terça-feira, 29 de junho de 2010

Eu critico as críticas do crítico do "Expresso" às críticas do crítico do "Osservatore Romano" às críticas de Saramago à Igreja e à Bíblia

O suplemento “Actual”, do “Expresso” do último fim-de-semana, tem um “vocabulário essencial” sobre Saramago. Os termos termo escolhidos por António Guerreiro foram estes: Alegoria, Ateísmo, Bíblia, Comunismo, História, Iberismo, Ideias, Nobel, Pilar del Rio, Polémica, Portugal, Vírgula.

Em “Ateísmo”, o crítico do “Expresso” diz que o “Osservatore Romano” mostrou a “intolerância e ira da Igreja contra o escritor que ultrapassam tudo o que seria de esperar”. Fui reler o artigo (ou um eco dele, aqui), e não percebo onde é que António Guerreiro encontrou a intolerância. Numa frase ou noutra, encontrei umas ideias de defesa – mas isso é imprescindível num jornal católico, quando se expõe o pensamento de um autor declaradamente anticatólico.

O título do texto do “Osservatore Romano” tem piada, “A (presumível) omnipotência do narrador”, porque o narrador de Saramago, geralmente, é omnisciente – o que lhe permite os comentários ora fatalistas, ora irónicos. De resto, quando Claudio Toscani diz que Saramago foi “um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, ancorado até ao final numa confiança arbitrária no materialismo histórico”, está a descrever e não a fazer um juízo de valor. O “Expresso” só poderia concordar, ao escrever que a “religião ateia” do Nobel não se pode confundir com uma teologia negativa (aquela que afirma sobre Deus negando que dele se possa falar com sentido). Em Saramago, segundo a sua própria intenção, nem teologia negativa há. Estou convencido de que ele recusaria uma boa parte das afirmações que, após a morte, o colocaram próximo do texto bíblico, da figura de Jesus ou de Deus, ainda que pela via negativa.

Escreve o italiano: “Relativamente à religião, atada como esteve sempre a sua mente por uma destabilizadora intenção de tornar banal o sagrado e por um materialismo libertário que quanto mais avançava nos anos mais se radicalizava, Saramago não se deixou nunca abandonar por uma incómoda simplicidade teológica”. Concordo em absoluto. Essa simplicidade teológica foi o que lhe permitiu a ironia, o sarcasmo, a interpretação literalista, a paródia em relação à Bíblia, a Jesus Cristo, à fé cristã. Diz ainda Toscani que “Caim” é “um romance-saga sobre a injustiça de Deus, uma antileitura bíblica parodiante”. Não vejo como discordar.

Daqui a uns anos, um olhar mais livre dirá quem está mais perto da verdade, se o crítico do “Expresso”, se o do “Osservatore Romano”. Para já, parece-me que António Guerreiro afina pelo diapasão da catofobia.

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