Excerto de um texto de Hernan Rivera Letelier, escritor chileno, publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 17 de Outubro de 2010, sobre o resgate dos 33 mineiros chilenos.
Já disse: o deserto está povoado por cruzes, testemunhos mudos de morte e desolação. Façamos, pois, deste lugar uma homenagem à vida. Não construamos outro monólito, porque são supérfluos; não levantemos um monumento, porque já existem em demasia; não construamos um santuário, porque já os temos em número suficiente. Deixemos a imaginação voar e criemos algo novo, algo que se manifeste para toda a raça humana.
Uma mensagem para os 33: que o mar de luzes, câmaras e flashes com que foram recebidos lhes seja leve. É certo que sobreviveram a essa longa temporada no inferno, mas no final era um inferno seu conhecido. O que virá agora, companheiros, é um inferno completamente inexplorado por vocês: o inferno do espetáculo, o alienante inferno da televisão. Digo-lhes apenas uma coisa: agarrem-se a sua família, não a soltem, não a percam de vista, não a frustrem. Aferrem-se como se aferraram à cápsula que os tirou das profundezas. É a única maneira de sobreviver à avalanche midiática que os cobrirá. Quem diz isso é um mineiro que conhece um pouco esse transtorno.
Para terminar, uma oração por vocês, uma oração do poeta Jaime Ceballos, de Iquique, síntese exata do que acabo de dizer.
Oração 33
Senhor, Tu que sabes
de milagres e esperanças,
não os abandones.
Nesta hora de sequestro,
resgata-os de seus resgatadores,
Não os abandones.
Chega antes da mídia,
informa-os, antes que seja tarde,
não os abandones.
Tira-os dos sets da TV,
afasta-os das luzes que cegam,
não os abandones.
Tu sabes que, entre câmaras e flashes,
já destruíram a Tragédia.
Mas não os abandones.
Tirado daqui.
1 comentário:
bonito, ao mesmo tempo que cínico e certeiro. abraço,jorge
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