Não seria eticamente aceitável fazer despesas com o propósito de as não pagar. Mas o "perdão da dívida", desde as épocas mais recuadas até aos tempos mais recentes, nada tem de insólito. A própria Alemanha, depois de guerras criminosas, beneficiou largamente desse gesto ancestral.
Há 60 anos, 20 países, entre eles a Grécia, Irlanda e Espanha, decidiram perdoar mais de 60% da dívida da Alemanha Ocidental. Segundo uma análise de Éric Toussaint - historiador e presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo -, a dívida antes da guerra ascendia a 22,6 mil milhões de marcos, com juros. A dívida do pós-guerra foi estimada em 16,2 mil milhões. No acordo assinado, em Londres, estes montantes foram reduzidos para 7,5 mil e 7 mil milhões respectivamente. Isto equivale a uma redução de 62,6%. O historiador alemão, Albrecht Ritschl, confirmou que existiu um perdão de dívida gigantesco ao país, que no caso do credor Estados Unidos foi quase total. Em 1953, os Estados Unidos ofereceram à Alemanha um haircut, reduzindo o seu problema de dívida a praticamente nada (Cf. Dinheiro Vivo 28/02/2013).
Pedir o perdão da dívida pode ter inconvenientes. Não lutar por ele é continuar com o país estrangulado. Na Eucaristia, os cristãos confessam que é no perdão que Deus manifesta o seu poder. Demos essa oportunidade a Angela Merkel.
Amanhã porei o texto todo aqui. Mas desde já digo que não
concordo de maneira nenhuma com o perdão da dívida portuguesa. Invocar a
situação da Alemanha do pós-guerra para exigir ou pelo menos sugerir um perdão
da dívida portuguesa não faz qualquer sentido. E nem sei se não será uma
afronta ao povo alemão, destroçado, ainda que por vezes convivente, com o poder
totalitário. Em Portugal, não houve guerra, o país não está destruído, não tem de começar do
zero. A dívida foi feita livremente pela democracia e o país vive em democracia, apesar de tudo.
Se a dívida portuguesa se fez com consumo (entre outras
coisas, certamente), tem de ser paga com menos consumo e mais produção. Além do
mais, o discurso de Bento Domingues é contraditório com outro das mesmas bandas
que diz que "os ricos paguem as dívidas" ou "a crise". Se os ricos deveriam pagar
as dívidas e se agora se pede para que ela seja perdoada, deseja-se que seja
perdoada aos ricos? Também me custa, mas eu quero pagar a dívida. Todos devem
pagá-la, segundo o princípio cristão-marxista de "cada um segundo as suas
capacidades".
Sem comentários:
Enviar um comentário