. Francisco tira as suas consequências, apresenta-se somente como "bispo de Roma" e arquiva a aura onipotente de Pontífice Máximo. Bergoglio não é o primeiro papa global – Wojtyla marcou o salto de qualidade –, mas é o primeiro papa que descarta a ideologia da onipotência. 
O início do pontificado foi marcado por sinais claros. A Igreja deve ser pobre, clero e bispos não são autorreferenciais, os padres devem se projetar para as periferias existenciais. Não se trata de cuidar do próprio rebanho dentro dos muros das paróquias, porque agora não é a única ovelhinha que está perdida, mas são as "99 ovelhas" de 100 que estão longe. A corrupção e o escândalo de vidas duplas hipócritas no Vaticano (gays ou heterossexuais, pouco importa) deve ser resolvido. 
O enigma desse início de pontificado está aqui. Reestruturar a Cúria Romana não é difícil, limpar o IOR também não é impossível. Mas reformar a Igreja Católica, habituar os bispos a serem missionários sóbrios no estilo de vida e não potentados locais, reprogramar o pessoal vaticano e o clero a um trabalho essencialmente pastoral e não de funcionários mais ou menos sistematizados, erradicar tráficos, tirar da Cúria o papel milenar de centro burocrático e de poder incontestável, fazendo dela um instrumento de unidade em espírito de colaboração com os episcopados do mundo... é um objetivo gigantesco.

Divino

Não creio que Cristo seja Filho de Deus, porque não sou crente, pelo menos conscientemente. Mas creio que Cristo é divino: quer dizer, creio que nele a humanidade é tão alta, rigorosa, ideal, que vai muito para além dos limites habituais do humano.

Pier-Paolo Pasolini

domingo, 23 de junho de 2013

Bento Domingues: "O Pacto das Catacumbas"

Início do texto de Bento Domingues no "Público" de hoje:

João XXIII, um mês antes da abertura do Concílio Vaticano II, na radiomensagem de 11 de Setembro de 1962, espantou os próprios católicos com a declaração: “Hoje, a Igreja é especialmente a Igreja dos pobres”. Em número, esta afirmação não podia ser mais exacta. Por que terá, então, levantado tanta celeuma? Creio que, passados cinquenta anos, continua a ser estranha. O Papa Francisco acaba de surpreender muita gente, com gestos e atitudes, que já deveriam ser uma prática corrente. É certo que o Vaticano II alterou uma eclesiologia piramidal. Mas não podia mudar a mentalidade e representações que foram cimentadas ao longo de séculos. Ainda hoje, quando se fala de Igreja não pensamos logo em comunidades cristãs. Pensamos em padres e na hierarquia eclesiástica presidida pelo Papa, rodeado por um conjunto cardeais, com sede no Vaticano. Essa não é a imagem mais directa da pobreza. Verdadeira ou falsa, não é apenas a propaganda anticlerical a dizer que a Igreja é rica e está ao serviço dos ricos e poderosos.

O resto, aqui, amanhã.

sábado, 22 de junho de 2013

Anselmo Borges: "Atenienses e mélios, Portugal e a Europa, poder e política"

Final do texto de Anselmo Borges no DN de hoje:

Qual é o problema? Nos tempos modernos, nos Estados-nação, houve durante cerca de duzentos anos um casamento entre poder e política, e julgou-se que "poder e política deveriam continuar de qualquer maneira a viver juntos: a arte política como o poder de fazer coisas, diga-se um poder regulado, compensado e orientado pela política". Ora, o que está a acontecer é que numa globalização meramente negativa não conseguimos ainda instituições políticas de carácter global e o poder tende a evaporar-se no ciberespaço, num mundo planetário. Em síntese, "o poder globaliza-se enquanto a política permanece local". O poder já não está subordinado à política nem é por ela limitado. "A política encontra-se cada vez mais desprovida (e torna-se cada vez mais destituída) de poder, e os Estados-nação, como tal, podem fazer cada vez menos do que faziam antes."

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Francisco dá boleia a Messi


 Na quarta-feira, o Papa deu "boleia" a um portador de deficiência com a camisola argentina de Messi. Lindo e comovente. E imagino que alguns poderiam não querer que o jovem, ainda por cima assim vestid0, se aproximasse de Francisco. Mas Francisco tornou-se próximo dele.



Funeral católico recusado a homossexual

Notícia do "Correio da Manhã" de hoje.

Desvio

Antes de ser Cristo, é a verdade.
Se nos desviamos d'Ele para ir para a verdade,
não andaremos um grande troço sem cair nos seus braços.

Simone Weil

quinta-feira, 20 de junho de 2013

100 dias de Papa Francisco

Faz hoje 100 dias que temos o Papa Francisco.

A Ecclesia faz aqui um pequeno balanço. Um Papa próximo.

Também podemos conhecer a perspetiva suíça aqui (obrigado, FCO). Um "Papa dos pobres" que se tornará um decisor determinado.

Pátria

O Evangelho é a minha verdadeira pátria espiritual.

Maurice Blondel

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Jonas e a descida

Inês Fonseca Santos tem um livro de poesia que se chama "A Habitação de Jonas". Não sei se fala da fuga e da descida às profundezas do mar. Mas a autora diz que Jonas quer arrumar o coração para "descer por ele até mais do que uma sílaba:/ até uma palavra". Fala de descidas, portanto.

Aprender com os ateus: Jornada desde a manjedoura

Ao contar a jornada de um homem desde a manjedoura, o cristianismo conta uma história quase universal acerca do destino da inocência e da docilidade num mundo turbulento. A maior parte das pessoas são cordeiros que necessitam de bons pastores e de um rebanho misericordioso.


Alain de Botton, em "Religião para ateus", pág. 223.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Segundo milagre de João Paulo segundo

A comissão teológica da Congregação para a Causa dos Santos atribuiu um segundo milagre ao papa João Paulo II. As fontes citadas pela Ansa (agência italiana), não identificadas, afirmaram que o novo milagre irá "surpreender o mundo". Li no DN.

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...