O sacerdote basco José Antonio Pagola (Guipúzcoa, 1937), o já célebre autor de "Jesús, Aproximación histórica", mantém uma visão contemporânea e radical de Jesus Cristo. O número dois de José María Setién [bispo de 1979 a 2000] na diocese de San Sebastián vendeu 40 mil exemplares de seu livro em dois meses, antes que a Conferência Episcopal interferisse no assunto e a obra fosse retirada das livrarias eclesiásticas e diocesanas pela editora católica que a publicou. Em Portugal a obra está publicada na Gráfica de Coimbra 2 (“Jesus, uma abordagem histórica”), vendendo-se com um livrinho de 62 páginas, “suplemento”: “Uma explicação ao meu livro «Jesus, uma abordagem histórica”. A obra principal tem 552. A entrevista de Matías Vallés foi publicada no jornal “La Nueva España”, no dia 03 de Outubro de 2010. Copiei daqui. Original aqui.
Considera-se uma vítima?
Não. No meu livro apresento Jesus como conflitivo e perigoso. Agora comprovei na minha própria carne que ele o foi e o será sempre. Quando são conhecidas as suas palavras de fogo, a sua liberdade para defender as pessoas, o seu projecto de uma sociedade ao serviço dos últimos ou a sua crítica a uma religião vazia de compaixão, Jesus gera reacções encontradas de atracção ou de rejeição. Creio que, em boa parte, meu livro suscitou inquietação quando se captou que Jesus pode ser um desafio muito perigoso para a Igreja actual.
Jesus Cristo era mais homem do que Deus?
Provavelmente, ninguém exerceu um poder tão grande sobre os corações como Jesus, ninguém expressou como ele as inquietações e interrogações do ser humano, ninguém despertou tantas esperanças. Ainda hoje, quando as ideologias e religiões experimentam uma crise profunda, Jesus continua a alimentar a fé de milhões de homens e mulheres. Nós, cristãos, pensamos que Jesus é tão plenamente humano que não é como nós. Leonardo Boff dizia que “tão humano só pode ser Deus”. Para mim, Jesus é Deus, falando-nos, acompanhando-nos e salvando-nos a partir desse homem entranhável.
A nomeação de Munilla [José Ignacio Munilla Aguirre, 48 anos, nomeado bispo de San Sebastián em Novembro de 2009 ] é um desafio de Rouco [arcebispo de Madrid] à Igreja nacional basca?
É um erro analisar o que ocorreu em San Sebastián a partir de chaves exclusivamente políticas. Penso, ao contrário, que o que se vive em minha diocese é, sobretudo, um conflito eclesial que está a ocorrer também em outras partes, como consequência de um confronto entre dois modelos de Igreja ou duas sensibilidades sobre o conteúdo e o significado do Vaticano II ou sobre a missão da Igreja na sociedade secularizada. O lamentável é que, em geral, as nossas mútuas desqualificações não estão a conduzir-nos em direcção a uma Igreja mais fiel a Jesus e ao seu projecto.
Vai ler o livro de Hawking que nega a existência de Deus?
Não. Os trabalhos de Stephen Hawking sobre astronomia sempre me interessaram, mas não as suas conjecturas sobre Deus. Os especialistas no diálogo ciência-fé afirmam que nem as religiões podem provar a existência de Deus, nem a ciência a sua não existência. Parece que o homem moderno decidiu que o que o ser humano não pode provar cientificamente não existe.
Deus é necessário?
Deus não é necessário para ganhar dinheiro, adquirir poder ou conquistar bem-estar. Também não é necessário para nos dispensar do mal, do sofrimento ou das desgraças da vida. Deus serve, para nós, crentes, para enfrentarmos com uma luz, um estímulo e um horizonte novo a dureza da vida e o mistério da morte.
Gostaria de manter um debate aberto com Bento XVI sobre os conteúdos de seu livro?
