sábado, 25 de fevereiro de 2012

Anselmo Borges: O Papa e as intrigas no Vaticano


"Desculpem, Reverências e Eminências, mas a Igreja não vai com púrpura, barretes cardinalícios e intrigas de poder. Só com o Evangelho".

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Dizia-me uma vez em Bruxelas, admirado e pesaroso, um ilustre teólogo da Universidade de Lovaina (Joseph Ratzinger até o cita num dos seus livros sobre Jesus de Nazaré; não é herege): "Como é que foi possível o movimento desencadeado por Jesus, essa figura simples e amiga dos pobres, que acabou crucificado, desembocar no Vaticano, com um Papa chefe do Estado?" Entende-se, quando se estuda a História, mas é preciso reconhecer a tremenda ambiguidade da situação e o perigo constante de traição da mensagem cristã.

Hoje, concretamente, como já aqui chamei a atenção, citando o livro de Hans Küng, Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda tem salvação?), a Igreja Católica, a maior, a mais poderosa, a mais internacional Igreja, essa grande comunidade de fé, está "realmente doente", "sofre do sistema romano de poder", que se caracteriza pelo monopólio da verdade, pelo juridicismo e clericalismo, pelo medo do sexo e da mulher, pela violência espiritual.

Ora, a Igreja não pode entender-se como um aparelho de poder ou uma empresa religiosa; só como povo de Deus e comunidade do Espírito nos diferentes lugares e no mundo. O papado não tem de desaparecer, mas o Papa não pode ser visto como "um autocrata espiritual", antes como o bispo que tem o primado pastoral, vinculado colegialmente com os outros bispos.

A Igreja tem de fortalecer as suas funções nucleares: oferecer aos homens e mulheres de hoje a mensagem cristã, de modo compreensível, sem arcaísmos nem dogmatismos escolásticos, e celebrar os sacramentos, sem esquecer o dever de assumir as suas responsabilidades sociais, apresentando à sociedade, sem partidarismos, opções fundamentais, orientações para um futuro melhor.

Não se trata de acabar com a Cúria Romana, mas de reformá-la segundo o Evangelho. Essa reforma implica humildade evangélica (renúncia a títulos como: Monsignori, Excelências, Reverências, Eminências...), simplicidade evangélica, fraternidade evangélica, liberdade evangélica. E é necessário mais pessoal profissional, acabando com o favoritismo. De facto, esta Igreja é altamente hierarquizada e ao mesmo tempo caótica. Quem manda no Vaticano? "Conselheiros independentes haverá poucos." Precisa-se de transparência nas finanças da Igreja.

Acima de tudo e em primeiro lugar, é preciso voltar a Jesus Cristo, ao que ele foi, é, quis e quer. De facto, em síntese, a Igreja é a comunidade dos que acreditam em Cristo: "A comunidade dos que se entregaram a Jesus Cristo e à sua causa e a testemunham com energia como esperança para o mundo. A Igreja torna-se crível, se disser a mensagem cristã não em primeiro lugar aos outros, mas a si mesma e, portanto, não pregar apenas, mas cumprir as exigências de Jesus. Toda a sua credibilidade depende da fidelidade a Jesus Cristo".

Problema maior é a Cúria. O cardeal Walter Kasper, referindo o actual péssimo clima no Vaticano, que causa "confusão" entre os fiéis, disse que Bento XVI anda "muito triste". E tem razões para isso. O paradoxo é este: o papado é a última monarquia absoluta do Ocidente, mas o Papa não controla a Cúria. Duas cartas do núncio apostólico nos Estados Unidos denunciam corrupção ao mais alto nível no Vaticano. Agora, em finais de pontificado, começaram já as intrigas maquiavélicas e as lutas pelo poder, no sentido de manobrar a sucessão, tendo-se chegado até a falar numa conspiração para matar o Papa.

Neste contexto, o Papa lembrou, no passado Sábado, aos novos cardeais que "domínio e serviço, egoísmo e altruísmo, posse e dádiva, interesse próprio e generosidade: estas lógicas profundamente opostas confrontam-se em todas as épocas e em todos os lugares. E não há dúvida nenhuma sobre a via escolhida por Jesus". Recomendou que "renunciem ao estilo mundano de poder e de glória". "O serviço de Deus e a doação de si é a lógica da fé, que está em contradição com o estilo mundano".

Desculpem, Reverências e Eminências, mas a Igreja não vai com púrpura, barretes cardinalícios e intrigas de poder. Só com o Evangelho.

10 comentários:

Anónimo disse...

Isto também não vai com apadrinhamentos a livros de José Rodrigues dos Santos...

Jorge Pires Ferreira disse...

