Coube-me, a pedido da Gradiva, apresentar O Último Segredo, de José Rodrigues dos Santos. No sábado passado, na Sociedade de Geografia, com mais de 500 pessoas presentes. O que aí fica é a primeira parte de uma breve síntese do que aí disse.
1. Vamos supor que se descobriram os restos mortais de Jesus Cristo num túmulo de família. Agora, a partir do seu ADN, como não tentar cloná-lo, se ainda por cima o projecto for no sentido de o Jesus clonado instaurar a paz no mundo? Arranje-se uma intriga, com assassinatos pelo meio, dentro de um thriller, a partir dos interesses de uns em levar a ideia por diante e a perseguição de outros, que têm medo da sua concretização por motivos diversos, e temos material para uma história de enredo apelativo. Se, no meio da intriga, se vão descobrindo alegadas "fraudes" na Bíblia e se anuncia "a verdadeira identidade de Jesus", temos os ingredientes para o sucesso. Mesmo se o tema da clonagem de Cristo não é original, pois já há tempos apareceu um romance com esse tema.
2. A partir dos conhecimentos históricos disponíveis e fundados - Jesus é a figura mais estudada da História -, penso que, apesar das controvérsias que continuam, à pergunta "o que podemos saber hoje sobre o Jesus histórico?", se pode responder minimamente dizendo que foi um profeta escatológico judeu, um sábio, alguém com o dom da cura e um carismático, homem de mesa em comum e rompendo com a distinção entre puros e impuros, que impulsionou um movimento messiânico integrador de marginais, um homem de conflitos e perigoso para a ordem religiosa e social estabelecida, condenado pela oligarquia sacerdotal de Jerusalém e mandado executar na cruz pelo procurador romano, "o seu movimento profético-messiânico manteve-se e transformou-se depois da sua morte" (Xabier Pikaza). Alguns dos discípulos afirmaram que estava "vivo" e que tinha sido elevado à glória de Deus.
3. No desenrolar da intriga de O Último Segredo, há pressupostos e afirmações histórico-teológicos. Pergunta-se: o que valem?
Para mim, ao contrário do que insinua José Rodrigues dos Santos, os pilares do cristianismo não são abalados. Assim, não perturba nada a minha fé que Maria seja virgem ou não: o Credo não é um tratado de biologia. Do mesmo modo, não agride a fé cristã que Jesus tenha tido ou não irmãos e irmãs ou que tenha sido casado ou não. O que a boa teologia diz sobre a Santíssima Trindade é que a unidade de Pai, Filho e Espírito Santo é uma unidade de revelação: "Deus mesmo manifesta-se através de Jesus Cristo no Espírito", escreve Hans Küng. Na Bíblia, não se diz que Jesus é o próprio Deus. Ele é confessado pelos crentes como o Cristo, isto é, Messias e Filho de Deus. Ele é a revelação definitiva de Deus, não o Deus (hó theós).
Quanto à ressurreição, ela não pode entender-se como a reanimação do cadáver. O que foi feito do cadáver de Jesus ninguém sabe: pode inclusivamente ter ido para uma vala comum. No entanto, não haveria cristianismo sem a convicção de fé de que Jesus não morreu para o nada mas para o interior de Deus, para a vida eterna de Deus. Deus em quem Jesus acreditava e revelou como amor não o abandonou na morte.
É evidente que a ressurreição não é um acontecimento da história empírica, estudada pelos historiadores nem podia ser, pois transcende a história. O que é histórico é que Jesus foi crucificado e pouco depois os discípulos voltaram a reunir-se em nome de Jesus Cristo, que anunciaram como o Vivente em Deus. Essa experiência de fé foi de tal modo avassaladora que dela deram testemunho até à morte. Mas é claro que uns acreditam e outros não. Uns e outros com razões.
Sou muito mais cauteloso do que José Rodrigues dos Santos, que declarou ao DN que acredita em Deus "porque a ciência já encontrou provas". Ora, Deus não pode ser objecto de provas científicas: um Deus demonstrado cientificamente não seria Deus, mas um objecto mundano e finito. Uns crêem e outros não, e há razões para acreditar e razões para não acreditar, mas não há provas científicas.
1 comentário:
Discordo do p. AB que o NT não diga, de modo indirecto, que Jesus é Deus. Claro que a distinção que Karl Rahner faz entre "ho theos" e "theos" é verdadeira, mas isso é uma cuidada estratégia retórica dos autores do NT para, ao mesmo tempo que afirmam a real e plena divindade de Jesus, permitirem aos seus interlocutores distinguirem o Filho face ao Pai.
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