quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Paulo e as mulheres



O bom das polémicas é que nos dão oportunidade de aprofundar temas, de procurar livros que de outro modo não seriam lidos, de descobrir novas perspetivas sobre assuntos mais ou menos consolidados. Foi assim com diabo/demónio e é assim as mulheres e a ordenação.

Uma abordagem desta última questão, numa linha clássica e segundo o velhinho método de escutar as fontes, exige que se veja o que pensou e disse São Paulo, para além das palavras e ação de Jesus e do que vem nos outros escritos neotestamentários, seguindo depois para a história pós-apostólica. São Paulo importa porque é o maior missionário, é o fundador de comunidades, leva o cristianismo (ou pelo menos é o grande impulsionador) para o centro do império romano. E o cristianismo é em grande parte paulino.

Ora, no Ano Paulino (2008-2009), um basicamente inútil ano para o conhecimento de Paulo e da Bíblia em geral, apesar dos esforços de Bento XVI, se pouco se ficou a conhecer de Paulo, ainda menos de “Paulo e as mulheres”. Mas foi publicado em português, nas Paulinas, um título que só aborda esta questão. O autor principal é o dominicano irlandês Jerome Murphy-O’Connor, que é reconhecidamente uma autoridade sobre São Paulo, com a colaboração das teólogas italianas Cettina Militello e Maria Luisa Rigato.

O livro é muito esclarecedor porque mostra (lista não exaustiva):
a) a perfeita igualdade mulher-homem no desempenho dos ministérios nas comunidade de Paulo;
b) que as mulheres eram “ministras” e lideravam comunidades;
c) que Júnia é mesmo apóstola (e "Junius" ou "Junias", termos que aparecem em algumas Bíblias, como a “de Jerusalém”, não aparecem em nenhum outro documento da época de Paulo);
d) que as mulheres podem falar e falam nas assembleias, sendo a proibição de 1 Co 14,34-35 uma intromissão posterior, na linha das outras cartas que também são atribuídas a Paulo, mas, sabemos hoje, não são do Apóstolo.

Concluindo uma parte, Jerome Murphy-O’Connor escreve um capítulo intitulado “Temos de escolher”. Visto que as cartas de Paulo e as atribuídas a Paulo (Cartas a Timóteo e a Tito) são contraditórias (as de Paulo afirmam a completa igualdade nos ministérios; as outras denotem posições antimulheres ou antifeministas), mas tanto umas como outras são canónicas (“o que conta é a aceitação pela Igreja e não a autoria”), “temos de escolher”.

Cito, porque penso que não podia ser mais claro:
Aqueles que querem ordenar mulheres, podem apelar para as cartas autênticas de Paulo. Não podem, todavia, ficar satisfeitos e pensar que estão a obedecer às Escrituras, porque isso não é verdade: observam apenas uma parte das Escrituras. Devem enfrentar o facto de que estão a rejeitar, implicitamente, a autoridade das outras cartas canónicas, que é idêntica. 
Do mesmo modo, os que não querem que as mulheres sejam ordenadas podem apelar para 1 Timóteo e Tito. Não podem, contudo, sentir-se fortalecidos ou justificados por terem as Escrituras do seu lado, porque estas, só em parte, os apoiam. Devem reconhecer que a sua opção significa, necessariamente que estão a rejeitar a autoridade de Paulo” (pág. 49-50).
 Como Paulo, neste assunto (e noutros), me parece mais fiel ao espírito de Jesus, estou com Paulo.

9 comentários:

Anónimo disse...

Opiniões todos as têm é como as aberturas escatológicas. Nada de sério nem de consubstanciado. O próprio Murphy-O'Connor o admitiu quando teve que dizer que não havia provas de Junias ser nome feminino. As mentiras têm pernas curtas. E não, não é verdade que as mulheres fossem "anciãs" nas comunidades de Paulo.

Jorge Pires Ferreira disse...

E você também as tem. Pena que não as consubstancie - como diz que os outros devem fazer.

Anónimo disse...

isto está a tornar-se doentio. Junias é masculino pois todas as demais palavras em Rm. 16,1 estão em masculino. Que burro é que pode pensar o contrário?

Anónimo disse...

