sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Igreja "não deve temer a verdade", reage José Rodrigo dos Santos

No "Público" de 27 de Outubro

A Igreja não gostou do romance de José Rodrigues dos Santos. Eu estou a lê-lo, vou perto da página duzentos e acho que entretém bem, mais pela constante provocação e por eu apreciar a matéria em causa, a Bíblia e mais concretamente os Evangelhos, do que pelo enredo em si, que é muito pobre. Parece que no final há uma reviravolta. Lá chegarei.

A técnica narrativa, baseada na pergunta-provocação deixada do fim de um capítulo e na resposta desenvolvida após um capítulo de permeio que segue outra linha, é banal. Um pastiche de Dan Brown ou de outro qualquer especialista em suspense, mas de pouca qualidade. Isto digo eu, que não sou pedreiro, mas sei ver se um muro está direito ou torto. E se este autor imita aquele.

Como é o primeiro romance de José Rodrigues dos Santos que leio (há dias disse que li o livro de JRdS de entrevistas, mas dele li também o “Que é Comunicação?”, na antiga Difusão Cultural), espero que os outros sejam melhores. Lê-se fácil, porque as letras são grandes e os capítulos curtos (com outro tipo de paginação, o romance teria metade do volume), e entretém, como disse, mas tudo muito low profile. Dan Brown de bandos costumes. Sem adrenalina.

Quanto ao motivo da polémica com a Igreja. Sim, há motivo para tal. JRdS já disse várias vezes que tudo o que lá está é sabido pela Igreja. Sabe-se nas faculdades de teologia e em alguns grupos bíblicos. Sabem-no os padres, embora muitos dos assuntos sejam discutidos e haja várias correntes sobre os mesmos assuntos. Mas no romance não há contraditório. A inspectora da judiciária italiana, católica, só teve catequese até à primeira comunhão (digo eu, a pensar nas suas respostas, embora não acredite muito na formação bíblica dos dez anos de catequese normais em Portugal), enquanto o historiador português é especialista em tudo o que é antigo. Até é capaz ver os números dos capítulos e versículos no Codex Vaticanus, que é do séc. IV, quando a Bíblia só foi dividida em capítulos e versículos na Idade Média. Claro que JRdS só deve ter visto o Codex Vaticanus na Internet. Mas também aí dá para notar que os capítulos e versículos não estão numerados.

A minha especialidade não é a Bíblia e até agora ainda não encontrei qualquer novidade em termos bíblicos. Mas o problema não está aí. O problema está no que se diz e se conclui a partir dos dados. O problema está no querer desmontar o edifício dogmático da Igreja dizendo: Não vem na Bíblia, logo a Igreja inventou. Se durante algum tempo veio, era fraude, deturpação, falsificação. Assim, a Trindade é “a mais bizarra das invenções do cristianismo” (195), a divindade de Jesus é “fraude” (183), Mateus “aldrabou” a contagem das gerações na genealogia de Jesus (129), Maria não era virgem, etc., etc. Em relação, por exemplo, à virgindade de Maria, nunca se pergunta ou se afirma o que a Igreja entende por virgindade de Maria. O fulcro do dogma está na “concepção de Jesus por obra do Espírito Santo” – a não intervenção humana na geração de Jesus. Mas convém ao romance não apresentar o correcto entendimento do dogma (que também evolui), para que a confusão seja maior.

A questão da fraude da divindade de Jesus é despachada com o início falso do versículo 3,16 da primeira Carta a Timóteo. Onde está “Deus manifestou-se na carne”, deve estar “Aquele que se manifestou na carne”, logo… Curiosamente, a Bíblia que sigo diz: “Aquele que foi manifestado…” Será que esta Bíblia da Difusora Bíblica (chamada “dos Capuchinhos”) não é católica?

Numa reposta global a JRdS, ou a Tomás Noronha, à partida, poderíamos dizer que, para o cristianismo católico, a Bíblia é “apenas” uma das fontes maiores da revelação. A outra é a Tradição. Mas isso poderia soar a desvalorização da Bíblia. Outra possibilidade seria responder caso a caso – o que levaria a um texto bem maior que o do romance.

