Texto de Anselmo Borges retirado do DN de hoje.
Continuo a apresentação de O Último Segredo. Depois do que escrevi aqui na semana passada, desafio José Rodrigues dos Santos a retirar o que escreve na página 11: "Todas as citações de fontes religiosas e todas as informações históricas e científicas incluídas neste romance são verdadeiras." Lanço esse desafio, porque essa afirmação leva a um sem número de ambiguidades e equívocos e, assim, não é verdadeira. Afinal, a que informações históricas e teológicas se refere como verdadeiras? Também a afirmação "São milhares de erros a infectar a Bíblia", "incluindo fraudes"? Quais fraudes? O que valem, por exemplo, o sepulcro de Talpiot e os ossários descobertos? Os cristãos não habitam todos no asilo da superstição e da ignorância e, como já disse, não baseio a fé na ressurreição no túmulo vazio...
É claro que há a liberdade romanesca, ficcional. A minha discordância essencial consiste em que não é intelectualmente sério jogar ao mesmo tempo nos dois tabuleiros: o ficcional e o histórico-teológico, como afirmam a citação acima e a nota final, quando agradece a quem o ajudou a "garantir o rigor da informação histórica, científica e/ou teológica que consta deste romance". Como é que o leitor vai fazer a distinção de planos e registos, a destrinça entre o ficcional e o histórico e/ou teológico?
Não é por ser crente que lanço o desafio, mas porque me move - e espero que a J. Rodrigues dos Santos também - a procura leal da verdade. Evidentemente, os Evangelhos não são reportagens nem livros de história como hoje entendemos a história científica. Para utilizar a distinção alemã, não existe uma "Historie" de Jesus, portanto, história no sentido de uma história pura, totalmente neutra, mas sim uma história que implica interpretação ("Geschichte"): quem escreveu já acreditava em Jesus como o Cristo, o Messias e o Filho de Deus e queria que outros acreditassem. Mas, por outro lado, também é verdade que não há fé cristã sem uma base histórica essencial no que se refere a Jesus. O cristianismo tem uma base histórica comprovável e não assenta num mito.
Há ainda outra questão. Evidentemente, a clonagem - a ser possível - põe um problema: de facto o clonado não seria como o original, pois somos resultado de uma herança genética e de uma cultura em história: simplesmente, não seria Jesus de Nazaré. Quanto às possíveis consequências: neste quadro, quem é que combateria para que Jesus não fosse clonado? Concedo a J. Rodrigues dos Santos que o Vaticano não ficaria entusiasmado com a ideia e é bem possível que o considerasse herege: Jesus não entraria no Vaticano, porque o não deixariam entrar. Mas diz que também os judeus se oporiam à clonagem, porque, diz um judeu no romance, "seguindo a liderança do Jesus clonado e pacifista, o Ocidente cristão deixará de nos apoiar e Israel ficará à mercê do extremismo islâmico". A afirmação parte do pressuposto de que o Jesus histórico foi um judeu ultra-ortodoxo, um ortodoxo radical. Aqui, ergue-se a pergunta: se assim fosse, porque é que o mataram?
Aí está, pois, um livro polémico, com algumas questões pertinentes, mas que ignora, por exemplo, John Meyer, considerado hoje um dos melhores estudiosos do Jesus histórico, e a bibliografia alemã pós-Bultmannn. Livro polémico e ponto de partida para o debate, que vai obrigar a um melhor e maior conhecimento de Jesus. Quem foi? O que queria? O que fizeram dele? Qual a relação entre o Jesus da história e o Cristo da fé? Qual a relação entre o Jesus histórico e o Jesus que a Igreja anuncia e prega? A própria Igreja vai ser obrigada a mais reflexão e a esclarecer mais e melhor os fiéis. É a procura da verdade que nos deve unir a todos, pois "a verdade libertar-vos-á". Esta afirmação, que não pertencerá às chamadas "ipsissima verba Christi" - palavras directamente pronunciadas por Jesus -, corresponde certamente ao espírito que o animava.
Por mim, coordenei recentemente um colóquio internacional precisamente sobre "Quem foi (é) Jesus Cristo", no qual participaram figuras académicas de renome. Espero que as Actas se publiquem em Fevereiro próximo. Assim, o diálogo vai continuar.
Ler texto 1 de Anselmo Borges sobre "O último segredo" aqui.
4 comentários:
Com tanta coisa pra ler não me dou ao trabalho de nem sequer espreitar o livro do indivíduo que pisca o olho sem autorização. Ele sabe tanto de Teologia como eu de lagares de azeite.
O Prof. Borges deu-se ao trabalho de lá estar na apresentação do livro e assim com a presença ligitimar o livro, e mesmo convidado e de certo privando com o autor, parece que não teve a oportunidade de ler o livro antes de aceitar o convite, pois agora tem de dar distância entre si e o autor, ao enviar recados e pedidos pela sua crónica, e distanciar-se dos conteudos. Foi um erro estar na apresentação. Acredito que a vontade fosse levar ao debate, ser o ponto de partida para um saber mais próximo de quem foi (é) Jesus Cristo, mas não resulta assim tão bem como com os Coloquios. A mediatização do livro polémico, que faltou em Valadares, pois as camaras só vão aos desastres, poderia ser um argumento para a presença do Prof. Borges, e assim com a sua presença mostrar a abertura para o dialogo da Igreja, e calar os PAC's que por ai andam a rabujar contra os sermões, alargando o espaço sereno e profundo de Valadares, mas os resultados não são os melhores. Faltou prudência, deveriamos sim criar mais espaços de cultura cristã, oração, estudos biblicos nas paroquias, catequeses para católicos deformados, e não ceder ás tentações de que um dialogo e debate sobre quem foi (é) Jesus Cristo se faz assim na praça publica, em frente das camaras de televisão e nos jornais. Sentemo-nos á mesa comum, vamos comer e beber juntos, partilhar o que sabemos e conhecemos Dele e assim crescer juntos como Igreja.
Para o jornalista Jesus poderia não ir ao Vaticano (coisa que eu duvido). Mas o que eu pago ao estado e certamente o que ele recebe por mês da RTP comparado com Bento XVI e outros certamente é que é um escândalo. Quero ver quando houver corte para ele (não deve tardar...) como vai reagir. É vê-lo fugir prás privadas. No fundo o que ele recebe é um escândalo. Investiguem.
Não percebo tanto alarido em torno de um livro de FICÇÃO.
O que o José Rodrigues dos Santos escreveu no último livro que publicou é FICÇÃO. Não se percebe porque é que os católicos estão tão ressaibiadinhos.
Será que "com a verdade nos enganam"?
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