sábado, 12 de março de 2011

As minhas impressões sobre o livro de Ratzinger / Bento XVI sem lhe ter tocado


Ainda não li o segundo volume de “Jesus de Nazaré”, de Joseph Ratzinger / Bento XVI. E li apenas umas páginas do primeiro volume. Mas, cumprindo um célebre conselho que diz que, quando não sabemos o que escrever sobre um livro, em último recurso devemos lê-lo, quero alinhar umas linhas sobre o assunto. Afinal, já li três excertos e opiniões e análises dos que o leram, suponho que na íntegra. Ver texto que saiu no “Público” aqui, com declarações de Tolentino Mendonça, Joaquim Carreira das Neves, D. Manuel Clemente e Pedro Mexia, num texto de António Marujo.

A primeira observação tem a ver com o título. O livro devia chamar-se “Jesus Cristo” e não “Jesus de Nazaré”, porque Ratzinger diz que a interpretação histórico-crítica já deu o que tinha a dar. Ele faz uma interpretação a partir da fé eclesial, mesmo que usando um leque alargado de autores (mas quase aposto que John Dominic Crossan, por exemplo, não aparece na bibliografia; nem José Antonio Pagola ou González Faus ou Marcus Borg). Fala de Jesus Cristo, não de Jesus de Nazaré. Para isso teria que recorrer, por exemplo, à antropologia cultural e a outras ciências sociais (ex: “Os evangelhos sinópticos e a cultura mediterrânea do século I”, de Bruce J. Malina e Richard L. Rohrbaugh).

A segunda tem a ver com ambiguidade do nome do autor: Joseph Ratzinger / Bento XVI. (Ver capa aqui). Muito tem sido escrito sobre isso. Eu preferiria que o livro fosse só de Joseph Ratzinger. Começou a escrevê-los ainda não era Papa. Tolentino Mendonça diz que “o Papa não perde a liberdade de expressão teológica” (caberia acrescentar que Ratzinger várias vezes a coarctou). Mas toda a gente valoriza de forma diferente o que é ou não do Papa. Quando se fala de Papa, queiramos ou não, há uma carga de fé, igreja e sagrado que vem atrás. É sabido que Joseph Ratzinger gostaria hoje de estar a ler e a escrever na tranquilidade da sua velhice sem ter de ser o vigário de Cristo na Terra. Ele próprio o disse no livro-entrevista “Luz do Mundo”. Se, embora sendo Papa, quer expor o que pensa de Jesus Cristo – quem é que, sendo crente, não se fascina por JC? –, eu preferiria que ele deixasse obras póstumas. Considero pouco salutar a figura do “Papa que em tempos mandou nos teólogos e continua a ser teólogo”. Gera subserviência. A teologia precisa de liberdade de expressão e de investigação.

Por último (espero voltar à questão quando pelo menos folhear o livro), a crer nos comentários, Joseph Ratzinger / Bento XVI não evita autojustificação do seu modo de ver e ser ao escrever a sua cristologia. As mulheres estão praticamente ausentes do livro – dizem. É só um exemplo. Mas não estavam ausentes da vida e missão de Jesus. E, com este Papa, continuarão ausentes do essencial da direcção da vida da Igreja neste pontificado (um exemplo, a leiga que está à frente da Cáritas Internacional, o cargo eclesial mais alto com uma mulher a desempenhá-lo, vai ser substituída num processo no mínimo trapalhão).

Também a Joseph Ratzinger / Bento XVI se aplicam as célebres palavras de Albert Schweitzer, em “The Quest of the Historical Jesus” (o original era em alemão, há sensivelmente 100 anos)?: 
“Todas as épocas sucessivas da teologia foram encontrando em Jesus as suas próprias ideias e só dessa maneira conseguiram dar-lhe vida. E não eram apenas as épocas que apareciam reflectidas nele; também cada pessoa o criava à imagem da sua própria personalidade. Não há, na realidade, empreendimento mais pessoal do que escrever uma vida de Jesus”.

4 comentários:

maria disse...

bem, este blogue torna-se a cada dia q passa, uma continuada surpresa. escusado será dizer que concordo com este comentário ao livro, sem o ter lido ou posto os olhos em cima, claro! ;)

Jorge Pires Ferreira disse...

Obrigado pelo seu comentário.

paulo disse...

Concordo plenamente com as 3 observações. A mais grave das quais é a primeira, pois não deveria haver dúvidas de que se trata de um texto de um teólogo e não do Papa. Ou é um texto papal?

Jorge Pires Ferreira disse...

Obrigado pelo seu comentário, Paulo. Há de facto ambiguidade. O próprios facto de vários bispos, pelo menos em Portugal, apresentarem o livro mais contribui para a ambiguidade. Um estudo sobre Jesus Cristo é sempre um trabalho teológico. Mas os bispos mobilizam-se porque é um livro do Papa - logo, não será facilmente discutível, como devem ser todas as obras de teologia...

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