sábado, 3 de novembro de 2012

Anselmo Borges: Luto(s). As lágrimas de Deus


Texto de Anselmo Borges no Diário de Notícias de hoje. Daqui.
O da semana passada, sobre o mesmo tema, pode ser lido aqui.

Como escrevi aqui no sábado passado, o luto é dor pela perda, principalmente pela morte de alguém. Há muitos tipos de perda, mas a perda principal é a morte. Quanto mais fortes forem os laços com alguém maior a dor e o luto, que pode considerar-se o outro lado do amor.

O luto, excepto quando não houve o trabalho sadio do luto e, assim, se tornou patológico, não é, pois, uma doença, mas tão-só a expressão da dor pela morte de alguém significativo.

Trata-se de uma dor que afecta as múltiplas dimensões do ser: física, psíquica, espiritual, social, sendo, por isso, a reacção à perda igualmente variada: choque, negação, tristeza, depressão, culpabilização, raiva, ansiedade, desinteresse pela vida quotidiana, fadiga, desamparo, com expressões físicas, como perturbações do sono, problemas gástricos, sensação de vazio físico e psíquico...

Há vários tipos de luto. Pode ser antecipado: face à perda iminente de alguém. Há o luto caracterizado como ambíguo: pense-se no caso da perda por ocasião de um rapto e se ignora se a pessoa está viva ou morta ou no caso de se viver em presença de uma pessoa com Alzeihmer: ela ainda está viva e já está "morta". Há lutos mais complicados, porque não são ou podem não ser reconhecidos: pense-se no caso dos homossexuais, que perdem o/a companheiro/a, ou dos que perdem o/a "amante". Há lutos retardados: não foram feitos no devido tempo, e lutos crónicos: as pessoas nunca mais enterram os seus mortos e as energias ficam todas fixadas no passado, instalando-se a incapacidade de reintegração na sociedade e reinvestimento na vida que continua. Há lutos encobertos: o luto não foi elaborado em termos sadios e manifesta-se de modo mascarado, por exemplo, numa doença pela qual, inconscientemente, se quer chamar a atenção. Para a morte de um filho nem há nome: quem perde o pai ou a mãe fica órfão, o viúvo ou a viúva perderam a mulher ou o marido; mas que nome se dá ao pai ou à mãe que perderam um/a filho/a?

No luto, elabora-se a dor e aprende-se a pensar sem culpa sobre a perda, a exprimir sentimentos e a partilhá-los. É uma resposta física, emocional, cognitiva, social e espiritual a uma perda significativa.

O que se pretende é o caminho da aceitação da realidade - superar a negação, aceitar a morte como morte. Mesmo que possa haver alucinações, é preciso compreender e aceitar que a morte é morte e que o morto nunca mais regressa a este mundo. Por outro lado, dar expressão aos sentimentos e partilhá-los: nomear o que se sente. Os sentimentos não são morais, lembra o especialista José Carlos Bermejo - este texto é devedor a um Simpósio sobre o tema, organizado em Ponta Delgada pelo Padre Paulo Borges, no qual também participou.

Outro objectivo: adaptar-se ao ambiente em que o defunto já não está, o que implica a capacidade de, com o tempo, desmontar os lugares e as coisas do morto: é preciso fazer as pazes com os espaços do outro definitivamente ausente, e compreender que é necessário investir noutras realidades - investir energia emotiva noutras tarefas e relações. Pode-se de novo viajar, sorrir, viver a vida.

O caso das crianças é especial. Não se deve mentir, dizendo, por exemplo, que a pessoa querida foi viajar, pois isso significaria que a abandonou, mas deve-se perguntar pelas suas preocupações, fomentar o diálogo e a recordação, ouvi-las, permitir a participação em rituais, explicando e dirigindo-se expressamente a elas. Dizer claramente que se não compreende. Apresentar a natureza, onde também se morre, como comparação.

O luto é um processo, que pode durar 6 meses e pode ir até 1-2 anos. Os rituais - velório, enterro, cremação - têm papel decisivo. A religião pode ser uma ajuda fundamental, na medida em que vem em auxílio com a fé no Deus da Vida contra a morte.

E aí estão as pessoas, com a capacidade de acompanhar a pessoa enlutada, sabendo ouvi-la ou estar em silêncio, indo ao encontro das suas necessidades, deixando-a falar e chorar. Diz a tradição judaica que, quando Deus viu a tristeza de Adão e Eva, após a expulsão do paraíso, lhes deu as lágrimas como consolação. E no Talmude também se fala das lágrimas de Deus.

10 comentários:

Anónimo disse...

No luto não se podem fazer generalizações nem construir teorias. Respeito e silêncio. Há lutos que se fazem em minutos e outros que levam a vida toda. Há lutos mostrados e lutos escondidos. Irritam-me os doutores que falam do luto como se de uma constipação se tratasse.

um irmão. disse...

Jamais qualquer palavra humana pode abrir essa janela que nos abre â luz nessa noite que é o luto...!

Tudo aquilo que procure explicar essa noite, é apenas poeira que ainda resta das presunções de conhecer o que não se conhece pois está para lá de todo o entendimento humano… mesmo aqueles que caminham pela Fé não escapam à agonia desse Getsemani como viveu e experimentou também o próprio Filho de Deus…

Acompanhei imensos corações nesse caminho e ali aprendi que o SILÊNCIO, como apontou o Anónimo das 10:43, é o melhor abraço que se pode dar nesses caminhos da dor…

Anónimo disse...

Vêm para aqui os comentários banais acerca do "silêncio" como a melhor linguagem diante da dor. Parece que nunca leram o livro de Job. Nem o Anselminho.

Anónimo disse...

Pelos vistos parece que nunca perdeu alguém... vá lá para junto da campa de um filho com o livro de Job e talvez aí deixe de falar tanto...!

Anónimo disse...

Mas provavelmente deve ser mais um desses “funcionários de Deus” a papaguear mais uma dessas bacoradas que “o menino morreu porque Deus precisava de mais um anjinho ao pé dele”…!

De “amigos de Job” os tais que o rodeavam como conselheiros da dor, está o mundo da religião cheio…! Está-lhe a faltar umas boas horas a acompanhar o luto dos outros para aprender o verdadeiro silêncio que não significa ausência de palavras nem da dor!

Anónimo disse...

E leio sim Anselmo, um dos poucos padres que conheço com os pés bem assentes na terra, coisa que rareia nesses campos da Fé tão minados pela presunção humana!

Anónimo disse...

A ironia é para pessoas inteligentes. Peço perdão por supor que quem lia este blog o era. Serei mais claro: a mensagem do livro de Job é que o silêncio simpático e empático é a melhor atitude diante do sofrimento. Mas há ainda quem pense que descobriu a pólvora quando vem para aqui falar em "silêncio".

Anónimo disse...

Não precisa de carregar outra vez a "escopeta".. já cheira demasiado a pólvora por aqui… sobretudo quando os disparos são feitos na presunção que o que está do outro é presa fácil de pontarias de juízos!

... grato pelo mimo emprestado que embeleza as inteligências alheias...!

Anónimo disse...

De nada. Sabe, imagino-o discípulo do Tolentino. Nada de nada.

Anónimo disse...

Nada…conheço-o apenas de vista… sou apenas um cachorro vadio que andou por aqueles lados a marcar algum terreno onde ele se passeia nas poeiras das teologias … foi sol de pouca dura, a minha alma não gosta de sentir por perto as grades humanas impostas ao pensamento livre… alguns, poucos, conhecem-me como vagabundo de Deus…

Por estranho que pareça, nunca li nada dele… mas vou ler algo sim…

Cumps…

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