Foi representada no Théâtre de la Ville, em Paris, por estes
dias, e gerou protestos de católicos, como já gerara em Avignon, quando subiu à
cena pela primeira vez. De 2 a 6 de Novembro está no espaço Cent-quatre, também
em Paris. A peça “Sobre o conceito do rosto no filho de Deus” (“Sur le concept
du visage du fils de Dieu”), do italiano Romeo Castellucci, é sobre um filho
que tem de cuidar do seu pai idoso, que é incontinente. Daí que o filho passe
parte do tempo a atirar objectos ao rosto de Cristo. Granadas, por exemplo. E
outras coisas, no sentido escatológico que já se vê que a peça tem.
Ora, muitos cristãos, que nas notícias que li aparecem
sempre apodados de fundamentalistas, não gostam de ver a peça e também atiram
objectos, desde ovos a óleo de motor.
Os protestantes dizem que a peça é “cristianofóbica”,
enquanto os defensores da peça, incluindo o presidente da câmara de Paris,
dizem que não se pode tolerar tais “expressões de fundamentalismo e
intolerância”.
Eu nunca estaria numa sessão de protestos deste género,
porque as ofensas a Cristo que mais o magoam são as que são feitas contra os
rostos dos mais frágeis. Mas também não percebo a indignação do autor, dos
actores, dos políticos e outros perante os protestos. Mais que não seja, tais
acções devem ser vistas como uma defesa da liberdade de expressão de quem se
sente ofendido. Se se faz no próprio teatro, então até pode ser o público a
manifestar-se artisticamente.
A sério. Não concordo com os protestos. Mas fico
sempre espantado com a obsessão artística contra a figura de Jesus Cristo – que
interpreto como sinal de que este homem será sempre sinal de contradição.
Cristo é vulnerável, muito mais do que Maomé, por exemplo. Porque é mais
democrática e tolerante a cultura a que deu origem. Que se possa
ridicularizá-lo, riscá-lo, destruí-lo, só mostra a sua força.
3 comentários:
Quantas vezes me sentei em capelas para orar e atirar "granadas" a Cristo. Quantas vezes me achei superior a Ele e me tentei esquivar aos seus ensinamentos atirando-Lhe "granadas" racionais, justificações, racionalizações do meu querer. Este pequeno extrato parece-me uma representação das lutas interiores que todos nós temos, vejamos que o protagonista se encontra numa situação em que tem de tomar conta do pai incontinente, por isso doença e sofrimento, e talvez humilhação, são razões suficientes para muitos virarem as costas a Jesus e lhe atirarem "granadas". Parece-me que de perseguidos nos habituamos a ser perseguidores, de Jesus não aprendemos nada se contra isto vamos protestar.
Obrigada, António Jorge. Mesmo desconhecendo qual seja a intenção do encenador, é, de tão forte, inquietante e inspirador. Partilho da tua reflexão: a extrema vulnerabilidade de Jesus ("loucura para os homens")que é força e sabedoria... Fixo-me, de forma particular, na visão que se nos oferece ter daqueles homens, de costas, da sua também vulnerabilidade, humana vulnerabilidade... A encenação coloca-nos a nós, espectadores,com eles, voltados para o rosto de Jesus.
Obrigado pelos comentários, ambos inteligentes e a fazerem pensar o que ainda não tinha pensado.
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