A ilusão papal do corporativismo
Por detrás de cada encíclica há quase sempre um teólogo que não o Papa. No caso da QA, foi Oswald von Nell-Breuning, padre jesuíta, que aos 80 anos (tinha 41 anos em 1931) contou que Pio XI escreveu apenas os parágrafos 90-96, dando-lhe autoridade para decidir sobre a sua inclusão ou não. O professor de ética alemão viria a lamentar ter incluído essas linhas, dado que, junto da opinião pública, a encíclica ficou demasiado ligada ao estado corporativo de Mussolini [e da ditadura portuguesa], apesar de o ditador italiano ter reagido desfavoravelmente ao documento, “soltando a ira contra as organizações italianas da juventude católica”, como relata M. Novak.
Mas, de que falam os parágrafos 90-96? Pio XI defende o sistema corporativista, que junta “representantes dos sindicados, dos operários, e dos patrões pertencentes à mesma actividade ou profissão”, e, “como verdadeiros e próprios órgãos e instituições do Estado, dirigem e coordenam os sindicatos nas coisas de interesse comum”. Na prática significava o fim do sindicalismo livre e da livre (e saudável) concorrência entre empresas, algo em contradição com a liberdade de associação e de iniciativa que o pensamento social da Igreja sempre defendeu.
O primeiro Papa polaco
Se não fosse a Polónia, Ambrogio Achille Ratti não teria sido Papa. Nascido em 1857, perto de Milão, Achille Ratti foi professor num seminário de Milão, depois de três doutoramentos. Passados uns anos, é nomeado vice-prefeito da Biblioteca do Vaticano e começa a publicar monografias históricas, uma delas sobre a Igreja da Polónia. Ora, quando a Polónia recupera a independência, em 1918, a Igreja não tinha nenhum especialista em assuntos polacos no corpo diplomático. Alguém se lembra de Ratti, que rapidamente é ordenado bispo e enviado para Varsóvia. Em 1921, Bento XV nomeia-o cardeal arcebispo de Milão. No dia 6 de Janeiro de 1922, sucede a Bento XV com o nome de Pio XI.
O uso da expressão “DSI”
É partir de Pio XI que se usa a “doutrina social da Igreja”. Na QA aparecem expressões como “doutrina social e económica” [de Leão XIII] e “doutrina tradicional da Igreja”. A partir destas expressões surge "DSI". No entanto, a expressão só adquiriu grande relevo com João Paulo II. Outros termos foram usados para o conjunto de pronunciamentos papais sobre as questões sócio-económicas: Doutrina Social Católica, Doutrina Social dos Papas, Ensinamento Social da Igreja, Filosofia Cristã, Práxis Cristã, ou até Doutrina Leonina, pelo pioneirismo de Leão XIII…