Gostaria que, em Roma, fossem ouvidas as diversas correntes teológicas existentes no seio da Igreja – não só na Europa –, mas, principalmente. Alegrar-me-ia que a hierarquia liderasse um movimento de conversão a Jesus Cristo. Não há nada mais urgente.
Jesus tomaria as mesmas decisões que o Vaticano toma sobre a mulher?
Jesus critica uma sociedade patriarcal que estabelece o domínio e o poder do homem sobre a mulher. Essa actuação de Jesus está a exigir-nos hoje uma revisão profunda da situação injusta da mulher na Igreja e na sociedade, uma consciencialização mais viva da nossa infidelidade a Jesus e um processo valente de renovação para que a mulher possa desfrutar da sua dignidade, direitos e protagonismo.
Jesus acabou numa vala comum como os desaparecidos da Guerra Civil?
Não. Historicamente, é muito provável. Essa hipótese do norte-americano John Dominic Crossan não encontra apenas aceitação entre os especialistas.
Inclusive, seus críticos mais duros renderam-se diante do brilhante estilo literário de “Jesus”.
O que me enche de alegria é comprovar que muitas pessoas que lêem o meu livro sentem Jesus mais vivo e próximo, encontram um sentido diferente para a sua vida, desperta-se neles o desejo de uma vida mais humana. Encontram no meu livro algo que eu não coloquei.
Pensou alguma vez que ele se converteria num sucesso de vendas?
Nunca. Normalmente, o êxito de um livro mede-se nesta sociedade pelo número de exemplares vendidos. Eu não acho isso. De "O Código Da Vinci", de Dan Brown, foram vendidas milhões de cópias, mas eu considero-o um fracasso, pois não introduz verdade nem esperança, não nos aproxima do mistério de Jesus, não ajuda a viver de forma mais humana.
As contradições no discurso de Jesus abundam nos evangelhos?
Os evangelhos não são relatos biográficos redigidos para oferecer informação precisa de carácter histórico. São relatos em que, de forma variada e matizada por cada evangelista, se recolhe a memória de Jesus. Para nos aproximarmos do conteúdo histórico que eles conservam sobre Jesus é necessário contrastá-los, analisar os géneros literários que empregam, os procedimentos narrativos, o vocabulário próprio de cada evangelista, o contexto.
Jesus Cristo expulsaria os mercadores do Vaticano?
Não se deve esperar que Jesus volte. A partir dos milhões de famintos e desnutridos da terra, dos pobres esquecidos pelas religiões, das mulheres humilhadas em todos os povos, Jesus está a grita-nos agora mesmo, aos dirigentes do Vaticano e a todos os que nos dizemos cristãos, que expulsemos da Igreja riquezas, poderes, grandezas ou interesses que ocultam sua mensagem de esperança.
Pode-se seguir Jesus sem seguir sua Igreja?
Nestes momentos, eu não encontro outra forma melhor de seguir Jesus do que vivendo nesta Igreja, mas esforçando-me por me converter, eu mesmo, ao Evangelho, e trabalhando para fomentar nela um clima de conversão para Jesus.
A crise económica que tanto nos ocupa irá provocar um renascimento da espiritualidade?
Observo que o desejo de espiritualidade se desperta principalmente em pessoas que experimentam com força o vazio existencial, o sem sentido de sua vida, a saturação de bem-estar. Não é fácil viver uma vida que não aponta para nenhuma meta.
O que um não crente pode obter com a leitura de seu livro?
Recebi muitas centenas de cartas e escritos de leitores não crentes. A maioria me diz que se encontrou com um Jesus que nem sequer suspeitavam; alguns sentiram-se chamados a repropor a sua vida com mais verdade e honestidade; muitos sentiram-se libertos de medos e fantasmas religiosos que lhes fizeram sofrer muito apesar de se terem distanciado da Igreja; muitos ficam comovidos com um Deus amigo que ama com amor incrível e imerecido a todos os seus filhos. Alguns dizem: “Oxalá que esse Deus exista”. Muitos animam-se a trabalhar por um mundo mais humano e justo.
1 comentário:
muito, muito interessante.
abraço
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