Fiquemos, para já, nas perguntas de JRdS na notícia do “Público” acima reproduzida:

- A Igreja nega ou não que Jesus era judeu – e, consequentemente, que Cristo não era cristão?
Não percebo bem a pergunta. Jesus era judeu. Quem ousa a parvoíce de afirmar o contrário? Mas claro que houve quem o fizesse, diz Eco, aqui. “Cristo” é um título, uma expressão de fé, atribuída pelos discípulos a Jesus. Só os discípulos é que podem ser cristãos (Nietzsche dizia que só tinha existido um cristão e esse tinha morrido na cruz – mas essa é outra história). Pergunta inócua.

- A Igreja nega ou não nega que há fortes indícios na Bíblia de que Maria não era virgem?
O problema está no que se entende por virgem. Muitos teólogos católicos falam dos irmãos de Jesus, seja pelo lado da mãe, do pai ou de ambos, sem o dogma da virgindade estar em causa. O dogma, em si, é uma proclamação da Igreja também fundamentada com dados bíblicos.

- A Igreja nega ou não nega que existem textos fraudulentos no Novo Testamento?
Não nega. A minha Bíblia – a dos Capuchinhos – diz, por exemplo, que os melhores manuscritos não referem o episódio da adúltera prestes a ser apedrejada (ev. de João), o mesmo se passando com o final de Marcos. Ambos os textos são repudiados como fraudes no romance. Mas as Bíblias católicas já assumiram há muito tempo que não fazem parte dos manuscritos mais antigos e mais perto das fontes.

- A Igreja nega ou não nega que nenhum dos autores do Novo Testamento conheceu pessoalmente o Jesus de carne e osso?
Não nega. É um dado banal dos estudos bíblicos. Fiquemos pelos evangelhos. Em resumo, sabe-se que foram escritos após o desaparecimento dos apóstolos. Se se perde a memória viva dos factos e mensagens, há que passá-los a escrito. Por isso se afirma que os Evangelhos são um dos primeiros frutos da Igreja. A Igreja é anterior aos Evangelhos escritos. De acordo com os costumes antigos (o conceito de verdade e autoria era outro), os textos foram atribuídos à autoridade de alguém que de facto não os escreveu, como os apóstolos Mateus ou João, tal como se atribuía a escrita do Pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia) a Moisés, quando até num deles se descreve a sua morte. Para dizer que um texto foi inspirado, a Igreja teve basicamente três critérios, a apostolicidade do escrito (isto é, a relação com algum apóstolo), a ortodoxia (correspondência com aquilo em que se crê) e o uso litúrgico (uso nas celebrações dos crentes). Daí que tenham sido declarados canónicos quatro evangelhos no meio de dezenas de outros.


Uma última nota. Há um desfasamento entre o que a Igreja (e, já agora, o que é a Igreja?) sabe e crê e o que as pessoas (crentes, não-crentes, questionantes...) sabem e crêem? Sim, sem dúvida, principalmente em relação à parte do saber, embora haja muitos níveis e nuances e também uma grande consonância. Mas é dessa diferença que o romance vive. A esperteza de JRdS está no aproveitamento disso.

2 comentários:

Anónimo disse...

Quando comecei a passar mais tempo com a Biblia aberta e à procura de Deus e Jesus nesses testemunhos, e fui descobrindo verdades que até então me escapavam, não sai para a rua a gritar "Eureka", mas olhei para mim com humildade e percebi a minha ignorância até então, sobre assuntos que pensava saber. Ao JRdS, até o pouco (nada) que sabe lhe será tirado. Devia ter feito como Paulo e procurado aprender mais e depois então sair com a sua luz para as ruas, subir aos telhados com a verdade nos lábios e construir a sua casa na montanha para toda a gente a ver. Se calhar até queria de boa vontade construir a sua torre, ou destruir de má vontade a da "Igreja", mas vai ficar já a meio caminho e toda a gente se ri dele.

Anónimo disse...

Olá sr anónimo, toda a gente se ri do JRS?
Só se forem palermas como você, que não distingue a ficção da realidade.
Tem dor de cotovelo? Olhe que"é pecado"! :)
Para anónonimo, anónimo e meio.

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