Só uma pessoa mal intencionada é que vai para o extremo de achar que "apóstolo" é um termo unívoco. o NT até chama a Jesus de apóstolo. É ignorar totalmente esta questão. Mas repito-me: não há "anciãs" nas comunidades de Paulo: quem diz que sim é que as deve apresentar. Mas não o fazem, pois não? claro que não... a não ser que quando se diz que os "bispos" sejam homens de uma só mulher, se esteja a admitir o lesbianismo...

Jorge Pires Ferreira disse...

Diz: Só uma pessoa mal intencionada é que vai para o extremo de achar que "apóstolo" é um termo unívoco.

- Não sei se está a chamar pessoa mal intencionado ao autor do livro, se a mim. Pelo que conheço dos dois, não corresponde. Que "apóstolo" não é um termo unívoco, já aqui diversas vezes foi afirmado. Mas quando apelei a que esclarecessem o sentido e a missão dos doze, apóstolos e discípulos, zero respostas. Suponho que percebo o real sentido de apóstolo para uma fação de comentadores. Explico: 1) “Apóstolo” - palavra que no verdadeiro sentido bíblico (cá a nossa fação sabe mas não diz) só pode ser aplicada a varões. 2) “Mulher” - ser a que não se pode aplicar a palavra apóstolo no verdadeiro sentido por causa de 1).

Diz: Não há anciãs nas comunidades de Paulo.

- E depois? Provavelmente não havia muitas outras situações. Ah, tinha de haver para podermos justificar hoje a ordenação de mulheres. É isso que quer dizer? Diga-me uma coisa: É a primeira vez que comenta neste blogue? É que se é, compreendo a novidade. Se não é, porque é que só agora o disse? É que sucessivamente, tenho lido que não pode haver mulheres a presidir à Eucaristia por não poderem ser apóstolos, por não fazerem parte dos Doze, por não terem estado na Última Ceia, por não poderem falar nas comunidades paulinas, por não serem equiparadas aos homens nas comunidades cristãs primitivas, por ser da vontade de Jesus e de Deus… à medida que esses “não” vão sendo desmontados – ou mostrada a sua incongruência - surgem sempre novas razões. Agora, pelos vistos, tinha de haver anciãs para que hoje possam ser aceite no ministério ordenado. E o que vem a seguir? Talvez fosse mais correto dizer tudo, apresentar um raciocínio estruturado.

Diz: Fala dos "bispos de uma só mulher".

Se foi buscar a Tito 1,5ss, ao menos podia citar com precisão. Os presbíteros, diz a carta, é que devem ser de uma só mulher. Os bispos, na mesma carta, entre outras coisas, não devem ser coléricos nem dados ao vinho e ao lucro desonesto. Ok, presume-se o que de diz dos presbíteros.

Ora a Carta de Tito, como está no texto que é pretexto para estes comentários, não é de Paulo. E é uma daquela em que igualdade nos ministérios entre homens e mulheres é posta em causa – contra o que Paulo tinha deixado. Na questão das mulheres, citando o dominicano, “temos de escolher”. São contraditórios. Ou Paulo ou Tito.
Quando à sexualidade (o casamento dos presbíteros ou o celibato, por exemplo), Paulo, o real Paulo, noutra passagem diz que “quanto a isso o Senhor nada deixou” e o ensinamento de Tito está coerente, não impondo o celibato. Posso presumir, pois, que na linha de Paulo e Tito (discordam em algumas coisas e concordam noutras), o(a) caro(a) interlocutor(a) considera, afinal, que o celibato deve ser opcional nos ministérios eclesiais. Digo “afinal” porque, pelo que vou vendo, habitualmente quem é contra a ordenação das mulheres também não costuma ser a favor da livre opção do estado civil. O(a) sr.(a), acha que mulheres ministros da Eucaristia, não; mas casados a presidir à Eucaristia, sim. É isso?

Anónimo disse...

Esta é uma questão interessante... Aliás, são várias. Ordenação de mulheres e permissão para padres casados presidirem a eucaristia. Com tanta falta de vocações, e havendo tradição na Igreja, porque continuam a exigir o celibato aos presbíteros? Quais os motivos? E, havendo agora o "bum" de formação para diáconos permanentes, varões de uma só mulher, não propícios ao vício... porque não chamar os ex-padres que deixaram de o ser porque casaram? Não digo todos, mas alguns ficariam contentíssimos.

