terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Walter Kasper: "Há um estilo de trabalho maldoso na Cúria''



O ambiente no Vaticano, na cúria, não é nada bom. Na realidade, nunca foi. Se há ambiente mais dado a intrigas é o dos palácios do Vaticano. Todos sabem disso. O livro mais ou menos recente “O Vaticano contra Cristo” só falava disso. O carreirismo, as influências, os jogos e conluios de poder, os comportamentos dúbios e escandalosos, as mentiras, a promoção de incompetentes servis, os privilégios da casta clerical no topo da hierarquia eclesiástica (da contracapa do livro). Isto ainda no tempo de João Paulo II, que não era um homem da cúria. Tal como não é Bento XVI, de quem dizem que quando chegou à cadeira de Pedro começou a fazer uma limpeza. Se calhar não limpou tudo.


Walter Kasper, que também passou pela cúria, 10 anos, sem ser da cúria, mostra-se desiludido com o que está a acontecer. O episódio mais recente foi a publicação na imprensa de uma notícia sobre uma conspiração para assassinar o Papa em Novembro próximo - rapidamente desmentida pelo Vaticano (ler aqui o que saiu no "Il Fatto Quotidiano"). Tem o aspeto de ser algo do tipo "com a verdade me enganas". E dizendo que Scola é o mais provável próximo Papa, porque é, já não vai ser. 


A seguinte entrevista saiu no "Corriere dela Sera".

Parafraseando Churchill, se pensarmos que os inimigos da Igreja estão fora dela, enganamo-nos. Os adversários é que estão fora. Os inimigos estão dentro.

O que está acontecendo, eminência?
Veja, eu não sei se são disputas de poder ou outra coisa, e não me interesso por isso. Não está muito claro o que propõem. Talvez se queira prejudicar o secretário de Estado, atingir outras pessoas também. Certamente, o que está em jogo é a imagem de toda a Igreja. Mesmo que a nota anônima que foi entregue à imprensa esteja fora da realista, que seja ridícula: todo mundo é consciente disso, é a evidência.
 
Exatamente: além do conteúdo, o problema é que, dentro do Vaticano, há alguém que faz filtrar essas coisas para o exterior...
Eu não sei nem nunca soube muito sobre os assuntos internos do Vaticano. Nunca quis saber sobre esses lobbies, não me interessam, sou um estrangeiro na Cúria! E eu tentei fazer o meu trabalho. Por isso, sei como o papa se entristece com essas coisas.
Ratzinger passou 30 anos na Cúria Romana. Não deve estar surpreso, não?
O papa nunca entrou nesses subterrâneos. Desde quando era cardeal e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger sempre pensou em fazer o seu trabalho, em prestar o seu serviço à Igreja. Jamais se inseriu nessas disputas internas. Questão de dignidade.
O que não funciona?
É um problema de falta de eclesialidade. Quem se presta a essas coisas não tem o sentido de Igreja, de lealdade à Igreja e ao próprio Vaticano. Não, não se fazem essas coisas. Como cristão e como pessoa, penso que devemos pedir justiça, se considerarmos que sofremos um equívoco. Mas não assim. Há um estilo maldoso.
Um estilo maldoso?
Sim, esse episódio também mostra um clima de burocracia interna, um estilo de trabalho que não vai bem. Não em todos, claro. Muitos trabalham pela Igreja. Mas quem faz essas coisas é um irresponsável.
Mas qual é o estilo correto?
Se alguém quer criticar o secretário de Estado ou outra pessoa, pode fazê-lo, se tem argumentos. Fale claramente, apresente as suas objeções ao interessado direto, diga ao papa. Mas não assim, não com essas coisas anônimas que não têm credibilidade e se desqualificam por si sós. Quem tem algo a dizer deve se apresentar com o seu rosto e o seu senso de responsabilidade.
Foi um cardeal, Darío Castrillón Hoyos, que entregou ao secretário de Estado a nota anônima.
Mas isso também pode ser feito. Certamente, a nota está fora da realidade, o conteúdo é risível. Mas há pessoas que têm a responsabilidade de avaliar. Se eu recebo um sinal, informar o secretário de Estado é uma obrigação. Mas há alguém que deu o documento aos jornais; esse é o ponto. Estou muito decepcionado com esses vazamentos de notícias, dos documentos reservados às nomeações que aparecem nos jornais antes que sejam oficiais.
Quais são as consequências?
Eu sempre continuei me encontrando com as pessoas, sempre falei com o povo. Sobre esses episódios, os fiéis ficam escandalizados, e com razão. Quem faz essas coisas provoca confusão entre o povo cristão. O que está em jogo é a imagem da Igreja. E isso justamente enquanto há um pontífice que trabalha pela renovação da Igreja: ele, quando viu abusos, quis pôr ordem.
O que se pode fazer agora, eminência?
Veja, eu saberia o que dizer ao Santo Padre. Posso dizê-lo ao próprio papa, ou escrever-lhe uma carta. Depois, ele avaliará e fará ou não, como quiser. Mas certamente nunca o diria na TV ou nos jornais.

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