Caro amigo, ele não apadrinhou o livro de JRS. Clique na etiqueta Anselmo Borges e veja o que ele escreveu sobre isso e que foi, basicamente, o que disse na apresentação e que JRS não apreciou nada. E, se quiser,escreva para jorgepiresf@gmail.com e digo-lhe mais umas coisas sobre o assunto.

http://tribodejacob.blogspot.com/2011/12/anselmo-borges-jesus-nao-era-cristao.html

João Silveira disse...

Se é para ser moralista, então podemos falar do (São) Hans Kung:

Dr. Küng, há uma década e meia atrás, um dos teólogos progressistas mais novos no Vaticano II, e portanto seu colega, contou-me sobre um aviso amigável que lhe fez no início da segunda sessão do Concílio. Segundo a recordação desses embriagantes dias deste distinto investigador bíblico e proponente duma reconciliação entre Cristãos e Judeus, o senhor deslocava-se pelas ruas de Roma num Mercedes descapotável encarnado, cuja aquisição o seu amigo supunha dever-se ao sucesso comercial do seu livro “O Concílio: Reforma e Reconciliação”.

O seu colega considerou este espectáculo automobilístico imprudente e desnecessariamente vaidoso, dado que algumas das suas opiniões mais aventureiras e o seu talento para as frases curtas e chamativas, já faziam levantar os cabelos na Cúria Romana. Assim, na história tal como me foi contada, um dia o seu amigo chamou-o à parte e disse-lhe, usando um termo francês que ambos entendiam, “Hans, estás a tornar-te demasiado évident”. (Carta aberta a Hans Küng, escrita por George Weigel)

Anónimo disse...

Que o senhor Küng se preocupe mas é em continuar a escrever para pagar a pensão vitalícias aos seus dois filhos... tira, Küng, a montanha dos teus olhos e deixa a Igreja, que não precisa de ser salva, com a sua areiazinha...

HD disse...

"Desculpem, Reverências e Eminências, mas a Igreja não vai com púrpura, barretes cardinalícios e intrigas de poder. Só com o Evangelho."

De facto!!

Quem vive com Cristo como companheiro de vida e o Evangelho como trilho, sabe que o Caminho se decide, no que o Papa referiu "domínio e serviço, egoísmo e altruísmo, posse e dádiva, interesse próprio e generosidade: estas lógicas profundamente opostas confrontam-se em todas as épocas e em todos os lugares. E não há dúvida nenhuma sobre a via escolhida por Jesus"

Quem tem ouvidos,que ouça!
No Vaticano ,,,,ou neste blogue!

HDIAS

João Silveira disse...

De facto, essa via deve ter sido a do mercedes encarnado descapotável. E o fato com que o padre Anselmo Borges se apresenta impecavelmente, não será também uma batina valiosa?

Enfim: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hipocrisia

HD disse...

Esse tipo de farpa do Mercedes ou do preço do fato, é patético...cheira a boato intrigueiro.
Boatos há muitos...basta ver o que se fala sobre a Opus Dei...alguns emprenham pelos ouvidos, no que lhe convém...
Há quem goste muito na Igreja de fazer acepção de pessoas,pelo verniz que ostentam...
Aliás há quem diga que só encontre o Divino no belo verniz...enfim !

Desgraçado de Jesus ,também foi apontado quando entrou em casas de gente rica e poderosa, mas isso não fez dele alguém que vivesse dessa forma ou conivente com o status quo.

(..)"a Igreja não vai com púrpura, barretes cardinalícios e intrigas de poder. Só com o Evangelho."
HDias

Anónimo disse...

Plenamente de acordo HDias. A Igreja só vai com o Evangelho.
Agora vá lá convencê-los, aos dos vernizes e das vaidades cardinalícias e outras que tais...
Estava a brincar.
Não precisa convencer ninguém.
Esses das vaidades não são Igreja.
Quem é Igreja, segue o Evangelho de Jesus Cristo, não se ensoberbece, como nos diz S. Paulo, nem precisa de "aparecer".

João Silveira disse...

Sim, o George Weigel é um jornalista conhecido no mundo inteiro, mas ia cometer o erro crasso de inventar uma história para escrever numa carta aberta. Ainda por cima em relação a uma coisa facilmente refutável. Mas enfim, cada um tem a sua fé.

Há alguém que tenha mais sede de protagonismo do que Hans Kung e Anselmo Borges? Se eles defendessem o que a Igreja diz alguém estaria interessado em ouvi-los? Não. Mas como só sabem mal-dizer a Igreja têm os holofotes da fama, e falam sempre do alto das suas cátedras, porque servem exactamente o status quo. Isto é ser humilde onde?

Anónimo disse...

"Desculpem, Reverências e Eminências, mas a Igreja não vai com púrpura, barretes cardinalícios e intrigas de poder. Só com o Evangelho."

Nem cónegos e monsenhores. Padres se forem sinónimo de gente que cuida e se dá.

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