sábado, 21 de maio de 2011

A questão judaica, pela não-sei-quanta-vez

Dominique Strauss-Kahn é judeu, rico e mulherengo. Se calhar, agora gostava de não ser.

Por estes dias há duas novas questões judaicas.

Uma podia ser simplesmente uma questão de justiça e de como “uma empregada de hotel pode ter dignidade e ser escutada quando acusa um dos homens mais poderosos do mundo de ser um predador” ("New York Times" citado por Jorge Almeida Fernandes no "Público" de 21 de Maio). Acontece que Dominique Strauss-Kahn é judeu. Para a justiça deve ser indiferente se é judeu ou não. Leis diferentes para judeus no Estado de Direito, nunca mais. Mas para alguns comentadores, parece que não é – daí a questão judaica.

Esther Mucznik, “investigadora em assuntos judaicos”, defende-o nas páginas do “Público” (19-05-2011) e afirma que ele próprio já disse que, numa eventual candidatura à presidência da República Francesa, teria três obstáculos a ultrapassar: a riqueza, as mulheres e o seu judaísmo. Ou seja, para o próprio, haverá sempre uma questão judaica. Na mesma página, Miguel Esteves Cardoso, um neojudeu (não duvido da sua cultura filojudaica, mas não o imagino de quipá), tenta ilibar o “homem que incomparavelmente é e foi bom para muitas pessoas”. Parece uma questão de irmandade. No mesmo jornal, na última página, Pedro Lomba cita Bernard Henry Levy, outro judeu, que apresentou uma série de dúvidas sobre as circunstâncias do dito crime de DSK.

Será esta uma verdadeira questão judaica? Julgo que não. Pegar em alguns elementos e cozinhá-los, poderá dar essa aparência. Foi o que fiz aqui, ignorando uma imensidão de comentadores do caso que não falam da origem judaica de DSK. Eu também me sinto filojudaico – penso mesmo que não pode haver cristãos sem admiração pelo judaísmo. E por vezes, num exercício que a Internet facilita, procuro os traços judaicos de um facto.

No mesmo jornal de onde tirei informações para parte do que já escrevi e parte do que vou ainda escrever, isto é, o "Público" de hoje, fala-se da reunião, no Porto, de três arquitectos premiados com o Pritzker, vulgo “Nobel da Arquitectura”. Olho para o Siza Vieira (ou outros dois são Rafael Moneo e Souto Moura) e penso: “É parecido com Howard Jacobson” (a comparação, usando o Google images, é imediata). Howard Jacobson escreveu “A questão Finkler” (ver aqui), que o mesmo é dizer “A questão judaica”. “Finkler”, para o protagonista inglês e não judeu, é o mesmo que judeu. Como se isso não bastasse, o nome Pritzker tem o seu não sei o que de judeu. Santa Wikipedia confirma: Jay Arthur Pritzker (1922-1999), criador do prémio, é judeu, de uma família que emigrou da Ucrânia.

Howard Jacobson é judeu e gosta de ser

Siza Vieira não é judeu, suponho, e não sei qual a sua opinião sobre o assunto


Mas a verdadeira questão judaica é a do às vezes dito católico Lars von Trier (numa mesma entrevista em que afirmou que rezava, disse que se calhar só era católico para provocar os dinamarqueses maioritariamente protestantes).

Lars von Trier disse em Cannes:
Durante muito tempo pensei que era judeu e estava feliz por ser judeu. Depois conheci Susanne Bier [realizadora dinamarquesa e judia, que ganhou este ano o Óscar para o Melhor Filme Estrangeiro com "Num Mundo Melhor", ver aqui] e não fiquei assim tão contente. Mas depois descobri que, na verdade, era nazi. A minha família era alemã. E isso também me deu algum prazer. O que é que posso dizer? Compreendo Hitler… Simpatizo um pouco com ele. Eu sei que ele fez coisas muito más, mas posso também imaginá-lo no bunker no seu final. Que fique claro que eu não sou a favor da segunda Guerra Mundial, não estou contra os judeus. Estou com os judeus, com certeza, mas não muito, porque Israel aborrece-me verdadeiramente.
Lars von Trier não é judeu mas gostava de ser

Pediu desculpas, mas foi expulso do festival e viraram-se contra ele autoridades, organizações judaicas, cineastas… O episódio revela o mal-estar que Hitler e o Holocausto (que não foi directamente referido) ainda provocam, em certos países e contextos – a verdadeira questão judaica.

Sem comentários:

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