quarta-feira, 1 de junho de 2011

Moral cristã em tempos de autonomia e liberdade


Aprecio a sensatez com que Timothy Radcliffe expõe a sua visão da Igreja, a sua fé, pessoal e comunitária, católica. Ele não é um apaixonado que prega “a propósito e a despropósito”, segundo a expressão paulina. Na sociedade em que vivemos, quem prega a despropósito é tomado como louco e não é ouvido sequer, nada de bom acrescentando à realidade. A sensatez e o ser comedido recomendam-se.

Onde estas qualidades estão claramente presentes é nas páginas em que fala do ensino moral católico e da autonomia e liberdade dos europeus.
“As pessoas não serão atraídas à Igreja, se o ensino moral for visto apenas como mostrar-lhe o que deve ser feito. Com razão ou sem ela, isso seria visto como uma violação da sua autonomia”.
Esta frase seria suficiente para pensar nos modos de exposição do ensino moral católico. O Papa Pio X dizia que o padre deve ser um leão no púlpito e um cordeiro no confessionário. Dificilmente se aceita esta dimensão leonina, mesmo agora que os tradicionalistas querem reabilitar o púlpito a par da missa tridentina, com o apoio de Bento XVI. O leão falará para cada vez menos pessoas.
“Prezamos a liberdade de escolher os nossos valores morais. Isto implica a rejeição de excessiva interferência de qualquer instituição, seja a Igreja ou o Estado”, escreve o antigo mestre dominicano. E acrescenta: “Uma religião em conflito com a autonomia pessoal será rejeitada pela maioria dos europeus e, pelo menos implicitamente, por muitos católicos”.
Uma boa área para pensar este conflito com a autonomia será a da moral sexual. Quantos solteiros e casados católicos vivem a sua sexualidade segundo os preceitos da Igreja? Não há dados. As impressões dizem que são uma minoria. Neste campo, o rugido do leão nem ridicularizado é. Não há ouvidos que o ouçam. E o cordeiro poucas oportunidades terá de ser meigo perante pecados não confessados porque não interiorizados sequer. Radcliffe não questiona a matéria do ensino moral da Igreja, ao contrário de outros teólogos, mas antes a sua pedagogia – o que não é de modo nenhum despiciendo:
“Mesmo quando o ensino cristão parece claro e inequívoco, devemos estar preparados para entrar na complexidade da vida das pessoas, no seu esforço para descobrir o que é recto”.
Sem baixar a fasquia nem entrar em concessões, há um longo caminho a percorrer de escuta e diálogo. Talvez contra o dominicano, arrisco a pensar que, uma vez percorrido o caminho, algum ensino cristão não será o mesmo. E o leão cordeiro talvez passe a ser simplesmente pessoa.
"A verdade é simples, mas se essa simplicidade não passou pela complexidade da experiência humana é uma simplicidade infantil, uma simplicidade estridente e desumana, não a simplicidade que vislumbramos indistintamente em Deus. Aqueles que pensam que a verdade do nosso ensino deve ser protegida por difamação e ataques violentos aos outros, podem muito bem estar inseguros das suas convicções, com medo de ouvir a outra posição e começar a duvidar. Precisamente, quando estamos mais confiantes no ensino da Igreja, devemos estar mais livres para ouvir e aprender, para abrir as nossas mentes e corações aos que chegaram a conclusões com as quais não concordamos".
Frases de Timothy Radcliffe retiradas as páginas 61-63 de “Ser Cristão para quê?” (ed. Paulinas)

1 comentário:

Anónimo disse...

Completamente de acordo. Por alguma razão o que mais enfureceu o grande inquisidor de Dostoiesvsky foi o facto de Jesus ter colocado a liberdade à frente de tudo. A Igreja nunca foi grande apreciadora da liberdade pessoal. E até o grande Papa Leão XIII, apóstolo da doutrina social, increpava fortemente a liberdade de consciência, como algo negativo.
Para haver um incremento da liberdade tem de haver um fomento da opinião pública na Igreja, o que está longe de acontecer. Há uma asfixia em que o Magistério tudo polariza. Comentámos o que a autoridade decide.
E isto não se passa apenas na moral sexual. Na política, e apesar de alguma suavidade nos métodos, continua a haver quem pretenda definir o chamado voto católico. Mas também aqui as pessoas seguem cada vez mais a sua consciência do que os ditames das autoridade.
O livro que aqui reproduz é como uma «auto-estrada» que visa conduzir a Igreja ao futuro.
Obrigado pela ressonância que dele tem feito.

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