Bento Domingues no "Público" de hoje (aqui).
1. Hoje, é o primeiro Domingo do Advento, um tempo dedicado
a preparar a celebração do nascimento de Jesus. A selecção de leituras bíblicas
está feita, os cânticos escolhidos. É previsível o que será dito nas homilias.
Se alguma surpresa surgir só poderá vir do Papa Francisco.
Tinha acabado de escrever este parágrafo, quando me
telefonaram do Diário de Notícias a pedir um primeiro comentário à Exortação
papal Evangelii Gaudium. Acabava de chegar de Ponta Delgada, onde tinha ido
participar na XIX Semana Bíblica Diocesana. Cheguei sem saber absolutamente
nada acerca dos últimos atrevimentos do Bispo de Roma que, como li depois, se
confessa aberto a novas sugestões, pois não se deve esperar do magistério papal
uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à
Igreja e ao mundo (16).
A crónica que tinha preparado era provocada pelo crescimento
dos nossos multimilionários e pelos da ilha Hainan (China), nas suas faustosas
e ridículas exibições. Um deles, Xing Libin, gastou no casamento da filha,
8.455 milhões de euros, e além desta miséria só lhe ofereceu seis Ferraris.
Esta humilhação, esta ofensa directa ao mundo da pobreza e da miséria
enojou-me. A indignação do Papa brota da mesma fonte donde vem a sua alegria: a
intimação do Evangelho a mudar as comunidades católicas e o mundo.
Esta tentativa de mobilização de toda a Igreja para uma
evangelização nova é também o enterro do estilo rançoso que, vindo de muito
antes, lançou e acompanhou, durante anos, a chamada “nova evangelização”.
Não resisto a transcrever algumas passagens deste longo
documento - nunca enfadonho - sobre o tema que eu tinha destinado para esta
crónica. Tentarei, em breve, partilhar outra leitura deste conjunto de notas
franciscanas unidas pela alma que em todas palpita e dá ritmo ao conjunto.
A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza
não pode esperar (202).
2. Assim como o mandamento "não matar" põe um
limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos
dizer "não a uma economia da exclusão e da desigualdade social". Esta
economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem
abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é
exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando
há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no
jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais
fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se
excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída.
O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode
usar e depois lançar fora. (…) Os excluídos não são "explorados", mas
resíduos, “sobras” (53).
Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da
"recaída favorável" que pressupõem que todo o crescimento económico,
favorecido pelo livre mercado, consegue, por si mesmo, produzir maior equidade
e inclusão social, no mundo. Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos,
exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder
económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante.
Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de
vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta,
desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos darmos conta,
tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não
choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles,
como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A
cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o
mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas
ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espectáculo que não
nos incomoda nada (54).
3. As mulheres não vão gostar de ler, neste belo documento,
que o sacerdócio está reservado aos homens e que esta é uma questão que não se
põe em discussão. Quem a retirou da discussão foi João Paulo II, em 1994, mas
continua a ser cada vez mais discutida. O Papa Francisco considera, por outro
lado, que aí está um grande desafio para os Pastores e para os teólogos, que
poderiam ajudar a reconhecer melhor o que isto implica, no que se refere ao
possível lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes
âmbitos da Igreja (104).
As mulheres não se vão esquecer de lhe lembrar que já
existem muitas teólogas e que a Comissão Pontifícia Bíblica, em 1993, reconheceu
a abordagem feminista da Bíblia. Em Portugal, existe a Associação de Teologias
Feministas. Esta, como outras organizações, não deixarão de apresentar
sugestões ao Papa Francisco para novos documentos, como aliás, ele não cessa de
lembrar (16).
Sem a participação activa das mulheres não há Igreja de
Jesus Cristo.
2 comentários:
Já tem dois milênios.
Não sei se é uma verdade historica, mas há referencias a diaconisas na historia da igreja.
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