Tentar que uma só via é possível, é um erro. Vivemos numa sociedade plural onde deve ser respeitada essa pluralidade, foi isso que Cristo nos veio mostrar. Além disso deixou muitas mensagens de difícil deglutição para alguns, mas por detenção do poder continuaram ou fizeram ainda pior do que antes de Cristo. Justificações do género "foi sempre assim" não podem ser válidas. Os tempos, com a graça de Deus, evoluem. A mente humana deve tentar explorar as mensagens deixadas pelos antepassados sem as deturpar ou utilizar a belo prazer. O facto é que no tempo de Jesus a sociedade era outra e até mesmo uma criança poderia incomodar, tendo sido afastadas. Cristo não as afastou. Aliás, não afastou ninguém, porque havemos nós de afastar? Ele deu muitas lições de vida e nós, seres humanos, infelizmente, continuamos a cair nos mesmos erros. Como podemos professar umas coisas tão belas e fazer o contrário? O que resulta disto? Divisões.

Algures ouvi, e subscrevo, "a fé une, a religião desune". Assim sendo, fugindo a tantas regras e poderes, os jovens, cada vez mais, procuram as meditações de índole budista e outras formas de alimentar o espírito. Sem regras apertadas, apenas paz.


RS

Anónimo disse...

Esta é uma questão interessante... Aliás, são várias. Ordenação de mulheres e permissão para padres casados presidirem a eucaristia. Com tanta falta de vocações, e havendo tradição na Igreja, porque continuam a exigir o celibato aos presbíteros? Quais os motivos? E, havendo agora o "bum" de formação para diáconos permanentes, varões de uma só mulher, não propícios ao vício... porque não chamar os ex-padres que deixaram de o ser porque casaram? Não digo todos, mas alguns ficariam contentíssimos.

Tentar que uma só via é possível, é um erro. Vivemos numa sociedade plural onde deve ser respeitada essa pluralidade, foi isso que Cristo nos veio mostrar. Além disso deixou muitas mensagens de difícil deglutição para alguns, mas por detenção do poder continuaram ou fizeram ainda pior do que antes de Cristo. Justificações do género "foi sempre assim" não podem ser válidas. Os tempos, com a graça de Deus, evoluem. A mente humana deve tentar explorar as mensagens deixadas pelos antepassados sem as deturpar ou utilizar a belo prazer. O facto é que no tempo de Jesus a sociedade era outra e até mesmo uma criança poderia incomodar, tendo sido afastadas. Cristo não as afastou. Aliás, não afastou ninguém, porque havemos nós de afastar? Ele deu muitas lições de vida e nós, seres humanos, infelizmente, continuamos a cair nos mesmos erros. Como podemos professar umas coisas tão belas e fazer o contrário? O que resulta disto? Divisões.

Algures ouvi, e subscrevo, "a fé une, a religião desune". Assim sendo, fugindo a tantas regras e poderes, os jovens, cada vez mais, procuram as meditações de índole budista e outras formas de alimentar o espírito. Sem regras apertadas, apenas paz.


RS

Anónimo disse...

9:13 a.m.

Jovens e também adultos, cada vez mais procuram a meditação de orientação budista e fogem dos atropelos da igreja católica.
Qualquer dia os padres que restam dizem missa uns para os outros.

Jorge Pires Ferreira disse...

Volto a este debate para responder ao anónimo das 8:27, que escreveu:


«Mas repito-me: não há "anciãs" nas comunidades de Paulo: quem diz que sim é que as deve apresentar.»


Não é que eu andasse à procura de anciãs nas comunidades de Paulo, e julgo que nunca me tinha referido a elas.

Elas é que vieram ter comigo. Na Carta a Tito, uma carta que não será do próprio Paulo, mas de um discípulo e certamente de comunidades paulinas, diz-se:

“Do mesmo modo, as anciãs tenham um comportamento reverente…” Tito 2,3.

Anciãs é tradução de prebytides. Antes falara dos anciãos – presbytai.

Portanto, se não há ordenação de mulheres hoje porque nas primeiras comunidades não havia anciãs, mude-se a prática atual, porque afinal havia anciãs.

Sublinho que não é esta a minha argumentação principal. Trata-se apenas de mostrar a não validade de um argumento. Certamente, a seguir, as comunidades de Paulo ou a Bíblia em geral terão ou não terão qualquer coisa que nós não temos ou temos hoje(exatamente na medida oposta ao passado) e que impossibilita a ordenação de mulheres.

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No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...